quinta-feira, 19 de junho de 2014

Barbies ou Fabianes?

A internet potencializa o melhor e o pior de todos nós. Em sociedades nas quais a cidadania incompleta e a fragilidade dos espaços públicos marcam a vida social, a rede mundial de computadores tanto enriquece as redes de sociabilidade e alarga o debate público quanto pode projetar, em níveis inimagináveis, a intolerância, a discriminação e o linchamento simbólico daqueles considerados socialmente indesejáveis.

As reproduções irrefletidas de notas produzidas por blogs não muito atentos às suas fontes, ou que tudo fazem por um pouco de audiência, contribui para que a internet, assim como o rádio e a TV, seja um espaço para temerários “justiceiros”.

Não se trata aqui de coisa de menor importância. Os assassinatos físicos, não raramente, são desdobramentos de mortes sociais.

A exposição irresponsável de apenas uma das muitas versões sobre acontecimentos ou atitudes de pessoas é uma dessas formas de mortes sociais proporcionadas pelas redes sociais.
Foi uma notícia  que detonou a histeria da qual resultou a morte da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, linchada no Guarujá, depois que uma página no Facebook divulgou irresponsavelmente um falso retrato-falado de uma seqüestradora de crianças .

No RN, nestes dias, jornais e blogs reproduzidos à exaustão nas redes sociais, alimentam um linchamento virtual do qual são vítimas mulheres de uma mesma família. Elas foram expostas, suas intimidades devassadas e ilações sobre supostas atividades criminosas construídas e divulgadas tendo por base acusações vagas e imprecisas. As suas vozes não aparecem, mas os seus rostos e corpos, sim.

Machismo, moralismo barato, ressentimento e ódio à beleza fermentam esse linchamento em andamento. Pessoas boas, que se auto-intitulam “do bem”, e que, sem duvida, condenaram o linchamento de Fabiane, estão agora a jogar pedras virtuais em pessoas que, para serem desumanizadas, foram pejorativamente identificadas como “Barbies”.  

Esse machismo, versão cruel da dominação masculina no Nordeste do Brasil, não é produto, diga-se de passagem, apenas da ação de homens. Sua força reside no fato de contar com a adesão cúmplice de muitas mulheres.

Há também o preconceito contra mulheres bonitas oriundas das classes populares. Nos esquemas da dominação masculina vigente nestas plagas, cabe a elas somente um papel passivo. No máximo, um casamento cinzento com algum filhinho de painho... Se elas vão a luta e assumem, nos nossos limitados espaços públicos, as suas belezas e as suas feminilidades, então, estarão, a priori, condenadas.

Forjam-se narrativas sobre prostituição, como se a prática fosse, em si mesmo, criminosa. Mas, sabemos todos, embora não seja fácil de tipificar juridicamente como crime, a prostituição é como pano vermelho que enfurece o touro para todos os moralistas, de ocasião ou de bolso. E mesmo quem, na noite, escorrega para um próstibulo, ou, na internet, é usuário contumaz de pornografia, nessas horas, ergue-se indignado para participar do linchamento.


Mais do que almas fraturadas, esse tipo de linchamento virtual  é cruel e poderoso pelos desdobramentos em violência física que pode se expressar, como vimos no caso de Fabiane. Também explicita a capacidade que as boas pessoas têm em fazer o MAL.

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