Pesco, na praia do UOL, artigo de Sérgio Malbergier sobre certezas e incertezas diante da crise.
Na era das incertezas, cuidado com as certezas
Por Sérgio Malbergier
A única certeza nessa crise é a incerteza. E a velocidade. E a velocidade estimula respostas rápidas das autoridades. E aí uma marola pode virar um tsunami.
O secretário do Tesouro dos EUA, Hank Paulson, por exemplo, deixou o banco de investimentos Lehman Brothers quebrar, gerando um big bang que abateu de conglomerados russos a bancos suíços, com escalas no balanço da Sadia e sabe-se lá onde mais.
As conexões globais nunca tão intensas e desreguladas disseminam perdas e dúvidas. Ninguém sabe o que está acontecendo nem o que vai acontecer. Com o câmbio. Com o crédito. Com o consumidor. Com o que sobrar do mercado.
Infelizmente, quem mais acertou até aqui foram os pessimistas, especialmente o economista iraniano-turco-israelense-americano Nouriel Roubini, da Universidade de Nova York e dono da consultoria RGE Monitor.
Em entrevista a Denyse Godoy, publicada no caderno Dinheiro de 7 de Setembro, o profeta do apocalipse falou: "Acho que a previsão de que o Brasil crescerá entre 3% e 3,5% [em 2009] é muito otimista, eu acredito em 2%".
Naquela época, nosso ministro do Otimismo, Guido Mantega, falava de PIBão de até 4,5% no ano que vem.
Vamos torcer para que Mantega, no comando da Fazenda, saiba mais do que Roubini de Nova York. O governo precisará dessa expansão porque está pendurando o país em mais gastos num momento em que a arrecadação deve cair e a necessidade de investimentos, aumentar.
Só um dos pacotes lulistas de aumento salarial ao funcionalismo eleva em estimados R$ 7,6 bilhões as despesas com pessoal neste ano e em R$ 10,7 bilhões em 2009. Já o socorro urgente do governo ao essencial setor da construção civil ainda não chega a R$ 4 bilhões.
Pode faltar ao governo dinheiro para investir ou para manter seu relativo equilíbrio fiscal. Ou ambos. Perdemos valiosos anos na lentidão institucional, para dizer o mínimo, de Brasília. O crédito até recentemente farto que poderia ter ajudado a financiar as imprescindíveis obras de infra-estrutura do PAC sumiu.
Numa era financeira e ideologicamente maluca, quando EUA e Reino Unido lideram intervenções estatais pesadas na economia, é preciso muito mais cuidado e critério com o gasto público. Ele pode ser o único gasto na cidade, e deve atender primeiro às emergências. Não parece ser o caso hoje dos crescentes gastos do governo com pessoal.
Depois de anos de domínio conservador na economia brasileira, justamente seus melhores anos, nossos keynesianos de carteirinha surfam na onda intervencionista importada do Norte. Suas renovadas certezas podem gerar problemas ainda maiores no meio desse furacão de dúvidas.
Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.
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sexta-feira, 31 de outubro de 2008
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