sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Entrevista com Maria de Medeiros


Leia, no Magazine Terra, entrevista com a atriz e cineasta portuguesa Maria de Medeiros.

Um blog que vale por três

O blog Que cazzo é esse?, mantido pelos professores Jônatas Ferreira, Cynthia Hamlin e Arthur Perrusi, da sociologia da UFPE, é um ótimo espaço dedicado à teoria e metodologia nas ciências sociais. Um dos melhores da grande rede. Textos de boa qualidade, criativos, ousados e muito informativos. Vale a pena acessar. Clique aqui para dar uma espiada.

CRISTA



A foto acima, de autoria de Constanza Piaggio, é uma das finalistas do Prêmio Petrobrás de Fotografia da Buenos Aires Photo. Para conhecer mais trabalhos de Piaggio, visite aqui a sua linda página na internet.

Obama em família



Olhe bem a foto acima. Pense um pouquinho. Agora me responda: é ou não é algo muito importante a eleição de Obama como presidente dos EUA?

Um estudo sobre a transferência de renda das políticas sociais

Quando tantos gritam em favor da diminuição dos gastos do governo, vale a pena ler trabalhos como aquele publicado por Cláudio Hamilton dos Santos. Trata-se de uma pesquisa realizada pelo IPEA. Acesse o trabalho aqui.

Sobre certeza na era das incertezas

Pesco, na praia do UOL, artigo de Sérgio Malbergier sobre certezas e incertezas diante da crise.

Na era das incertezas, cuidado com as certezas
Por Sérgio Malbergier

A única certeza nessa crise é a incerteza. E a velocidade. E a velocidade estimula respostas rápidas das autoridades. E aí uma marola pode virar um tsunami.

O secretário do Tesouro dos EUA, Hank Paulson, por exemplo, deixou o banco de investimentos Lehman Brothers quebrar, gerando um big bang que abateu de conglomerados russos a bancos suíços, com escalas no balanço da Sadia e sabe-se lá onde mais.

As conexões globais nunca tão intensas e desreguladas disseminam perdas e dúvidas. Ninguém sabe o que está acontecendo nem o que vai acontecer. Com o câmbio. Com o crédito. Com o consumidor. Com o que sobrar do mercado.

Infelizmente, quem mais acertou até aqui foram os pessimistas, especialmente o economista iraniano-turco-israelense-americano Nouriel Roubini, da Universidade de Nova York e dono da consultoria RGE Monitor.

Em entrevista a Denyse Godoy, publicada no caderno Dinheiro de 7 de Setembro, o profeta do apocalipse falou: "Acho que a previsão de que o Brasil crescerá entre 3% e 3,5% [em 2009] é muito otimista, eu acredito em 2%".

Naquela época, nosso ministro do Otimismo, Guido Mantega, falava de PIBão de até 4,5% no ano que vem.
Vamos torcer para que Mantega, no comando da Fazenda, saiba mais do que Roubini de Nova York. O governo precisará dessa expansão porque está pendurando o país em mais gastos num momento em que a arrecadação deve cair e a necessidade de investimentos, aumentar.

Só um dos pacotes lulistas de aumento salarial ao funcionalismo eleva em estimados R$ 7,6 bilhões as despesas com pessoal neste ano e em R$ 10,7 bilhões em 2009. Já o socorro urgente do governo ao essencial setor da construção civil ainda não chega a R$ 4 bilhões.

Pode faltar ao governo dinheiro para investir ou para manter seu relativo equilíbrio fiscal. Ou ambos. Perdemos valiosos anos na lentidão institucional, para dizer o mínimo, de Brasília. O crédito até recentemente farto que poderia ter ajudado a financiar as imprescindíveis obras de infra-estrutura do PAC sumiu.

Numa era financeira e ideologicamente maluca, quando EUA e Reino Unido lideram intervenções estatais pesadas na economia, é preciso muito mais cuidado e critério com o gasto público. Ele pode ser o único gasto na cidade, e deve atender primeiro às emergências. Não parece ser o caso hoje dos crescentes gastos do governo com pessoal.

Depois de anos de domínio conservador na economia brasileira, justamente seus melhores anos, nossos keynesianos de carteirinha surfam na onda intervencionista importada do Norte. Suas renovadas certezas podem gerar problemas ainda maiores no meio desse furacão de dúvidas.

Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.
Acesse diretamente o artigo e leia outras colunas do jornalista aqui.

O gestual na política (matéria traduzida do "El País")

Leia abaixo interessante artigo a respeito do gestual na política. Trata-se de matéria publicada no jornal El País, traduzida pelo Ex-Blog do César Maia. Saiu no ex-blog de hoje. Se você é ou quer ser marqueteiro, não pode deixar de ler. Confira!

A LINGUAGEM GESTUAL É FUNDAMENTAL NA POLÍTICA!

Trechos da matéria "Um abraço é uma mensagem política" no El País de 28/10/2008.

1. Para os peritos em comunicação é certo que a gesticulação e o não-verbal transmitem diariamente mensagens em nada depreciáveis na vida política. Por exemplo, esses modos paternalistas tendem a estar ligados, segundo Rubiales, a uma cultura da "direita". Na opinião de Roberto Izurieta, docente de organização política da Universidade George Washington e assessor de campanhas, “no âmbito das relações internacionais, as relações pessoais desempenham um papel importantíssimo”.

2. Numa reunião de cúpula, num jantar, numa reunião entre representantes de diferentes países ou num debate transmitido pela televisão, o uso do corpo, a postura, o movimento das mãos, um sorriso e inclusive um beijo podem resultar em aspectos decisivos. Tudo está relacionado, segundo peritos, com o caráter, o gênero, a cultura ou a origem de cada um.

3. As investigações do antropólogo britânico Desmond Morris demonstraram, por exemplo, que os árabes, os países mediterrâneos e africanos pertencem a culturas "de contato", e, por outro lado, os norte americanos, escandinavos, anglo-saxãos e asiáticos pertencem a culturas de "não contato".

4. A comunicação não-verbal pode inclusive transcender uma ofensa, quando falamos dos círculos do poder. Porque, entre os políticos, a gesticulação é um traço de caráter que está muito relacionado com o carisma e com uma imagem vencedora. De que depende então esse êxito visual? "O carisma não é de uma só classe”, indica Ricardo Izurieta, que acompanhou de perto a campanha dos candidatos à presidência dos Estados Unidos da América. “Porque o carisma é a emoção de quem está contente consigo mesmo”. E, para estar contente, o desejável consistiria em adaptar o protocolo, ao caráter de cada um.

5. “Nas campanhas eleitorais, as expressões corporais e os gestos constituem aspectos fundamentais. Não se pode esquecer que o ato do voto é, definitivamente, um ato de confiança, e a confiança é um sentimento, é algo que pertence à esfera emocional. Num debate, por exemplo, encontramos posturas, expressões, caras que ultrapassam muitos conhecimentos racionais e institucionais, explica Izurieta.

6. Mas como conseguir que um candidato projete essa confiança? Além do olhar, são necessários abraços, sorrisos, um choro e uma clara efusão? Depende.

7. "Os bons treinadores de políticos em campanhas eleitorais conhecem uma das regras básicas da comunicação institucional", prossegue Izurieta. "Antes de mais nada, não se deve mudar a forma de ser dos candidatos. É importante levar em conta que os debates, os encontros e as relações internacionais e institucionais se realizam em cenários antinaturais e incômodos por definição. Pois bem, deve-se procurar que o candidato se sinta cômodo. E para sentir-se cômodo, devem-se desenvolver certas habilidades de cada um. Além disso, existem técnicas para desenvolver esse tipo de carisma diante de um público moderno, que percebe cada vez mais a comunicação da imagem como algo decisivo. Aqui se encontra a importância da comunicação corporal".

8. Por esta razão, nas palavras de García Huete, um personagem da esfera pública deveria estar consciente da necessidade de coerência entre as linguagens verbal e não-verbal. Porque tem de haver coerência? Coloquemos um exemplo. “Se alguém, diante de um auditório, diz que ‘vai para a esquerda’ e, ao mesmo tempo, levanta a mão direita, a maioria dos que escutam e observam assumirá esta mensagem: esse senhor caminha para a direita". Por isso, é importante que as palavras sejam acompanhadas de gestos coerentes. Começando pelo olhar.

9. "E é que o contato visual é o fundamental. Se um interlocutor baixa os olhos ou não mantém o olhar, por exemplo, pode-se chegar a acreditar que está mentindo”, acrescenta esse psicólogo acostumado ao treinamento de personagens públicos em questão de comunicação não-verbal. A distância física entre pessoas também desempenha um papel muito importante. “Se, por exemplo, alguém entra em nosso campo de movimento e recuamos, pode-se produzir um ruído capaz de provocar a interrupção da comunicação que estávamos mantendo”.

10. De todas formas, embora sejam evidentes as diferenças culturais e de gênero, também existem algumas exceções à regras. São as expressões do rosto. Em particular, a manifestação pública de alegria pode constituir a chave do êxito de uma mensagem política. Por quê? “Diz-se que em torno de 60% das emoções e do que sentimos podem ser lidos nos gestos e nas expressões dos rostos”, comenta García Huete. "E a gente, por vezes de forma inconsciente, prestará muita atenção nesses aspectos, assim como nos movimentos das mãos”.

O que está em jogo na eleição americana

No jornal Folha de São Paulo de hoje, Contardo Calligaris publica interessante artigo sobre o que está em disputa na eleição norte-americana. Confira abaixo alguns trechos.

A cara dos EUA

POR CONTARDO CALLIGARIS

A ELEIÇÃO presidencial deste ano nos EUA não é uma eleição qualquer. Não saberia dizer onde eu estava e com quem quando foi eleito e reeleito Ronald Reagan. Mesma coisa para Bush (pai e filho) e para Bill Clinton.
Na verdade, só me lembro bem de onde eu estava e com quem no dia do assassinato de John Kennedy, em 1963, e na hora do discurso de resignação de Richard Nixon, em 1974. Lembro-me até de meus sentimentos nessas ocasiões: uma consternação sem palavras em 63 e um estranho contentamento, uma sensação de "missão cumprida" em 74, como se Nixon caísse não por causa do Watergate (será que esse nome ainda significa alguma coisa para alguém?) e pela força das instituições americanas que destituíram o presidente, mas, de alguma forma, pelas mil vozes de protesto na qual a minha se confundia.

Bom, não sei ainda onde e com quem estarei na noite da próxima terça. Mas isto sei: daquela noite me lembrarei.
Os EUA não estão apenas votando para escolher entre republicanos e democratas. Tampouco estão apenas votando para decidir a política econômica e a condução das guerras em curso ou para escolher entre branco e negro, homem e mulher, jovem e velho. Claro, essas oposições são importantes, e certamente voltarei a tratar delas. Mas, antes de mais nada, hoje, os norte-americanos estão votando para definir, ou melhor, redefinir sua cara.

(...)
McCain é a cara de uma nação para a qual a guerra quase permanente (desde sua fundação) foi constitutiva da unidade (somos ingleses, alemães, poloneses, italianos, lituanos, brancos, negros, católicos ou reformados, budistas ou muçulmanos, chineses e por aí vai, mas somos todos americanos na frente de batalha ou atrás de nossas tropas). Ele é também a cara do "big money", o dinheiro grande, que, aliás, sempre se deu bem com a guerra; o conúbio de guerra e dinheiro é mais que simbolizado pelo segundo casamento de McCain que, como ele respondeu numa entrevista, tem "seis ou sete casas", não se lembra direito.
Sarah Palin é o resto do espírito da primeira fronteira, pelo qual a América é o lugar em que cada um, sozinho com seu rifle e sua Bíblia, enfrenta a "natureza selvagem" (e seus vizinhos, se eles forem incômodos e tiverem a idéia de colocar algum governo comum acima da liberdade do indivíduo). Claro, é uma cara um pouco museológica e, eventualmente, brega por sua ignorância do mundo, mas seria ingênuo considerá-la como fora do baralho americano.
Joe Biden é a cara de um sonho que nasceu depois da Segunda Guerra Mundial e foi se perdendo nos últimas duas décadas: o da possibilidade de um trabalhador manual (um colarinho azul) integrar de verdade a classe média. Não é pouca coisa, pois faz parte desse sonho esta idéia americana (que certamente está também no ideário de Sarah Palin): as mãos são tão importantes quanto a cabeça, o fazer tão importante quanto o pensar.
Barak Obama é a cara de um país que continua aberto à imigração e, de fato, deve sua força e riqueza à garra dos que, a cada dia, ainda chegam procurando a chance de um futuro melhor. Ele é, aliás, a encarnação da "terra das oportunidades". Seu estatuto de americano de primeira geração ao menos por parte de pai - confirma a promessa que é feita a cada imigrante na hora em que ele se naturaliza americano: "Em matéria de cidadania, não existe privilégio de sênior".
Com qual cara (ou quais caras) os EUA acordarão na próxima quarta?

(...)

ASSINANTE UOL LÊ A MATÉRIA COMPLETA AQUI.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Maravilha! Quatro meses de blog.

Quatro meses no ar. Atualização, quase sempre, diária. E 250 postagens. E o melhor: muitas mensagens recebidas. Por tudo isso, este blog é uma das boas coisas que a vida me proporcionou (ou eu me proporcionei) em 2008. E, por outro lado, é uma demonstração de que, sim, é possível usarmos a grande rede para construir pontes, tecer diálogos e expressar posições. Uma maravilha!

A posição de Dennis Lucas sobre a greve dos policiais civis paulistas

Aluno de ciências sociais e militante do movimento estudantil, Dennis Lucas é um interlocutor crítico e inteligente. Me sinto privilegiado com a sua leitura deste blog. Enviou-me um comentário a respeito da postagem que eu fiz sobre a foto de um policial civil esbofeteando um motoqueiro em uma manifetação ocorrida em São Paulo. Trata-se de um evento relacionado à greve da categoria. Comprometido com as causas sociais, Dennis questiona minha posição. Reproduzo abaixo o seu comentário:

Olá, professor!
Acho que somente esta ação não pode significar a "derrota moral" de um movimento da espessura que este se tornou... Acho um recorte muito pequeno, principalmente diante da pressão social que este movimento vem sofrendo, muito fortemente encabeçada pelo espaço que a mídia vem dando para um dos lados..."


Registrada a posição do meu interlocutor.

Minha posição:

Talvez tenha exagerado em falar em "derrota moral" do movimento, mas o gesto captada pela foto publicada na Folha de São Paulo (e reproduzida neste blog no post Sem razão) é, do meu ponto de vista, expressivo de uma certa "lógica" (no contexto, a palavra está pervertida, com certeza!) de defesa dos interesses de determinadas categorias de servidores públicos. Todos sabemos que essa greve está entrecortada por outros vetores (dentre eles, a disputa paulista entre PT e PSDB com vista às melhores posições para 2010), mas o que aquela forma anuncia é a supremacia da boçalidade autoritária. E, queira me desculpar amigo Dennys, quando um movimento coletivo qualquer produz aquele tipo de cena, acredito, é hora de repensá-lo.

Por enquanto, é isso. Por favor, não abandone a leitura deste espaço. E pode usá-lo como quiser. Ele é, sem demagogia e na medida do possível, pluralista.

Obama é show

Daqui, da periféria do império, estou torcendo por Obama. Mas, à parte isso, e deixando o passionalismo de lado, quando a gente assiste ao material da campanha dele, não há como não concordar, de que se trata de um "show de bola". Uma aula de marketing político. Assista e confira!

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Karl Polanyi e a crise dos mercados






Karl Polanyi é uma referência obrigatória para a Nova Sociologia Econômica. A idéia do embeddedness (encaixamento) social da atividade econômica é uma das pérolas da sua magistral obra, A Grande Transformação. Com o agravamento da presente crise dos mercados financeiros, não poucos voltamos a nossa atenção para os insights geniais desse grande intelectual (saiba mais sobre ele aqui). E eu aproveito para transcrever abaixo um artigo de autoria do sempre lúcido e criativo Carlos Alberto Dória. O texto foi publicado na ótima revista eletrônica Trópico.

Nem todo mundo vive nas trevas
Por Carlos Alberto Dória


A crise atual dá nova vida a teoria do economista Karl Polanyi, para quem o liberalismo foi uma camisa-de-força imposta pelo século XIX


A crise do mercado trará, invariavelmente, a crise da teoria econômica neoliberal. Ninguém, em sã consciência, poderá, quando o desastre passar, retomar a teoria que falhou ao clamar pela intervenção do Estado para salvar os negócios que, na livre concorrência, não deram certo.
Não raro, a teoria econômica é uma falácia intelectual. É de Fernand Braudel a afirmação de que "o economista tomou o hábito de correr a serviço do atual, a serviço dos governos", perdendo a condição de se apropriar do social, que é "uma caça muito ardilosa".
De fato, se olharmos para trás, talvez Keynes seja o último grande formulador na disciplina, hoje comprometida em seu projeto científico. E, ao olharmos para o agora, veremos que o liberalismo está em recesso, justamente na tentativa de salvar o próprio liberalismo no longo prazo. Esta operação dará certo?
Estatizar bancos, ou “injetar dinheiro no mercado”, tem sido a fórmula sugerida por economistas para impedir a quebradeira capitalista, projetando a imagem inédita de um capitalismo sem riscos no coração de um sistema que sempre viu no risco a alma do negócio. Por esse caminho, a Bolsa de Nova York não quebrará, como na crise de 1929, mas o que restará do liberalismo econômico?
Os teóricos da crise, vistos como aves de mau agouro, estão novamente na ordem do dia, e o austríaco Karl Polanyi (1886-1964) foi o primeiro economista a reconhecer enfaticamente a morte da teoria tributaria de uma modalidade histórica de organização econômica que, segundo ele, se extinguiu nos anos 20 do século XX.
O seu livro “A Grande Transformação”1 (1944) é uma original demonstração de como a "civilização do século XIX" ruiu junto com as quatro instituições em que se apoiava: o sistema mundial de equilíbrio de poder, o padrão ouro, o mercado auto-regulável e o Estado liberal.
Por isso, ele convida os economistas a colocarem de lado "preconceitos do século XIX" como, por exemplo, a "hipótese de Adam Smith sobre a alegada predileção do homem primitivo por ocupações lucrativas" e superar a tendência de só se dedicarem "àquele período da história, comparativamente recente, no qual a troca e o mercado foram encontrados em alguma escala considerável".
Esta modalidade de "crítica da economia política", incorporando o conhecimento das sociedades pré-capitalistas, já seria suficiente para revestir de extremo interesse a obra de Polanyi e pode ser explorada por vários outros ângulos, como a idéia do "Estado mínimo" e sua crença relativa ao poder mágico da auto-regulação das trocas, como advogaram os liberais de todos os tempos.
Para Polanyi, "a idéia de um mercado auto-regulável implicava numa rematada utopia". Ao contrário, advertia, essa idéia aprofunda o caráter predador da civilização industrial, visto que o “problema do capitalismo é, na verdade, o problema muito maior da civilização industrial", isto é, o problema das "leis anti-humanas" que regem nossa sociedade e se voltam contra os homens e a natureza, destruindo a ambos quando os arrasta para o mercado sob a forma de mercadorias. O homem (trabalho) e a terra não são mercadorias como as demais, nos diz esse economista humanista.
As suas idéias eram dirigidas também contra Keynes, pois, ao contrário do que este propunha, Polanyi achava que "a falha do Estado e a falha do mercado tornam-se idênticas, porque a forma de reprodução social da modernidade perdeu completamente sua capacidade de funcionamento e integração", na medida em que o mercado não podia regular a produção de terras e de trabalhadores. Em outras palavras, com a falha do mercado, o Estado que lhe correspondia ia também de roldão.
Quando escreveu “A Grande Transformação”, Polanyi o fez para assinalar como a crise de 1929, a guerra, o fim do padrão ouro e o colapso do liberalismo econômico encerravam o século XIX impondo a necessidade de construção de uma nova sociedade liberta dessas instituições falaciosas. Ele era o que, hoje em dia, é chamado “socialista democrático”.
Quando Polanyi compreendeu a falácia liberal, tirou dela a decorrência lógica: era preciso uma revolução na ciência econômica, escravizada pelas categorias analíticas geradas pela economia clássica para explicar o mercado auto-regulado, projetando o seu auto-engano sobre toda a história da humanidade e, portanto, incapaz de contribuir para a elevação da consciência social e auxiliar na libertação do homem da camisa de força do mercado.
Em suas próprias palavras, "a sociedade econômica estava sujeira a leis que não eram leis humanas" e que, baseado neste tipo de saber, "o naturalismo passou a assombrar a ciência do homem", exigindo de nós um esforço consciente para a "reintegração da sociedade no mundo humano". Assim, a Grande Transformação visa libertar a ciência da ilusão sobre a natureza das relações humanas nascida no bojo do laissez-faire, através da crítica antropológica à economia de mercado auto-regulado.
A ditadura ilimitada do mercado “não poderia existir em qualquer tempo sem aniquilar a substância humana e natural da sociedade; ela teria destruído fisicamente o homem e transformado seu ambiente num deserto. Inevitavelmente, a sociedade teria que tomar medidas para se proteger, mas, quaisquer que tenham sido essas medidas, elas prejudicaram a auto-regulação do mercado, desorganizaram a vida industrial e, assim, ameaçaram a sociedade em mais de uma maneira”. A "grande transformação", portanto, decorre da irracionalidade do mercado auto-regulado, não se confundindo com o fim do capitalismo.
Seu propósito é mostrar que a ação do Estado na economia se faz desde o nascimento do livre mercado com o sentido de mitigar os males sociais nascidos de suas disfunções intrínsecas, contrapondo-se, simultaneamente, tanto aos seus contemporâneos da escola austríaca dos anos 20 -Friedrich Hayek, Lionel Robbins e Von Mises- quanto aos marxistas da Segunda Internacional, que entendiam a necessidade da intervenção estatal como típica da fase monopolista do capitalismo. Por se contrapor a todos, Polanyi ficou marginal na teoria econômica.
A atualidade do seu pensamento se mostra de modo impressionante agora, pois ele jamais se iludiu e destacou o nascimento e os limites da ideologia do laissez-faire em meio à contradição insolúvel que levaria todo o sistema à bancarrota na grande crise de 29.
Em outras palavras, quando as necessidades do mercado auto-regulável provaram ser incompatíveis com as exigências do laissez-faire, o liberal econômico voltou-se contra o laissez-faire, preferindo -como qualquer antiliberal- os métodos coletivistas de regulamentação e restrição.
Polanyi mostrou a natureza utópica do liberalismo, além de seu caráter eminentemente político-ideológico. Mas, na medida em que seu humanismo reporta à questão da liberdade possível sob a tutela dos mecanismos reguladores da sociedade, em especial aqueles de defesa do "interesse geral", ele necessitou ampliar seu campo de investigação para surpreender esta liberdade operando fora da "civilização do século XIX".
A crise é sempre um momento propício ao exercício da criatividade, livre das amarras anti-históricas que a servidão da vida real impõe.


Publicado em 12/10/2008
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Carlos Alberto Dória
É doutor em sociologia, pesquisador-colaborador do IFCH-Unicamp e autor de "Com Unhas, Dentes e Cuca" (em co-autoria com Alex Atala), "Bordado da Fama" e "Os Federais da Cultura", entre outros livros.

A ascensão política dos verdes no Brasil

Em artigo publicado na Folha de São Paulo de hoje, Ângela Alonso (leia aqui o seu curriculum lattes) analisa a ascensão política dos verdes. Vale a pena a leitura. Transcrevo abaixo alguns trechos do artigo.

Uma nova agenda para o ambientalismo?

ANGELA ALONSO


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O sucesso do PV na eleição do Rio mostra que a via eleitoral pode ser estratégia eficaz para o ativismo verde nos anos 2000
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"FAÇA AMOR , não faça guerra" e "saudações ecolibertárias" eram slogans de que Fernando Gabeira e Carlos Minc usavam e abusavam na virada dos anos 70 para os 80. Essa pegada de crítica cultural à sociedade capitalista alimentava um socialismo que boa parte da esquerda "séria" considerava "festivo". Ninguém decerto imaginava naquela hora que os dois verdes fossem sair das bordas da oposição ao regime militar para ir parar um no ministério, o outro quase na prefeitura de uma das grandes metrópoles do país.
O ano de 2008 trouxe essa surpresa para quem acompanha a trajetória do movimento ambientalista brasileiro.
(...)
A primeira diz respeito à forma de organização preferencial dos ambientalistas entre nós. Em meados dos anos 80, eles brigaram muito tentando decidir qual a melhor estratégia para levar avante seu proselitismo.
(...)
Nessa queda-de-braço entre partidarizar ou não o ativismo ambientalista, o grupo de Gabeira e Minc perdeu. É certo que formaram o Partido Verde, mas não angariaram apoio eleitoral e tiveram de acompanhar o debate do lado de fora do Congresso.
Já os ambientalistas que apostaram em manter suas associações civis elegeram Fabio Feldmann e o alçaram a grande articulador da questão na Assembléia Constituinte -ao final da qual a proteção ambiental foi parar na letra da lei.
(..)
Contudo, e essa é a surpresa a que me refiro, o sucesso do PV na eleição municipal do Rio de Janeiro mostra que a via eleitoral, descartada pela maioria do movimento ambientalista, pode, sim, ser estratégia eficaz para o ativismo verde nos anos 2000.
A campanha de Gabeira e a chegada de Minc ao Ministério do Meio Ambiente também anunciam, e essa é a segunda novidade, uma inflexão de agenda.
Nos anos 70 e 80, os ambientalistas brasileiros se concentraram numa crítica ampla à sociedade capitalista: da poluição ao estilo de vida acoplado à sociedade de consumo, passando pela desigualdade social. Falavam de uma "sociedade alternativa", na qual as tecnologias limpas andavam de mãos dadas com os direitos das minorias e cujo ponto de fuga era uma sonhada revolução cultural e comportamental. Um programa que associava, à maneira européia, questão ambiental e questão urbana.
Essa tônica sumiu na década seguinte, quando a maioria dos verdes brasileiros migrou para a floresta.
Durante a Rio 92, os verdes ganharam a modulação dos "marrons": movimentos sociais de seringueiros, de barragens e os vinculados aos direitos de povos indígenas que se convertiam ao ambientalismo. Com eles, subiu ao primeiro plano o tema dos "povos da floresta", a associação entre meio ambiente e grupos sociais vivendo nele e dele, de que Chico Mendes, primeiro, e Marina Silva, depois, se tornaram emblema.
A nova abordagem atraiu financiamentos internacionais para projetos de "desenvolvimento sustentável" e de proteção à "biodiversidade" e fomentou dezenas de novas associações, algumas altamente profissionalizadas, voltadas para gerir reservas florestais. Com isso, as questões urbanas e o estilo de vida associado à sociedade de consumo foram relegados ao segundo plano no debate público sobre a questão ambiental no Brasil.
A ascensão política de Gabeira e Minc repõe essa agenda. Porém, o apoio que recebem vem justamente da classe média urbana de alta escolaridade -de quem, as pesquisas de opinião mostraram, Gabeira arrancou mais votos-, isto é, do grupo cujo estilo de vida seria potencialmente mais atingido pela implantação do programa do Partido Verde.
A pergunta que fica, então, é: caso continuem alcançando cargos de comando, os verdes terão força para implementar sua agenda ou ficarão no plano das "saudações ecolibertárias"?


ANGELA ALONSO, 39, doutora em sociologia, é professora de sociologia da USP e coordenadora da área de Conflitos Ambientais do Cebrap. É autora, com Sergio Costa e Sergio Tomioka, de "Modernização Negociada: Expansão Viária e Riscos Ambientais no Brasil", entre outros livros.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Mais análise sobre o resultado eleitoral

Reproduzo abaixo análise sobre o resultado das eleições feita por Alon Feurwecker (já falei, bem, dele aqui). Vale a pena ler. Acesse diretamente o blog dele aqui.

De olho nos estados (28/10)

Por Alon Feuerwerker
alonfeuerwerker.df@diariosassociados.com.br

Já se sabe há três semanas, desde o primeiro turno, que o PMDB sairia desta eleição como a jóia cobiçada da próxima. Mas qual será, afinal, o peso dos resultados municipais de 2008 na corrida presidencial de 2010? E a real importância das coligações partidárias numa eleição majoritária, especialmente na escolha do presidente da República, qual é? Quem conseguir arrastar o PMDB para uma aliança terá mesmo dado o passo decisivo para ficar imbatível na corrida pelo Palácio do Planalto? O que realmente quer o PMDB?

Vamos começar pelo fim. O PMDB quer poder, o máximo possível. Nesse particular, a legenda é igualzinha às outras. Tome-se a sucessão das Mesas do Congresso. Os deputados federais do PMDB desejam o comando da Câmara. Os senadores ambicionam a Presidência do Senado. O PT e o presidente da República acham que é demais entregar ambas as cadeiras ao aliado. Mas a proposta de partilha esbarra numa dificuldade.

Como já se escreveu nesta coluna, um pedaço do PMDB (senadores) não se vê representado pelo outro (deputados). Pior, os dois grupos disputam espaço internamente na legenda e na relação política com o governo. Quem abrir mão estará cedendo poder para o principal adversário. E, como o PMDB tem a maior bancada numa e noutra Casa, ambos se julgam no direito de manter a postulação.

Um acordo em 2007 entre o PT e o PMDB decidiu pelo rodízio na Câmara, e agora é a vez de Michel Temer (PMDB-SP). Mas o Senado, que não participou do pacto, acha que não tem nada com isso. E tecnicamente não tem mesmo. Além do mais, os senadores viram o acordo de 2007 como uma manobra do governo e do PT para enfraquecê-los.

Encontrei ontem, na sala de embarque do Aeroporto de Congonhas, um amigo gaúcho, petista. Conversa vai, ele quis saber por que acho difícil o acordo, ainda que não impossível. Respondi com um exemplo. Imagine a cena, disse eu. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chama o ministro Tarso Genro e dá a notícia: “Tarso, é o seguinte, vou te tirar do Ministério da Justiça e colocar o Olívio Dutra no teu lugar. É para atender às minhas conveniências políticas. Fica elas por elas, já que o partido não perde nada. Vou anunciar daqui a pouco. Você liga para o Olívio para combinar a transição?”.

Meu interlocutor naturalmente riu. E mudamos de assunto. Fomos para 2010. O papo chegou no ponto de que alianças políticas são importantes pois garantem tempo de televisão, mas não só. O Rio de Janeiro acaba de mostrar que alianças podem fazer a diferença em eleições muito apertadas. É bem possível que a disputa de 2010 seja dura, e quem agregar um pouquinho mais poderá obter vantagem decisiva. A capacidade de reunir apoios também é importante por outro motivo: serve para transmitir ao eleitor a idéia de que o candidato tem suficiente força política para colocar em prática as propostas apresentadas na campanha.

Sem perder de vista que numa eleição majoritária a relação é direta entre o candidato e o eleitor, recomenda-se não esquecer os detalhes do parágrafo anterior. E, já que apoios e alianças são mesmo importantes, o que vai ser decisivo em 2010 para o PMDB escolher se prefere casar, comprar uma bicicleta ou nenhuma das duas anteriores?

Mais do que pelo poder (que já tem, e bastante), o PMDB provavelmente se orientará daqui por diante pela expectativa de poder, até porque a Era Lula está nas últimas. E quem tem mais expectativa de poder a oferecer para 2010, o governo ou a oposição? O governo tem Lula, uma ótima avaliação e consideráveis chances de eleger o sucessor. A oposição tem bons nomes, força regional e espera que a sucessão não aconteça em céu de brigadeiro na economia.

O PMDB pode ir para um dos dois lados. Ou, como é próprio do partido, para nenhum. Uma alternativa é a legenda ficar novamente fora das coligações formais na disputa nacional, enquanto suas seções estaduais buscam o melhor caminho para preservar e robustecer o poder local. Onde, como se viu, o PMDB é especialista. E poder local é essencial para eleger bancadas federais.

Aqui, mais um detalhe. O PMDB ganhou em seis capitais. Em quatro delas, teve que derrotar o PT, ou nomes apoiados pelo PT. Em uma, recebeu o apoio do PT no segundo turno. Só em uma os dois partidos estiveram coligados desde o começo. Se o desenho das disputas estaduais em 2010 indicar muitas polarizações entre PT e PMDB, é bom Lula começar, e logo, a procurar em outro lugar o vice de Dilma Rousseff.

Quem se fortaleceu nacionalmente?

Você não precisa concordar com o César Maia para levar em conta, não digo nem a sério, algumas de suas análises. Em meio a enxurrada, muita coisa se salva. Assim sendo, vale a pena ler a sua análise a respeito de perdedores e ganhadores do pleito findo no domingo passado. Por isso mesmo, aí abaixo, você tem acesso a um trecho do seu ex-blog de hoje.

QUEM SE FORTALECEU NACIONALMENTE?

1. É natural que a imprensa avalie o fortalecimento ou debilitamento dos partidos nas campanhas municipais através de dados quantitativos de eleitos, votos e população. Mas num país de partidos inorgânicos, plásticos e voláteis, isso vale muito pouco para fazer projeções para frente.

2. Na medida em que a política no Brasil é personalizadora, é inevitável ir repassando os resultados em base aos políticos com dimensão nacional que influenciaram substancialmente os eleitores, ou mesmo que foram percebidos como tais. Tomemos as capitais de maior expressão nacional medida pela cobertura da imprensa: Recife, Fortaleza, Natal, Salvador, Belo Horizonte, Rio, S. Paulo, Curitiba e Porto Alegre.

3. Em Recife a vitória não foi do governador, mas do prefeito que sai. Em Fortaleza o governador foi derrotado e Ciro Gomes não comprovou a força que se supunha que tinha. Em Natal da mesma forma. Em Salvador o governador foi derrotado e Geddel venceu, mas não tem expressão nacional. Em Belo Horizonte o que parecia uma vitória da estratégia política, se desfez no final do primeiro turno e só se refez, com muito esforço, no final do segundo turno, aguando a cerveja da vitória. E logo na primeira entrevista (JN, ontem) o prefeito eleito disse que terá que melhorar muito os postos de saúde e a qualidade do ensino, marcas publicitárias do prefeito que sai e o apoiou.

4. No Rio, o governador vitorioso passou como comandante de uma máquina de pressão, incluindo panfletos, agressões e feriado. Foi a única vitória onde não houve comemoração. Com um enorme desgaste na classe média. E ainda perdeu na região metropolitana toda. E seu desafeto no PMDB venceu em Campos e elegeu a filha vereadora da capital com grande votação.

5. Em Curitiba, o governador nem apareceu e o prefeito se reelegeu com votação recorde por si mesmo. Em Porto Alegre a reeleição do prefeito nada teve a ver com as lideranças nacionais gaúchas, que ficaram minimizadas não aparecendo na foto.

6. Nem Lula capitalizou nada, perdendo em S. Paulo e Natal onde fez força para vencer, indo para os comícios e TV. Para não ficar mal, na noite da eleição no segundo turno disse que nenhum candidato criticou o governo federal. Mas é assim sempre, pois quem nacionaliza a eleição municipal, perde.

7. Finalmente uma exceção: S. Paulo. A dobradinha entre o prefeito Kassab e o governador Serra, veio desde antes da eleição, criando constrangimentos dentro do PSDB. E foi consagrada pelo próprio prefeito eleito. Serra foi o único político de dimensão nacional que saiu mais forte que entrou. O único.

Esse é realmente novo e diferente. Será um bom administrador?

A matéria abaixo foi publicada na Folha de São Paulo de hoje. Trata da eleição como prefeito de um grande cidade paulista de um baladeiro que freqüenta o orkut. É o novo? Um sinal dos tempos? Você analisa.

Prefeito eleito de Bauru tem 30 anos e diz que não vai apagar perfil do Orkut
MATHEUS PICHONELLI
DA AGÊNCIA FOLHA

Bauru e seus 347.601 habitantes terão como prefeito, a partir de 1º de janeiro, um ambientalista de 30 anos que diz ter plantado 100 mil árvores nos últimos 17 anos e que não pretende cortar os cabelos nem apagar seu perfil no Orkut após assumir o cargo. Ele foi eleito anteontem com 97.288 votos.
Rodrigo Agostinho (PMDB), que se aliou ao PT e desbancou o candidato apoiado pela cúpula do PSDB paulista, chega à prefeitura após oito anos como vereador. Ele diz que sua referência política é a senadora Marina Silva (PT-AC).
No Orkut, se descreve como "baladeiro", amante de mergulho, rapel, rafting e trekking. É vegetariano desde 1992. Católico e solteiro, mora com os pais e diz ser torcedor do Noroeste -clube da cidade que já teve como dirigente Caio Coube (PSDB), 51, seu adversário na campanha- e "para o Palmeiras, às vezes".
Na campanha, era anunciado como "o nosso menino", o que foi usado por oponentes para tentar colar nele a imagem de inexperiente.
Agostinho diz que teve poucos recursos. "Eu redigia textos para o horário eleitoral, e o cinegrafista editava."

Sem razão


Em uma manifestação na qual reivindicam aumento salarial, portanto, maior reconhecimento público (já que é o distinto público quem, ao fim e ao cabo, paga a conta), os policiais civis de São Paulo se comportaram mal. Muito mal. Como você vê, um policial civil agride gratuitamente um motoqueiro. A foto postada acima está na capa do jornal Folha de São Paulo de hoje. Representa a derrota moral do movimento paredista dos policiais.

Sobre ter ou não vocação para ser policial

Marcos Rolim, como sempre, vai na jugular. Já falei dele neste blog. Dispensa, portanto, apresentações. Então, deixemos de coisa e postemos mais um dos seus ótimos textos. Este trata da formação policial. Tema que me interessa de perto dado que oriento alunos nesta temática.


Vocação
Marcos Rolim

Um dos meus alunos no curso de especialização em segurança pública da Faculdade de Direito de Santa Maria, policial militar, me relatou um fato ocorrido com seu familiar, um jovem cujo sonho era ser policial: o rapaz havia sido selecionado pela P.M. de Santa Catarina e fazia a instrução para soldado.

Um dia, sua turma recebeu ordem para efetuar a limpeza de um enorme e imundo banheiro coletivo. Os alunos se esforçaram muito e deixaram o local “brilhando”. Exaustos, depois de horas de trabalho, viram quando um oficial colheu quilos de estrume dos cavalos, entrou no banheiro e espalhou a “carga” pelo chão. O mesmo oficial determinou, então, que a limpeza fosse refeita, já que o banheiro continuava imundo. O jovem recusou-se a cumprir a ordem humilhante. Recebeu várias ameaças e, naquele momento, desligou-se da corporação. Ao relatar o fato ao Major – superior imediato do oficial envolvido – ouviu dele a seguinte pérola: “- De fato, você não tem vocação para ser policial”.

O episódio faz pensar sobre as virtudes que um policial deve ter. No Brasil, ainda hoje, há quem imagine que as qualidades mais importantes de um “bom policial” sejam a obediência, a força física e o destemor. Nenhuma delas, entretanto, tem algo a ver com a excelência na função. Agentes públicos caracterizados por aquelas três qualidades, aliás, têm mais chances de serem péssimos policiais e, pior, mais chances de se transformarem em bandidos perigosos. Eventuais dúvidas poderão ser sanadas ao se checar os critérios empregados pelos nazistas para a constituição de sua “tropa de choque”, a Schutzstaffel, ou “SS” como ficou conhecida aquela organização de assassinos.

Um bom policial precisa ter, inicialmente, um senso moral muito superior à média. Por isso, se deveria exigir que os aspirantes tivessem um nível de moralidade “pós-convencional’ (nos termos propostos por Kohlberg), o que pode ser medido com facilidade em testes específicos que empregam dilemas morais. Bons policiais devem ter, também, estrutura psíquica equilibrada e formação superior (é incompreensível, neste particular, que não tenhamos ainda cursos de graduação em segurança nas universidades) e, ainda, demonstrar capacidade de liderança (na Suécia, por exemplo, um dos critérios para ingresso na polícia é a comprovação de já ter exercido liderança comunitária).


Para tudo isto, é claro, o Estado precisaria oferecer bons salários –correspondentes às exigências e à enorme complexidade da função, além da perspectiva de uma sólida carreira policial, de tal forma que fosse possível atrair para as polícias os melhores. Fazemos tudo ao contrário, como se sabe. "Altura" ainda é critério de recrutamento (sério), adoramos a imagem de “rambos”, vibramos com a tortura em “Tropa de Elite” e tome ranger de dentes e colunas sobre pena de morte. Pior: incensamos a imagem de gestores, oficiais e chefes incompetentes, bastando que nos ofereçam frases feitas e bravatas ao invés de diagnósticos e planos concretos. E se os incompetentes são ainda covardes a ponto de mandar bater em bancários, em professores ou em colonos, então exultamos como filhotes extraviados de Sade diante do látego. Vocação nacional? Tomara que não.

Como se assassina uma mulher: as lições das propagandas de cerveja.

Leia abaixo artigo de Berenice Bento sobre as propagandas de cerveja. No final do artigo, coloco a identificação da autora. O texto foi retirado do blog Ideário

A cerveja e o assassinato do feminino
Berenice Bento*


Com raras exceções, a estrutura dos comerciais não muda: a mulher quase desnuda, a cerveja gelada e o homem ávido de sede.

HÁ MUITAS formas de se assassinar uma mulher: revólveres, facas, espancamentos, cárcere privado, torturas contínuas. Mesmo com um ativismo feminista que tem pautado a violência contra as mulheres como uma das piores mazelas nacionais, a estrutura hierarquizada das relações entre os gêneros resiste, revelando-nos que há múltiplas fontes que alimentam o ódio ao feminino.
Como não ficar estarrecida com a reiterada violência contra as mulheres nos comerciais de cerveja? Com raras exceções, a estrutura dos comerciais não muda: a mulher quase desnuda, a cerveja gelada e o homem ávido de sede. As campanhas são direcionadas para o homem, aquele que pode comprar.
Alguns exemplos: uma mulher faz uma pequena dissertação sobre a cerveja para uma audiência masculina, incrédula de sua inteligência. Logo o mal-entendido se desfaz: claro, uma mulher não poderia saber tantas coisas se tivesse como mentor um homem; a mulher é engarrafada, transformada em cerveja; um mestre obsceno infantiliza e comete assédio moral contra uma discípula; ela é a BOA. Quem? O quê? A mulher ou a cerveja?
Todos os comerciais são de cervejas diferentes e estão sendo exibidas simultaneamente. Nesses comerciais não há metáforas. A mulher não é "como se fosse a cerveja": é a cerveja. Está ali para ser consumida silenciosamente, passivamente, sem esboçar reação, pelo homem. Tão dispensável que pode, inclusive, ser substituída por uma boneca sirigaita de plástico, para o júbilo de jovens rapazes que estão ansiosos pela aventura do verão.
Se já criminalizamos alguns discursos porque são violentos, não é possível continuarmos passivamente consumindo discursos misóginos a cada dia, como se o mundo da televisão não estivesse ligado ao mundo real, como se as violências ali transmitidas tivessem fim no click do controle remoto.
Embora a matéria-prima para elaboração desses comerciais esteja nas próprias relações sociais, nas performances ali apresentadas há uma potencialização da violência. Não há uma disjunção radical entre violência simbólica e física. Há processos de retroalimentação.
A força da lei já determinou que os insultos racistas conferem ao emissor a qualidade de racista. Também caminhamos para a criminalização da homofobia em suas múltiplas manifestações, inclusive dos insultos. Por que, então, devemos continuar repetidas vezes ao longo do dia a escutar "piadas" misóginas, alimentando a crença na superioridade masculina sem uma punição aos agressores?
Sabemos da força da palavra para produzir o que nomeia, sabemos que uma piada homofóbica, racista, está amarrada a um conjunto de permissões sociais e culturais que autoriza o piadista a transformar o outro em motivo de seu riso. Agora, é incalculável o estrago que imagens reiteradas de mulheres quase desnudas, que não falam uma frase inteligente, que estão ali para servir a sede masculina, invisibilizadas em duas tragadas, provocam na luta pelo fim da violência contra as mulheres.
Da mesma forma que o "piadista" racista e/ou homofóbico acha que tudo não passa de "brincadeira", o marqueteiro misógino supõe que sua "obra-prima" apenas retrata uma verdade aceita por todos, inclusive por mulheres: elas existem para servir aos homens. E como é uma verdade aceita por todos, por que não brincar com ela? Ou seja, nessa lógica, ele não estaria fazendo nada mais do que reafirmar algo posto. Será? Não é possível que defendam aquela sucessão de imagens violentas como "brincadeiras".
Essa ingenuidade não cabe a alguém que sabe a força da imagem para criar desejos.
O que pensam os formuladores dos comerciais? Que tipo de mulheres habita seus imaginários? Por que há essa obsessão pelos corpos femininos? Será que eles ainda pensam que as mulheres não consomem cerveja?
Não se trata de negar a mulher-consumível, coisificada, pela mulher consumidora, mas de apontar os limites de uma estrutura de comercial que peca inclusive em termos mercadológicos.
Tal qual o assassino que matou sua esposa acreditando que sua masculinidade está ligada necessariamente à subordinação feminina, a cada gole de mulher, o homem sente-se, como em um ritual, mais homem. Conforme ele a engole, ela desaparece de cena para surgir a imagem de um homem satisfeito, feliz; afinal, matou sua sede. É um massacre simbólico ao feminino. É uma violência que alimenta e se alimenta da violência presente no cotidiano contra as mulheres.


BERENICE BENTO é doutora em sociologia, pesquisadora associada do Departamento de Sociologia da UnB e autora do livro "A Reinvenção do Corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual".

domingo, 26 de outubro de 2008

A quarta espada e o sendero alucinado


Foi na segunda metade dos anos oitenta que, no Brasil, passamos a acompanhar, com algum interesse, as notícias a respeito de uma organização guerrilheira peruana denominada “Sendero Luminoso”. Para aqueles que recém tinham saído da adesão à esquerda leninista, não deixava de ser curioso saber que a “opção revolucionária” ainda contagiava corações e mentes nesse nosso sofrido continente. Não poucos dos meus conhecidos de então olhavam com alguma simpatia o que ocorria na selva peruana, onde o exótico grupo maoísta tinha fincado as raízes de seu “foco”.

Trago na lembrança a reação de um grande amigo, ex-militante da esquerda clandestina, mas não armada, quando, em uma daquelas conversas sem rumo, sempre acompanhadas de uma boas cervejas, falei que, caso um grupo como o Sendero “tomasse” o poder (oh!, fantasia de tomar o poder, quantas piadas produzistes!), era caso de corrermos para alguma embaixada de algum “país livre”. Meu amigo ficou colérico e quase a nossa amizade termina ali. Eu fui tratado como um direitista, um renegado...

Com o passar dos anos, e com o aumento da presença do Sendero Luminoso no conturbado quadro político e social, nós, os poucos que acompanhávamos o desenrolar desse drama, percebíamos atônitos que, sim!, havia alguma chance do grupo guerrilheiro tomar o poder. E aí, com uma cobertura cada vez maior da imprensa, começamos a tomar conhecimento das brutalidades das ações do grupo e das reações do exército peruano. Como ocorre há séculos, os camponeses eram a maiores vítimas. Ora recrutados e ameaçados pela guerrilha; ora eram torturados, assassinados e com mulheres e filhas estupradas pelas forças do Estado. E tinha também os famigerados “apagões” de Lima. Aos poucos, o Sendero ia se fazendo presente no universo, pretensamente mais cosmopolita, onde vive a elite peruana.

Foi nesse tempo que começamos a ouvir falar do “Presidente Gonzalo”, o comandante desse singular grupo guerrilheiro. Abimael Guzman era o seu nome. E, nada modesto, era tratado como “a quarta espada do marxismo" pelos seus seguidores. As outras três, acreditavam eles, eram Marx, Lênin e Mão.

Bueno, mas aí, dilacerada por uma esquerda legal fragmentada e incompetente, quando não corrupta (Alan Garcia, hoje novamente presidente do país, estava terminando um mandato marcado pela incompetência na gestão econômica, a incapacidade de lidar com a guerrilha senderista e graves acusações de desvios de dinheiro público), e uma direita sem nada de novo a oferecer, a sociedade peruana se viu, no início dos anos noventa, diante de uma eleição presidencial que tinha como tema central o problema da guerrilha. E aí o Peru teve uma eleição singular: de um lado, o seu mais importante escritor, Mário Vargas Lhosa e, de outro, uma esquerda dividida. Terminado o primeiro turno, para surpresa geral, um desconhecido engenheiro agrônomo, nissei, chamado Alberto Fujimori, é consagrado como o adversário de Lhosa, derrotando partidos tradicionais como o APRA.

Fujimori ganha as eleições e o resto, acredito, você já sabe: promove um auto-golpe, dissolve o parlamento, “reorganiza” a vida partidária e “ganha” direito à reeleição. Mas enfrenta a guerrilha e, suprema vitória!, consegue prender Abimael Guzman. Ainda me lembro do homenzinho, apresentado de forma humilhante nos telejornais, em roupas de prisioneiro, em uma jaula.

Daí em diante, e não apenas pela sua prisão, mas também pelo tipo de caminho seguido pelo Sendero em suas ações, marcadas pela brutalidade contra os próprios camponeses que, em tese, dizia defender, o grupo foi definhando.

Pincei, em linhas bastante gerais, alguns elementos para o entendimento de um drama (o enfrentamento Sendero X Estado Peruano) de grandes proporções. Além de milhares de mortes (alguns falam em 70 mil!), vítimas das ações brutais dos dois lados, tivemos milhares de presos (algumas centenas ainda continuam nas prisões), milhares de torturados e todo um tecido social esgarçado.

Bueno, tudo isso me veio a mente após a leitura do livro “A quarta espada”, de autoria do jornalista Santiago Roncaglio. É um daqueles livros que você lê de uma sentada, como se diz. E eu tenho essa mania, hoje beneficiada pela transformação das livrarias em supermercado para vender livros. Pois é, quando estou viajando, vou a um Shopping, esse oásis da cidade moderna na apreensão arguta da crítica cultural argentina Beatriz Sarlo, e aí faço a festa: pego um livro, vou para o café (toda livraria tem um, não?) e aí leio tranqüilo até o fim. Foi o que fiz com o livro do Roncaglio, na última viagem a Brasília. Para compensar os prejuízos de autores e editoras com leitores como eu, faço comentários sobre os livros que leio. Mas só indico aqueles que realmente valem a pena! É esse o caso desse livro.

Paremos com a lorota! Coloco abaixo uma sinopse do livro, que está no site da editora (Objetiva).

No final da década de 60, havia no Peru mais de 70 grupos de inspiração marxista-leninista. Entre eles, o Partido Comunista do Peru pelo Sendero Luminoso de Mariátegui (sendero luminoso significa “caminho iluminado”), uma dissidência do Partido Comunista do Peru. José Carlos Mariátegui, autor de “Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana”, era o principal intelectual de esquerda do país. Fundador do Partido Comunista do Peru, defendia que a revolução no país não seria operária, mas camponesa, já que os oprimidos estavam no campo.
Seguindo a ideologia de Mariátegui, Abimael Guzmán foi o principal líder do Sendero Luminoso. Considerado até hoje um dos grupos terroristas mais perigosos do mundo, a luta armada entre os guerrilheiros e o governo peruano causou, no período de 15, anos quase 70 mil mortes. Mas como Guzmán se transformou na quarta espada do comunismo internacional, ao lado de Lenin, Mao e Stalin, e inspirou em seus seguidores um comprometimento absoluto?

Em A Quarta Espada, Santiago Roncagliolo, um dos principais nomes entre os jovens escritores peruanos e vencedor do Prêmio Afaguara de 2006, revela em detalhes como um professor de filosofia da Universidade de Huamanza se transformou no homem mais perigoso do continente americano.

O autor escreveu a reportagem a partir das informações obtidas com os próprios protagonistas do movimento − foram mais de três anos de pesquisas e centenas de encontros com militantes senderistas, com policiais que investigaram suas atividades e com carcereiros da prisão de segurança máxima da Base Naval da Marinha de Guerra do Peru, construído especialmente para abrigar Abimael Guzmán.
Ao longo da obra, Santiago Roncagliolo faz um retrato detalhado sobre a mente e os atos de Abimael Guzmán e das relações entre os diferentes membros do grupo terrorista peruano, tornando a reportagem ainda mais consistente ao revelar o que testemunhou durante sua juventude. Como a maioria da população peruana, por um bom tempo Santiago acreditou que o Sendero fora o único responsável por todas as atrocidades que ocorriam no país. No entanto, as pesquisas que fez para escrever A Quarta Espada mudaram suas convicções:
“A investigação me mostrou que a resposta do estado foi desproporcional, desordenada, e só fez aumentar a violência. Foi revoltante perceber que as duras ações militares foram desatadas em meu nome e dos de minha geração. Percebi que todos foram vilões na história recente do meu país, o Exército, o governo e o Sendero. E o resultado dessa Guerra só foi ruim de verdade para os pobres, os camponeses, que, em conseqüência, morreram inocentes, e aos montes. Para a sociedade, hoje, é mais fácil pensar que Guzmán foi um psicopata isolado e não que todo o Peru contribuiu para uma tragédia dessa proporção."
O autor acredita que Abimael Guzmán conquistou tantos seguidores em razão do poder e da eloqüência de suas idéias. Armado apenas com sua ideologia, sem sequer estar presente no campo de batalha, o movimento terrorista colocou um país inteiro em xeque durante 12 anos − sem apoio internacional, sem grandes fontes de financiamento e quase sem armas, o Sendero Luminoso conseguiu controlar 30% do território do Peru e contou com a participação, a tolerância e a compreensão de uma base social significativa.

“Me choca perceber que um tipo sem dinheiro, sem armas e sem apoio de governos estrangeiros possa ter chegado a criar a guerrilha terrorista mais letal de toda a América e de toda a história do continente americano. É o único homem que matou mais que o Estado, de modo que, até certo ponto, tem a mesma fascinação de poder e de mal que muitos personagens literários. Acredito que o livro possa ser lido inclusive sem que se saiba nada do Peru e sem que haja interesse pelo terrorismo. Em suas páginas, o leitor encontrará uma história sobre o poder e sobre o mal”, afirma o jornalista.


Saiba mais sobre o livro, acesse aqui o site da editora.

sábado, 25 de outubro de 2008

Baixe arquivos em MP3 com conferência magistral sobre o "esquecimento da política"

O Professor Renato Lessa, do IUPERJ, proferiu, há dois anos, uma conferência magistral sobre o "esquecimento da política". Ela está disponível para ser "baixada" no site do Ministério da Cultura. Acesse aqui.

Uma entrevista com Renato Lessa

Leia abaixo uma entrevista com o Professor Renato Lessa (IUPERJ). Trata-se de uma análise arguta sobre o pano de fundo (ou, como diria minha Avó, sobre o buraco que está atrás do pano) das disputas eleitorais que terminam amanhã.

“Pragmatismo despolitiza as campanhas”
Heloisa Magalhães, do Rio - VALOR

Renato Lessa: “O PT tem teto em São Paulo.


“A política está sendo varrida . Existe uma cultura há anos no Brasil repetindo a idéia de que o bom candidato é aquele que responde a problemas práticos. Esquerda e direita acabaram. O eleitor pensa nas questões práticas, escola do filho, transporte e esgoto”, diz o cientista político Renato Lessa.

Ele critica o cenário que levou ao que atribuiu a um certo “enfado” com relação aos políticos e critica a “tendência crescente do eleitor pragmático, aquele que vota com foco na administração o que, na sua avaliação, vem se repetido à exaustão em todos os níveis do Executivo.

O professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) diz que neste universo do voto racional, “outra coisa terrível é a idéia de que esse eleitor vota no candidato que é amigo do prefeito, governador e do presidente”. diz. E frisa que há tendência de um corte deste processo com a provável vitória de Gilberto Kassab, em São Paulo, e a disputa acirrada no Rio e Belo Horizonte, mostrando o questionamento do eleitor à força do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos governadores Sérgio Cabral e Aécio Neves

Em conversa com o Valor, o professor falou do perfil do eleitor que cresceu mas pouco se politizou depois do golpe de 1964.

Abaixo os principais trechos da entrevista:

Valor: As prefeituras hoje com mais recursos financeiros permitindo maiores realizações estão influenciando a reeleição? O eleitor está cada vez mais deixando a política de lado?

Renato Lessa: Primeiro, acho que se trata de uma hipótese com tinturas mitológicas, que por todo o Brasil os prefeitos que tiveram mais dinheiro foram bem avaliados e o eleitor votou neles. Não acredito que as coisas funcionam desse jeito. Política é mais complicada. E também não acredito que exista um eleitor médio. Tenho colegas que acreditam nessas ficções estatísticas. Eu acredito em eleitores reais. E os casos são diferentes. A mesma motivação que podem levar os eleitores de Salvador (João Henrique, PMDB) a reeleger um prefeito não são necessariamente as mesmas motivações que levam os paulistas a reeleger o (Gilberto) Kassab (DEM), embora em ambos os casos você tenha um prefeito bem avaliado. Há fatores locais que não podem deixar de ser levados em conta porque as eleições não são coordenadas nacionalmente.

Valor: Mas o senhor concorda que os eleitores estão partindo para o voto mais pragmático?

Lessa: A hipótese do eleitor pragmático está posta. Merece algum tipo de atenção. Pode também estar decantando na cabeça do eleitor a maneira correta de votar diante de um certo enfado com relação a questões de política. Há décadas vem sendo repetido que política é uma coisa ruim, horrorosa, que só interessa a gente corrupta e que tem relações escusas. Então política é tudo aquilo de que devemos nos afastar e a gestão é tudo aquilo que devemos apreciar.

Valor: Mas ao mesmo tempo o número de candidatos a cada eleição só cresce…

Lessa: No Brasil, dois em cada três brasileiros votam. É um eleitorado imenso. São 138 milhões de eleitores para 183 milhões de habitantes. Na última, foram 350 mil candidatos a vereador, 17 mil a 18 mil para prefeito. O tamanho disso não é brincadeira de dois em dois anos temos uma multidão incalculável que se mobiliza e vai às urnas. Esse eleitorado teve dois piques de crescimento na fabricação de um eleitor mas despolitizado. Depois do golpe de 64, foram dois momentos de expansão forte. O eleitorado disparou mais de 180%. É uma coisa extraordinária que é um caso de crescimento eleitoral sem política. Foi a única ditadura do mundo com aumento exponencial do eleitorado.

Valor: Por que cresceu tanto?

Lessa: A população cresceu mas entre as razões estão o aumento da alfabetização e da urbanização. E aumentou nesse eleitorado o número imenso de eleitores desqualificados em termos educacionais, com os analfabetos funcionais que entraram nisso. Outro espasmo se deu depois da Nova República.

Valor: E a redemocratização de 1988?

Lessa: Se pegarmos a Carta de 1998 duas grandes novidades institucionais vamos ver uma mudança de papeis. Uma é do Ministério Público e do Judiciário. O MP deixou de de ter as funções tradicionais do promotor, acusador e passou a defensor da cidadania. E a partir daí toda uma difusão de uma ideologia, uma mentalidade, um imaginário de que os brasileiros são portadores de direitos.

Valor: Foi a busca dos cidadãos em fazer prevalecer seus direitos que diferenciou as instituições?

Lessa: Os direitos dos brasileiros não são expressos através dos partidos. E não é apenas porque o Legislativo está asfixiado e insulado pelas medidas provisórias do Executivo. O eleitor hoje vai buscar os direitos no Judiciário. O Congresso hoje é um conjunto de pessoas eleitas que ficam à disposição do presidente para fazer maiorias, para compor maiorias de governo, muito distante da população aqui em baixo. E a população está aprendendo, cada vez, a mobilizar o Judiciário e o sistema de Justiça para defender suas causas.

Valor: O senhor fala em um eleitor focado em questões práticas. A candidatura Gabeira, no Rio, se enquadra neste perfil?

Lessa: O Gabeira nessa eleição no Rio está tentando animar a questão da grande política. O Rio é uma cidade global, uma das maiores metrópoles do mundo, não pode ser pensada como um problema local tem a ver com o pais e o mundo. A candidatura dele é teste interessante para ver se há espaço na cidade do Rio para quem se apresenta de uma maneira mais politizada no sentido mais amplo. Diz que vai pensar a cidade, as milícias ilegais, o meio ambiente. Contrapõe o estilo completamente asséptico sem política, do gestor, do prefeitinho da Barra (função que foi ocupada pelo opositor a Gaberia, Eduardo Paes, do PMDB, no início da trajetória política) contra a idéia que uma cidade dessa complexidade tem que ter estadista.

Valor: Em São Paulo não está sendo posto em questão a capacidade de Lula tranferir voto?

Lessa: O que está acontecendo em São Paulo é o que sempre aconteceu. Não está acontecendo nada novo. O PT em São Paulo tem o que a Marta (Suplicy) tem. Não é que Kassab é o administrador bem sucedido e admirado. É que o PT tem teto eleitoral. A Marta só ganhou quando disputou com o (Paulo) Maluf. Só ganhou quando Mario Covas desembarcou do consultório médico, quando estava proibido de sair, e foi fazer campanha para ela, colocou o PSDB ao seu lado. Marta com Covas ganhou do Maluf, mas sozinha não ganhou do (José) Serra e não ganha do Kassab. É questão do tamanho eleitoral que o PT tem em São Paulo. É imenso mas é menor do que a metade. Pode até existir transferência de voto em tese, mas em São Paulo o que está acontecendo é a repetição de um padrão eleitoral que está consolidado.

Valor: E para presidente da República, transfere?

Lessa: Depende muito, é totalmente circunstancial. Depende de quem é a pessoa e de quem é o inimigo. Não há uma teoria geral. Mario Covas transferiu para Marta porque o inimigo era o Maluf. (Leonel Brizola) transferiu voto no Rio para Lula quando o inimigo era (Fernando) Collor. Se o candidato que disputasse contra Lula fosse Mario Covas ou Ulysses Guimarães dava para transferir aquela quantidade toda de votos? Não sei, a ver. É muito circunstancial.

Valor: O que sai dessa eleição agora já permite projetar a tendência do quadro partidário para 2010?

Lessa: Tendência para 2010 é complicado mas força é algo a considerar. É força partidária para disputar eleições que virão. Três grandes partidos PT, PSDB e PMDB. Pegando a distribuição de votos nas cidades com mais de 200 mil votos no primeiro turno esses três partidos são os campeões. Mais abaixo vem o DEM. Nas 80 cidades maiores, o DEM teve desempenho quase de pequeno partido, ficou lá em baixo. Perdeu as lideranças e o palanque. O partido foi comido no interior pelo PT que entrou nos grotões e o PSDB se consolida como o principal partido de oposição. Mesmo com a vitória do Kassab, em São Paulo, ninguém vai acreditar que será uma vitória do DEM. Os três maiores partidos com escala nacional são o PMDB, PSDB e PT tem base e densidade eleitoral. O Lula não sai enfraquecido. Há uma teoria que com uma derrota da Marta elimina a Dilma (Rousseff). Eu não entendi essa dialética.

A igreja e a greve dos professores na Argentina


Há uma greve de professores do que aqui chamamos de ensino fundamental na Argentina. A Igreja Católica pediu aos mestres que a suspendam. O cartunista do Página 12 não perduou o posicionamento da Santa Madre, que, diga-se de passagem, no país vizinho, tem uma história não muito edificante de envolvimento com a ditadura militar ali instalada nos anos setenta.

O voto deve ser facultativo no Brasil?

Na edição do jornal Folha de São Paulo de hoje, você vai encontrar um interessante debate a respeito dessa eterna questão sobre a manutenção ou não da obrigatoriedade do voto no país. Destaco abaixo alguns trechos do posicionamento do cientistas político Fernando Luís Abrúcio.

O Brasil deveria adotar o voto facultativo?
NÃO

De volta à República Velha?
FERNANDO LUIZ ABRUCIO

NO SENSO comum, o voto facultativo é visto como o supra-sumo das liberdades políticas.

Mas o que idealmente parece ser o mundo perfeito esconde, na verdade, uma série de equívocos conceituais e históricos sobre a prática democrática atual. No caso brasileiro, a abolição do voto obrigatório reforçaria os elementos de redução da participação política que aparecem em outros lugares. De certa forma, voltaríamos a uma política ao estilo da República Velha, mais oligárquica e privatista.
(...)
Os críticos da obrigatoriedade do voto separam radicalmente tais direitos, quando não ignoram os coletivos em nome da preservação das liberdades individuais. Obviamente, quando ocorre uma grande hecatombe social, como a crise econômica atual, os defensores dessas idéias ou se escondem, ou procuram garantir o "direito individual" daqueles que perderam seus recursos.

A compatibilização dos direitos individuais e coletivos, em vez do confronto, é a grande tarefa das democracias contemporâneas. Trata-se de proteger a esfera individual de ações indevidas do Estado ou da opinião pública e, ao mesmo tempo, garantir condições para que todos possam ter oportunidades iguais, incluindo aí adoção de políticas que evitem danos às próximas gerações.

É interessante observar a prática política do lugar em que mais se defende o voto facultativo, os Estados Unidos. O dia da votação em solo norte-americano não é feriado. O que parece ser um mero detalhe, na prática, não o é. Os trabalhadores mais pobres, notadamente os negros e os latinos, são normalmente os que menos comparecem às urnas. Com isso, cria-se uma situação em que "alguns são mais iguais do que os outros".

(...)

Em vez do Éden, a pátria do voto facultativo tem produzido a piora da qualidade da participação política. Essa idéia teria conseqüências ainda piores no Brasil. Comparo a discussão do voto facultativo com a proibição constitucional do voto do analfabeto, em 1891. Essa restrição marcou o século 20, pois só foi revogada com a Constituição de 1988. A proibição do voto do analfabeto teve dois efeitos nefastos. O primeiro foi manter por longo tempo um ridículo índice de escolaridade da população brasileira. Isso porque seria muito difícil que os não-votantes se mobilizassem para lutar pela educação, ao passo que os demais não tinham tanto interesse em defender a ampliação da escolarização, já que eram os beneficiados. Coincidência ou não, esse cenário só começou a mudar quando os analfabetos começaram a votar.

(...)

Assim, o fim da obrigatoriedade tenderia a reduzir a expansão do direito político impulsionada pela Constituição de 1988. Oligarquização e privatismo ganhariam terreno. Quem sabe assim voltássemos à República Velha. Não seria esse o sonho dos que se horrorizam com a atual democracia de massas?


FERNANDO LUIZ ABRUCIO pela USP, é professor e coordenador do programa de pós-graduação em administração pública e governo da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas) e colunista da revista "Época".

ASSINANTE UOL LÊ O ARTIGO COMPLETO AQUI.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Sarah Palin inspira concurso em boate



Ela é caretona. A mais pura expressão da extrema-direita americana. O seu estilo pitbull está levando a candidatura republicana para o buraco. Mas a plebe não perdoa. O estilo da beata está inspirando concursos em boates. Achei o máximo!

E o Bush bombardeia...o mercado.

Mais um artigo de Washington Novaes

Sempre que possível, coloco aqui os artigos de autoria de Washington Novaes. Trata-se de um dos poucos jornalistas que escreve na grande imprensa e consegue emitir uma opinião própria. Se fosse somente isso, já merecia ser lido. Mas tem mais: é crítico, analítico e não faz jogo de cena com a platéia. Bom, tudo isso é para te convidar à leitura do artigo dele publicado hoje no Estadão. Está aí embaixo. Caso queira ir direto, faço questão de fornecer o link do Estadão, esse jornal que facilita a vida dos internautas permitindo livre acesso ao seu conteúdo.

A crise do dinheiro no mundo da mandioca

Washington Novaes

Por menos que o mercado financeiro o deseje, a cada dia a crise nos mercados mundiais traz à luz mais discussões sobre o descompasso entre o terreno das finanças, a realidade concreta e os limites do planeta; entre os valores em jogo nesse mercado (fala-se em mais de US$ 500 trilhões) e o valor da produção efetiva (o produto bruto mundial é calculado em cerca de US$ 60 trilhões por ano); entre os formatos de calcular esse produto e as realidades que eles ignoram; entre as possibilidades reais em termos de recursos e serviços naturais e o consumo insustentável, já além desses limites concretos.

Algumas manifestações nas últimas semanas puseram ainda mais em evidência o tema. A começar pela prestigiada revista britânica New Scientist, que dedicou sua capa a uma discussão entre cientistas e estudiosos do "desenvolvimento sustentável". Ela conclui pela afirmação de que "a ciência nos diz que se for para levarmos a sério a tentativa de salvar o planeta temos de remodelar nossa economia", já que esta, hoje, busca o "crescimento infinito", enquanto os recursos naturais são finitos. Uma das opiniões citadas é do respeitado economista Hernan Daly, da Universidade de Maryland e ex-Banco Mundial, segundo quem "a Terra já não está conseguindo sustentar a economia existente, muito menos uma que continue crescendo (...); o mundo caminha para desastres ecológico e econômico (por falta de recursos naturais); é preciso mudar".

Na mesma direção vai entrevista do professor Paul Singer, da USP e da Secretaria da Economia Solidária do Ministério do Trabalho, a uma publicação da Unisinos, sobre o consumo além da capacidade de reposição planetária (um dos exemplos por ele citados é o da produção de carnes). Ele lembra que em O Mito do Desenvolvimento Econômico (1974) o economista Celso Furtado já comentava a impossibilidade de o mundo todo chegar ao padrão de consumo dos EUA - por falta de recursos e serviços naturais. Também o professor Ricardo Abramovay, da Faculdade de Economia da USP, observa (Valor Econômico, 9/10) que "a maneira de medir a riqueza está ultrapassada", sem levar em conta vários fatores e ignorando a urgência de "descarbonizar a matriz energética global", hoje dependente, em 80%, de combustíveis fósseis, e que tem graves conseqüências na área do clima.

Ainda uma vez, é preciso ressaltar neste momento:

A ausência de uma estratégia adequada brasileira diante desse quadro, levando em conta o privilégio de ser um País bem dotado de recursos e serviços naturais, que são exatamente o fator escasso no mundo - como já se escreveu tantas vezes neste espaço.

O contra-senso de quase toda a discussão sobre a crise atual deixar de lado uma evidência: enquanto os governos direcionam trilhões de dólares para salvar instituições financeiras, este ano o movimento da ONU contra a fome só conseguiu 10% dos US$ 22 bilhões de que precisava para enfrentar o problema no mundo - o número de pessoas nessa situação aumentou de 850 milhões para 925 milhões, disse o diretor-geral da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Jacques Diouf. Segundo a FAO, nada menos que 33 países estão em "situação alarmante", sem produção interna de alimentos suficiente. No Brasil, com uns 30% da população abaixo da linha da pobreza, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, os 20% mais pobres da população gastam 34,5% de sua renda total com alimentos.

Diz ainda a Organização Internacional do Trabalho (OIT) que a atual crise financeira já aumentou em 20 milhões o número de desempregados no mundo, que pela primeira vez passa de 200 milhões - são agora 210 milhões. O contingente de pessoas que vive com menos um dólar por dia subiu de 480 milhões para 520 milhões; com mais 100 milhões de pessoas que têm menos de dois dólares diários, este contingente soma agora 1,4 bilhões de pessoas. E o temor é de que venha a aumentar muito a criminalidade, com a ampliação do desemprego entre jovens.

Diante das incertezas na área dos alimentos e da necessidade de importar trigo, parece estranho o presidente da República vetar projeto, aprovado pelo Congresso Nacional (Estadão Online, 10/10), que exigia a adição de amido de mandioca à farinha de trigo comprada pelo poder público, sob a alegação de que seria difícil comprovar as porcentagens (quando em outras épocas no País toda a farinha de trigo recebeu a mistura). Estranho, em primeiro lugar, porque limita caminhos a um dos principais produtos da agricultura familiar, que responde por 70% do abastecimento interno de alimentos (82% da mandioca, 59% dos suínos, 58,9% do feijão, 55,4% do leite, 47,9% das aves, 43,1% do milho, 41,3% do arroz, 28,4% da soja) e pela quase totalidade dos postos de trabalho na zona rural, onde ainda vivem uns 20% dos brasileiros. Segundo, porque a mandioca é a mais adequada de todas as culturas aos solos brasileiros - não precisa de "corretivos" nem de outros insumos químicos. Quanto não vale isso, quando o valor das commodities de exportação caiu 30% em média (Estado,17/10) este ano, enquanto o preço internacional dos fertilizantes fosfatados subiu de US$ 250 para US$1.230 a tonelada, como lembra o professor Abramovay; o de adubos à base de potássio subiu de US$ 172 para US$ 500; o de nitrogenados, de US$ 277 para US$ 450?

Há quase 20 anos, o cientista Paulo Tarso Alvim sentenciava: "Se a mandioca fosse norte-americana, o mundo todo estaria comendo tapioca flakes e mandioca puffs." Não terá chegado a hora de rever estratégias, adequar a economia a realidades maiores, antecipar-se a efeitos da crise global, que poderão ser ainda mais danosos - em lugar de dizer, como nos mais altos níveis da República, que "a crise na oferta de alimentos é passageira, não é coisa perigosa" (Estado, 26/4)?


Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Veena Das: anote esse grande nome da antropologia em seu caderninho



Veena Das é uma grande antropóloga. Seus trabalhos de pesquisa na Índia são referência não apenas para os que buscam saber mais sobre o país, mas, acima de tudo, para os que pesquisam sobre questões tão diversas quanto cognição, sofrimento social e agenciamento coletivo. É uma pesquisadora da estirpe de uma Mary Douglas (um dos meus poucos ícones, você deve saber!). Para ir entrando em contato com o seu pensamento, que vai acabar merecendo maior atenção por aqui nos próximos anos, coloco aqui alguns links. O primeiro é um ótimo artigo de Mariza Peirano (acho que você sabe quem é, não?). Intitulado "Onde está a antropologia?", o artigo, que foi publicado na sempre ótima revista Mana, trata, mesmo que de forma rápida, de uma das obras de Das. Aproveito para indicar também a leitura de um artigo de autoria de João Eduardo Coin de Carvalho, professor de Psicologia da UNESP. Publicado na revista Saúde & Sociedade, o artigo, cujo título é "Violência e sofrimento social: a resistência feminina na obra de Veena Das", é um segundo passo no conhecimento da obra dessa instigante cientista social.
Se você quer saber um pouqinho mais sobre Veena Das, e confia no Wikipedia, acesse aqui (em inglês).

Uma boa revista sobre política e sociedade na América Latina

A revista Nueva Sociedad é uma das mais importantes publicações sobre política da América Latina. Em cada número, a revista traz um tema central e alguns artigos livres. No último, você pode ler análises argutas sobre a esquerda no nosso continente. São investigações variadas. Os objetos de análise vão do Governo Lula ao declínio das FARC. Vale a pena ler! Acesse a revista aqui.

Violência e pobreza na Argentina



O sociólogo Javier Auyero (leia aqui seu curriculum) dedicou parte de sua produção acadêmica à análise da pobreza e da violência na Argentina. Auyero, que é argentino, já publicou artigos na prestigiosa Actes de la Recherhes (a revista criada por Pierre Bourdieu) e mora e trabalha nos Estados Unidos, onde é professor universitário. Para ler uma de suas mais interessantes análises, intitulada LA PROTESTA: Retratos de la beligerancia popular en la Argentina democrática , visite a sua página na internet. Acesse aqui.

Uma análise sobre a disputa eleitoral em São Paulo

Reproduzo abaixo um artigo de autoria do jornalista Eugenio Bucci, publicado no Estadão de hoje. Bucci dispensa maiores apresentações (saiba mais sobre ele aqui), restando-me apenas acrescentar que a sua é uma das melhores escritas do nosso jornalismo. O artigo trata das eleições paulistanas e faz uma análise lúcida sobre o que está em disputa no pleito da capital dos bandeirantes.

Ah! Aproveito para elogiar o Estadão. Trata-se de um dos únicos grandes veículos de comunicação a disponibilizar todo o seu conteúdo para os internautas. Maravilha!

Conservadores e conservadores
Eugênio Bucci

Nesta eleição municipal, Gilberto Kassab carrega consigo as forças mais conservadoras do Brasil. Mais ainda, é carregado por elas. Não apóio sua candidatura, caudatária da tradição ancestral de recusar e, na medida do possível, impedir a força renovadora dos movimentos sociais. Numa sociedade tão desigual como a nossa, não há perspectivas de democracia e de justiça que não inclua a organização livre dos mais pobres e a afirmação material dos seus direitos. A autoria dos processos políticos não pode mais se restringir àqueles que sempre mandaram. O jogo do poder requer novos atores, deve ser compartilhado com aqueles que, até há pouco, não tinham vez. A ilusão conservadora reside justamente aí, na suposição autoritária de que pactos entre velhas oligarquias dão conta de superar os impasses atuais. No caso brasileiro, as respostas não estão mais no passado. Reinventar a política e promover lugar, voz e influência para os novos atores se tornaram para nós imperativos inescapáveis.

O dado chocante na eleição paulistana é que o argumento mais conservador que apareceu na arena até agora foi lançado exatamente pela candidatura que ainda procura falar em nome da renovação, a de Marta Suplicy. Quando decidiu pôr em debate aspectos da vida privada do atual prefeito, por meio de duas perguntas insidiosas - "Ele é casado? Tem filhos?" -, a campanha do PT e de seus partidos coligados reafirmou, ainda que de modo enviesado, os preconceitos mais sombrios da nossa cultura, aqueles que atam a noção de virtude pública ao tradicionalismo no modo de vida. Ao tradicionalismo sexual. Embora faça tudo para ostentar uma plataforma aparentemente inclusiva e igualitária, a candidatura da ex-prefeita demonstrou, com esse movimento, que não hesita em se aliar ao que pode haver de pior no discurso obscurantista.

Agora, cabe perguntar: de que lado, verdadeiramente, está o conservadorismo? Ele está no pacto que apóia Kassab, que pelo menos nesta campanha não agrediu a intimidade de ninguém - e o respeito às privacidades é uma exigência da renovação política -, ou está na propaganda de Marta Suplicy, que, embora tente se alicerçar nas periferias geográficas e políticas desta metrópole, reproduz e revigora valores atrasados, deseducando o eleitorado e exumando padrões comportamentais anacrônicos? Qual dos dois lados se mostra mais preparado para renovar a cultura política?

Para muitos, e muitos de boa-fé, a quem respeito, a pergunta é absurda. Alegam que o pólo dito "de esquerda" é o único pelo qual pode passar a superação dos nossos déficits democráticos municipais e nacionais. Tomam isso como uma verdade imutável e, em nome dela, negligenciam o resto. Emudecem sobre o que chamam de pecados menores à luz da grande responsabilidade histórica que recairia sobre os ombros dessa esquerda e apenas dela. Recusam-se a debater em público os erros de conduta de seus correligionários, como se o público fosse um campo minado. Qualquer exposição, qualquer reflexão aberta sobre o tema recebe logo o carimbo condenatório de um ato que dá munição ao inimigo - inimigo "nosso" e, portanto, inimigo do povo e do futuro. Assim, deixam de ver no público a instância máxima da democracia e consideram que os deslizes éticos, mesmo quando encerram podridões, devem ser dirimidos antes no interior do aparelho e só depois chegar à opinião pública. Se é que devem chegar aí.

É com tristeza que afirmo que a distância entre essa postura e o vale-tudo, tão próprio do conservadorismo pátrio, é mínima. Quando surge um caso de corrupção, o silêncio obsequioso se escuda numa espécie de rouba-mas-faz-obra-social. Agora, temos uma variante da mesma postura: a-campanha-é-preconceituosa-mas-pelo-menos-é-"popular". Ora, até onde vamos?

O proselitismo do "É casado? Tem filhos?" não é um episódio menor. Ele denota que, do ponto de vista desses estrategistas, qualquer cartada pode valer para derrotar o inimigo - inimigo mesmo, não adversário. Nesse sentido, é quase uma confissão. Mais que a privacidade de Gilberto Kassab, expõe uma tibieza de princípios na candidatura de Marta Suplicy. Que é ainda mais preocupante quando se leva em conta o destaque que as bandeiras comportamentais sempre tiveram na trajetória da candidata, cuja história foi abertamente traída pelas duas perguntas fatídicas.

Há muito já sabemos que, na política contemporânea, os fins não justificam os meios. Ao contrário, os meios determinam os fins. Jogar suspeitas sobre a intimidade de quem quer que seja não é um método aceitável para se conquistar um lugar neutro chamado poder. Esse lugar não é neutro, ele é necessariamente moldado pelas práticas adotadas para viabilizá-lo; os métodos que têm lugar no poder não têm como ser diferentes daqueles que foram empregados em sua conquista. A nossa história recente é pródiga em (maus) exemplos. Por isso, é preciso cuidado. Muitas vezes são os pequenos gestos que revelam o caráter de uma candidatura - e aqui estamos diante de um desses pequenos gestos. Ele indica que, para essa candidatura, a vitória eleitoral parece valer mais que a coerência em torno de bons princípios. Se é assim agora, o que mais não vem pela frente?

A ética lida com limites e os limites nem sempre são trágicos, espetaculares, grandiosos. Às vezes, eles são sutis. A linha que separa o legítimo do intolerável pode ser muito fina, quase imperceptível. Mesmo assim, ou melhor, por isso mesmo, não se pode desprezá-la. Há um ponto além do qual não se pode ir. Lamentavelmente, a campanha de Marta Suplicy foi além. Aí, não tenho como acompanhá-la. Desta vez, ela não terá meu voto.

Eugênio Bucci, jornalista, é professor da ECA-USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da mesma universidade

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O blog do poeta da periferia

Visite o blog de Sérgio Vaz, o poeta da periferia. Acesse aqui.

Leia

No site Carta Maior, uma matéria com a economista Maria da Conceição Tavares. Trata-se de uma análise sobre a crise dos mercados. Vale a pena conferir. Acesse aqui.

QUEM CHORA POR MARIA CAZILDA? A segurança pública nas eleições passadas

Maria Cazilda levantou cedo no último domingo de sua existência. Se a bala disparada pelo revolver do seu assassino ceifou sua vida exatamente as 6H25, é porque aí pelas 5 horas, não mais do que isso, ela já estava de pé. Morando na zona norte de Natal, essa cidade do “outro lado do rio”, ela deve ter feito tudo muito depressa para estar na parada de ônibus bem a tempo de pegar o veículo que faz a linha 79 (Parque das Dunas). Tomou correndo o último café da manhã de sua vida e partiu para o trabalho em um dia no qual a maior parte das pessoas da cidade, especialmente aqueles que pensam a política, dorme até mais tarde.

Envolta nas preocupações diárias e no balanço das contas que a vida teima em nos empurrar quando passamos dos quarenta (ela tinha 44 anos!), Maria Cazilda não deve ter notado que, na altura da Escola Rotary, um rapaz moreno de 26 anos, seu assassino, subira ônibus. Francisco Clerton bebera na noite de sábado. Já realizara alguns assaltos antes. À polícia, afirmou que o dinheiro do crime seria para adquirir alimentos para um filho. Verdade ou mentira? Não há o menor interesse nisso agora, a não ser que você seja o advogado do rapaz e queira dados para emocionar o júri. O certo é que Cazilda agitou-se, por medo ou por ter acordado de seus sonhos, e atraiu sobre si a atenção do assaltante (ou provocou também o seu medo!). O final já sabemos.

Nos dias posteriores à essa morte, os empresários dos transportes coletivos falaram em blecaute e os motoristas, em greve. Todos pediam segurança. A polícia realizou algumas blitzes e a imprensa alardeou mais informações sobre a insegurança na cidade. Estávamos em pleno período eleitoral. Os candidatos, obviamente, tocaram na segurança pública. Mas, como era de se esperar, com a profundidade de um pires de leite.

Ora, campanha eleitoral é feita por profissionais, certo? E profissionais da política, marqueteiros, jornalistas, assessores e toda a entourage que qualquer candidato de um grande partido deve ter, pertencem a um outro mundo. A um mundo no qual as pessoas não acordam as 5 horas da manhã para pegar ônibus. Não sabem, portanto, o que é o medo dos desvalidos. Sabem, sim, o que é o medo dos que têm bens a perder. Daí que falam tanto em câmeras para monitorar ruas e praças, por certo das áreas centrais e “nobres”, e tão pouco em intervenções concretas para enfrentar a violência que grassa na periferia.

Envolvidos em seus mundos, os partidárias das duas principais candidaturas a prefeitura de Natal não fizeram da campanha eleitoral um momento de diálogo com o universo social de Maria Cazilda. E quem mais perdeu com isso foi Fátima Bezerra. Se não tinha nada de novo a dizer, por que valeria a pena apostar nela? E ela poderia ter dito algo de novo. Poderia ter tentado dialogar com os que choram as mortes das Marias Cazildas. Não o fez. E não apenas por incompetência. É que a nossa esquerda é classe média além da conta, etnocêntrica que cansa e adora ser politicamente correta (o que, no Brasil, significa falar para o público dos mídias).

A morte de Maria Cazilda mereceu destaque na mídia local por duas semanas. Mas as mortes continuam. Em vans, ônibus, bares, ruas e praças de lugares nos quais os que saem de carreata de algum shopping da zona sul para “fazer campanha” na periferia jamais irão, senão aboletados em seus automóveis. Basta você ler os dois principais jornais de Natal na terça-feira para ter uma idéia do que está a ocorrer em algumas partes não muito iluminadas pela imprensa nesta cidade do sol. Mas quem iria tocar nesse mundo? Quem iria dialogar com ele? Quem seria solidário com as suas dores?

Em julho, ainda nos primeiros dias deste blog, escrevi alguns textos esatebelecendo uma relação entre segurança pública e administração municipal. Ali, em uma ou outra nota, apontei alguns elementos para um debate propositivo sobre a questão. Chamo especial atenção para o post intitulado Homicídios, tráfico de drogas e crise juvenil em Natal (RN): por que as candidaturas à prefeitura precisam se posicionar sobre essas questões. Em um outro texto, denominado O MUNICÍPIO E A SEGURANÇA PÚBLICA, já havia chamado a atenção sobre como a questão deveria ser tratada na disputa municipal.

Talvez eu seja presunçoso demais. Quem sabe, eu, que não sou especialista em marketing e em campanha eleitoral, não esteja a dizer asneiras além da conta? Mas, cá no meu cantinho, fico a pensar que se a esquerda brasileira não começar a dialogar com o universo social dos que têm medo, ficará fora do mundo. E de que medo eu falo? Do medo de perder a vida em um ônibus quando se vai ou se volta do trabalho, do medo de perder o pagamento de ajudante de pedreiro em um roubo, do medo de perder o filho ou filha para o tráfico de drogas...

Quantas vezes, após a morte de um jovem ou adolescente, ouvindo os soluços abafados do pai ou os gritos lancinantes das mães (esse seres mágicos que, em algumas classes sociais, parecem condenados ao sofrimento!), escuto expressões como: “era o que eu temia”, “ele se envolveu com quem não devia”, “eu não conseguia dormir pensando que algo de ruim ia lhe acontecer”, “foi a droga!”, etc. Essas mães e esses pais precisavam ver e ouvir alguém falar, com firmeza e convicção, de que, sim!, podemos ter uma saída. Que a Prefeitura Municipal pode fazer alguma coisa para retirar crianças, adolescentes e jovens dos círculos concêntricos da energia mortífera do tráfico de drogas. Não ouviram nada disso e deram as costas para um “agora, sim!” que não lhes dizia nada.

Os parentes, amigos e conhecidos de Maria Cazilda, quem sabe, ainda choram quando lembram dela. A cidade já a esqueceu. É mais uma vítima. Transformou-se em um número a mais na estatística da violência. A sua morte poderia ter acordado a muitos para a centralidade da segurança pública no debate político contemporâneo. Talvez muitos ainda chorem por não terem chorado pela enfermeira de 44 anos, assassinada no dia em que se comemora a independência do país, quando ia para o trabalho, vejam só!, que era cuidar de pessoas.