sexta-feira, 29 de abril de 2011

MINEIRO: OS SENTIDOS DE UMA CANDIDATURA

Cresce no interior do PT a pré-candidatura a prefeito de Natal do Deputado Fernando Mineiro. A movimentação nos bastidores petistas parece indicar o abandono da fantasia de uma candidatura única da base dilmista. É uma situação singular. O PT natalense, desidratado em 2008, poderá, dependendo da arrumação das peças, a voltar a ter algum peso na capital do Rio Grande do Norte.

O desastre administrativo da Prefeita Micarla de Sousa (PV) redefiniu o cenário no qual se desenrolará a eleição municipal em 2012. Todos os agrupamentos políticos estão sentindo que não podem ficar de fora da disputa. Temos pré-candidaturas aos montes. Na base do Governo Rosalba (DEM), Fábio Faria (PMN) e Felipe Maia (DEM) movimentam as suas peças. Do outro lado do oásis governista, Vilma de Faria (PSB), mesmo que sem a garra e os apoios de antes, tentará se recuperar do revés de 2010, quando, após oito anos como governadora, foi derrotada na corrida para uma das vagas ao Senado. E tem Carlos Eduardo Alves (PDT), ex-prefeito, bem avaliado nas sondagens eleitorais. Rogério Marinho (PSDB) e Wolber Jr. (PPS) também podem entrar na disputa. Não se pode excluir a candidatura da Prefeita Micarla de Sousa (PV), que terá a obrigação moral de entrar na disputa para defender a sua gestão.

Diante dessa balcanização (de Bálcãs, ok?), o que o PT poderá fazer? Entrar como força auxiliar de Carlos Eduardo ou Vilma? Para quê? Tentar costurar uma insustentável candidatura única da base dilmista no RN? Se esse caminho já era non sense em 2008... A repetição do “acórdão” em 2012 não seria uma farsa tragicômica. Além do mais, Fernando Lucena, o único vereador da legenda (a decisão desta semana do STF, muito corretamente, vai lhe devolver o mandato), não tem vocação para kamikaze. Em nome de que valores iria o nobre edil cometer dois haraquiris políticos?

Com a oposição lambendo as feridas de uma derrota que é mais política do que eleitoral, a base rosalbista anda com tanta confiança e com salto tão alto que sonha com um cenário no qual, em um primeiro turno, dois dos seus peões (Fábio Faria e Felipe Maia) desfilarão para a avaliação do distinto público. Trata-se de uma disputa surda por espaço. Em jogo, sabem até as pedras palacianas, está a posição que cada sub-grupo terá na disputa de 2014. O controle da prefeitura da cidade do Natal ajuntaria um capital excepcionalmente grande a um deles e o guindaria à condição de timoneiro da reeleição de Rosalba. Não é algo meio delirante se falar, no início de 2011, a respeito da eleição de 2014? Pois sim! No mundinho da disputa política, ao contrário do nosso, os marcadores temporais são as eleições... e o controle das máquinas que elas representam.

Nesse cenário, o que o PT pode fazer? Pode, caso não queira se apequenar na condição de coadjuvante de uma força política em fase outonal, construir uma candidatura que, encimada por um conjunto de proposições políticas substantivas, busque acordar (e estabelecer uma diálogo franco) setores fundamentais da vida social local. Para tanto, sem maniqueísmo e sem o oba-oba da ação política dominada pelo marketing e seus slogans fáceis, abordar, desde já, um conjunto de temáticas centrais para a vida urbana na “Cidade do Sol”.

Esse não é um caminho fácil. Nos dias que correm, o PT do RN distanciou-se de muitos daqueles que não apenas seguravam as sua bandeiras, mas também queimavam pestanas tentando formular desconsiderados “planos de governo”. O amesquinhamento da vida política partidária afastou muitos dos que tem olfato mais sensível, isso é verdade. Em conseqüência, para re-articular uma base, a partir de agora, para dar sentido a uma candidatura, o PT deve calçar as sandálias da humildade, respirar fundo e buscar, sob perspectiva distinta daquela afirmada sempre por sua trajetória instrumentalizadora, buscar terrenos sociais para lançar suas âncoras.

Um primeiro passo é desenvolver todo um esforço para construir proposições técnicas embasadas politicamente (dado que fruto de conversações com os atores políticos da cidade) sobre as dimensões urbanas afetas a uma gestão municipal qualificada. E isso tem que ser construído a partir de formulações que deverão se apresentar desde já. O porta-voz dessa política deverá realizar, em um primeiro momento, um trabalho intenso de escuta (mais do que fala). Ao mesmo tempo, deverá sinalizar algumas possíveis saídas para alguns dos dilemas maiores que afetam a vida dos natalenses hoje e que tendem a se agravar em um futuro próximo.

O cenário está longe de ser ideal, convenhamos. As gestões locais nas capitais, pelo país afora, estão bem mal avaliadas. Há algo de fundo que necessita uma análise mais substancial, mas, pode-se especular, essa percepção negativa dos prefeitos está relacionada com o agravamento da crise urbana brasileira. Paradoxalmente, o crescimento econômico dos últimos anos ao invés de amainar aprofundou e explicitou alguns dos nossos problemas estruturais. Do saneamento básico à mobilidade urbana passando pela saúde e a educação. Prefeito de capital mal avaliado é o que não falta. E com uma amplitude partidária que vai da petista Luiziane Lins ao ex-demista Kassab.

O Deputado Fernando Mineiro está qualificado para desempenhar essa difícil missão. Para conseguir enfrentá-la, entretanto, necessitará de uma base de apoio interna sólida. Essa não é uma tarefa individual, fique claro. O PT, engolfado nas suas disputas, conseguirá dar sentido a esse projeto? Não sei! Para ser sincero, eu não aposto todas as minhas fichas nessa jogada...

Mas, aí é que está o nó, hoje, para o PT, construir essa candidatura é o caminho para não ser alijado da disputa política real.

A candidatura de Fernando Mineiro à prefeitura da Cidade do Natal já tem um sentido, aquele que é dado pela trajetória desse ator político. Precisa de outros sentidos. O PT local, caso se oxigene com a vida que pulsa sob o aparente adormecimento das forças sociais da capital do RN, poderá fornecer outros. E esses sentidos, como os nós de uma grande rede, poderão redefinir uma história política que, como um enredo de Gabriel Garcia Marquez, parece condenar os natalenses a não terem uma segunda chance.

Afropress

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Após tudo...

A cama desarrumada, após tudo, é, dependendo da situação, algo a ser recordado. Até em uma foto. Afinal de contas, boas noites, aquelas singulares, são para serem lembradas. É o que deve ter pensado Sally Gall, autora da obra abaixo.


Residue of Dream 1997 (fonte Le Clown lyrique)

A sociologia da educação e a globalização

O artigo abaixo, publicado no último número da revista EDUCAÇÃO & SOCIEDADE, merece a atenção de todos quantos se preocupam com o ensino de sociologia.

A sociologia da educação e o Estado após a globalização*

Roger Dale

Professor da Universidade de Bristol (ESRC LLAKES Centre). E-mail: r.dale@bristol.ac.uk

Minha meta aqui é examinar tanto a relação entre a globalização e o Estado quanto à relação entre a globalização e a sociologia da educação. Sendo a primeira claramente mais importante, quero propor que os modos como a entendemos estão vinculados às ferramentas teóricas e metodológicas que usamos para chegar a tal compreensão. A questão fundamental é saber se a globalização representa "alguma coisa nova, distinta e diferente", uma quebra ou ruptura com o que veio antes, ou se se trata de uma continuidade, embora com diferenças bem drásticas em relação ao que conhecíamos antes. Para tratar essa questão, vou revisitar o meu livro The State and education policy (O Estado e as políticas educacionais), publicado 20 anos atrás (Dale, 1989), indagando o quanto a abordagem então adotada ainda é válida nas atuais circunstâncias, alteradas pela globalização, e que mudanças poderiam ser necessárias para ajudar o nosso entendimento sobre a relação entre globalização e educação.

Em The State and education policy, a essência do argumento era que o capitalismo não conseguia providenciar suas condições de existência extraeconômicas com os próprios recursos e, portanto, precisava do Estado para isso. Mais particularmente, enfrentava três "problemas centrais": garantir uma infraestrutura para a acumulação contínua e o desenvolvimento econômico, tal como a disponibilização de uma mão de obra diversamente qualificada; assegurar um nível de ordem e coesão sociais; legitimar as desigualdades inerentes ao sistema. Sempre argumentei que as soluções para esses problemas eram, provavelmente, tão mutuamente contraditórias quanto complementares (a maneira como os estudantes são separados em função das suas habilidades [streaming] é um bom exemplo disso: alega-se que melhora a identificação e o desenvolvimento da força acadêmica e, assim, contribui para o objetivo de acumulação, mas, ao mesmo tempo, é amplamente considerada como injusta e, portanto, como uma ameaça contra o objetivo de legitimação) e que as tentativas para resolver essas contradições constituem o fulcro das políticas educacionais. Essencialmente, esses problemas podem ser vistos como definindo os limites do possível para os sistemas educacionais, não no sentido de que exigem currículos particulares (o capitalismo mostrou que pode muito bem conviver com um leque de diferentes preferências e movimentos sociais, como o feminismo, por exemplo, e com uma ampla gama de sistemas educacionais distintos), mas no sentido de que estipulam o que não é do interesse do capital. Esses limites são dificilmente previsíveis e costumam ser reconhecidos apenas quando são rompidos, mas a sua realidade é reforçada pela crescente mobilidade do capital, a qual permite mudar rapidamente de regime educativo, caso se considere que este não oferece apoio suficiente.

Começarei afirmando que, na sociologia da educação, a maioria das respostas à globalização adota abordagens que veem uma "continuidade", não uma "ruptura". Nelas, a globalização é considerada como mais um efeito externo, possivelmente mais expressivo, sobre os sistemas educacionais nacionais. Existem dois problemas importantes com essas abordagens. Primeiro, o status explicativo da "globalização" lembra o do "fordismo", por exemplo, quando nos perguntávamos que mudanças acarretara para as escolas. Além do mais, existe, nessas abordagens, uma tendência a teorizar a globalização de modo muito frouxo, pois não faz distinções entre a sua representação como discurso: "é tudo globalização"; como processo (e geralmente como processo sem agente); como situação, como a "Mcdonaldização"; como convergência envolvente (mesmo se convergência do que e em que período é raramente especificado); ou, muito menos, como processo político, impulsionado por interesses particulares.

O segundo problema é o foco principal, nesses trabalhos, sobre os "efeitos" da globalização nos sistemas educacionais e nas escolas nacionais internas. Esta é obviamente uma questão importante, mas que, de modo algum, esgota as possibilidades da relação entre globalização e educação. Poderia, por exemplo, ser tomada como algo que implica uma relação exclusivamente "de cima para baixo" ou unidirecional entre a globalização e os Estados-nações. Contudo, esta não é, sem dúvida alguma, a única forma de relação; desvia, por exemplo, a atenção da possibilidade de efeitos em níveis outros que não o nacional (o que é estranho para uma abordagem intrinsecamente extranacional). Além disso, os próprios Estados (pelo menos os ocidentais), longe de serem vítimas mais ou menos indefesas da globalização, estão entre seus agentes mais fortes e são participantes condescendentes e conscientes ou parceiros na relação com os outros agentes da globalização (especialmente outros Estados, com os quais celebram acordos que a impulsionam). Além disso, existem outros quatro argumentos a respeito das questões teóricas e metodológicas envolvidas na abordagem "efeitos sobre". Primeiro, os próprios "efeitos" são muito mais amplos do que se costuma pensar. Em essência, limitam-se à primeira dimensão de poder de Lukes e influenciam as decisões a serem tomadas, tendo muito pouco a dizer sobre poder de agenda ou formação da preferência. Segundo, pode-se esperar que qualquer "efeito" seja diferente em Estados diferentes, e seja interpretado de acordo tanto com a concepção do supranacional vigente quanto com as próprias interpretações das agendas estabelecidas naquele nível; em outras palavras, o "nacional" e o "supranacional" devem ser problematizados. Terceiro, a relação entre escalas não se limita a "efeitos" de uma sobre a outra, mas pode mais efetivamente ser abordada como uma divisão de trabalho funcional, escalar e setorial (ver a seguir). E quarto: a abordagem tende a levar a tentativas de quantificação dos efeitos da globalização. De novo, nada há de errado nisso, mas, como sabemos, existe uma tendência, nessas abordagens, a ignorar qualquer coisa que não se possa quantificar.

A base do argumento da "ruptura" pode ser formulada muito brevemente: o estado atual da educação, como de outras instituições da modernidade, é fundamentalmente um reflexo de e uma resposta à natureza variável da relação entre capitalismo e modernidade. Ao desenvolver o argumento fundamental, sigo Boaventura de Sousa Santos, pois sugiro ser crucial, para entender os atuais predicamentos globais, distinguir as trajetórias do capitalismo (que se apresentam atualmente na forma da globalização neoliberal) e da modernidade e examinar as relações entre ambas. Como diz Santos,

A modernidade ocidental e o capitalismo são dois processos históricos diferentes e autônomos... [que] converteram-se e entrecruzaram-se (...). Estamos vivendo um momento de transição paradigmática e, consequentemente, o paradigma sociocultural da modernidade (...) desaparecerá provavelmente antes de o capitalismo perder a sua posição dominante (...). Esse desaparecimento (...) é simultaneamente um processo de superação e um processo de obsolescência. É superação na medida em que a modernidade cumpriu algumas das suas promessas, nalguns casos até em excesso. É obsolescência na medida em que a modernidade já não consegue cumprir outras das suas promessas. (2002, p. 1-2)

E continua o autor: "A modernidade baseia-se em uma tensão dinâmica entre o pilar da regulação (o qual garante a ordem numa sociedade existente em um determinado momento e lugar) e o da emancipação: a aspiração por uma boa ordem em uma boa sociedade, no futuro" (idem, p. 2). A regulação moderna é "o conjunto de normas, instituições e práticas que garante a estabilidade das expectativas" (ibid.); o pilar de regulação é constituído pelos princípios do Estado, o mercado e a comunidade (tipicamente considerados como os três agentes-chave da governança (ver Dale, 1997). A emancipação moderna é o "conjunto de aspirações e tendências opositivas que visam aumentar a discrepância entre as experiências e as expectativas" (ibid.). É constituída por "três lógicas de racionalidade (...): a racionalidade estético-expressiva da arte e da literatura; a racionalidade moral-prática da ética e do direito; e a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica" (p. 3). Contudo,

(...) o que caracteriza mais fortemente a condição sociocultural no início do século é o colapso do pilar da emancipação no pilar da regulação, fruto da gestão reconstrutiva dos excessos e dos déficits da modernidade, que (...) foram considerados (...) como deficiências temporárias, qualquer deles resolúvel através de uma maior e melhor utilização dos crescentes recursos materiais, intelectuais e institucionais da modernidade (...) [e] que tem sido confiada à ciência moderna e, em segundo lugar, ao direito moderno. (p. 4-5, 7)

Além do mais, esses dois pilares, hoje em dia, deixaram de estar em tensão e estão quase fundidos, como resultado da "redução da emancipação moderna à racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e a redução da regulação moderna ao princípio do mercado" (p. 9). Podemos resumir esses argumentos propondo que significam que a modernidade não é mais o melhor invólucro possível para o capitalismo, em sua forma neoliberal global.

Além do mais, e igualmente crucial para o Estado, temos o desenvolvimento da forma política do neoliberalismo, geralmente chamada de Nova Gestão Pública, que tem como uma das suas características-chave o fato de, em conformidade com o neoliberalismo, não funcionar contra o Estado, mas através dele. Isso foi chamado de constitucionalização do neoliberal, por meio do "movimento para construir dispositivos legais ou constitucionais que ocultem ou isolem consideravelmente as novas instituições econômicas do exame popular minucioso ou da responsabilidade democrática" (Gill, 1992, p. 165).

LEIA O ARTIGO COMPLETO AQUI.

A sociologia reflexiva

Confira no sempre muito bom QUE CAZZO É ESSE? o artigo intitulado A sociologia reflexiva como ferramenta de autotransformação: Pierre Bourdieu e a política da vida. Gabriel Peters é o autor. Você vai gostar, eu garanto.

Cada casamento...

A guerra civil no tucanato

O Alon acompanha com distanciamento crítico, e análise geralmente bem humorada, os meandros da política nacional. Lê-lo é sempre muito bom. Confira abaixo artigo sobre os desarranjos tucanos.

Músicos de Titanic
(29/04)
Alon Feuerwerker


Enquanto corre a suave melodia, a maior preocupação dos passageiros da nau tucana perece ser arrumar lugar em algum bote salva-vidas

A guerra civil no PSDB é o resultado da tensão entre a necessidade da ruptura e a ausência de mecanismos minimamente democráticos para fazer esse ajuste de contas pela via pacífica.

A ruptura parece necessária porque as três últimas eleições presidenciais evidenciaram o limite da ação política dos tucanos.

O partido vem sofrendo derrotas consecutivas por uma razão singela: a maioria da população brasileira tem hoje reservas à passagem do PSDB pelo Palácio do Planalto.

Nas duas eleições mais recentes, ficou evidente também que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva deixa bem para trás o de Fernando Henrique Cardoso no juízo do eleitor. Não se trata aqui de discutir justiças e injustiças. São os fatos da vida.

Ainda que de vez em quando ressurja a tese fantástica de que o eleitor avalia mal o governo FHC porque não lhe explicaram suficientemente como foi bom.

A "necessidade de resgatar a herança de FHC" é um fraseado encontradiço nas lutas internas do PSDB, mas a vida prática tem sido diferente.

O ex-presidente não se dispõe a lutar por um mandato. E os candidatos majoritários do PSDB -inclusive quem no interregno canta as glórias do período de 1995 a 2002- ignoram-no quando chega a hora de pedir voto ao povão.

O maior problema do PSDB não é a luta de facções. É ela transcorrer sem que o distinto público consiga enxergar uma mísera ideia quando
olha para os embates.

Pois o eleitor não tem a legenda em baixo conceito, tanto que lhe deu o comando de vários estados. Só não está convencido de que deve
reconduzi-la a Brasília.

O único esboço de ideia até agora veio do próprio FHC, no já célebre (ainda que não pelas razões planejadas) texto na revista Interesse
Nacional. Mas a FHC e a seu artigo parecem estar reservando o papel de músicos de convés de Titanic.

Enquanto corre a suave melodia, a maior preocupação dos passageiros da nau tucana perece ser arrumar lugar em algum bote salva-vidas.

É possível que o PSDB sobreviva bem, quantitativamente. Tem capital político, e uma hora a carnificina vai acabar.

O problema do PSDB é outro. A ausência de massa crítica programática arrasta-o para a vala comum aos partidos brasileiros: além de desejarem o poder, não se sabe bem para que mais servem.

Por esse caminho, o PSDB ameaça abrir espaço para a despolarização da nossa política, dominada nas duas últimas décadas pela dualidade tucano-petista. A tese de que a política tem horror ao vácuo continua valendo.

Despolarização que pode vir a ser também um incômodo para o PT. Bem ou mal, o partido de Lula terá emplacado em 2014 doze anos de poder federal com base num argumento poderoso. Ou você vota no PT ou vai ter a volta ao passado.

O mundo organizado dessa maneira é conveniente para o PT, pois, seguidamente, três em cinco eleitores demonstram preferir a primeira
opção.

Mas, e se a alternativa não puder ser caracterizada dessa maneira?

Um mundo bipolar é sempre mais simples de administrar. Que o digam os Estados Unidos. Venceram e comemoraram a vitória na Guerra Fria, apenas para contratar depois que manter a hegemonia na nova situação tinha se tornado tarefa bem mais complexa.

O que ele diria

O que impede um aeroporto estatal de alcançar eficiência e rentabilidade? Só a deficiência de planejamento e gestão.

Aeroporto não enfrenta concorrência, é monopólio. E de consumo obrigatório. Se um aeroporto é ruim, isso não vai levar o passageiro a
descer em outra cidade e percorrer a distância adicional, digamos, de ônibus.

Então é planejar e executar. Mas parece que não foi feito.

Por que não foi feito é um mistério. O PT está no governo há quase uma década, já se sabe há muito tempo que o Brasil vai sediar uma Copa do Mundo, mas só agora o Planalto decidiu mexer-se.

Deixou a situação chegar ao ponto crítico para depois agir. Esperou um contexto em que a sociedade lhe daria quase carta branca para resolver o impasse.

Se o PT estivesse na oposição certamente acusaria o governo de ter sucateado os aeroportos para entregá-los a preço de banana aos
capitalistas privados.

Ou até de graça, conforme a coisa for feita.

É o que o PT diria.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta sexta (29) no Correio Braziliense.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Tá complicado...

Uma semana daquelas... Díficil postar algo... Tem dias assim, não é? Ou será a velhice chegando?

Mas, como diria poeta (poetaço, no caso), "são tão fortes as coisas, mas eu não sou as coisas...". Logo, logo, voltarei.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Política, leveza e ser em um blog...

A Professora Ilza Leão se tornou blogueira. Estamos em boa companhia. O seu blog é muito legal. E tem, como se diz em Apodi, "de um tudo": política, yoga, comentários críticos sobre a cidade e um pouquinho mais. Confira! Clique aqui.

Llosa X kirschnerismo

Caso se interesse pela peleja entre o grande escritor e o grupo político dominante na Argentina, você pode ler uma análise do ponto de vista do kirchnerismo no jornal PÁGINA 12. Clique aqui e confira.

Mário Vargas Llosa derrota o kirchnerismo...na Argentina

O Kischnerismo oscila entre uma centro-esquerda moderna e o populismo autoritário. Foi assim com o falecido Néstor Kirscher, o iniciador da "tradição", e tem sido assim no atual mandato da Presidente Cristina. Tudo se passa como se uma ponte ligasse a atual Argentina ao norte do continente, mais precisamente à Venezuela.

Por isso, creio eu, vale a pena analisar o entrevero entre o Prêmio Nobel de Literatura Mário Vargas Llosa e um dos lugares-tenentes do kischnerismo. Confira na matéria abaixo, publicada no TERRA MAGAZINE.


Os Kirchneristas e o escrivinhador
Carol Pires
De Buenos Aires


Minha primeira Feira Internacional do Livro em Buenos Aires - a 37ª da cidade - já se pronunciava interessante o suficiente por ter o Nobel de Literatura 2010, Mario Vargas Llosa, na abertura. Mas os políticos argentinos, e seu habitual drama para lidar com tudo e todos, deixaram minha expectativa ainda mais palpitante.

Para quem não acompanhou a polêmica envolvendo o governo argentino e o autor de "Travessuras de Menina Má" e "Pantaleão e as Visitadoras", relembro aqui:

O entrevero foi detonado por Horácio González, diretor da Biblioteca Nacional (cargo outrora ocupado pelo escritor Jorge Luís Borges).

Em carta à organização da feira, definiu o convite a Mario Vargas Llosa para fazer a primeira conferência da festa literária como inoportuno; chamou o escritor peruano de messiânico autoritário; e pediu a substituição dele por um escritor argentino, porque o peruano não era "adpeto à corrente de ideias que abriga a sociedade argentina".

Llosa é um crítico árduo e contumaz ao peronismo e à gestão do casal Kirchner, a qual considera "um desastre total". Daí o rancor de Horácio González e dos demais governistas que o apoiaram.

Mas a tentativa dele de censurar Vargas Llosa fracassou. E não só a presença de Vargas Llosa foi mantida, como a venda dos seus livros aumentou nas livrarias portenhas. E o escritor pôde compilar alguns motivos a mais pelos quais falar mal dos kirchneristas.

"Que tipo de Argentina querem os intelectuais kirchneristas? Uma nova Cuba, onde, de fato, os liberais e democratas não podem jamais dar uma conferência, nem participar de um debate, e onde só têm a palavra os escritores a serviço do governo?", questionou, em artigo publicado no jornal El País. Llosa já teve livros seus censurados pela ditadura argentina nos anos 1970.

Llosa continua, no El País: "O Peronismo, apesar de ter impulsionado alguns progressos de ordem social e sindical, feitos os cálculos, contribuiu da maneira decisiva para a decadência econômica e cultural do único país da América Latina que chegou a ser um país de primeiro mundo".

No mesmo dia da divulgação da carta de Horácio González, Mario Vargas Llosa declarou a jornais que mantinha sua ida à Feira do Livro de Buenos Aires. E o eco dos demais intelectuais e políticos governistas acabou aplacado pela presidente Cristina Kirchner, que forçou González a baixar o tom das críticas.

Vargas Llosa - pelo Nobel, pela abertura da Feira do Livro e pela sua tentativa de censura - já vinha sendo seguido com atenção pela imprensa argentina. Mas, nos últimos dias, ele voltou ao alto das páginas com suas árduas críticas. Desta vez, ao Peru.

Com a proximidade do primeiro turno da eleição presidencial, que ocorreu no último dia 10, ele havia dito que seria "verdadeiramente uma catástrofe para o Peru" um possível segundo turno entre o esquerdista Ollanta Humala e populista de direita Keiko Fujimori, filha de Alberto Fujimori, contra quem disputou - e perdeu - a presidência do país em 1990.

A disputa entre os dois no segundo turno foi confirmada, e o Nobel foi ainda mais cáustico: "É como escolher entre Aids e câncer terminal".

Somado o desgosto com a política do próprio país, é de se esperar que Mario Vargas Llosa chegue ainda mais impetuoso a Buenos Aires. Ao jornalista espanhol Juan Cruz Ruiz, o escritor disse que não pretendia falar de política na abertura de um evento literário, mas que, agora, o cenário é outro:

"Agora eles (intelectuais que criticaram sua escolha para a Feira do Livro) criaram uma situação muito difícil, porque seria uma terrível fraude se eu não falasse sobre as minhas opiniões e minhas ideias quando queriam me proibir que as fizesse. É uma questão de dignidade, coerência".

A organização da feira montou até um plano operacional - não divulgado, claro - para a chegada e saída de Mario Vargas Llosa ao evento. Tudo para evitar um possível alvoroço dos seus desafetos esquerdistas, que o escritor apelidou de "piqueteiros intelectuais".

A 37ª Feira Internacional do Livro de Buenos Aires começa dia 20 de abril e segue até 9 de maio. Vargas Llosa falará ao público no dia 21, às 18h30.



Carol Pires é jornalista. Foi repórter do Estadão, iG, e Blog do Noblat. Hoje mora em Buenos Aires.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O racismo no Peru

A crônica abaixo merece leitura e reflexão. A face do racismo na dita América Espanhola é tão muito pouco tematizada. Deveria ser mais. Muito mais.


Lima, como no hay otra: chola, plebeya, racista
Javier Lizarzaburu – EL COMERCIO


“El plebeyo” más que un vals parece un himno. Un himno a la igualdad y a lo que duele ser considerado inferior en tu propio país. Cuando Felipe Pinglo Alva la compuso allá por 1930 en su casa del jirón Junín, en Barrios Altos, Lima apenas superaba los 300.000 habitantes. En esa época a nadie se lo llamaba ‘cholo’. No existía el término. Y quizá por esa falta de vocabulario llamó ‘plebeyo’ a su canción. Ochenta años después tenemos muchas más palabras para llamarnos entre nosotros, pero parecería que no hemos avanzado mucho en ese campo.

El reciente proceso electoral nos recordó que los limeños no solo podemos ser encantadores, jaraneros y hospitalarios. También guardamos una fuerte dosis de odios internos que estamos dispuestos a expulsar cuando creemos que las condiciones así lo ameritan. Ese es otro aspecto de la ciudad. Somos racistas. Pero también están los otros. Jóvenes y adultos, que caminan en la dirección opuesta. Como Rodolfo Pérez, un blanquiñoso de 26 años, del Carmelitas, que estudió Derecho en la Universidad de Lima y que justo hace unos días se recibió de abogado…

DE LO QUE NO SE HABLA
“Yo tengo una relación de amor y odio con Lima, como la tienen muchos limeños. Aquí hay cosas excelentes como la pluralidad de las expresiones de la gente o la imaginación popular. En Lima siempre pasa algo nuevo. Pero también es una ciudad desordenada y violenta. Y esta violencia puede dar pie a situaciones de abuso, como el racismo.

De eso la gente no habla mucho porque siempre te terminas peleando, como cuando hablas de política o religión. Pero es bueno expresar tu punto de vista y defenderlo. Me gusta correr y cuando lo hago corro con mi polo antirracista.

Para mí el racismo es propio de sociedades autoritarias y violentas. El tema entre nosotros es interno, porque si viene alguien de fuera no lo discriminan, como sí pasa en otros países. La discriminación es entre nosotros mismos y lo tenemos que resolver nosotros mismos, porque viene de una dinámica social de 500 años.

“MEJOR SIN ELLOS”
Un incidente que recuerdo pasó cuando tenía unos 16 años y con mis amigos habíamos ido a Naplo. En un momento, todos, absolutamente todos mis amigos, se pusieron a burlarse de la gente que se bañaba al costado, porque esa playa es pública. Éramos de 12 a 14 personas.

Se burlaban de cómo estaba vestida la gente, de sus rasgos físicos, de lo que hacían, de todo, y acompañado por comentarios del tipo: ‘Mira esos cholos, no deberían estar acá’. Y de repente eso hizo un clic para mí. El mensaje siempre es ‘estaríamos mejor sin ellos’. En la universidad esto era más obvio por los grupos de gente que se juntaban. A menos que tuvieras plata, porque la plata te blanquea. Tú lo veías en la formación de grupos. Para la gente blanca, limeña, como que el andino es un estorbo para su sociedad perfecta.

No soy caviar porque soy de la de Lima. En la de Lima no hay caviares. Acá la cosa es puramente empresarial. Incluso el único curso en derechos humanos fue eliminado. Para mí, es cuestión de convicción personal. En el 2004 tomé contacto con la Mesa contra el Racismo. Tenía 19 años.

CONVICCIONES Y FúTBOL
De esa experiencia me siento contento de haber contribuido a elaborar “El manual de racismo para jóvenes”. Para mí eso significó una contribución importante. Una campaña muy exitosa fue la de la Empleada Audaz, en el verano del 2007, en las playas de Asia. Tuvo bastante jale entre gente joven y mucho apoyo de los medios.

Es verdad también que la migración cambió radicalmente el panorama racial de la ciudad. Además, la economía de mercado ha permitido que mucha más gente pueda crecer económicamente. A pesar de sus problemas, ahora hay una convivencia más inclusiva en la ciudad. Pero con estas elecciones nos hemos dado cuenta de que el racismo sigue siendo un problema muy difícil de superar para los peruanos.

Es penoso que exista, pero es positivo discutirlo. Saber que está ahí. Porque el racismo mientras más lo haces evidente, más puedes reflexionar sobre eso y más puedes cambiar. Además la gente más joven quiere relaciones horizontales. Pretender que una raza se imponga sobre otra es una locura a todo nivel. No es ni siquiera pragmático. No nos beneficia en nada y nos atrasa. No hace que nuestro modelo económico sea sustentable.

Cuando uno ve a la selección peruana de fútbol vienen jugadores de diferentes países, de diferentes razas, pero todos aportan al mismo objetivo, que es ganar. Todos son importantes en su posición, sin importar su color o su origen. Y todos alientan a la selección por igual. Así debería ser nuestra actitud. Ponernos la camiseta y no andar diciendo que tú eres así, tú eres asá. Porque esas divisiones no llegan a nada. Es más, cuando el grupo está divido fracasan, no se llega al Mundial y terminamos últimos

Racismo eleitoral

Jí vimos e vivemos esse filme. Uma candidatura que não é das graças do status quo se viabiliza eleitoralmente e aí os piores instintos se manifestam. Da parte de uma pseudo-elite. Antenada com o mundo, essa elite não aceita que o zé povinho escolha outra coisa que o caminho natural, guiado pelas excelências bem formadas no mainstream econônomico dominante. Aí, sabemos todos, começam os ataques racistas. Contra nordestinos, aqui; contra a população indígena, no Peru.

O que Dilma purgou, agora paga o preço o primeiro colocado do primeiro turno da corrida presidencial peruana, o Ollanta Humala. O grito de guerra da classe média limenha contra os cholos, repeteco de outros que ouvimos acá, já começa a alcançar decibéis acima do normal.

Mas há gente se mobilizando contra o racismo. Ainda bem!


Leonardo Padura

Já postei alguma coisa aqui sobre esse grande escritor cubano. Acho que comentei um ótimo livro, ainda não traduzido para o português, intitulado "El Hombre que amaba los perros". Trata-se de uma romance, criativo e original, sobre a vida do assassino de Trostky, Ramon Mercarder.

Bueno, eis que encontro o meu amigo Olavo Queiroz e ele me fala deste texto. Ela já havia me enviado antes, mas, atabalhoada em mil coisas, esqueci-me de ler com atenção. Não apenas li o texto, mas, bacana que sou, divido-o com vocês. Confiram abaixo!

18/08/2010 - 11h08

Especulações cubanas



Por Leonardo Padura



Um dos exercícios mais complicados e ingratos ao qual são obrigados a recorrer os jornalistas e especialistas em assuntos de política e economia cubanas é o de fazer previsões sobre as razões que estão por trás – ou sob – o que acontece ou acontecerá no país. Contudo, não parece que a tarefa desagrade: melhor dizer que de alguma forma desfrutam esta prática délfica de supor, a partir do pouco visível, qual é o resto invisível ou simplesmente imprevisível da densa e silenciada política econômica e social da ilha do Caribe, cuja realidade não deixa de atrair a imprensa internacional.

Os mais recentes acontecimentos ocorridos em Cuba – digamos, a partir do anúncio da liberação de 52 prisioneiros, por um lado qualificados de “contra-revolucionários” e por outro de “consciência” – desataram uma verdadeira enxurrada de especulações que ganharam força por fatos inesperados como a reaparição pública de Fidel Castro, após quatro anos de ausência por questão de saúde, ou a decisão do presidente Raul Castro de não fazer o discurso central pelo aniversário do 26 de julho – considerado até agora a intervenção pública mais importante do ano em Cuba –, ou ainda o anúncio presidencial, durante a última reunião da Assembleia Nacional, de que serão ampliados as formas e os alcances do trabalho por conta própria, de maneira a enfrentar as dificuldades econômicas e absorver uma parte dos empregados estatais que precisam ser racionalizados – mais de um milhão, isto é, arrepiantes 20% da força de trabalho do país.

As perguntas mais insistentes desses especialistas e repórteres – e que o fazem a todos que possam “supor” algo, talvez interessante – têm a ver com a possível existência de uma luta pelo poder ou, quando não, por uma orientação econômica divergente nas altas esferas cubanas – inclusive tensões entre os irmãos Fidel e Raul –, com o novo modelo econômico para o qual o país poderia estar se encaminhando e com a possibilidade de que mudanças econômicas levem a transformações políticas.

O problema na hora de fazer essas previsões é que, para fazer uma soma, é preciso possuir os fatores que se relacionarão na adição e, no caso cubano, nunca se tem todos os números. Assim, os resultados levam mais a desejos, imaginações, do que a saldos confiáveis.

Nesse mar de augúrios existem, entretanto, algumas ilhas visíveis sobre as quais seria mais factível realizar as operações de avistamento do presente. A mais notável das realidades cubanas é, sem dúvida, a crítica situação econômica e financeira que o país atravessa, não apenas pelo bloqueio norte-americano e pela crise global, mas, e sobretudo, por esgotamento ou improcedência de suas atuais estruturas econômicas e comerciais, que cedo ou tarde devem ser modificadas.

Assim, a decisão do governo de abrir um espaço ao trabalho privado – ainda não se sabe em quais setores nem em quais condições – responde, sem dúvida, a essa conjuntura que exige aos gritos diversas transformações. O próprio Raul Castro admitiu, em seu mais recente discurso, que não é possível sustentar a imagem – ou a realidade – de que Cuba é um país onde se pode viver sem trabalhar, mas onde, além disso – ele mesmo reconheceu – não é possível viver do trabalho (nem mesmo para os profissionais mais capacitados), o que revela a existência de sérias deformações no sistema econômico de um país que se deu ao luxo de conseguir o pleno emprego à custa da ineficiência, improdutividade, criação de postos de trabalho desnecessários e, em consequência, do pagamento de um salário mais virtual do que real, que desanima os assalariados e obriga muitos a buscarem o sustento pelas vias tortas que, em geral, nascem e desembocam na corrupção, no roubo ao Estado e no mercado negro.

Também é muito evidente que a política social cubana, ainda conservando certos padrões de segurança social, deixou de ser “paternalista” (uma criação do Estado) não por vontade política, mas por necessidade econômica. Já os efeitos desta mudança são notados no setor da educação – fim de bolsas e redução da matrícula universitária, por exemplo –, no das aposentadorias – aumentou em cinco anos a idade para aposentar – e se aplicará ao terreno muito pouco cultivado em Cuba dos impostos fiscais.

Por fim (mas não em importância), na lista de certezas está o fato de que as formas de direção não mudaram em Cuba, nem mudarão no curto prazo. O governo advertiu que o sistema político de partido único e econômico de planejamento socialista não serão alterados pelas mudanças que forem introduzidas, ou pelas aplicações de medidas específicas como a libertação de 52 prisioneiros.

O que é incontestável, em meio a tantas previsões e escassas informações, é que o governo cubano busca alternativas econômicas que sustentem sua posição política. Só assim é possível entender que volte a incentivar o trabalho por conta própria, restabelecido e renegado na década de 1990, ou que planeje uma abertura turística que incluirá, junto a 16 novos campos de golfe e a construção de marinhas para iates, a venda de casas a estrangeiros, outra prática dos anos de 1990 que virtualmente desapareceu... E para não fugir do tom, poderíamos, então, perguntar aos oráculos: a quais turistas seriam vendidos esses produtos? Há cartas escondidas sob o tapete das relações Cuba-Estados Unidos?



* Leonardo Padura é escritor e jornalista cubano. Suas novelas foram traduzidas para mais de 15 idiomas e sua obra mais recente, El hombre que amaba a los perros, tem como personagens centrais León Trotski e seu assassino, Ramón Mercader.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

As patrulhas do bem e o fascismo realmente existente

Pier Paolo Pasolini, genial cineasta, era provocador em muitos campos. Há até um filme, de qualidade significativamente inferior às obras assinadas pelo mestre, contando a vida desse grande personagem da vida social e cultural italiana da segunda metade do século XX. O título do filme é “Pasolini, um delito italiano”.

Bom. Mas não estou exatamente querendo comentar a obra cinematográfica e nem a vida pessoal de Pasolini. Quero relevar, isso sim, uma proposição sua. Refiro-me à idéia da existência de dois fascismos: um primeiro, identificado como “fascismo histórico”, seria representado pelos governos e atores políticos auto-identificados como fascistas (que implantaram regimes totalitários na Alemanha e na Itália); o segundo, mais disseminado e incrustado “imperceptivelmente” em nossas atitudes e esquemas mentais, seria o “fascismo realmente existente”.

É esse “fascismo realmente existente” que merece toda a nossa atenção. Nos dias atuais, a sua expressão é a das injunções, proibições e ditames que se afirmam em nome da defesa do bem, da saúde, da segurança e do bem-estar. Não, eu não sou contra as posturas saudáveis. Longe disso! O problema, pelo menos prá mim, é quando fumar, beber, comer e transar, e outras coisas boas ou nem tanto, tornam-se territórios vigiados pelas patrulhas do bem. Estas, geralmente edulcoradas com slogans e lugares-comuns do politicamente correto, querem-nos assépticos, magros, abstêmios, caretas e bem politicamente corretos.

O fascismo do bem, especialmente no ambiente acadêmico, tem roupagem de esquerda. Em nome de ideais supostamente universalistas e comprometidos com a mudança, esse fascismo não apenas se nega a reconhecer toda hierarquia existente nas instituições, mas, o que é revelador do seu lado patrulheiro, não aceita que alguém se negue a recitar essa sua cartilha. Ao agir assim, o fascismo do bem nos nega um traço fundamental de qualquer regime democrático, que é, nada mais e nada menos, que o confronto no espaço público de visões diferenciados sobre a vida e a sua condução não apenas é salutar, mas indispensável.

Na utopia nefanda do fascismo do bem, as gerações mais velhas negarão o acúmulo de conhecimentos e experiências que o tempo lhes deu. Tudo em nome da “democracia”, vejam só!. Não, não se trata de uma democratização da vida pessoal, nos moldes formulados por Anthony Giddens. Nada disso! Essa “democracia” implica na subordinação das instituições formadoras aos valores e princípios formulados pela “galera”. Ou seja, na sua anulação enquanto tal. Como é mais fácil agir assim, dado que desagradar gente mimada é caçar problemas (até judiciais, eu que o diga!), o resultado é pasmaceira e deserto intelectual. Deserto que é, vez em quando, preenchido por campanhas do bem contra gente do mal.

Uma outra dimensão do fascismo do bem a ser ressaltada é que este é, geralmente, esteticamente miserável. Para não infringir as regras das patrulhas do bem, os autores que sucumbem aos seus ditamens, vão se deixando podar, apequenar. Claro que o fascismo do bem quer distância dos engajamentos como aqueles do “realismo socialista”, mas, nem por isso, deixa de patrulhar as obras que não se enquadram nas pastorais do bem. O que, diga-se de passagem, cria um promissor mercado para os “subversivos de direita”. Ué, cada proibição cria uma taxa, mas também alguma recompensa (nem que seja em algum nicho específico) para os transgressores.

Dado que, como toda política em uma sociedade complexa, a mobilização do fascismo do bem também é segmentada, então, temos fascismos do bem na alimentação, na bebida, no estudo, na música e em qualquer dimensão que você pense, mas eles, graças!, não se comunicam. Qual a conseqüência? Não existem “fascistas do bem” (ufa!), mas fascismos do bem. Como assim? Fácil! Deixe-me dizer algo sem cair em uma fossa estruturalista... Os fascismos do bem são posições/reações assumidas por pessoas para controlar outras pessoas em esferas específicas da vida social. Assim, o cara pode fumar maconha, ser a favor da legalização do comércio da erva, mas, ao mesmo tempo, ser um pegajoso militante do “corpo saudável” e querer impor patrulhas para controlar a alimentação dos outros. Outros, em nome do combate à homofobia, querem o retorno da censura nas artes e na literatura. Há os que encaram a prostituição como degradação e produzem as suas narrativas com frases plenas de referência ao “empoderamento das mulheres”...

O fascismo do bem quer o nosso bem, pois os que o mobilizam nos amam intensamente. Aí é que está: nós não precisamos que todos nos amem e gostem da gente. Esse é um conto da carochinha desses tempos... Que é isso! Essa visão infantilizada da vida pública é uma patacoada! Precisamos de respeito e tolerância, isso, sim!. Se, em nossa existência, dois ou três seres abençoados nos amarem profundamente, podem apostar!, teremos ganho grandes prêmios. Reconhecimento, essa matéria-prima vital para a nossa existência, não se assenta sobre o amor, mas sobre o respeito e a tolerância.


Para nossa salvação, como já disse, não existem fascistas do bem, mas fascismos do bem. E estes espreitam nossas vidas de formas as mais inesperadas possíveis. Até porque, não raramente, são mobilizados por parentes, amigos, namorados e até por nós mesmos. Aí é que está o problema: o fascismo do bem faz parte da atmosfera do nosso tempo. Está tão impregnado no ar que respiramos que temos dificuldades em reagir às suas patrulhas.

Seleção para professor substituto no DPP

O Anderson Cristopher dos Santos foi aprovado no processo seletivo para professor substituto no Departamento de Políticas Públicas da UFRN. Obteve uma nota espetacular na aula didática e ficou em segundo lugar na avaliação geral. Em primeiro, a competente Terezinha. Uma dupla muito da boa que vai se incorporar às atividades do novo departamento. Parabéns aos dois!

quarta-feira, 13 de abril de 2011

GT discutirá violência e punição no Encontro da ANPOCS

Saiu a lista de GTs para o encontro anual da ANPOCS. Destaco, hoje, aquele que será coordenado pelos colegas Carlos Henrique Aguiar Serra (UFF) e Marcos César Alvarez (USP). As inscrições de trabalho devem ser feitas até o dia 09 de maio. Leia a ementa do GT aí abaixo.


GT38 - Violência, criminalidade e punição no Brasil

Ementa:

As sociedades contemporâneas têm enfrentado desafios crescentes no que diz respeito ao crime e às instituições voltadas para seu controle, ao conviverem com taxas crescentes de criminalidade e de encarceramento. Uma abordagem que coloque tais fenômenos em perspectiva pode propiciar a emergência de novos repertórios práticos e simbólicos que criem linhas de fuga diante dos aparentes consensos que demarcam as ações na área. Embora as Ciências Sociais no Brasil tenham avançado nos estudos e pesquisas voltados para as questões da violência, da segurança e da justiça criminal, a reunião de trabalhos que tenham como eixo comum a abordagem que conjugue Sociologia e História permitirá aprofundar o conhecimento destas questões. O GT abre-se tanto para discussões teóricas que tratem do tema da punição e de suas transformações na contemporaneidade, quanto para trabalhos que problematizem as percepções e teorias sobre punição no Brasil, bem como as mutações de nosso sistema de justiça, do sistema prisional e temas correlatos.


Para maiores informações, você deve acessar o site www.anpocs.org.br.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Documentário antropológico produzido por alunos da UFRN

A Professora Julie Cavignac me enviou o link. Acessei e gostei muito. Confira você também o vídeo abaixo, produzido por alunos da UFRN.

O sabor do rio: práticas, memória e saberes do Potengi from Cécilia Gutel on Vimeo.



Os créditos do trabalho agora.

"O Sabor do Rio: práticas, memória e saberes do Potengi" é um documentário idealizado e produzido pelos alunos da disciplina Teorias da Cultura do programa de pós-graduação em antropologia social da UFRN ministrada pela professora Julie Cavignac.
Editado no Instituto Cultural e Audiovisual Potiguar em março 2011.

Concepção e realização:
Andressa Morais Lima
Bruno Goulart
Cécilia Gutel
Gabrielle Mahara
Jacqueline Candido
Julianna Azevedo
Lanna Marques
Maria Angella Bonifácio
Otomar Cardoso
Samara Freire

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Rolim e o horror de Realengo

Marcos Rolim escreve bem. Se você me honra com a sua visita neste espaço sabe que eu, quando posso, transcrevo aqui os escritos do ex-deputado federal gaucho. O cara não apenas saber escrever, mas, o que é mais importante, assume, com desassombro, posições políticas alicerçadas na defesa intransigente da ética e da vida. Por isso, confira abaixo o que ele escreveu sobre o massacre de Realengo.

O BRASIL DIANTE DO HORROR
Marcos Rolim

Theodor W. Adorno disse que, após Auschwitz, seria mesmo impossível escrever poemas.

Com isto, talvez tenha tentado mostrar que depois da radicalidade do mal, mesmo nossos sentimentos haveriam de se alterar profundamente. Não é possível, afinal, ter acesso a uma dor tão disseminada sem que o mundo se mova e outras sejam suas formas. O massacre de Realengo é algo tão absurdamente cruel que é preciso que algo de substancial mude no Brasil. Se há uma homenagem a fazer às vítimas - após o silêncio a ser repartido entre todos como uma pausa para assimilar o que não pode ser compreendido - ela deve se feita nos termos de uma mudança.



Em 1996, em Dumblane, na Escócia, um homem invadiu uma escola e matou 16 crianças e um adulto. O impacto foi tamanho que a população recolheu mais de 700 mil assinaturas, com o apoio da imprensa, pelo banimento das armas de fogo, o que foi assegurado pelo parlamento logo depois. Desde então, armas de mão (hand guns) só podem ser usadas por policiais, e mesmo assim, apenas por um grupo deles, especialmente treinados. Pois bem, penso que é chegado o momento do Brasil discutir esta proposta. David Coimbra a defendeu em sua coluna de sexta em ZH, em contraste com a névoa de opiniões desencontradas e especulações sem sentido que marcaram boa parte da cobertura jornalística no dia da tragédia.

Precisamos, é claro, reforçar a segurança nas escolas; especialmente para assegurar uma triagem efetiva de visitantes. Mais: toda escola deve possuir um plano minucioso para o caso de tiros em seu interior ou nas vizinhanças. Algo a ser treinado em diferentes versões e com simulações repetidas, de tal forma que todos saibam o que fazer em situações do tipo. Mesmo porque é possível que Realengo se repita naquilo que se convencionou chamar de “efeito copycat” (trabalhei este e outros temas em “Desarmamento: evidências científicas: ou tudo aquilo que o lobby das armas não gostaria que você soubesse”, disponível para download em: http://bit.ly/eDqCgu)

É impossível erradicar o mal da agência humana. Ele diz respeito à condição básica da liberdade mesmo. O que podemos e devemos fazer é diminuir suas possibilidades trágicas, reduzindo o potencial de letalidade da ação. O que será muito mais difícil de fazer com 16 milhões de armas de fogo circulando no Brasil. O assassino de Realengo era, muito provavelmente, um maluco que encontrou na moral sexual tipicamente religiosa o amparo para sua misoginia. Mas fosse só isto, jamais teríamos um massacre. A tragédia se tornou possível, porque o assassino tinha duas armas de mão e muitos carregadores. Sem estes instrumentos delineados para matar, nunca os danos seriam de tal monta. Não por acaso, massacres em escolas ocorrem com tanta freqüência nos EUA, o país com mais armas nas mãos de civis em todo o mundo. A propósito, em 1997, nenhuma criança foi morta por arma de fogo no Japão. 19 foram mortas no Reino Unido; 57 na Alemanha, 109 na França, 153 no Canadá e....5.285 nos Estados Unidos (!). Queremos caminhar para uma realidade assim?

Eleição no Peru



Crescimento econômico chinês, cerca de 8% ao ano, mas uma enorme incapacidade de incluir os mais pobres e de enfrentar as desigualdades sociais e regionais, esse o retrato sem retoques do governo do Presidente Alan Garcia. Governando pela segunda vez o país, agora ancorado em um ideário liberal e contrário ao que nacionalismo estatista que o guiava no primeiro mandato, no final da década de 1980, Garcia termina o mandato com uma popularidade tão baixa que não teve sequer um candidato presidencial de seu partido nas eleições de ontem.

Ele, como a elite e classes médias locais, joga as fichas na candidatura de Pedro Pablo Kuczynski. Economista, formado nos EUA, Kuczynski teve sua candidatura inflada nos últimos dias. E, ao que tudo indica, abiscoitará o segundo lugar na eleição, ultrapassando Keiko Fujimori, o que o levará a enfrentar o candidato mais identificada com os mais pobres e com a população indígena, o nacionalista Ollanta Humula.

Acho que vale a pena acompanhar o que ocorre no Peru. O crescimento econômico do paíso credencia com um dos parceiros ideais para a ampliação e consolidação do mercado comum sul-americano.

Minha coluna de hoje no TERRA MAGAZINE

Confira aqui a minha coluna semanal publicada pelo TERRA MAGAZINE.

A tragédia de Realengo

Reproduzo abaixo, algo que não fazia há um tempinho, artigo de autoria do jornalista Alon Feuerwerker a respeito do massacre de Realengo. Vale a pena conferir.

E o que fazer agora?

Alon Feuerwerker

Um país que tem dinheiro para Copa do Mundo, Olimpíadas e Trem-Bala haverá de encontrar os recursos para fazer das nossas escolas um lugar mais seguro para nossas crianças

Uma tragédia como o fuzilamento das crianças no Realengo desencadeia impulsos também violentos. É forma de dar vazão ao medo. Poderia ter acontecido com cada um de nós, com nossos filhos, netos, sobrinhos.

Então precisamos de explicações e culpados. Não nos basta a culpa do assassino. Afinal ele já morreu e o sofrimento dele acabou, pelo menos na visão de quem acredita na vida só aqui e agora.

A proibição total do comércio de armas e munições é uma proposta legítima, ainda que não tenha recebido apoio no último referendo.

Passou no Congresso Nacional mas os eleitores mandaram ao arquivo, apesar do quase unânime apoio da imprensa e da opinião pública.

Proibir completamente a venda legal de armas e munições evitaria a barbárie do Realengo? Improvável. Se o sujeito está disposto a realizar uma carnificina não é a falta de lojas de armas que o vai fazer desistir.

Se decidiu que morrer é um bom preço a pagar para poder matar, já ultrapassou os limites. Já atravessou a fronteira que contém as pessoas para não cometerem certos crimes. Já deixou para trás o medo das consequências.

Atenção. Não escrevi que a proibição é certa, nem que é errada. Só escrevi que dificilmente teria evitado o acontecido ontem no Rio.

O tráfico de armas costuma vir conectado com o das drogas. E há políticas para combater ambas. Mas não existe sociedade que tenha conseguido eliminar completamente qualquer uma das duas ilegalidades. Armas disponíveis sempre haverá.

Pode-se aumentar a punição para a venda ilegal de armas? É uma possibilidade. Mas não seria panaceia.

Outro impulso é instituir penas mais duras, duríssimas, para crimes como o de ontem. Vale aqui de novo a lógica já descrita. A pena de morte, para tomar a situação última, não será capaz de demover alguém já disposto a morrer para praticar um crime extremo.

Em frente. Casos como a matança do Realengo despertam o desejo de encarcerar todo mundo que tem problemas mentais. Uma brecha é imediata. Nem todo mundo com distúrbio mental está catalogado como doente.

Além disso, e por qualquer critério razoável, não é razoável achar que a loucura se resolve, em todos os casos, com a reclusão. Nem sequer na maioria deles. Seria uma violência extrema, e obviamente injusta. Medieval.

Então não há o que fazer? Estamos condenados à fatalidade? Claro que não. Claro que há.

É bom debater todas as dimensões do problema, e é ótimo que se busquem obstinadamente soluções para os diversos vetores, mas o espírito prático pede tentar buscar o que pode ser feito imediatamente.

A matança do Realengo é a primeira do tipo em nosso país. Seria politicamente injusto culpar as autoridades por não a terem prevenido.

Mas o Brasil não será o mesmo depois de 7 de abril de 2011. Quantos perturbados mentais não viram no espetáculo macabro de ontem uma janela para a fama?

E o comércio ilegal de armas e munições está aí para atender à demanda.

Agora, as autoridades precisarão mover-se das cadeiras e dizer como vão fazer para diminuir ao mínimo o risco de alguém entrar armado numa escola. Aliás, já era obrigação antes mesmo de ontem. Agora virou questão de honra. De vida ou morte políticas.

Que governador ou prefeito vai querer no seu estado ou cidade a repetição do acontecido no Rio? Então é bom mexerem-se.

Não se trata de culpar ninguém, além do assassino, pela tragédia do Realengo. Nunca tinha acontecido. Não estava no radar.

Mas aconteceu. Infelizmente pode acontecer de novo. Então é preciso prevenir. É hora de agir.

Para que a partir de ontem todas as milhares de escolas em todo o Brasil possam estar um pouco mais seguras.

Nem que se precise colocar revista na porta de cada uma delas.

Não é pedir muito. Um país que tem dinheiro para Copa do Mundo, Olimpíadas e Trem-Bala haverá de encontrar os recursos para fazer das nossas escolas um lugar mais seguro para nossas crianças.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta sexta (08) no Correio Braziliense.

Dilma na China

A viagem da Presidente Dilma Roussef é o acontecimento da semana. A China, maior parceiro comercial do Brasil (quem diria, no início da década passada, que essa situação iria ocorrer?), não é muito dada à reciprocidades. Sua política é a de ganhar e levar tudo. Nossa presidente tentará mudar um pouco o desequilíbrio de nossas relações comerciais. Não é nada fácil. Além de confrontar com interesses externos, a presidente brasileira tem que articular contraditórios interesses internos na relação comercial Brasil/China.Vamos acompanhar!

Eleições no Peru

Ollanta Humula, como esperado, levou o primeiro lugar no primeiro turno da eleição presidencial peruana, ocorrida ontem. Surpreendentemente, Keiko Fujimori, a sensação da eleição, ficará de fora do segundo turno, que ocorrerá no início de junho. O adversário do nacionalista Humula será o economista Pedro Pablo Kuczinsky. Ao que parece, pelo menos na retórica, teremos uma disputa entre esquerda e direita.

Comece o dia de bem...

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Uma sociologia brasileira ou uma sociologia do Brasil? – Parte I

A apreensão da singularidade dos cenários, dramas e processos sociais brasileiros esteve, durante muito tempo, subordinada a um projeto de produção de uma interpretação singular, nacional. Como escreveria, tendo em mente uma outra realidade o cientista social alemão Ulrich Beck, praticava-se fortemente nestas plagas uma “sociologia do container”.

Essa sociologia não teve apenas limitações, é óbvio. A partir da busca por uma interpretação da singularidade brasileira, leitmotiv dessa empresa, ensaios substantivos foram feitos para sobre dimensões tão fundamentais quanto a sociabilidade cotidiana nos trópicos ou a forma como as instituições mais básicas do mundo ocidental se plasmaram entre nós.

Claro! Essa senda nos conduziu a interpretações que legitimavam apreensões que incorporavam uma visão essencialista de uma certa “cultura brasileira”. Fazer o quê? Há limites e limitações datadas, e, em assim sendo, mais do que compreensíveis.

Mas esse tempo está passando. A internacionalização das ciências sociais
brasileiras, com a preocupação crescente de nossos pesquisadores em se fazer notar lá fora, contribuiu para arejar o debate sobre nós mesmos. Tivemos perdas, certo. Os mais velhos (você sabe, eu não sou politicamente correto) anda reclamam da “pobreza do debate” e querem uma sessão espírita na qual os grandes do passado possam retornar à arena pública. Ainda encontram alguma audiência. Até porque, não raras vezes, relembrar os grandes do passado é uma forma de negar reconhecimento a genialidade de cientistas sociais do presente...

Bom. Mas esse é um passado que não quer passar... Mas é passado. Para o bem e para e para o mal.

(Ops! Volto mais tarde, ok? Estou blogando no computador de uma oficina de automóveis...).

terça-feira, 5 de abril de 2011

Espane o tédio com blues

Vai um blues aí? Não qualquer um, mas um de mermo mermo, das raízes? Que tal duas demonstrações? Então, vá fundo e clique aí abaixo.



O próximo presidente do Peru...


O cara da foto aí acima, ex-comandante militar, nacionalista com tinturas de esquerda, poderá ser o próximo presidente do Peru. É um egresso da guerra suja da época em que o Sendero Luminoso, alucinado em seus delírios maoistas, provocava umas das maiores tragédias políticas deste sofrido continente.

Bom. É o que dizem as pesquisas de opinião (sempre elas!). Ollanta Humula, esse o nome dele, lidera todas as pesquisas.

Há a possibilidade de um segundo turno entre (vejam só!) entre o Humula, que já foi identificado com o chavismo, e a filha de (argh!) Aleberto Fujimori, Keiko Fujimori.

A Keiko (olha que surpresa!) defende a legalização da união civil para os homossexuais e a despenalização do aborto. Isso é que é direita inteligente, não é? É a candidata que arrebatou o papel de representante da modernidade. Não por acaso, os jovens, que eram crianças durante os anos de chumbo de Fujimori, estão encantados com ela.

Tem gente desesperada com esse cenário. O escritor e Prêmio Nobel de literatura Mário Vargas Llosa, por exemplo, afirmou que um segundo turno entre os dois (Ollanta e Keiko) seria como escolher entre o "câncer" e a "aids"...

Acompanhemos o desenrolar desse inusitado processo eleitoral.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Um passado que não passa...

Todas as ditaduras são cruéis. Mas alguns povos têm a possibilidade de verem alguns dos dramas a que foram submetidos retratados nas telas, após a ultrapassagem do período das trevas. Outros vão mais longe e conseguem uma ajuste de contas com o passado. É o caso dos argentinos.

Houve tempo, entre nós, quando a política econômica era um laboratório para experiências de engenharia social, que os desastres argentinos eram o prenúncio do que enfrentaríamos em seguida. Diziamos, então: "Argentina, hoje; amanhã, Brasil". Era o tal "efeito Orloff".

Olhando para os ajustes para com o passado feitos mais ao sul, dá uma inveja danada do país vizinho. Quem dera, nesse campo, nos fosse dado o direito de repetir aquela antiga frase dos anos 1980.

Aproveito para colocar aí abaixo o trailer de um filme. É simplesmente fantástico. Pegue-o, assista-o e reflita.

Quando a música acaricia a alma

O grupo musical norte-americano Beirut é biscoito fino. Coisa muito da boa. Saiba mais sobre eles(texto em português!) clicando aqui.

Olha só essa: os caras atravessaram a fronteira e foram para o sul do México. Lá, incorporaram cantores locais e produziram uma versão muito especial de A Chorona, um clássico da cultura popular mexicana.

Melhor do que isso foi o fato de os caras, liderados pelo criativo Zach Condon, terem produzido um vídeo belíssimo para a música. Eu, que apesar de defenestrado por alguns, sou um cara do bem, coloco o vídeo aí abaixo para você conferir.

Fuja não! Dê um tempo para você e deixe sua alma relaxar ao som de Beirut.

Micarla do Peru?

Falei sobre Keiko Fujimori mais abaixo. É candidata ao carga de Presidente do Peru. Filha de Alberto Fujimori, autor de um auto-golpe no início da década de 1990 e caçado por crimes contra a humanidade e por atos de corrupção, a Keiko faz uma campanha que parece estar sendo dirigida por um marqueteiro daqui da região. Veja como se parece com a campanha de Micarla à prefeitura de Natal!

Ah! Para quem é mais novo, o uso do trator é bem simbólico. Quando começou a campanha eleitoral que o levaria à presidência da República, enfrentando o então franco favorito, o escritor Mário Vargas Lhosa, Alberto Fujimori, um agronômo, fazia campanha em cima de um trator.

O poder paralelo

Acesse aqui a minha coluna de hoje no TERRA MAGAZINE.

Um argentino com mania de brasileiro

O brasileiro tem mania de vira-lata. A frase, não exatamente nesse molde, era do polêmico e criativo Nelson Rodrigues. É que a gente adora umas comparações que joguem nossa auto-estima ralo abaixo. Hoje, ao visitar, como sempre faço, o blog do Marcelo Moreno, do Clarin, percebi que este argentino anda com mania de brasileiro.

O Marcelo, pegando a Dilma Roussef como modelo positivo, desanca a política argentina. E o país junto. Até o fato de o Obama não ter visitado o país, para ele, é referente para uma apreensão negativa.

Você vai gostar de ler o texto do cara. Mesmo discordando das suas posições políticas (expressas em uma redação de boa qualidade, por sinal), você vai se divertir ao perceber que o complexo de vira-lata atravessou o Rio da Prata.

Viernes 01 de Abril de 2011

La Argentina insular
Marcelo Moreno

“Un gobierno debe convivir con las críticas de los diarios para tener un compromiso real con la democracia . Porque la democracia requiere sobre todo esta contradicción y la convivencia civilizada, con la multiplicidad de opiniones, creencias y aspiraciones”. La afirmación pertenece a la presidenta brasileña Dilma Rousseff y la emitió pocos días antes de la visita del presidente estadounidense Barack Obama a su país.

Rousseff sostuvo que la libertad de prensa en Brasil es plena. “Nuestra democracia se fortalece por medio de prácticas diarias , como los diferentes procesos electorales, las discusiones de la sociedad y, sobre todo, la libertad de opinión y de expresión. Es obviamente una libertad que se alimenta en la libertad de crítica, de manifestarse de acuerdo a las convicciones de cada uno”.

Obama, como se sabe, visitó Brasil y Chile y se salteó a la Argentina , una nación donde se desencadenan hechos alarmantemente ajenos a la democracia, como que el domingo pasado un piquete impidiera la circulación del diario más leído del país, con obvia venia gubernamental, expresada en la inacción policial.

Si el presidente de la nación más poderosa del planeta elude a nuestro país no es por encono sino por indiferencia .

Brasil se apresta a sentarse en la mesa chica en la que se decide parte del destino del mundo. Chile exhibe un desarrollo económico, social e institucional que pocos países de la región tienen. La Argentina es, cada vez más, un país más insular y ensimismado en su propia extrañeza .
A cambio, recibimos la visita del venezolano Hugo Chávez, premiado por la Facultad de Periodismo y Comunicación de la Universidad Nacional de La Plata con la distinción “Rodolfo Walsh” en la original categoría de “Presidentes Latinoamericanos por la Comunicación”. La decana, Florencia Saintout, explicó a una radio: “Creemos que en Venezuela hay libertad de prensa”.

Es sorprendente que la decana ignore que los periodistas no trascribimos creencias sino informaciones . Y como no somos feligreses sino profesionales de la comunicación. Por eso, cuando emitimos opiniones lo hacemos separándolas tajantemente de lo que llamamos “noticia”. Y las noticias sobre la libertad de prensa en Venezuela, desde hace demasiados años resultan penosas.

Chávez, a diferencia de Rousseff, ha hecho hasta lo indecible por coartar y manipular a lo que queda de prensa independiente en su maltratado país, lo cual ha sido reiteradamente condenado por asociaciones de prensa y de periodistas internacionales. Y se trata de una certeza, esa materia llamada verdad, no de una creencia .

Por eso, que una facultad de periodismo de una importante universidad pública le otorgue un premio a un censor tristemente célebre constituye una extravagancia más de un país que parece ir olvidando en el caldo del autoritarismo los principios republicanos con que alumbró su democracia.
(Publicado en la columna Disparador de Clarín el miércoles 30 de marzo del 2011

Terá sido um atentado à democracia o que ocorreu na Argentina?

Piquetes impediram a distribuição de um dos principais jornais argentinos na semana passada. Será mera coincidência o fato de que o dito cujo tem sido um dos mais críticos (algumas vezes duro além da conta) com o governo da Presidenta Cristina Kirschner?

Vou procurar informações para debulhar essa espiga de milho...

Eleições no PERU

Tá, eu sei, por aqui ninguém se liga muito no que acontece à nossa volta. Essa forma pouco inteligente de imperialismo (sim, existem formas inteligentes, embora perversas...) grassa até mesmo em nosso meio universitário.

No geral, para nós brasileiros, a América Latina são apenas os países com os quais fazemos fronteira. E, mesmo assim, essa é uma percepção profundamente hierarquizada. Por razões políticas e econômicas preocupamo-nos, pero no mucho, com a Argentina.

Pois bem, o Peru, que tem vivido desde o início da década de 1980, um processo político dos mais traumáticos (bota aí Sendero Luminoso, Tupac Amaru e Fujimori e você tem uma sopa para destruir qualquer esperança democrática), enfrentará eleições nos próximos dias.

Pois não é que a filha do Fujimori, a Keiko, está bem posicionada nas pesquisas. Que alucinação, não é? Parece até coisa de realismo fantástico. Algo produzido pela pena do imortal Manuel Scorza. Ali, à frente, mas só um pouquinho, vem o Ollanta Humala. Esta é uma figura controversa. Participou da guerra suja contra o Sendero no final da década de 1980 e início dos anos 1990. Nesta década de guinada à esquerda no continente, por oportunismo ou conversão religiosa, tornou-se um fiel seguidor de Hugo Chavez.

Mas a eleição está, como dizem, pau a pau, conforme você pode conferir no quadro abaixo.

Uma explicação: Keiko você identifica facilmente, o Ollanta é o cara novo de microfone. O outro cara de microfone é o Alejandro Toledo. Depois dele, e em ordem, Pedro Pablo Kuczynzki e Luis Castañeda.

As gramáticas morais da corrupção

Clique aqui e acesse um artigo de minha autoria intitulado "As gramáticas morais da corrupção: aportes para uma sociologia do escândalo". O texto foi publicado no último número da revista MEDIAÇÕES. Confira aqui o sumário da edição. Vale a pena ler!

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Sobre narcofobia

Você vai gostar de ler a entrevista abaixo. Confira!

A POLÍTICA DO MEDO



Entrevista exclusiva para o informativo mensal "InterCÂMBIO". Clique aqui para assinar "InterCÂMBIO" e ver as edições anteriores.

A jornalista brasileira Fernanda Mena e o sociólogo Dick Hobbs, do Centro de Direitos Humanos da London School of Economics and Political Science, descrevem no artigo Narcophobia: drugs prohibition and the generation of human rights abuses [1] como a guerra às drogas, similarmente à guerra ao terror, acabou promovendo o contrário dos direitos humanos, ou seja, violaram direitos humanos com a justificativa de garanti-los.


O artigo destaca não somente as inconsistências dos Estados como também a da própria Organização das Nações Unidas (ONU) nesse processo. Por um lado, ela apoia essa guerra contra as drogas, através da UNODC; por outro, ela é vista como o bastião de garantia e monitoramento de direitos humanos no mundo.


Nessa entrevista para InterCÂMBIO, Fernanda Mena descreve o processo de pesquisa que resultou no artigo, os resultados da atual política de drogas e o papel dos policiais e da sociedade civil nessa discussão.


O que despertou seu interesse nessa área de pesquisa?

Em 2003, acompanhei as filmagens do documentário "Falcão - Meninos do Tráfico", de MV Bill e Celso Athayde, para uma reportagem publicada no jornal Folha de S.Paulo, em março de 2004, e que ganharia os prêmios Folha de reportagem e Ayrton Senna de jornalismo.


Naquela ocasião, circulei por muitas comunidades do Rio e entrevistei mais de 16 adolescentes envolvidos no tráfico de drogas. Nessas conversas, ficou evidente que o senso comum em relação a esses garotos - a ideia de que são a encarnação do mau e da violência - era uma visão unilateral e perversa, um jeito fácil de lidar com essa questão, demonizar essas pessoas e, portanto, criar a necessidade de puni-las exemplarmente.


O que a senhora viu durante as filmagens?


As histórias desses garotos eram pequenas tragédias encenadas em contextos de exclusão total, onde o poder público só existe na bala da polícia e a ideia de direito inexiste. Muitos haviam entrado para o tráfico de drogas por questões socioeconômicas e de autoestima. Alguns meses após a reportagem, muitos dos garotos entrevistados estavam mortos (pela polícia, por outros traficantes ou por seus próprios colegas, dentro da lógica implacável em que funciona o crime organizado).


Conseguir humanizar essas figuras foi central para que eu começasse a refletir sobre o tráfico, a maneira como temos lidado com a questão das drogas e as políticas públicas de enfrentamento militarizado que, longe de solucionar o problema, criam a tal "guerra particular" de que tratou João Moreira Salles em seu documentário, prejudicando não apenas os indivíduos diretamente envolvidos nos conflitos abertos, sejam traficantes ou policiais, como também suas comunidades e, em última instância, a sociedade como um todo e o próprio desenvolvimento do país.


Como a senhora avalia as consequências dessa política e quem são os que mais sofrem com ela?


Trata-se de uma política internacional que demoniza não só produtores e traficantes como também usuários. Na minha pesquisa, ficou claro que a virada das drogas, de commodities a agentes do mal, emergiu carregada de valores morais e interesses políticos e econômicos, em vez de basear-se em evidências de danos causados às pessoas e às nações.


Poderia explicar?

A proibição das drogas automaticamente criou um mercado negro. Esse mercado ilegal, por sua vez, não pode contar com as instituições nem com os sistemas de Justiça para resolver seus conflitos. Pportanto, desenvolve um sistema baseado na violência e no medo para desatar os nós de seus negócios, afetando não apenas as pessoas diretamente envolvidas nesse mercado como também as comunidades em que se inserem esses indivíduos, além de promover redes de corrupção nas instituições dos países onde atuam.


A bandeira da guerra contra as drogas tem sido sistematicamente utilizada para jutificar ações contra a soberania dos Estados (caso da invasão norte-americana no Panamá, em 1989) e contra populações empobrecidas e vulneráveis (Plano Dignidade, lançado pelos EUA contra os produtores de folhas de coca, na Bolívia, em 1998, promoveu anos de instabilidade política naquele país), além da militarização de ações antidrogas, como o treinamento de paramilitares colombianos por grupos norte-americanos e subsequentes escândalos de violações de direitos humanos naquele país, gerando uma das maiores populações de refugiados internos e externos do mundo.


O objetivo de erradicar as drogas do planeta, expresso nos principais acordos internacionais postulados pelas Nações Unidas, também estimula medidas que não estão amparadas por princípios de direitos humanos, como envenenamento do solo em áreas de plantio de coca, maconha ou papoula, execuções extra-judiciais e deslocamento de recursos públicos de áreas vitais, como saúde, infraestrutura e educação, para setores envolvidos no combate do tráfico e na prisão de consumidores e pequenos e grandes traficantes.


E qual é a situação da América latina nesse cenário?

Como os países latino-americanos são os grandes produtores e atacadistas de drogas, enquanto Europa e EUA - grandes artífices da atual política global antidrogas - são áreas majoritariamente consumidoras, as medidas mais radicais de combate à produção e ao tráfico acabam atingindo a América Latina, que ainda sofre com a fragilidade de suas instituições e garantias sociais e com uma herança das ditaduras militares que promoveram aparelhos policiais onipotentes e de pouca responsabilidade.


O que é uma política pragmática de combate ao tráfico de drogas?


Uma política pragmática é aquela que reconhece o que está funcionando e o que não está. O Brasil é hoje o maior consumidor de todas as principais drogas ilícitas na América Latina e coleciona números recordes de mortos em conflitos relacionados ao tráfico de drogas. Será que isso é sinal de que a atual política está dando certo? Certamente não. Uma maneira pragmática de lidar com o tema precisa avaliar se tamanho custo social se justifica quando o objetivo é impedir pessoas de consumirem algo que elas estão dispostas a se arriscar para usar. Não seria mais eficaz criar políticas de educação para uso de drogas e de alerta para seus malefícios, além de restrições de uso, como tem sido feito com o cigarro, por exemplo.


Como a senhora vê os policiais nesse processo?

Os policiais são o braço do Estado que está mais próximo das comunidades desprivilegiadas, as mesmas que acabam loteadas pelas organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas. Como a lógica da política antidrogas é a do confronto, a polícia atua de forma truculenta nesses territórios, e a sociedade aceita que cada invasão de favela contabilize um crescente número de jovens mortos porque eram traficantes.


Os próprios policiais comentam anonimamente que o trabalho de apreender carregamentos de drogas em comunidades pobres é como enxugar gelo: no dia seguinte, chegará um novo carregamento. A experiência da polícia pacificadora, que tenta aproximar policiais das comunidades, é um começo, pois pode ao menos criar um elo de confiança, uma instituição à qual os moradores de comunidades dominadas pelo tráfico possam recorrer. Na minha visão, no entanto, sem uma nova na política sobre drogas, a polícia vai continuar como perpetradora de violações de direitos humanos entre a população mais vulnerável.


Qual é o espaço da sociedade civil nesse debate?

É crucial, sem a participação da sociedade civil organizada há poucas chances de o debate progredir, porque se trata de um tema tabu e desenvolver uma nova política sobre drogas certamente irá desagradar muitos setores nos planos nacional e internacional.


Uma nova visão sobre a política de drogas tem sido debatida pela Comissão Latino-americana para Drogas e Democracia, que propôs uma visão mais arejada sobre o tema, incluindo a admissão de que a guerra contra as drogas falhou e que a despenalização do consumo deveria ser tomada como primeira medida. Ainda assim, há muito que avançar.


[1] Centre for Human Rights, Department of Sociology, London School of Economics, London, UK
[2] Disponível em: http://www.springerlink.com/content/q135824612739478/

O roubo nas sociedades abertas

Mário Vargas Lhosa dispensa apresentações, não é mesma? Escreve bem prá cacete o gajo. Eis aí um Prêmio Nobel mais do que merecido. Seus romances são fabulosos. E sua escrita diária, traduzida em jornais e revistas, seria menor? Penso que não!

E o melhor de tudo: Lhosa assume posições. Escreve com a força dos que têm compromisso com o que há de mais fundo em suas almas.

Por isso, quando o cara escreve sobre uma temática que me interessa, cato o texto na net e quedo-me a refletir sobre as suas tiradas. É o caso de um texto, publicado há anos no EL PAIS. Trata-se de uma análise criativa sobre o roubo nas nossas sociedades. Confira!

Entre ladrones
Por Mario Vargas Llosa
El País
Sábado 23 de noviembre de 2002 | Publicado en edición impresa.

LONDRES
Hace dos domingos, en el aeropuerto de Barajas, mientras yo reclamaba unos pasajes en la ventanilla de una compañía aérea, un ladrón se robó mi computadora. La extrajo de en medio de dos maletas y de debajo de un impermeable, donde la había ocultado mi mujer en previsión de un posible latrocinio. Lo hizo de manera tan veloz y eficiente que mi primera reacción fue de respeto, casi de admiración, por la destreza y audacia de ese caco. La segunda, la sensación de haber sido admitido por fin en un vasto, democrático club: casi todos mis amigos han sido desvalijados en Barajas y yo tenía ya la sensación de estar disfrutando de un inmerecido privilegio. La tercera fue caer en ese estado de desmoralización y orfandad -sentirse ultrajado en lo más íntimo, objeto de una burla perversa y un poco estúpido- en que quedamos cada vez que somos despojados de algo que nos pertenece.

Es algo a lo que conviene irse acostumbrado, porque la industria del robo, la más próspera y extendida en todo el ancho globo, crece y seguirá creciendo de manera irresistible en el Primero y en el Tercer Mundo, en los barrios más pobres y en los más ricos, como la amenaza más poderosa y efectiva contra la propiedad privada, desde que los socialistas utópicos dictaminaron que aquélla, por el solo hecho de existir, constituía un atraco, un delito contra la justicia. Pues una de las más deliciosas paradojas de nuestro tiempo es que no son los pobres ni los obreros ni los revolucionarios profesionales los que están dando la batalla más mortífera contra la propiedad privada, sino los ladrones, una internacional sin ideales, puramente pragmática, que cada día gana más adeptos y perpetra más exitosas operaciones de demolición y desestabilización de lo que en algún momento de ingenuidad se llegó a creer era la sacrosanta institución de la democracia, base del progreso y sustento de la libertad.

Aporto a favor de esta tesis pesimista mi experiencia de bípedo atracado por invisibles, anónimos e inmejorables profesionales del robo en casi todos los países donde he vivido y en algunos por los que sólo he pasado. En Barcelona, hace unos diez años, un ladrón se las arregló para deslizarse en nuestro cuarto de hotel y abrir nuestras dos maletas, elegir en la de mi mujer su mejor vestido y un puñado de collares y llevárselos, en el brevísimo tiempo en que tardamos en bajar a un quiosco que está junto al hotel a comprar un periódico. El asaltante, que desdeñó llevarse nada mío, tampoco se llevó -por ignorancia, desprecio hacia lo primitivo o caridad- un collar prehispánico que era lo más valioso de nuestro equipaje. Cuando fuimos a denunciar el robo a la policía, el amable comisario nos dijo que un año atrás los García Márquez habían sido víctimas de una fechoría parecida, en otro hotel de Barcelona. ¡Un caco especializado en literatura latinoamericana, qué duda cabe!

De todos los robos que he sufrido, el que menos me molestó -incluso, diré que hasta me quitó un peso de encima- ocurrió en Lima, en 1981, a poco de llegar de los Estados Unidos. Allí había comprado una radio, empotrada en un automóvil japonés, que me vendió un vendedor con una capacidad de persuasión literalmente irresistible. Me vendió el auto en menos de un minuto y para infligirme la radio se demoró cerca de media hora. No era propiamente una radio: era un milagro, un prodigio que conectaba al oyente con todas las estaciones de la Tierra, en todas las frecuencias y con una calidad de audición que, sobre todo en las piezas clásicas, hacía llorar a los tímpanos de agradecimiento y emoción.

Los mejores del mundo
Ahora bien: nunca conseguí que saliera de esa radio portentosa y carísima ni el simulacro de una voz. Sólo emitía unas gárgaras radiofónicas de repugnante monotonía, ofensivas y burlonas. Aquella noche, en el centro de Lima, cuando, al salir de una representación teatral, me encontré con la puerta de mi auto forzada y el tablero desfondado, con un hueco lleno de alambres inútiles donde había estado la maldita radio, respiré aliviado, secretamente agradecido al atracador por haberme liberado de ese humillante objeto, el símbolo mismo de mi torpeza en materia tecnológica y en el toma y daca consumista.

Tengo, también, alguna historia bonita y con final feliz en materia de robos. En 1977 pasé un año en Cambridge y, aunque la universidad y el lugar me gustaban mucho, me producían a veces cierta claustrofobia, por lo que, vez que podía, me escapaba a Londres. Es lo que hicimos, aquel fin de semana, con un viejo amigo, el pintor Fernando de Szyszlo, que había venido a pasar unos días con nosotros. Tomamos por teléfono una pensión, Durley House, que alguien nos recomendó y allí partimos. Entrando en Londres, paramos en el Museo Británico, donde estuvimos un par de horas. Al arrancar el auto, que había dejado estacionado en un parking , oímos un ruido sospechoso. Habían abierto la maletera y se habían llevado nuestras tres maletas. Szyszlo tenía en la suya todo su equipaje incluida una cámara fotográfica, sus pasajes y todas sus tarjetas de crédito, pues de Londres regresaría a Lima, y nosotros, en la nuestra, los pasaportes de toda la familia, que llevábamos al consulado peruano para renovarlos. La sensación de catástrofe nos dejó aturdidos y mudos.

El desvaído policía de Bloomsbury Square al que dimos cuenta del robo me respondió, cuando le pregunté si creía que había alguna posibilidad de recuperar lo perdido: "A veces ocurren milagros". Pasamos aquella tarde en estado de depresión comatosa, anulando tarjetas de crédito, dando cuenta de la pérdida de los pasaportes (el caco nos había convertido en parias) y tratando de adaptarnos a la nueva situación. A eso de las tres de la madrugada trinó el teléfono en mi velador. Levanté el auricular. Una voz remota preguntó si quien respondía la llamada era "Míster Lousa". Deduje que aquélla era una versión anglófila de mi apellido materno y dije que sí. El misterioso interlocutor me preguntó si había perdido unas maletas. Yo rugí, gemí, imploré que sí: tres, esta tarde, en el estacionamiento del Museo Británico. ¿Con quién tenía el gusto? Con el comisario de policía de un suburbio de Reading. Un abogado residente en aquella localidad, al llegar a su casa aquella noche, luego de su jornada de trabajo londinense, abrió la maletera de su coche y se llevó la mayúscula sorpresa: alguien había metido allí tres maletas que no eran suyas. De inmediato las llevó a la policía.

El viaje de Londres a Reading, en un amanecer con lluvia, nieve y neblina, estuvo lleno de patinazos y de euforia, entrecortada por momentos de incertidumbre y angustia: ¿con qué nos encontraríamos al llegar a aquella comisaría? Nos encontramos con la prueba inequívoca de que nuestro ladrón no era sólo un profesional eximio sino también un hombre considerado y exquisito. En lo que parece ser ya una constante en mi vida, poco menos que un destino, desdeñó totalmente mis pertenencias y a mí no me birló ni un pañuelo. De mi mujer se dignó escoger un bolso y un conjunto de cuero pero despreció el resto. A Szyszlo, que es un hombre elegante, lo privilegió, apoderándose de un buen número de trajes, corbatas y camisas, además de su cámara. No cometió la vulgaridad de quedarse con las tarjetas de crédito ni con los pasaportes, como hacen los cacos subdesarrollados. Lo más notable es que, una vez hecha su rigurosa selección, el fino atracador dobló la ropa y la acomodó bien, antes de ir a depositar las maletas en el coche de aquel vecino de Reading que nos las devolvió.

¿Cómo me había encontrado el comisario en aquella pensión, donde nosotros no habíamos estado jamás antes de ese día, en una ciudad de doce millones de habitantes? Se lo pregunté y, algo incómodo, me explicó que no había tenido más remedio que hurgar mis chaquetas y pantalones, a ver si en sus bolsillos encontraba alguna pista sobre el paradero de los dueños de aquellas maletas. Y, en efecto, en un bolsillo encontró una tarjetita con el nombre y la dirección del Durley House. Desde entonces, mi admiración por los bobbies británicos es ilimitada y no tengo el menor empacho en proclamar a gritos, a quien quiera escucharme, que la policía inglesa es la mejor del mundo.

Pero eso no es obstáculo para que los ladrones en Gran Bretaña sean, también, los mejores del mundo. Dos veces se han metido en mi departamento y las dos, ay, me han humillado desechando mis trajes, zapatos, suéteres y camisas como unas birrias indignas de ser robadas por un caco inglés que se respete. Han sido mucho más galantes con mi mujer, cuyo vestuario han aligerado de abrigos, vestidos, blusas, bolsos y otras menudencias. Nunca me han robado un libro, felizmente. Pero sí un viejo automóvil al que yo le tenía el cariño que se tiene a un perro de la familia, y que una de mis nueras estacionó en Chelsea junto a la casa de Donatella Versace. Cuando fuimos a buscarlo, había un ominoso vacío en su lugar. Se inició entonces un largo proceso para tratar de recuperarlo o cobrar el seguro, con visitas a la comisaría e interrogatorios interminables de un simpático coronel que, luego de retirarse del Ejército, trabajaba para nuestra compañía de seguros, tratando de establecer si quienes reclamaban reparaciones por robos o pérdidas eran de verdad víctimas o unos estafadores. Sólo a la tercera visita, el simpático coronel de atusados bigotes decretó que éramos clientes honrados.

El precio de la libertad
Pasaron varios meses, al menos seis. Un día sonó el teléfono y otra voz dificultosa inquirió por "Míster Lousa". Me preguntó si un coche de mi pertenencia había sido robado. Exclamé, grité, rogué que sí. ¿Había aparecido, pues? Me respondió un extraño silencio con carrasperas que, por fin, murmuró, extrañamente: "En cierto modo, sí". Y, luego de una larga pausa, añadió esta pregunta que me pareció incomprensible o imbécil: "¿Le gustaría verlo?". "Naturalmente que me gustaría verlo. Y también recuperarlo, señor comisario." Otra pausa inexplicable. Y, por fin, esta frase terrible: "Bien, pero le advierto que podría ser doloroso".

En efecto, lo fue. Mi coche había sido robado por una banda de ladrones turcos e irlandeses, especializados en autos alemanes, que exportaban a Rusia y países de Europa Central. La policía había descubierto el depósito donde los reunían y maquillaban antes de sacarlos al extranjero. Mi auto, por viejo y mal tenido, no mereció este tratamiento. Fue cortado en pedazos, desventrado y masacrado, destinado a proveedor de repuestos.

Cuando fuimos a identificarlo, en un recinto policial de las afueras de Londres, tuvimos ganas de llorar, como había supuesto el sensible comisario. Era un montón de piezas recortadas, abolladas, infamemente mutiladas. Sólo tuvimos la seguridad de que era el nuestro cuando la llave que yo conservaba hizo funcionar el seguro en uno de esos miembros desgajados donde se divisaba la cerradura. La experiencia fue traumática y aleccionadora: no he vuelto ni volveré a tener un auto en Londres y desde entonces la vida me parece mejor.

Podría seguir contando muchas otras historias de esta índole, pero me parece que con las anteriores basta y sobra para lo que quería apuntar. El robo ya no es, si es que lo fue alguna vez en la historia, un accidente, una excepcionalidad, un hecho inusitado en la vida de los contemporáneos. No. Es una experiencia integrada a la vida de todo el mundo, a la de algunos más que a la de otros, desde luego, pero nadie está a salvo o exonerado de esa realidad que ha pasado a formar parte de la experiencia general, como ir al cine o salir de vacaciones o romperse el alma trabajando por no morirse de hambre.

El robo es, por desgracia, una industria que prospera más fácilmente en las sociedades abiertas que bajo los regímenes autoritarios o totalitarios, porque en éstos la represión, la brutalidad de las sanciones, la vigilancia asfixiante de la intimidad hacen infinitamente más costosa y difícil la vida de los ladrones. Pero el precio que la sociedad paga por tener una mayor seguridad en lo que concierne a su patrimonio y vida cotidiana es tan alto -en falta de libertad, en arbitrariedades y en atropellos de toda índole, en indignidades cívicas y políticas- que nadie que sea mínimamente sensato y decente está dispuesto a pagarlo. La libertad siempre es preferible, aunque ella aproveche también, y cada vez más, a los ladrones.