segunda-feira, 13 de outubro de 2014

SOBRE AS ELEIÇÕES: até aqui, tudo "normal"...

Está dura a disputa? O nível tá ruim? É da vida, é da disputa... E se temos uma cultura política marcada pelo maniqueísmo, pelas oposições irredutíveis, não iria ser agora que as coisas iriam ser diferente, não é?

O interessante, para quem se dispõe a pensar a gramática social brasileira mais profunda, é o fato de que as matrizes discursivas que vão se revelando nos discursos que proliferam nas propagandas televisivas, nas redes e.. nos botecos e padarias nos remetem a algo que nos parecia em derrocada. Temos antipolítica, mas também a velha ojeriza ao universo dos que Florestan Fernandes denominava como "os de baixo". Claro!, o enviesamento eleitoral joga nuvens de fumaça que quase nos impedem de ver as figuras reais... Mas aí estão os nossos fantasmas de sempre a espreitar...

Então, pensando com mais objetividade, está tudo muito "normal". E entenda-se por "normal" estarmos em um país onde a distinção social e o reconhecimento estão subordinados às clivagens de hierarquias que apenas na superfície (eu diria que apenas na maquiagem e no perfume) assentam-se na meritocracia.

Há quem critique a meritocracia entre nós, e até esbraveje contra a sua entronização, que estaria a ocorrer... Para o bem e para o mal (e mais para o mal, acho), ainda não chegamos lá. Claro!, há a ideologia meritocrática... Mas, vejam só as críticas à suposta lusofonia do CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS (viram a matéria no jornal VALOR ECONÔMICO de alguns domingos atrás?), elas mal encobrem o mal-estar com o rearranjo (ainda que tão pouco profundo, em que pesem as propagandas eleitorais...) na corrida pela cenoura no mundo universitário brasileiro.

E aí voltamos ao rame-rame... "Sabe com quem está falando?" Essa arenga sempre teve a sua contra-face, não é? E essa é: "Quem é você para falar alguma coisa?". Daí que colocar o mundo em suspensão, em questionamento, mesmo que na margem, é sempre muito custoso nestas plagas.

A matriz cristã tradicional, que embasa o discurso do PT em relação ao social, garante apenas um dique, pequeno, contra o "ponha-se no seu lugar" da nossa entranhada subcidadania. Até porque, para ficar nesse terreno, o reconhecimento possibilitado por essa matriz à "ralé estrutural"(copyright Jessé Sousa) é sempre ao "pobre". "Os pobres agora podem", dizem-nos. Os seus filhos até "chegam lá". Não é a matriz republicana (fantasia que  acalenta a vida e os sonhos  dos "de baixo" no welfare-state mais ao norte do planeta) que se projeta aí. Ela nem está na disputa. Ou pior, quando adentra, no discurso mais à direita, é para negar o fosso social que nos divide.

Não deixa de ser sintomática a propaganda do Aécio nesse quesito: o PT estaria dividindo o Brasil. Essa cantilena é tão velha quanto a brilhantina Glostora... O problema é exatamente o oposto, diria um cândido crítico: é que o PT não foi (ou não pode ir) mais fundo na explicitação dessa divisão. O seu custo (o custo de tocar nesse crescente tumor) , como disse é altíssimo. Basta pensarmos que até o presente momento ainda não tivemos completada a regulação dos direitos das empregadas domésticas...

Por falar em domésticas, lembrei-me de uma narrativa de Paul Rabinow, que pode ser mobilizada porque mexe com algo tão enraizada socialmente entre nós. Ele nos conta sobre um encontro com uma cientista social brasileira, de uma universidade renomada que eu não vou citar (nem tentem me pedir para faze-lo!), que ocorreu no apartamento da dita cuja em uma noite de final de semana. Enquanto a nossa colega dissertava sobre as vicissitudes do arsenal teórico de Pierre Bourdieu para analisar a dominação no Brasil, sua diligente empregada, certamente depois de ter trabalhado todo o dia, servia a mesa e atendia os pedidos da bourdieusiana.

Tem também uma antropóloga britânica (ou será jornalista, meu Deus?) que nos fala dos quartos de empregada nos edifícios do Rio de Janeiro. Ela explicita a sua sensação de desconforto com a violência arquitetônica naturalizada da "Cidade Maravilhosa". E tudo é tão natural que até o seu amigo inglês, residente no país há alguns anos, fala que o fato é encarado com... naturalidade. E quem diabos se incomoda com o fato social expressivo que é a condenação de milhares de mulheres a viverem parte de suas vidas em cubículos situados bem ao lado de onde "todos nós vivemos"?

Por isso, acho que estas eleições estão, finalmente, mostrando o Brasil "normal". E quem teve a sensibilidade de perceber isso, no twitter, foi o Luiz Bresser-Pereira: "No final, voltamos ao "normal": os ricos contra os pobres, os conservadores contra os progressistas, a razão das elites contra a utopia."

Normal, tudo muito normal.