A internet potencializa o melhor e o pior de todos
nós. Em sociedades nas quais a cidadania incompleta e a fragilidade dos espaços
públicos marcam a vida social, a rede mundial de computadores tanto enriquece
as redes de sociabilidade e alarga o debate público quanto pode projetar, em
níveis inimagináveis, a intolerância, a discriminação e o linchamento simbólico
daqueles considerados socialmente indesejáveis.
As reproduções irrefletidas de notas produzidas por
blogs não muito atentos às suas fontes, ou que tudo fazem por um pouco de
audiência, contribui para que a internet, assim como o rádio e a TV, seja um
espaço para temerários “justiceiros”.
Não se trata aqui de coisa de menor importância. Os
assassinatos físicos, não raramente, são desdobramentos de mortes sociais.
A exposição irresponsável de apenas uma das muitas versões
sobre acontecimentos ou atitudes de pessoas é uma dessas formas de mortes
sociais proporcionadas pelas redes sociais.
Foi uma notícia que detonou a histeria da qual resultou a
morte da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, linchada no Guarujá, depois que
uma página no Facebook divulgou irresponsavelmente um falso retrato-falado de
uma seqüestradora de crianças .
No RN, nestes dias, jornais e blogs reproduzidos à
exaustão nas redes sociais, alimentam um linchamento virtual do qual são
vítimas mulheres de uma mesma família. Elas foram expostas, suas intimidades
devassadas e ilações sobre supostas atividades criminosas construídas e divulgadas
tendo por base acusações vagas e imprecisas. As suas vozes não aparecem, mas os
seus rostos e corpos, sim.
Machismo, moralismo barato, ressentimento e ódio à
beleza fermentam esse linchamento em andamento. Pessoas boas, que se auto-intitulam
“do bem”, e que, sem duvida, condenaram o linchamento de Fabiane, estão agora a
jogar pedras virtuais em pessoas que, para serem desumanizadas, foram
pejorativamente identificadas como “Barbies”.
Esse machismo, versão cruel da dominação masculina no
Nordeste do Brasil, não é produto, diga-se de passagem, apenas da ação de
homens. Sua força reside no fato de contar com a adesão cúmplice de muitas
mulheres.
Há também o preconceito contra mulheres bonitas
oriundas das classes populares. Nos esquemas da dominação masculina vigente nestas
plagas, cabe a elas somente um papel passivo. No máximo, um casamento cinzento
com algum filhinho de painho... Se elas vão a luta e assumem, nos nossos
limitados espaços públicos, as suas belezas e as suas feminilidades, então,
estarão, a priori, condenadas.
Forjam-se narrativas sobre prostituição, como se a
prática fosse, em si mesmo, criminosa. Mas, sabemos todos, embora não seja
fácil de tipificar juridicamente como crime, a prostituição é como pano
vermelho que enfurece o touro para todos os moralistas, de ocasião ou de bolso.
E mesmo quem, na noite, escorrega para um próstibulo, ou, na internet, é
usuário contumaz de pornografia, nessas horas, ergue-se indignado para
participar do linchamento.
Mais do que almas fraturadas, esse tipo de
linchamento virtual é cruel e poderoso pelos desdobramentos em violência física que
pode se expressar, como vimos no caso de Fabiane. Também explicita a capacidade
que as boas pessoas têm em fazer o MAL.
Nenhum comentário:
Postar um comentário