Em uma aula em curso de pós uma grande universidade brasileira, um professor de antropologia indicou a leitura de CASA GRANDE & SENZALA, de Gilberto Freyre. De bate-pronto, uma aluna disse que discordava da leitura e que o professor deveria retirar o livro da bibliografia da disciplina. A justificativa da aprendiz de Torquemada? "Gilberto Freyre é racista (sic)". O professor reagiu mantendo a indicação de leitura e afirmando que aluna estava sendo preconceituosa. Para quê! O professor agora está sendo alvo de um abaixo-assinado dos alunos para descredencia-lo do programa de pós, pois, o fato comprovaria que o mestre seria autoritário. Autoritário e "violento". Estaria violentando os estudantes ao impor-lhes leituras das quais eles discordam. É mole?
Quando o uso irrefletido das palavras se espraia, tudo parece perder sentido. Nos corredores de nossas universidades, tudo pode virar sinônimo de violência. E os professores, em alguns delírios de revolucionários de playground, seriam algo como a encarnação dos soldados do Czar.
É o tempo das invasões bárbaras. Para sobreviver nesse ambiente, rasteje diante da mediocridade e dê trela a todos os discursos de (ufa!) desconstrução em moda. Do contrário, você não passará de um autoritário. Outra coisa: não indique bibliografia nas disciplinas, pois, você pode indicar algo que se encontra no index dos politicamente corretos.
Temos que ter um manual para sobreviver nesses tempos de invasões bárbaras!
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
sexta-feira, 14 de novembro de 2014
O CAMPO DA EDUCAÇÃO: de Darcy Ribeiro ao Ciência Sem Fronteiras
Em um ensaio de inauguração da revista “Encontros com a civilização
brasileira”, que viria a ser um dos poucos espaços para o limitado debate
público brasileiro na década de 1970, Darcy Ribeiro dissertou magistralmente
sobre as obviedades que, segundo ele, teimávamos em reafirmar, alegre ou
sofridamente, cotidianamente no Brasil. Ensaio curto, direto e escrito na
linguagem irônica que o marcaria, “Sobre o óbvio” ainda é uma referência quando
nos dispomos a enfrentar o desafio de emprestar contorno sociológico às
conexões entre as esferas do cultural e do simbólico com as nossas
configurações sócio-econômicas, como é o caso da proposta desta mesa.
Uma reflexão sobre a
“’metapolítica’ cultural que estamos vivendo” hoje, quarenta anos depois, ainda
tem muita a ganhar relembrando algumas das assertivas cortantes de Darcy.
Dentre elas, a de que “no campo da educação é que melhor se concretiza a
sabedoria das nossas classes dominantes e sua extraordinária astúcia na defesa
de seus interesses”. Darcy
Ribeiro, um dos principais atores da LDB, na primeira metade da década de 1990,
infelizmente, não viveu para assistir e, certamente, analisar criticamente, as
mutações do campo da educação no Brasil nas duas últimas décadas. Não tenho a
pachorra de especular aqui o que o grande mestre teria a nos dizer a respeito
da morfologia presente da sociedade brasileira, mas talvez não seja um abuso
demasiado imaginar que ele continuaria a tomar o que ele denominou “campo da
educação” como um ângulo privilegiado a partir do qual se possa construir uma
sociologia política de nosso presente.
Antes de qualquer avanço analítico sobre o “campo da
educação” (copyright Darcy Ribeiro) no Brasil faz-se necessário assentar
algumas balizas para que esta intervenção não descambe para a afirmação de
velhos lugares-comuns, ou o que seria pior, de velhas obviedades que ainda
teimamos em repeti-las sofridamente. A primeira é que a própria indagação sobre
a educação em um exercício de sociologia política que se pretende orientado
para perscrutar as gramáticas culturais subjacentes aos discursos dos atores
envolvidos com a produção e/ou reação às mudanças sociais dos últimos anos no
Brasil necessita de uma justificação. Penso que reproduzimos nestes trópicos,
de forma um tanto quanto cavilosa, o pacto parsoniano entre sociologia e
economia na metade do século XX nos EUA. Aqui, o pacto implícito se deu entre
pedagogia e um conjunto de outras disciplinas, particularmente a sociologia,
que, não raro, teimou em não objetivar os termos e os temas dos debates sobre a
educação no Brasil. E quando esse pacto foi esvaziado não o foi pela ação ou
investida analítica da sociologia, mas, sim, sabemos todos muito bem, da
entrada em cena, predominantemente da economia, e, em menor grau, da ciência
política, ou, para ser mais preciso, do subcampo de análise de políticas
públicas. Em relação à economia, importa chamar a atenção para o fato de que a
mesma adentrou o campo com voracidade e muita disposição para conquistar o
direito de dizer quais os pontos de discussão merecem estar na pauta da
discussão.
Uma segunda demarcação, conseqüência da observação anterior,
é a de que a separação entre os estudos da educação, da cultura e da política,
justificáveis do ponto de vista da divisão social do trabalho no campo das
ciências sociais brasileiras, traduz-se em uma dificuldade em produzir sínteses
mais robustas sobre, por exemplo, a disputa em torno da distribuição de
capitais culturais e simbólicos no país. Por isso mesmo, ao centramos a nossa
investigação sobre a evolução recente do campo da educação brasileira talvez
possamos apreender melhor as redefinições morfológicas da sociedade brasileira
dificilmente apreendidas a partir de abordagens centradas nas erupções de baixa
intensidade que marcam momentos conjunturais estabelecidos como significativos.
Mas esse exercício analítico exige, eu não diria coragem,
mas uma sadia irresponsabilidade para romper a jaula de ferro na qual, segundo
Darcy Ribeiro, a bezerra crescia e se tornava a Universidade brasileira, um ser
estranho e pouco propício aos afoitos. Em linguagem mais palatável às
sensibilidades do presente, poderíamos dizer que essa aposta encontra uma
justificativa legítima na seguinte observação de Bernard Lahire, um conhecido
de muitos dos que aqui estão: “os
pesquisadores eles mesmo terminam por perder completamente o sentido das
totalidades sociais e das ligações de interdependência que existem entre os
domínios diferentes da prática e
transmudam o ator individual em improváveis e abstratos homo economicus,
juridicus, politicus, psychiatricus, linguisticus, etc. Eles terminam, do mesmo
modo, resvalando para a incapacidade de fornecer aos leitores não especialistas
uma imagem minimamente clara da sociedade na qual vivem”.
Para
se chegar, se não à totalidade advogada por Lahire, talvez mais como incitação
provocativa do que como uma aposta epistemológica de fato, devamos romper
também com as periodizações cristalizadas e auto-referentes com as quais os
estudiosos da educação reconstroem a história do campo. Tomemos, então, um
ponto arbitrário para cumprir o objetivo mais acima apontado.
1989. Primeira eleição direta para presidente. Menos de ano após a promulgação da então cantada Constituição Cidadã, a qual, segundo os porta-vozes do chamado “centrão” e do então Presidente Sarney, tinha concedido, generosamente, uma cesta tão pesada de direitos sociais que logo o país se tornaria ingovernável. Pois bem, nessa eleição, como nesta de 2014, a defesa da escola de tempo integral, não com a força de agora, também adentrou na pauta de discussão. Trazida por Brizola, a partir da experiência dos CIEPS, dirigida exatamente por Darcy Ribeiro. A proposição, lembrem-se os mais experientes, era tida como irrealista. Não exatamente irrealista, mas uma completa irresponsabilidade era a proposta da candidatura Lula de “nenhuma criança fora da escola”. Sem Brizola, sem Lula e sem revolução, em meados da década de 1990, finalmente alcançamos a universalização do ensino básico. Mais ou menos na época da promulgação da LDB e do início de um conjunto de redefinições das políticas educacionais. É também o momento em que as velhas narrativas sobre as conexões entre escola e trabalho, muito fortes em meados da década de 1970 e moldadas pela gramática marxista, deslizavam para a obscuridade, ou para o gueto corporativista onde ainda encontram, hoje, alguma audiência. E Bourdieu, cuja obra nos trópicos teve destino menos inglório que a Greta Garbo, não acabou no Irajá, mas, sim, alimentando uma retórica de “baixo clero” sobre a escola reprodutivista. Essa apropriação, claro, não foi a única (e nem a hegemônica, já que os deuses existem e, provavelmente, moram ali ao lado do Butantã!), pois, também nos ajudou a (re)pensar nossa moderna tradição cultural e as práticas de consumo de bens culturais. Mas, como eu ia dizendo, é nesse momento em que a conexão escola/trabalho escapa das grades analíticas tradicionais de uma esquerda universitária pouco sensível para as demandas do aqui e do agora que a racionalidade econômica, que então ganhava terrenos sociais e a adesão de subjetividades, começa a se impor com o norte que deve guiar as ações e políticas no campo educacional.
As velhas teorias do capital humano deixam de ser os pontos de apoio para uma subversão do campo e a imposição de uma humilhante derrota aos pedagogos tradicionais. Com o contrabando de capital acumulado no campo político foi possível, para os governos FHC e Lula, a reconfiguração dos sentidos a respeito dos objetivos do campo educacional brasileiro, e, o que é mais significativo sociologicamente, a gradual imposição de instrumentos de aferição/avaliação das ações educacionais e processos formativos. Ademais, a velha regulação tradicional exercida via o então Conselho Federal de Educação passa a se orientar por critérios transparentes e de acesso público como os indicadores resultantes da aplicação dos instrumentos avaliativos acima mencionados.
A reação corporativista de docentes e estudantes contra os instrumentos de avaliação é expressiva de uma movimentação mais profunda na vida social e política brasileira. Não é porque os atores são tacanhos que eles deixam de expressam dilemas e tensões significativas. Refiro-me ao fato de que essa reação, no campo educacional, fornece referentes importantes para a disputa política mais geral em torno de quem é a favor da transparência, da gestão racional do dinheiro público e da modernização da própria educação. Essa configuração levou a esquerda tradicional para o canto do ringue mais uma vez (boa parte dela já havia beijado a lona quando da derrocada do socialismo real).
Ora, quem, em sã consciência, seria contra a gestão racional dos recursos públicos e a avaliação dos resultados alcançados pela aplicação desses mesmos recursos. Mesmo aqueles que vão para o cadafalso saúdam o imperador. A violência simbólica é doce, sabemos. Questionar esses instrumentos é se colocar contra o óbvio, quem o faria?
A universalização do acesso ao ensino básico, já referida mais acima, foi um inegável avanço civilizacional. Mas esse avanço também se traduziu em uma explicitação dos dilemas da inclusão social. Os dilemas oriundos da incompatibilidade (ou da não conversibilidade) dos capitais familiares (especialmente aqueles que traduzem consumo de bens culturais distintivos) em capital escolar assomam explicitam-se fortemente. O vaticínio do antigo centrão pareceria se realizar, pois, o direito à educação parecia exigir mais e mais recursos. Pareceria, caso professores e alunos do ensino básico não se prestassem, na sua impotência, aos papéis de responsáveis pelo insucesso que os afunda. Tanto é assim que ainda, hoje, o piso salarial dos professores, essa conquista civilizacional, ainda é estabelecido, hoje, em muitas unidades da federação, com a mobilização pelos governos estaduais de artifícios jurídicos e criatividade contábil.
Em um primeiro momento, no início do Primeiro Governo Lula, parecia que a macha no que diz respeito à educação não difereria muito diferente daquela já estabelecida. Lembremo-nos de Cristovão Buarque, ministro da educação, afirmando que não tinha muito mesmo o que dizer e nem a propor para as universidades federais. Ou ainda o então poderoso chefe da casa civil dizendo (ou lhe sendo atribuída a frase, enfim) de que, talvez, fosse necessário ir pro pau com os professores universitários.
Mas antes mesmo que a guinada neodesenvolvimentista ocorresse as Universidades se ajustaram ao novo ambiente político, afirmando-se como atores indispensáveis para a qualificação do ensino básico. Não foi lenta a incorporação da base (ou “baixo clero”) docente das federais aos cursos de formação básica, com pagamento extra. Incorporada essa base, no início do segundo governo Lula, com o REUNI e o REUF, a educação superior passa a constar na agenda da inclusão social. Junte-se a isso expansão da rede de educação tecnológica, acompanhada da redefinição institucional e crescimento igualmente significativo dos antigos CEFETS agora IFs.
Não se trata e nem é possível fazer aqui uma arqueologia desse momento. Mas talvez seja possível indicar que a educação (olha que eu não estou mais falando em campo) passou a ser a base para a emergência social do que poderíamos denominar de campos de ação estratégica. Penso que essa noção torna operacional a análise do que a sociologia pragmática denomina de momentos de “prova”. Esclareço: a noção bourdieusiana de campo, contrabandeada para estas plagas sem muito cuidado no transporte, até rendeu belos frutos, mas esses frutos escasseiam quando direcionada para algo como o sistema educacional. Mas o que diabos vem a ser campo de ação estratégica e qual a sua instrumentabilidade heurística? Tomando como referência Neil Fligstein, mas indo irresponsavelmente além dele, podemos pensemos os campos de ação estratégica como um meso-nível da ordem social, uma estrutura básica, um bloco, contingente, no qual se organizam disputas fundamentais da vida política, econômica e social moderna. Esses campos têm forte ligação com o Estado ou se desenvolvem muito próximo deste.
Essa perspectiva nos ajuda a pensar o posicionamento dos atores e o seu lugar social em disputas que são substanciais e não apenas rearrumam a casa, mas implodem campos e fazem emergir outros. Esses campos de ação estratégica têm como pano de fundo um universo maior dificilmente apreensível a partir da cartografia tradicional dos campos a la Bourdieu.
Dito isso e caminhando para o fim, poderíamos propor que, nos últimos dez anos, campos estratégicos com capacidade de impactar fortemente a disputa política mais geral foram se estruturando no universo da educação brasileira, abrindo a oportunidade para a entrada em cena de novos atores com grande poder de fala, de imposição de agenda, como é o caso dos economistas, e não menos importante de setores do sistema financeiro. Não se trata apenas de uma conseqüência não-intencional das política inclusivas no sistema, as quais ampliaram o crédito educativo e, com o Prouni, possibilitaram não apenas a sobrevida, como prevíamos na metade da década passada, do sistema privada de ensino superior, mas, o que é mais importante, desse robustez e atração enquanto investimento para as empresas privadas de educação. Não me refiro a essa dimensão, embora ela seja importante demais para ficar em nota de rodapé. Refiro-me a emergência de um contexto cultural no qual agentes do sistema bancário puderam, assim como os economistas, ganhar audiência para as suas propostas para a educação brasileira. Tudo não passaria do anedotário. Mas, afinal, se entre nós dono de jornal é chamado de jornalista, por que banqueiro não poderia ser carinhosamente reverenciado como educador?
Mas placas tectônicas se moveram no universo da educação. Na superfície, campos estratégicos se organizaram em torno da inclusão social (debate sobre cotas, uso do Enem para acesso ao sistema universitário), financiamento da educação, certificação da formação, internacionalização do processo educativo, dentre outros. E aí nem sempre há a uma correlação muito bem definida das posições dos atores nos diversos campos. Não se trata também de trocar velho determinismo econômico pelo maniqueísmo do determinismo político, mas de bom alvitre perceber como nas disputas desses campos estão em jogo algumas das questões fundamentais da vida social brasileira. Não por acaso, talvez depois do chamado campo político, seja no universo da educação que tenhamos tido a eclosão de mais escândalos nos últimos, desde que entendamos escândalos (copyright Grun) como expressões de tensões e anúncios de chamada à ordem. As provas do ENEM, por exemplo, servem tanto para a produção de escândalos quanto as gravações telefônicas de um acerto em uma licitação. E a doxa não deixa de ser reafirmada, não sem certa virulência, no debate nesses campos. Basta ver a esse respeito a reação ao Programa Ciência Sem Fronteiras. Não importa que os dados indiquem que temos três vezes mais bolsistas na Alemanha do que em Portugal, os nossos analistas especializadas sempre irão dizer, como vimos em caderno de domingo do VALOR ECONÔMICO nestes dias, que os estudantes brasileiros só querem ir para a terrinha porque ninguém fala outro idioma nos trópicos, além, é claro, deles mesmos. Ora, pois, como diria Darcy Ribeiro, a gente nem fala português mesmo. O que sempre tivemos nestes trópicos foi uma língua geral, criada por africanos e nativos americanos para estabelecer a comunicação com os gajos d’além mar...
1989. Primeira eleição direta para presidente. Menos de ano após a promulgação da então cantada Constituição Cidadã, a qual, segundo os porta-vozes do chamado “centrão” e do então Presidente Sarney, tinha concedido, generosamente, uma cesta tão pesada de direitos sociais que logo o país se tornaria ingovernável. Pois bem, nessa eleição, como nesta de 2014, a defesa da escola de tempo integral, não com a força de agora, também adentrou na pauta de discussão. Trazida por Brizola, a partir da experiência dos CIEPS, dirigida exatamente por Darcy Ribeiro. A proposição, lembrem-se os mais experientes, era tida como irrealista. Não exatamente irrealista, mas uma completa irresponsabilidade era a proposta da candidatura Lula de “nenhuma criança fora da escola”. Sem Brizola, sem Lula e sem revolução, em meados da década de 1990, finalmente alcançamos a universalização do ensino básico. Mais ou menos na época da promulgação da LDB e do início de um conjunto de redefinições das políticas educacionais. É também o momento em que as velhas narrativas sobre as conexões entre escola e trabalho, muito fortes em meados da década de 1970 e moldadas pela gramática marxista, deslizavam para a obscuridade, ou para o gueto corporativista onde ainda encontram, hoje, alguma audiência. E Bourdieu, cuja obra nos trópicos teve destino menos inglório que a Greta Garbo, não acabou no Irajá, mas, sim, alimentando uma retórica de “baixo clero” sobre a escola reprodutivista. Essa apropriação, claro, não foi a única (e nem a hegemônica, já que os deuses existem e, provavelmente, moram ali ao lado do Butantã!), pois, também nos ajudou a (re)pensar nossa moderna tradição cultural e as práticas de consumo de bens culturais. Mas, como eu ia dizendo, é nesse momento em que a conexão escola/trabalho escapa das grades analíticas tradicionais de uma esquerda universitária pouco sensível para as demandas do aqui e do agora que a racionalidade econômica, que então ganhava terrenos sociais e a adesão de subjetividades, começa a se impor com o norte que deve guiar as ações e políticas no campo educacional.
As velhas teorias do capital humano deixam de ser os pontos de apoio para uma subversão do campo e a imposição de uma humilhante derrota aos pedagogos tradicionais. Com o contrabando de capital acumulado no campo político foi possível, para os governos FHC e Lula, a reconfiguração dos sentidos a respeito dos objetivos do campo educacional brasileiro, e, o que é mais significativo sociologicamente, a gradual imposição de instrumentos de aferição/avaliação das ações educacionais e processos formativos. Ademais, a velha regulação tradicional exercida via o então Conselho Federal de Educação passa a se orientar por critérios transparentes e de acesso público como os indicadores resultantes da aplicação dos instrumentos avaliativos acima mencionados.
A reação corporativista de docentes e estudantes contra os instrumentos de avaliação é expressiva de uma movimentação mais profunda na vida social e política brasileira. Não é porque os atores são tacanhos que eles deixam de expressam dilemas e tensões significativas. Refiro-me ao fato de que essa reação, no campo educacional, fornece referentes importantes para a disputa política mais geral em torno de quem é a favor da transparência, da gestão racional do dinheiro público e da modernização da própria educação. Essa configuração levou a esquerda tradicional para o canto do ringue mais uma vez (boa parte dela já havia beijado a lona quando da derrocada do socialismo real).
Ora, quem, em sã consciência, seria contra a gestão racional dos recursos públicos e a avaliação dos resultados alcançados pela aplicação desses mesmos recursos. Mesmo aqueles que vão para o cadafalso saúdam o imperador. A violência simbólica é doce, sabemos. Questionar esses instrumentos é se colocar contra o óbvio, quem o faria?
A universalização do acesso ao ensino básico, já referida mais acima, foi um inegável avanço civilizacional. Mas esse avanço também se traduziu em uma explicitação dos dilemas da inclusão social. Os dilemas oriundos da incompatibilidade (ou da não conversibilidade) dos capitais familiares (especialmente aqueles que traduzem consumo de bens culturais distintivos) em capital escolar assomam explicitam-se fortemente. O vaticínio do antigo centrão pareceria se realizar, pois, o direito à educação parecia exigir mais e mais recursos. Pareceria, caso professores e alunos do ensino básico não se prestassem, na sua impotência, aos papéis de responsáveis pelo insucesso que os afunda. Tanto é assim que ainda, hoje, o piso salarial dos professores, essa conquista civilizacional, ainda é estabelecido, hoje, em muitas unidades da federação, com a mobilização pelos governos estaduais de artifícios jurídicos e criatividade contábil.
Em um primeiro momento, no início do Primeiro Governo Lula, parecia que a macha no que diz respeito à educação não difereria muito diferente daquela já estabelecida. Lembremo-nos de Cristovão Buarque, ministro da educação, afirmando que não tinha muito mesmo o que dizer e nem a propor para as universidades federais. Ou ainda o então poderoso chefe da casa civil dizendo (ou lhe sendo atribuída a frase, enfim) de que, talvez, fosse necessário ir pro pau com os professores universitários.
Mas antes mesmo que a guinada neodesenvolvimentista ocorresse as Universidades se ajustaram ao novo ambiente político, afirmando-se como atores indispensáveis para a qualificação do ensino básico. Não foi lenta a incorporação da base (ou “baixo clero”) docente das federais aos cursos de formação básica, com pagamento extra. Incorporada essa base, no início do segundo governo Lula, com o REUNI e o REUF, a educação superior passa a constar na agenda da inclusão social. Junte-se a isso expansão da rede de educação tecnológica, acompanhada da redefinição institucional e crescimento igualmente significativo dos antigos CEFETS agora IFs.
Não se trata e nem é possível fazer aqui uma arqueologia desse momento. Mas talvez seja possível indicar que a educação (olha que eu não estou mais falando em campo) passou a ser a base para a emergência social do que poderíamos denominar de campos de ação estratégica. Penso que essa noção torna operacional a análise do que a sociologia pragmática denomina de momentos de “prova”. Esclareço: a noção bourdieusiana de campo, contrabandeada para estas plagas sem muito cuidado no transporte, até rendeu belos frutos, mas esses frutos escasseiam quando direcionada para algo como o sistema educacional. Mas o que diabos vem a ser campo de ação estratégica e qual a sua instrumentabilidade heurística? Tomando como referência Neil Fligstein, mas indo irresponsavelmente além dele, podemos pensemos os campos de ação estratégica como um meso-nível da ordem social, uma estrutura básica, um bloco, contingente, no qual se organizam disputas fundamentais da vida política, econômica e social moderna. Esses campos têm forte ligação com o Estado ou se desenvolvem muito próximo deste.
Essa perspectiva nos ajuda a pensar o posicionamento dos atores e o seu lugar social em disputas que são substanciais e não apenas rearrumam a casa, mas implodem campos e fazem emergir outros. Esses campos de ação estratégica têm como pano de fundo um universo maior dificilmente apreensível a partir da cartografia tradicional dos campos a la Bourdieu.
Dito isso e caminhando para o fim, poderíamos propor que, nos últimos dez anos, campos estratégicos com capacidade de impactar fortemente a disputa política mais geral foram se estruturando no universo da educação brasileira, abrindo a oportunidade para a entrada em cena de novos atores com grande poder de fala, de imposição de agenda, como é o caso dos economistas, e não menos importante de setores do sistema financeiro. Não se trata apenas de uma conseqüência não-intencional das política inclusivas no sistema, as quais ampliaram o crédito educativo e, com o Prouni, possibilitaram não apenas a sobrevida, como prevíamos na metade da década passada, do sistema privada de ensino superior, mas, o que é mais importante, desse robustez e atração enquanto investimento para as empresas privadas de educação. Não me refiro a essa dimensão, embora ela seja importante demais para ficar em nota de rodapé. Refiro-me a emergência de um contexto cultural no qual agentes do sistema bancário puderam, assim como os economistas, ganhar audiência para as suas propostas para a educação brasileira. Tudo não passaria do anedotário. Mas, afinal, se entre nós dono de jornal é chamado de jornalista, por que banqueiro não poderia ser carinhosamente reverenciado como educador?
Mas placas tectônicas se moveram no universo da educação. Na superfície, campos estratégicos se organizaram em torno da inclusão social (debate sobre cotas, uso do Enem para acesso ao sistema universitário), financiamento da educação, certificação da formação, internacionalização do processo educativo, dentre outros. E aí nem sempre há a uma correlação muito bem definida das posições dos atores nos diversos campos. Não se trata também de trocar velho determinismo econômico pelo maniqueísmo do determinismo político, mas de bom alvitre perceber como nas disputas desses campos estão em jogo algumas das questões fundamentais da vida social brasileira. Não por acaso, talvez depois do chamado campo político, seja no universo da educação que tenhamos tido a eclosão de mais escândalos nos últimos, desde que entendamos escândalos (copyright Grun) como expressões de tensões e anúncios de chamada à ordem. As provas do ENEM, por exemplo, servem tanto para a produção de escândalos quanto as gravações telefônicas de um acerto em uma licitação. E a doxa não deixa de ser reafirmada, não sem certa virulência, no debate nesses campos. Basta ver a esse respeito a reação ao Programa Ciência Sem Fronteiras. Não importa que os dados indiquem que temos três vezes mais bolsistas na Alemanha do que em Portugal, os nossos analistas especializadas sempre irão dizer, como vimos em caderno de domingo do VALOR ECONÔMICO nestes dias, que os estudantes brasileiros só querem ir para a terrinha porque ninguém fala outro idioma nos trópicos, além, é claro, deles mesmos. Ora, pois, como diria Darcy Ribeiro, a gente nem fala português mesmo. O que sempre tivemos nestes trópicos foi uma língua geral, criada por africanos e nativos americanos para estabelecer a comunicação com os gajos d’além mar...
segunda-feira, 13 de outubro de 2014
SOBRE AS ELEIÇÕES: até aqui, tudo "normal"...
Está dura a disputa? O nível tá ruim? É da vida, é da disputa... E se temos uma cultura política marcada pelo maniqueísmo, pelas oposições irredutíveis, não iria ser agora que as coisas iriam ser diferente, não é?
O interessante, para quem se dispõe a pensar a gramática social brasileira mais profunda, é o fato de que as matrizes discursivas que vão se revelando nos discursos que proliferam nas propagandas televisivas, nas redes e.. nos botecos e padarias nos remetem a algo que nos parecia em derrocada. Temos antipolítica, mas também a velha ojeriza ao universo dos que Florestan Fernandes denominava como "os de baixo". Claro!, o enviesamento eleitoral joga nuvens de fumaça que quase nos impedem de ver as figuras reais... Mas aí estão os nossos fantasmas de sempre a espreitar...
Então, pensando com mais objetividade, está tudo muito "normal". E entenda-se por "normal" estarmos em um país onde a distinção social e o reconhecimento estão subordinados às clivagens de hierarquias que apenas na superfície (eu diria que apenas na maquiagem e no perfume) assentam-se na meritocracia.
Há quem critique a meritocracia entre nós, e até esbraveje contra a sua entronização, que estaria a ocorrer... Para o bem e para o mal (e mais para o mal, acho), ainda não chegamos lá. Claro!, há a ideologia meritocrática... Mas, vejam só as críticas à suposta lusofonia do CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS (viram a matéria no jornal VALOR ECONÔMICO de alguns domingos atrás?), elas mal encobrem o mal-estar com o rearranjo (ainda que tão pouco profundo, em que pesem as propagandas eleitorais...) na corrida pela cenoura no mundo universitário brasileiro.
E aí voltamos ao rame-rame... "Sabe com quem está falando?" Essa arenga sempre teve a sua contra-face, não é? E essa é: "Quem é você para falar alguma coisa?". Daí que colocar o mundo em suspensão, em questionamento, mesmo que na margem, é sempre muito custoso nestas plagas.
A matriz cristã tradicional, que embasa o discurso do PT em relação ao social, garante apenas um dique, pequeno, contra o "ponha-se no seu lugar" da nossa entranhada subcidadania. Até porque, para ficar nesse terreno, o reconhecimento possibilitado por essa matriz à "ralé estrutural"(copyright Jessé Sousa) é sempre ao "pobre". "Os pobres agora podem", dizem-nos. Os seus filhos até "chegam lá". Não é a matriz republicana (fantasia que acalenta a vida e os sonhos dos "de baixo" no welfare-state mais ao norte do planeta) que se projeta aí. Ela nem está na disputa. Ou pior, quando adentra, no discurso mais à direita, é para negar o fosso social que nos divide.
Não deixa de ser sintomática a propaganda do Aécio nesse quesito: o PT estaria dividindo o Brasil. Essa cantilena é tão velha quanto a brilhantina Glostora... O problema é exatamente o oposto, diria um cândido crítico: é que o PT não foi (ou não pode ir) mais fundo na explicitação dessa divisão. O seu custo (o custo de tocar nesse crescente tumor) , como disse é altíssimo. Basta pensarmos que até o presente momento ainda não tivemos completada a regulação dos direitos das empregadas domésticas...
Por falar em domésticas, lembrei-me de uma narrativa de Paul Rabinow, que pode ser mobilizada porque mexe com algo tão enraizada socialmente entre nós. Ele nos conta sobre um encontro com uma cientista social brasileira, de uma universidade renomada que eu não vou citar (nem tentem me pedir para faze-lo!), que ocorreu no apartamento da dita cuja em uma noite de final de semana. Enquanto a nossa colega dissertava sobre as vicissitudes do arsenal teórico de Pierre Bourdieu para analisar a dominação no Brasil, sua diligente empregada, certamente depois de ter trabalhado todo o dia, servia a mesa e atendia os pedidos da bourdieusiana.
Tem também uma antropóloga britânica (ou será jornalista, meu Deus?) que nos fala dos quartos de empregada nos edifícios do Rio de Janeiro. Ela explicita a sua sensação de desconforto com a violência arquitetônica naturalizada da "Cidade Maravilhosa". E tudo é tão natural que até o seu amigo inglês, residente no país há alguns anos, fala que o fato é encarado com... naturalidade. E quem diabos se incomoda com o fato social expressivo que é a condenação de milhares de mulheres a viverem parte de suas vidas em cubículos situados bem ao lado de onde "todos nós vivemos"?
Por isso, acho que estas eleições estão, finalmente, mostrando o Brasil "normal". E quem teve a sensibilidade de perceber isso, no twitter, foi o Luiz Bresser-Pereira: "No final, voltamos ao "normal": os ricos contra os pobres, os conservadores contra os progressistas, a razão das elites contra a utopia."
Normal, tudo muito normal.
O interessante, para quem se dispõe a pensar a gramática social brasileira mais profunda, é o fato de que as matrizes discursivas que vão se revelando nos discursos que proliferam nas propagandas televisivas, nas redes e.. nos botecos e padarias nos remetem a algo que nos parecia em derrocada. Temos antipolítica, mas também a velha ojeriza ao universo dos que Florestan Fernandes denominava como "os de baixo". Claro!, o enviesamento eleitoral joga nuvens de fumaça que quase nos impedem de ver as figuras reais... Mas aí estão os nossos fantasmas de sempre a espreitar...
Então, pensando com mais objetividade, está tudo muito "normal". E entenda-se por "normal" estarmos em um país onde a distinção social e o reconhecimento estão subordinados às clivagens de hierarquias que apenas na superfície (eu diria que apenas na maquiagem e no perfume) assentam-se na meritocracia.
Há quem critique a meritocracia entre nós, e até esbraveje contra a sua entronização, que estaria a ocorrer... Para o bem e para o mal (e mais para o mal, acho), ainda não chegamos lá. Claro!, há a ideologia meritocrática... Mas, vejam só as críticas à suposta lusofonia do CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS (viram a matéria no jornal VALOR ECONÔMICO de alguns domingos atrás?), elas mal encobrem o mal-estar com o rearranjo (ainda que tão pouco profundo, em que pesem as propagandas eleitorais...) na corrida pela cenoura no mundo universitário brasileiro.
E aí voltamos ao rame-rame... "Sabe com quem está falando?" Essa arenga sempre teve a sua contra-face, não é? E essa é: "Quem é você para falar alguma coisa?". Daí que colocar o mundo em suspensão, em questionamento, mesmo que na margem, é sempre muito custoso nestas plagas.
A matriz cristã tradicional, que embasa o discurso do PT em relação ao social, garante apenas um dique, pequeno, contra o "ponha-se no seu lugar" da nossa entranhada subcidadania. Até porque, para ficar nesse terreno, o reconhecimento possibilitado por essa matriz à "ralé estrutural"(copyright Jessé Sousa) é sempre ao "pobre". "Os pobres agora podem", dizem-nos. Os seus filhos até "chegam lá". Não é a matriz republicana (fantasia que acalenta a vida e os sonhos dos "de baixo" no welfare-state mais ao norte do planeta) que se projeta aí. Ela nem está na disputa. Ou pior, quando adentra, no discurso mais à direita, é para negar o fosso social que nos divide.
Não deixa de ser sintomática a propaganda do Aécio nesse quesito: o PT estaria dividindo o Brasil. Essa cantilena é tão velha quanto a brilhantina Glostora... O problema é exatamente o oposto, diria um cândido crítico: é que o PT não foi (ou não pode ir) mais fundo na explicitação dessa divisão. O seu custo (o custo de tocar nesse crescente tumor) , como disse é altíssimo. Basta pensarmos que até o presente momento ainda não tivemos completada a regulação dos direitos das empregadas domésticas...
Por falar em domésticas, lembrei-me de uma narrativa de Paul Rabinow, que pode ser mobilizada porque mexe com algo tão enraizada socialmente entre nós. Ele nos conta sobre um encontro com uma cientista social brasileira, de uma universidade renomada que eu não vou citar (nem tentem me pedir para faze-lo!), que ocorreu no apartamento da dita cuja em uma noite de final de semana. Enquanto a nossa colega dissertava sobre as vicissitudes do arsenal teórico de Pierre Bourdieu para analisar a dominação no Brasil, sua diligente empregada, certamente depois de ter trabalhado todo o dia, servia a mesa e atendia os pedidos da bourdieusiana.
Tem também uma antropóloga britânica (ou será jornalista, meu Deus?) que nos fala dos quartos de empregada nos edifícios do Rio de Janeiro. Ela explicita a sua sensação de desconforto com a violência arquitetônica naturalizada da "Cidade Maravilhosa". E tudo é tão natural que até o seu amigo inglês, residente no país há alguns anos, fala que o fato é encarado com... naturalidade. E quem diabos se incomoda com o fato social expressivo que é a condenação de milhares de mulheres a viverem parte de suas vidas em cubículos situados bem ao lado de onde "todos nós vivemos"?
Por isso, acho que estas eleições estão, finalmente, mostrando o Brasil "normal". E quem teve a sensibilidade de perceber isso, no twitter, foi o Luiz Bresser-Pereira: "No final, voltamos ao "normal": os ricos contra os pobres, os conservadores contra os progressistas, a razão das elites contra a utopia."
Normal, tudo muito normal.
domingo, 17 de agosto de 2014
Uma oportunidade perdida: a matéria do suplemento do VALOR sobre o ensino superior
Sofrível. Ou, para ser mais generoso, uma oportunidade
perdida. Refiro-me à matéria de capa do suplemento EU & FIM DE SEMANA do jornal
VALOR ECONÔMICO. Intitulado “Superior, mas nem tanto”, o texto ambiciona fazer
uma apresentação panorâmica dos desafios colocados para o ensino superior
brasileiro. Pauta legal! Mais do que atual, registre-se.
Infelizmente, o autor, Eduardo Belo, escolheu o caminho mais
fácil e, aparentemente seguro, ouvir alguns medalhões (dentre eles, nada menos que três ex-reitores
da USP) e uns três ou quatro especialistas, também ancorados em São Paulo (Simon
Swartzman, Naércio Menezes e Renato Janine Ribeiro. O resultado não poderia ser
pior: uma caricatura das caricaturas das críticas caricaturais da política de
expansão do ensino superior brasileiro. Tivesse odor, o jornal cheiraria a
mofo.
Entre preconceitos e boutades, alguns gráficos comparativos
do desempenho das universidades brasileiras em relação aos países do norte e
aos brics. Estes dados, de resto, são as coisas mais interessantes. Voltando às
boutades, tem uma impagável (mas, sei bem, pode ser reproduzida como verdade
nos cafés da Praça Vilaboim), emitida pelo Goldemberg a respeito do Programa CIÊNCIA
SEM FRONTEIRAS. Vou citá-la: “segundo
ele, os estudantes não dominam outros idiomas e, em boa parte, acabam se
concentrando em Portugal”. Aí nem o jornalista agüentou e esclareceu num
envergonhado parêntese: “A página do programa
na internet mostra que Portugal conta hoje com 623 bolsistas brasileiros
do Ciência Sem Fronteiras, enquanto na
Alemanha são 2.318 e nos Estados Unidos, 10.837)”. God Save Goldemberg!
Inacreditável! O incauto que se encantar com a capa do
suplemento do VALOR, de resto sempre um bom jornal, vai comprar gato por lebre.
Em meio a platitudes, das quais nem um cara sempre crítico e atilado como o
Janine escapa, a gente fica se perguntando (e se amedrontando, pois, no fundo
já sabemos a resposta) sobre o enraizamento social de visões tão empobrecidas e
superficiais sobre a Universidade brasileira, especialmente sobre as IFES. Se
gente que se diz especialista e que já foi gestor, tem esse tipo de apreensão
das coisas, o que pensará o eleitor médio (existe?) do, sei lá!, Tucuruvi?
quarta-feira, 9 de julho de 2014
A ciência política e o PT
Uma abordagem crítica e provocativa sobre o significado político do PT para a democracia brasileira. Vale a pena conferir!
Da democracia participativa à pluralidade da representação: breves notas sobre a odisseia do PT na política e na ciência política brasileira*
Da democracia participativa à pluralidade da representação: breves notas sobre a odisseia do PT na política e na ciência política brasileira*
Bruno P. W. Reis
Professor do Departamento de Ciência Política da UFMG, pesquisador do CNPq. <brunoreis@ufmg.br>
Participação e representação: uma preliminar conceitual
Houve tempo em que a esquerda rejeitava o valor, senão a própria ideia, da "democracia representativa". À medida que preservava o protagonismo de uma elite política, a representação não poderia ser compatível com uma democracia, se fôssemos devidamente rigorosos quanto à acepção do termo. No mínimo, ela produzia uma democracia manca, pouco democrática no fim das contas, particularmente quando contrastada com o valor e a presumível autenticidade da "democracia participativa".1 Já analisei este tema em outro trabalho (Reis e Bueno, 2006), não vou retomá-lo aqui longamente. Mas a remissão a ele é importante para dar perspectiva a um esforço de diagnóstico do processo de pluralização dos meios de representação política no Brasil recente, propósito deste trabalho.
Talvez o próprio conceito de "participação política" seja mais polissêmico do que nossa intuição (informada por nossas inclinações ideológicas) sugere. Afinal, o que fazer com uma ideia que abre um guarda-chuva tão extenso sobre coisas tão diversas quanto votar, frequentar associações, comparecer a comícios, difundir opiniões na internet, assinar manifestos, filiar-se a partidos, ir a passeatas, militar em sindicatos, aderir a boicotes, candidatar-se em eleições, resistir em barricadas, doar dinheiro a candidatos, voluntariar-se em ONGs, panfletar em campanhas e, talvez, explodir algumas bombas?
É inevitável que o esforço de teorização sobre participação acabe desdobrando-se em tópicos mais específicos, já que cada uma de suas várias manifestações pode ter efeitos - e causas - muito variados, e dificilmente conseguimos obter rendimento analítico e teórico de sua apreensão global, para além da idealização participativista.
Sim, claro. Participação política, desde que não violenta, é direito de todos e não cabe menoscabá-lo ou fazer pouco dele, como se as pessoas melhor fizessem se não aborrecessem os políticos e fossem cuidar de seus afazeres particulares. Nada disso. Dado esse direito, cabe a cada cidadão decidir o uso que quer dar a ele - e cabe às instituições, e à elite política, não apenas proteger esse direito, mas propiciar meios suficientemente diversificados para seu pleno exercício, e tomar as providências devidas para dar-lhe consequência. De fato, isso torna fúteis eventuais diagnósticos de "excesso de demandas" num sistema político, tais como os que apareceram de maneira célebre em Crozier, Huntington e Watanuki (1975): concretamente, o volume de demandas é um dado, e será aquele que resultar da agregação das eventuais demandas a emergir na população. O esforço de contê-las será mero "represamento", temporário, e tenderá a resultar em violência, numa direção ou noutra.
No entanto, para além dessa afirmação de princípio, de caráter normativo, é difícil propor generalizações empíricas que possam recorrer, indistintamente, ao rótulo genérico da "participação política". Mais difícil ainda é sustentar uma contraposição de definições entre participação e representação. Afinal, como bem apontou Plotke (1997: 19, apud Reis e Bueno, 2006), o oposto da representação não é a participação, é a exclusão; o oposto da participação é a abstenção. A contraposição só é compreensível pela operação de um contraste intuitivo entre uma política hierárquica (dita representativa) e outra estritamente igualitária, não hierárquica (por hipótese, participativa).
Várias manifestações tópicas da participação, mesmo quando não se referem à participação eleitoral, quase sempre revelam uma estrutura relacional que envolverá, fatalmente, representação de interesses (materiais ou ideais) por terceiros. E as redes mobilizadas na participação política frequentemente envolverão topologia hierárquica - até pela distribuição não aleatória dos vínculos entre os vários nódulos da rede (Barabási, 2002).
A ubiquidade das hierarquias não deixou de ser apontada recorrentemente e, de maneira clássica, pelos assim chamados (não sem ambiguidade) "elitistas" de um século
atrás, como Mosca (1896), Michels (1911), Pareto (1916) e, mais notoriamente que eles, por Max Weber (1925). No entanto, a ambiguidade a que me referi não esteve presente só no nome que a posteridade deu àquela literatura: além de escrever sobre elites, e ocasionalmente postular a inamovibilidade da existência de posições de elite na política, seu fatalismo frequentemente levou-os (principalmente Mosca e Michels) a um desdém pela democracia que se mostraria intolerável para as gerações que viveram depois dos horrores da Segunda Guerra.
Mas, como se sabe, essa mesma adesão traumática ao regime democrático conduziu a teoria política liberal do Pós-Guerra a certa complacência pragmaticamente resignada quanto à viabilidade do ideal democrático: um governo do povo, pelo povo, para o povo. Este converteu-se, na melhor das hipóteses, numa ideia valorativa norteadora (Dahl, 1971) ou então foi abertamente renegado (Schumpeter, 1942, cap. XXI). Enquanto a Guerra Fria durou, a esquerda tendeu a distanciar-se desse fatalismo moderado. E um de seus motes favoritos nessa empreitada foi o elogio à participação, contraposto à denúncia da hierarquia embutida na natureza representativa do regime.
PT e petismo na política brasileira: quando novas elites entram em cena
A agitação política e cultural dos anos 1960 trouxe os movimentos sociais para o proscênio, intensificando a aposta na participação - principalmente quando ela ocorria à margem do sistema formal de representação eleitoral: "de costas para o estado, longe do parlamento", era o slogan dessa tendência por volta de 1980 (Evers, 1983).
Nesse caldo de cultura, formou-se o PT, no início da década de 1980. Porém, em vez de nos perdermos em considerações ideológicas de natureza doutrinária ou programática, de conexão sempre duvidosa com a prática dos partidos e de seus governos, proponho ir ao encalço de uma caracterização antes sociológica para o caso do PT, o que me parece bem mais fácil - e consistentemente mais relevante para a sua prática.
Fundamentalmente, o PT constituiu-se como um partido outsider em relação ao sistema político-institucional estritamente considerado. Com origem extraparlamentar, constituiu-se, em sua origem, a partir de três bases fundamentais:
1. uma poderosa base sindical no núcleo duro da indústria brasileira (os metalúrgicos do ABC paulista), que rapidamente ramificou-se rumo a um associativismo civil mais amplo, incluindo o virtual controle dos sindicatos e das associações de servidores públicos;
2. uma considerável capilarização Brasil afora, favorecida pela adesão (ou mera simpatia) dos setores politicamente mais engajados da Igreja católica, agrupados em torno da então relativamente influente Teologia da libertação, ocasionalmente mobilizados nas chamadas comunidades eclesiais de base; e ainda,
3. uma militância civil, que nas grandes cidades reuniu estudantes universitários, intelectuais e mesmo alguns remanescentes dos pequenos grupos armados que haviam confrontado a ditadura militar nos anos 1970.
Naturalmente, outros partidos de esquerda, antes do PT, já haviam também se constituído externamente ao parlamento e ao sistema político formal no Brasil, com inserção sindical e militância civil. O precedente mais óbvio deu-se no caso do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Faltara contudo, a este último, o endosso, mesmo que parcial, da Igreja - e, qualquer que seja a razão, a começar por sua proscrição legal, em 1947, o PCB jamais pôde disputar eleições com o mesmo apetite, que dirá lograr o mesmo sucesso eleitoral que o PT.
Esse sucesso eleitoral, conquistado paulatinamente a partir de prefeituras de cidades médias rumo às das capitais, dali para o governo de alguns estados e finalmente a Presidência da República em pouco mais de 20 anos, significou em si mesmo - dada a condição outsider do partido - a promoção de novas elites políticas. Seja na Presidência da República, seja nos governos dos estados, mas de maneira ainda mais nítida nas prefeituras municipais por sua disseminação, a ascensão do PT ao poder terminou por produzir inovações institucionais que se configuraram, de maneira um tanto irônica, não apenas pela multiplicação das instâncias de representação política, mas sobretudo pela promoção de novos protagonistas. Negros, jovens, mulheres, homossexuais, sem-teto, ambientalistas, sem-terra, indígenas, uma vasta miríade de movimentos de "minorias" de todo tipo tendeu, ao longo dos anos 1980 e 1990, a convergir com os sindicatos rumo ao petismo, e plasmou no PT a sua identidade partidária típica. E onde pôde - da Prefeitura de Diadema ao Palácio do Planalto - , o PT tratou de criar os espaços necessários para abrigá-los no sistema político formal: embora a proliferação de conselhos já fosse uma tendência identificável na transição desde meados dos anos 1980, essa tendência se acelera e a presença de representantes da "sociedade civil" intensifica-se sob administrações petistas (Machado 2007).
É natural que tenha sido assim. Pode-se conjecturar que, ao chegarem ao poder, petistas eleitos tenham tendido a encontrar os nichos de representação política, formulação de políticas e tomada de decisões ocupados por seus adversários. Não me refiro a assentos parlamentares apenas, mas principalmente aos chamados "anéis burocráticos" que ligam informalmente Estado e burguesia, e cuja operação, no governo federal, Fernando Henrique Cardoso (1973) descreveu de maneira célebre durante o regime militar. Num cenário como esse, é natural que o novo detentor do poder crie espaços que promovam a representação dos seus aliados na sociedade - e é irresistível que isso se dê quando esses aliados já se encontrem organizados em associações civis. Eles irão exigir do novo governo a criação desses espaços.
Nesse aspecto particular, a experiência do PT não se distingue, em seus traços fundamentais, daquilo que se observou com a ascensão política de seus congêneres social-democratas em vários países europeus, quase um século antes. Também ali, partidos de esquerda, com forte base sindical, ao chegarem ao poder constituíram instâncias decisórias e/ou consultivas com a participação institucionalizada de sua base orgânica (Offe, 1985). De fato, a presença de arranjos corporativistas de intermediação institucional de interesses talvez tenha sido o principal legado político da experiência social-democrata na Europa (B. Reis 1995). Penso que podemos, sem problema, diagnosticar ambos os casos como formas variantes de representação corporativista. Embora se distingam do macrocorporativismo que costuma designar as centralizadas instâncias de negociação tripartite da experiência europeia, as inovações institucionais observadas no Brasil também registram a incorporação de novos atores organizados em associações civis - tipicamente aliadas, no caso brasileiro, do PT (Gurza Lavalle et alii, 2004).
Presumo que não faltarão puristas que queiram desqualificar a experiência como mera cooptação de lideranças civis por elites partidárias ou governos. Contudo, essa é sempre uma via de mão dupla. Lideranças civis tentarão emplacar suas demandas na forma de políticas públicas; e governos tentarão respaldar sua posição pela cristalização de apoio organizado na sociedade. As eventuais alianças que emergirem nesse processo são parte do jogo político, e aliás são um sintoma de vitalidade do sistema político, na medida em que possam ser tomadas como indicador de seu enraizamento social. Aquilo que a oposição chama de cooptação, os presumíveis cooptados poderão chamar de "conquista", pela concretização de uma legítima demanda por um governo que lhes parecerá sensível a suas aspirações, e portanto um aliado a quem desejarão apoiar.2 A presumível "cooptação" termina por se mostrar, principalmente em prazo mais longo, como uma natural - e saudável - corresponsabilização dos atores civis pelas políticas pelas quais eles tenham lutado (Offe, 1985). A dificuldade de assimilar com naturalidade este argumento banal é um dos sintomas da fragilidade da idealização horizontal da "democracia participativa" quando tomada em oposição a uma outra democracia, dita "representativa".
Não foi por acaso que o "orçamento participativo" (OP) obteve tanta visibilidade acadêmica, pois, se a analogia entre os nossos conselhos de políticas públicas e os arranjos corporativistas europeus é bastante intuitiva, o OP apareceu como experiência menos orgânica, de um ponto de vista corporativo, do repertório de inovações que se disseminaram com o PT, apoiada na livre participação das pessoas em assembleias dedicadas a decidir sobre prioridades orçamentárias, e tendeu a ser tomado (desde o seu próprio nome) como exemplo de experimento estritamente "participativo" - em contraste ostensivo com a natureza dita representativa do sistema político formal. Naturalmente, a experiência rapidamente afastou-se do espontaneísmo implícito no ideal participativo, e adotou (teve de adotar, como poderia predizer Max Weber) sua própria rotina administrativa. Com variações próprias em cada caso, observou-se sempre a formação de uma burocracia vinculada ao OP, com pessoal especializado e conselhos ou comissões ad hoc, sob a alçada do Poder Executivo municipal. Do ponto de vista do presente trabalho, porém, nem é isso o que mais importa. Até mesmo o OP tem seu principal valor não na mera ampliação da participação, mas sobretudo na provisão de uma nova instância de representação de uma parcela da população até ali ausente do processo de alocação orçamentária.
Prova de que a participação, em si mesma, não é o principal valor em jogo obtém-se de modo claro no experimento do orçamento participativo digital (OP digital), levado a cabo há alguns anos em Belo Horizonte, a partir de 2006. Ali permitiu-se a qualquer cidadão com acesso a internet votar na priorização de obras nas várias regiões administrativas da cidade. Se o critério relevante no OP fosse a participação direta, o OP digital teria sido um êxito incontestável, pois o número de votantes cresceu expressivamente em relação às assembleias do OP em anos anteriores. O número de votantes on-line girou em torno de 200 mil a cada ano, enquanto o número de participantes nas assembleias do OP nunca chegou a 45 mil/ano.3
No entanto, independentemente de graves contestações quanto à segurança e à confiabilidade do processo de votação on-line adotado (Guimarães, 2010), ficou evidente um efeito de elitização relativa do OP digital, insuficientemente contrabalançado pela possibilidade de se votar também por telefone (Nabuco et alii, 2009: 151). O público das assembleias "presenciais" do OP tradicional era mais pobre que o internauta médio que terá chegado a votar no OP digital. Alguém ainda poderia alegar que as assembleias do OP produzem uma amostra mais distorcida da população de Belo Horizonte que o universo de votantes no OP digital. Mas, exatamente por isso, o episódio explicitou a justificativa que pode realmente validar o OP: não a constituição de um canal para a manifestação espontânea (não mediada politicamente) da população, mas sim a abertura de uma possibilidade de manifestação para parcelas específicas da população, habitantes das vilas e das comunidades mais pobres, que presumivelmente enfrentariam particulares dificuldades para se fazerem ouvir no processo de deliberação orçamentária.
Um ideal de democracia participativa privilegiaria, presumivelmente, o orçamento participativo; mas o orçamento participativo digital é mais relevante, sobretudo nas condições brasileiras, e estou convencido de que foi ela que moveu o petismo rumo às suas inovações. Aludir a um ideal participativo, ideologicamente "neutro", poderá ter sido, talvez, uma racionalização proveitosa, com sabor universalista, de um compromisso de classe específico - ainda mais em tempos dados a eufemismos "politicamente corretos".
(...)
Leia o texto integral aqui.
quinta-feira, 19 de junho de 2014
Barbies ou Fabianes?
A internet potencializa o melhor e o pior de todos
nós. Em sociedades nas quais a cidadania incompleta e a fragilidade dos espaços
públicos marcam a vida social, a rede mundial de computadores tanto enriquece
as redes de sociabilidade e alarga o debate público quanto pode projetar, em
níveis inimagináveis, a intolerância, a discriminação e o linchamento simbólico
daqueles considerados socialmente indesejáveis.
As reproduções irrefletidas de notas produzidas por
blogs não muito atentos às suas fontes, ou que tudo fazem por um pouco de
audiência, contribui para que a internet, assim como o rádio e a TV, seja um
espaço para temerários “justiceiros”.
Não se trata aqui de coisa de menor importância. Os
assassinatos físicos, não raramente, são desdobramentos de mortes sociais.
A exposição irresponsável de apenas uma das muitas versões
sobre acontecimentos ou atitudes de pessoas é uma dessas formas de mortes
sociais proporcionadas pelas redes sociais.
Foi uma notícia que detonou a histeria da qual resultou a
morte da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, linchada no Guarujá, depois que
uma página no Facebook divulgou irresponsavelmente um falso retrato-falado de
uma seqüestradora de crianças .
No RN, nestes dias, jornais e blogs reproduzidos à
exaustão nas redes sociais, alimentam um linchamento virtual do qual são
vítimas mulheres de uma mesma família. Elas foram expostas, suas intimidades
devassadas e ilações sobre supostas atividades criminosas construídas e divulgadas
tendo por base acusações vagas e imprecisas. As suas vozes não aparecem, mas os
seus rostos e corpos, sim.
Machismo, moralismo barato, ressentimento e ódio à
beleza fermentam esse linchamento em andamento. Pessoas boas, que se auto-intitulam
“do bem”, e que, sem duvida, condenaram o linchamento de Fabiane, estão agora a
jogar pedras virtuais em pessoas que, para serem desumanizadas, foram
pejorativamente identificadas como “Barbies”.
Esse machismo, versão cruel da dominação masculina no
Nordeste do Brasil, não é produto, diga-se de passagem, apenas da ação de
homens. Sua força reside no fato de contar com a adesão cúmplice de muitas
mulheres.
Há também o preconceito contra mulheres bonitas
oriundas das classes populares. Nos esquemas da dominação masculina vigente nestas
plagas, cabe a elas somente um papel passivo. No máximo, um casamento cinzento
com algum filhinho de painho... Se elas vão a luta e assumem, nos nossos
limitados espaços públicos, as suas belezas e as suas feminilidades, então,
estarão, a priori, condenadas.
Forjam-se narrativas sobre prostituição, como se a
prática fosse, em si mesmo, criminosa. Mas, sabemos todos, embora não seja
fácil de tipificar juridicamente como crime, a prostituição é como pano
vermelho que enfurece o touro para todos os moralistas, de ocasião ou de bolso.
E mesmo quem, na noite, escorrega para um próstibulo, ou, na internet, é
usuário contumaz de pornografia, nessas horas, ergue-se indignado para
participar do linchamento.
Mais do que almas fraturadas, esse tipo de
linchamento virtual é cruel e poderoso pelos desdobramentos em violência física que
pode se expressar, como vimos no caso de Fabiane. Também explicita a capacidade
que as boas pessoas têm em fazer o MAL.
sexta-feira, 13 de junho de 2014
Os xingamentos contra Dilma na Arena Itaquera e a cara da nossa elite educada
Os preços dos ingressos para o jogo de abertura da Copa na
Arena Itaquera (Itaquerão) foram uma espécie de triagem prévia, garantiram o
lugar quase exclusivamente para os membros da nossa elite bem educada. E essa
gente não se furtou ao seu encontro com a história. No Itaquerão, demonstrou
toda a sua elevada civilidade, berrando xingamentos contra a Presidente Dilma. Os seus melhores filhos não
se limitaram a vaiar, o que seria aceitável e até esperado, pois, no Brasil,
vai-se até minuto de silêncio, mas, a xingar, de forma chula, a Presidenta.
Não vou reproduzir aqui as palavras de ordem dessa gente
educada, que se acha superior aos
mal-educados das distantes periferias. Não! Não me dou a esse tipo de desfrute.
Mas, permito-me meditar se essa baixaria, que diminuiu não a Presidenta, mas
aqueles e aquelas que a protagonizaram, não é a mais perfeita expressão de que
a oposição aos governos do PT, por incompetência de formular projetos,
tornou-se refém de um ódio irracional que somente amedronta a quem poderia ser
ganho por projetos consistentes e críticas minimamente objetivas e circunstanciadas. E espaço para estas últimas, repitamos o
óbvio, há de sobra.
Quando o ódio domina
a disputa política, a própria política é dinamitada enquanto tal. E tudo pode acontecer. E quando
tudo pode acontecer, você sabe, acontece sempre o pior. O desrespeito à figura
da Presidenta da República é uma vileza, uma baixaria típica de trolls.
Dominados pela ódio, agarrados às suas verdades perfeitas, embaladas em poucas
verdades e muita mistificação, os xingadores do Itaquerão podem ter um resultado cujo efeito é contrário ao pretendido: o medo dos que ainda não esqueceram que a conquista de
um espaço público na sociedade brasileira só ocorreu a partir de muita luta.
As reações de Aécio e Eduardo Campos aos xingamentos mostram
o empobrecimento da disputa política que se avizinha. Os candidatos da oposição
poderiam ter se mostrado superiores, mas preferiram alguns minutos de enlace com os
trolls. Apequenaram-se.
Gostaria muito de saber o que a boa gente da Rede, gente com a qual tenho muita afinidade pessoal e política, dirá da cafajestada que foi o posicionamento do seu candidato. Se estes se mantiverem silentes ou, o que seria pior, de acordo com esse rebaixamento da disputa política, aí, meus caros, aprontemo-nos para o pior. Porque, assim como nas relações interpessoais, também na política o ódio é sempre, ao mesmo tempo, o pântano onde viceja o que há de mais monstruoso em cada um de nós.
Gostaria muito de saber o que a boa gente da Rede, gente com a qual tenho muita afinidade pessoal e política, dirá da cafajestada que foi o posicionamento do seu candidato. Se estes se mantiverem silentes ou, o que seria pior, de acordo com esse rebaixamento da disputa política, aí, meus caros, aprontemo-nos para o pior. Porque, assim como nas relações interpessoais, também na política o ódio é sempre, ao mesmo tempo, o pântano onde viceja o que há de mais monstruoso em cada um de nós.
Agora, se a nossa elite, bem educada e bem nutrida, se
comporta como se comportou no Itaquerão, então, não haverá quem, em lugares recônditos,
convença-se: se assim que “eles” jogam, então, tudo está permitido. Aí, a
política terá terminado e outra coisa, horrenda, terá tomado conta da disputa
eleitoral que se avizinha. Muita calma nessa hora! Por outro lado, quem sabe?,
os brasileiros sejam melhores, bem melhores, do que a sua elite que expressou,
com elevada franqueza, sua forma de fazer “política” ontem.
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