segunda-feira, 21 de abril de 2014

BOLSAS, PEDINTES E A IGNORÂNCIA QUE DÓI NA ALMA

Fui aluno do Professor Vilmar Faria, grande cientista social, que deixou a UNICAMP para ajudar a formular as políticas sociais do Governo FHC, em 1995. Era um privilégio ter aulas com ele ou participar de conversas nas quais  ele, que não gostava de ser o centro das atenções, logo passava a ter as suas análises equilibradas e críticas requisitadas pelos presentes.

O Professor Vilmar morreu  antes do término do primeiro mandato de FHC. Não chegou a ver o quanto a idéia de programas sociais avançou no país.

Acho importante recuperar essa história, hoje, porque muita gente que faz oposição aos governos do PT o faz de uma forma  tão desastrada que termina por não fazer justiça ao próprio PSDB e a não poucas pessoas, que, lá na metade dos anos 1990, lançaram as bases do que hoje parece tão (felizmente!) enraizado em solo brasileiro.

Não acho que ser contra o bolsa-família seja coisa de direita. Longe disso! Tampouco é coisa de neoliberais. Essas duas posições, diga-se de passagem, historicamente, lidam até bem com o que denominam de “redes de proteção social”. Uma direita civilizada contribui significativamente para o debate político. Neoliberais, idem. Pense, por exemplo, na questão  da premiação da iniciativa individual. Ou no tema do empreendedorismo. Quem está nessas posições tem algo a dizer, e esse algo não é desprovido de sentido, de conexões com o real, mera ideologia...

Coisa bem diversa é essa condenação in totum das “bolsas”. Claro! Gente que está na oposição pode até surfar na crítica ligeira, mas não dá para identificar essa crítica com algo como “direita”. E aqui não se trata de cosia moral, não. Trata-se apenas de apreender a “coisa” com categorias as mais adequadas.
Grande parte da oposição irracional às bolsas (há, sem dúvida, um oposição racionalmente fundada, mas, esta, quase não freqüenta as conversas cotidianas...) advém de um sentimento de aversão aos pobres, mesmo quando estes estão distantes espacialmente. Gastar dinheiro com eles é sinal de desperdício. Há aí uma visão de casta assumida por parcelas da classe média brasileira, que, ouso dizer, pode ser assumida, em maior ou menor grau, por atores políticos que assumem credos de um lado a outro do espectro político. Há gente de esquerda que também é contra as cotas, todos sabem disso. E essa gente, não raro, remete a esses mitos de “preguiça do povo” e da disposição para “ter filhos” dos mais pobres.

Esse tipo de posicionamento é danoso. E digo isso não apenas movido por interesses políticos. A sua dimensão negativa também está relacionada ao fato de que ele contribui para esgarçar o tecido social, a potencializar dessolidarização e desresponsabilização. Não acredito, de verdade, que nem o Aécio e nem o Campos irão investir pesadamente contra esses programas sociais. Por que me preocupo, então? Porque acho que essa é uma daquelas idéias danosas que podem, mesmo que de contrabando, enredar-se no discurso político, ganhar legitimidade e terminar por levar o verbo a se fazer carne (no caso, não dá para perder a oportunidade do trocadilho, em “não-carne”).

Houve um tempo, não faz muito, em que, especialmente aqui no Nordeste, quando você ia a um restaurante ou a um café, passava pelo constrangimento de se sentir agredindo alguém. Você, certamente, lembra-se que as pessoas se esquivavam de ficar próximo das janelas para evitar o olhar pedinte dos famélicos. Lembra?

No Restaurante Universitário da UFRN houve um tempo em que uma verdadeira multidão de homens, mulheres e crianças se aglomeravam para pedir as sombras das refeições dos estudantes.

Será que certas pessoas têm saudade desses tempo?

quinta-feira, 17 de abril de 2014

OS QUADROS DA PETROBRÁS NO CONGRESSO

Tanto a Presidente Graça Foster quanto Nestor Cerveró são quadros dirigentes experientes da Petrobrás. Mostraram que trabalhar durante décadas em uma empresa como a Petrobrás, ocupando cargos dirigentes, não é coisa para simplórios. Esses dirigentes podem até não dominar bem os meandros da disputa política no Congresso, mas dão baile quando tratam de assuntos eminentemente técnicos. Especialmente quando estão a dissertar sobre dimensões específicas de um mercado tão complexo, sensível e instável quanto aquele do petróleo e gás.

Graça Foster, na terça-feira, no Senado, enfrentou uma situação mais difícil do aquela com que se deparou o ex-diretor da área internacional Cerveró, ontem na Câmara. E isso contrariou muitas expectativas. Esperava-se um atuação demolidora dos deputados de oposição. Mas a montanha, como se viu, pariu um rato.

E isso não aconteceu por acaso, pois, os quadros da oposição no Senado dão de 10 X O nos seus colegas da Câmara. É até covardia comparar um Francischini ou um Mendonça Filho com um Aloysio Nunes. O senador tucano de São Paulo une competência técnica e capacidade de formular questões pontuais sem, como os deputados citados, ficar desesperado para colher imediatamente os ganhos midiáticos de suas intervenções.

Nesse contexto, o ex-diretor da área internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró, com competência e informação, indicando para coisas óbvias, embora difíceis de serem apreendidos pelo senso comum, como o fato de que um negócio bom hoje pode não sê-lo amanhã, atropelou os oposicionistas da Câmara. E, em alguns momentos, expôs ao ridículo algumas atuações pouco felizes (sejamos generosos, gente) de alguns desses parlamentares.

A minha impressão é a de que quadros como Gustavo Fruet e Eduardo Paes, não por acaso, hoje, prefeitos de grandes cidades, e que deram um trabalho danado ao Governo na época da CPI dos Correios (Mensalão), não foram devidamente substituídos no campo da oposição. Os dois, sabemos, navegam hoje no oceano governista.

Ademais, dado que o jogo na audiência com Cerveró tinha uma dinâmica mais ditado pelos ganhos políticos imediatos (o que sói ocorrer especialmente em ano eleitoral), os parlamentares petistas puderam jogar melhor do que os seus colegas senadores. Os petistas conseguiram tirar os oposicionistas do sério, para citar uma das estratégias vitoriosa do lado dos governistas.

A Petrobrás produz quadros competentes. E, o que pode surpreender quem não conhece os meandros da empresa, eles possuem um ethos profissional, legitimado pela defesa do seu patrimônio material e imaterial. Os ataques gratuitos que a estatal vem sofrendo nos últimos anos, parece, ao invés de criar dissensões e desânimos, atiça um poderosos espírito de corpo. E alguns podem até se impor sacrifícios biográficos em nome de algo que os transcende (a BR).

Vejamos os desdobramentos dessas audiências nos próximos dias. Por agora, penso que a ideia de uma CPI da Petrobrás, bandeira com a qual a oposição pensa fustigar a Presidente Dilma, sofreu um revés.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Margareth Archer, um vinho e a Teoria da Escolha Racional

O que articula os elementos do título da postagem? Seria melhor dizer: quem articula? Bueno, acá estou eu a tomar um vinho e lendo um livro organizado pela Margareth Archer sobre a Teoria da Escolha Racional. Até o momento, nenhuma novidade. Desancar a TER, todo mundo fez, faz ou fará, com exceção, é claro!, dos seguidores da Igreja dos Individualistas Metodológicos dos Últimos Dias. Mas, pelo que vi no sumário, o livro promete. Quando avançar mais, dou uma palhinha pro cês.

A ontologia realista de Margareth Archer

Você vai encontrar cada vez mais referências na imprensa à cientista social inglesa Margarth Archer. Obviamente, muito dessa presença deve-se à sua indicação, pelo Papa Francisco, para ocupar um lugar de destaque na pesquisa social que subsidia o vaticano. Mas a cientista social merece sua atenção pela sua criativa produção.

A ontologia realista, com Archer, adentrou o terreno da sociologia. E, mais que isso, deu substância à investidas analíticas bem criativas. E, antes disso, balizou respostas convincentes aos lugares-comuns do construtivismo sociológico. A obra de Archer se torna especialmente fecunda quando mobilizada para dialogar com o feminismo ou com as abusivas desconstruções alicerçadas na linguística.

O Andrew Sawyer, que também pode ser incluído no mesmo campo, como direi?, epistemológico de Archer, tem um livro bem didático sobre a aplicação dessa ontologia realista no reino da sociologia. Quando tiver tempo (o que me falta neste momento), farei uma apresentação do livro do cara.

Voltemos a Archer. Encontrei um resenha bem competente, escrita pelo sociólogo Nuno Oliveira, na qual a obra da nossa autora é cotejada com aquela produzida por Anthony Giddens. Quantoa à Giddens, sou suspeito, pois, vocês sabem, sempre achei o livro "As Novas Regras do Método Sociológico" algo assim como um ponto de partida para uma aventura sociológica excitante. Se não por outro motivo, pelo fato de Giddens levar a sério, mesmo questionando fortemente, os aportes teóricos do interacionismo e da etnometodologia.

A etnometodologia, vocês sabem, é aquela perspectiva fortemente preocupada com a produção de sentido pelos atores nas suas interações mais comezinhas. O Pierre Bourdieu, em um texto que, nestas plagas, está compilado em um livro intitulado "O Poder Simbólico", desanca com a etnometodologia. Não se chuta cachorro morto, não é. Se Bourdieu desancava alguém, no mínimo, esse alguém merecia um pouco de atenção. Até porque muitos o desancaram, na vã expectativa de levarem umas bordoadas para exibi-las nesse chinfrim mercado de bens simbólicos que é o mundo acadêmico.

Mas, onde eu estava mesmo? Bueno, comentando o texto do Nuno Oliveira, pois não? Isto! Então, deixemos de patranha e vamos ao bom texto do gajo? Para isso, clique aqui. E boa leitura!

domingo, 13 de abril de 2014

A REGULAÇÃO DA SEGURANÇA PRIVADA

A Polícia Federal, no Brasil, é responsável pelo monitoramento da segurança privada. Essa é uma tarefa hercúlea, reconheçamos, para começar. Como regular uma atividade tão complexa, multifacetada e fronteiriça como essa?

Do ponto de vista de uma sociologia econômica, para ficar aqui apenas em uma dos subcampos da sociologia em que a questão pode ser encarada analiticamente, o desafio é entender as redes sociais e os mecanismos de formação de demanda, preço e autorregulação.

Preocupado com essa discussão, em uma rápida pesquisa, encontrei um texto bem interessante, de autoria de FRÉDÉRIC OCQUETEAU, publicado na revista TEMPO SOCIAL. Clique aqui e confira.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

JORNALISMO, CULTURA POLÍTICA E DROGAS

Artigo publicado na revista SOCIOLOGIAS interessa não apenas aos cientistas sociais, mas a todos quantos nos preocupamos com os desdobramentos políticos e culturais da "guerra às drogas". Abaixo, um trecho inicial. Mas, tenho certeza, você vai querer lê-lo na íntegra. Por isso, acho melhor você clicar aqui.

O panorama das Drogas no México: da margem da sociedade ao centro da cultura1



Diana Palaversich
Universidade de Nova Gales do Sul, Sidney, Austrália


Enquanto nos anos 1970 era possível argumentar que os traficantes de drogas constituíam uma subcultura minoritária que existia à margem da sociedade mexicana - limitada à região norte, tradicionalmente envolvida na produção e tráfico de entorpecentes - este não tem sido o caso na última década, quando a visibilidade do poder financeiro, político e de fogo dos traficantes por todo país aponta para o fato de que eles representam uma força excepcional que, ao longo do tempo, conseguiu passar da margem da sociedade para o centro. 
Enquanto nos anos 1970 e 1980 as manifestações culturais mais divulgadas e comercializadas desse fenômeno eram os narcocorridos e o narcocine - consumidos principalmente à margem da cultura dominante na região norte e entre os imigrantes mexicanos do outro lado da fronteira - desde o início desse século esses temas se deslocaram para o centro do mainstream cultural mexicano, chegando a se estabelecer de maneira destacada nos meios de comunicação, nas artes visuais e na literatura. 

1 O jornalismo diante do fenômeno das drogas
Deve-se observar que o fator mais óbvio a contribuir para a proliferação de obras que tratam do fenômeno das drogas, tanto no jornalismo como no campo das letras e artes visuais, é o aumento da violência, desde que o presidente Felipe Calderón iniciou a luta contra o narcotráfico, em 2006, poucos meses depois de assumir o comando do país.  À medida que cresce a representação desse tema em diversos meios do mainstream cultural, aumentam também as críticas à atual comercialização e representação do tema.  Alega-se que o interesse exagerado pelo fenômeno das drogas e de sua comercialização legitima esse negócio ilegal, promove a violência e contribui para uma imagem ruim do país no exterior.
Quanto aos comentários sobre a cobertura da mídia, o renomado historiador mexicano Enrique Krauze, em seu artigo Em defesa da nossa imagem, publicado na revista Proceso em 2009, critica a mídia impressa do país por sua cobertura sensacionalista do tema, especialmente a ênfase nas imagens sangrentas, a qual, de acordo com o autor, fornece publicidade gratuita para os cartéis. Embora não haja dúvidas de que não faltam meios de comunicação e jornalistas no país abordando o tema de maneira sensacionalista e pouco analítica, como advertiu Krauze, alimentando o interesse mórbido do público ante as imagens de corpos decapitados e desmembrados, seria errado concluir que este é o caso do jornalismo mexicano como um todo. Em primeiro lugar, devemos reconhecer a existência de diferenças consideráveis entre a relativa liberdade desfrutada pelos meios de comunicação na capital e a intensa (auto)censura aplicada aos meios de comunicação ao norte do país, devida ao clima de intimidação e inquietação gerado pelas ameaças e execuções de jornalistas por parte dos traficantes. Esse silenciamento é, certamente, mais evidente nas zonas controladas pelos Zetas e pelo Cartel do Golfo, como Tamaulipas, por exemplo, onde, segundo investigação da Fundação Mexicana de Jornalismo realizada em 2010, são relatados apenas 0-5% dos crimes relacionados com o tráfico de drogas. 
Em segundo lugar, é necessário observar que, além da cobertura sensacionalista da narcoviolência, no México também ocorre o que o jornalista de Monterrey, Diego Enrique Osorno, chamou de "jornalismo infrarrealista" para se referir à prática de um jornalismo comprometido, urgente e de trincheira, dedicado à tarefa de revelar pontos fracos das grandes notícias da mídia; de contar histórias não contadas de homens e mulheres comuns, cuja experiência de vida e de morte não interessa ao discurso oficial:
O jornalismo infrarrealista sabe que a retórica de guerra é diferente da guerra. O jornalismo infrarrealista não conta mortos, conta as histórias dos mortos. O jornalismo infrarrealista busca a versão daqueles que não têm porta-voz nem departamento de comunicação, de quem nunca convocou uma coletiva de imprensa.
Na verdade, esse termo poderia também definir o trabalho de todo um grupo de jornalistas mexicanos, entre os quais se destacam, por sua audácia, as mulheres.  Só durante o ano de 2011, cinco delas abordaram temas atuais e de alto risco: Lydia Cacho, o tráfico e abuso de meninas e mulheres; Ana Lilia Pérez, as ligações sombrias entre o chamado crime organizado e a empresa mais importante do México, Petróleos Mexicanos (Pemex); Anabel Hernández, a estreita relação entre diferentes instituições do governo mexicano, o mundo empresarial e o tráfico de drogas; enquanto Marcelas Turatti e Sanjuana Martínez mostram a experiência das pessoas atingidas pela violência das drogas e dão voz à dor dos familiares dos mortos. É importante dizer que todas tiveram suas vidas ameaçadas, o que já levou, até o momento, duas delas para o exílio: Lydia Cacho e Ana Lilia Pérez.2

LEIA O TEXTO INTEGRAL AQUI

terça-feira, 1 de abril de 2014

Não se pode levar muito a sério as agências de análise do mercado

Artigo de Delfim Netto, publicado no VALOR ECONÔMICO e em diversos diários neste final de semana, coloca os pingos nos "is" e esclarece, com argumentos convincentes, porque não dá para levar muito a sério a "nota" dado pela Standard & Poor's ao Brasil.

Confira aqui o artigo.