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sábado, 15 de outubro de 2011

A segurança pública em questão

Confira abaixo artigo sobre a crucial questão da segurança pública no Brasil.

Da necessidade de um novo paradigma para a Segurança Pública no Brasil
Gleidson Renato Martins Dias

Os partidos vistos, ou que se apresentam como partidos de esquerda, não disputaram a visão de segurança pública e de polícia com a direita, da mesma forma que ainda disputam educação, saúde e desenvolvimento com os setores conversadores da nossa sociedade.

“Passamos os anos da ditadura encarando os policiais como repressores e defendemos os direitos humanos, mas nos esquecemos dos direitos humanos dos próprios policiais” (Marcos Rolim)

INTRODUÇÃO

Não é por acaso que no imaginário popular os heróis são os policiais como os “Capitães Nascimento” (no que se refere ao primeiro filme Tropa de Elite), e que as torturas e até mesmo os assassinatos no referido filme sejam ovacionadas pela grande maioria.

Também não é por acaso que as redes de comunicação tem como grande atração programas - campeões de audiência - que sensacionalizam a violência. Mostrando perseguições em viaturas, entradas em residências e prisões, tudo ao vivo, com a narração “espetaculoza” de apresentadores que usam termos como vagabundos, chibungos, filhos do ECA, bandidagem etc.

A vitória destes programas e personagens, fictícios ou reais, é fruto da nossa derrota enquanto campo político. Temos que ter maturidade para avaliarmos qual nossa contribuição e/ou omissão neste quadro. Um reconhecimento que manifeste posicionamento crítico e político, sem dramatizações e sem dar a este fato maior ou menor importância que realmente o tenha. A óbvia relação entre omissão e efeito, causa e conseqüência
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(...)
LEIA MAIS AQUI.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O México e nós

Perplexidade, angústia e medo. Esse sentimentos nos invadem quando tomamos conhecimento da chacina ocorrida na fronteira norte mexicana. O número de assassinados, dentre eles, parece, alguns brasileiros, aponta a importância política do enfrentamento, com conhecimento científico e decisão política, da máquina mortífera do narcotráfico.

Essa máquina, não esqueçamos!, também produz suas chacinas e massacres no Brasil. E não muito longe. Aqui mesmo em Natal, na Zona Norte da cidade, micro-cartéis produzem cenários também grostescos. E, aos poucos, a cidadania, acuada, vai se resignando em ceder partes do território e de áreas do Estado e do Mercado para os criminosos.

Confira abaixo nota publicada no EL PAÍS sobre essa realidade.

La crueldad cotidiana de los narcos mexicanos



La crueldad y el ensañamiento no tienen límites cuando de la guerra entre mafias del narcotráfico mexicano se trata. Los cadáveres de cuatro hombres jóvenes maniatados fueron hallados ayer colgando de un puente en las cercanías de la ciudad de Cuernavaca, en el Estado de Morelos. Las víctimas habían sido torturadas y mutiladas. Sus genitales y sus cabezas fueron abandonados sobre el asfalto, junto a un mensaje enviado por los sicarios a una banda rival. Una escena que ya se ha convertido en algo cotidiano.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Pontos para uma sociologia do campo policial

O conjunto dos atores envolvidos com o trabalho policial – agentes da Polícia Civil, PMs, ministério público, juízes, jornalistas, gestores públicos e políticos – conformam um campo social. Com uma certa licenciosidade, poderíamos defini-lo como o campo policial. Em realidade, esse é um campo que se apresenta nos mais diversos países ocidentais. O desafio é apreender a sua configuração em cada contexto nacional.

O campo policial é, como todos os outros campos sociais na elaboração do cientista social francês Pierre Bourdieu, um espaço de conflito e disputa por ganhos (capital) e recompensas posicionais. No geral, esse campo tem alguns elementos básicos estruturais que necessitam ser levados em conta se quisermos produzir análises substantivas sobre a sua configuração.

Quais os elementos do campo policial no Brasil que devem ser destacados?

1) É um sub-campo em que, apesar das força e do enraizamento das redes sociais que lhe dão sustentação, ocupa uma posição subordinada no vasto campo do poder;

2) Os seus agentes, com as exceções daqueles que se situam na zona fronteiriça com o campo judiciário, ocupam posições de status relativamente baixas;

3) Os ganhos legítimos dos seus operadores, também com a exceção dos que se situam na zona fronteiriça acima mencionada, são relativamente baixos;

4) Contraditoriamente, trata-se de um campo no qual os recursos econômicos (em termos de salários legítimos, como mencionado acima) relativamente baixos coexistem com uma grande força junto aos atores propriamente políticos;

5) Trata-se de um campo com força simbólica decisiva na medida em que detém o poder de nomear a normalidade (ou não) de uma determinada ordem social;

6) A posição dos agentes no campo não é determinada apenas pelo capital expresso nos cargos formais (nas patentes dos PMs, por exemplo), mas do quantum de capital social acumulado (e esse é um capital, sabemos bem, diretamente relacionado ao lugar ocupado por cada agente em redes sociais detentores de acesso a recursos culturais e materiais centrais em um determinado contexto).

Em uma próxima postagem, postarei alguns insights sobre a pertinência de se mobilizar a noção de habitus para a análise do trabalho policial.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Merecemos a polícia que temos?

Ministrei aulas em academias de polícia e já orientei (bons) trabalhos acadêmicos de policiais civis e militares. Essa aproximação não me fez menos crítico dos (graves) problemas de nossas polícias. Muito pelo contrário! Não perco oportunidades, em contato com policiais (individualmente ou em coletivos), de apontar a necessidade do enfrentamento, por parte da cidadania e dos próprios corpos policiais, desses problemas.

E há, no meio policial, muita gente que se dá conta da necessidade de uma redefinição do trabalho policial para que a instituição conquiste e amplie sua legitimidade social. Tanto é assim que, recentemente, de forma muito corajosa, um oficial da PM do RN escreveu uma dissertação de mestrado estabelecendo uma relação entre a violência policial e a formação que é oferecida aos novos soldados no estado. Fui o orientador desse trabalho.


Por outro lado, mesmo entre os corpos dirigentes, existem os que preferem não "perder" tempo com essas questões. Não é raro que, em conversa com oficiais ou com autoridades policiais, obtenha a seguinte resposta: "mas isso é cultural. A sociedade quer que a polícia seja assim..." Outra vezes: "Não, professor, não é a polícia que é violenta, mas a sociedade brasileira...".

Bom... Mas deixemos de coisa... O que escrevi acima foi apenas uma introdução para levá-lo a tomar em conta o meu convite para que você leia o texto abaixo, retirado do site de Marcos Rolim, especialista em segurança pública.


DESACATO AO CIDADÃO
Marcos Rolim


O 9º Batalhão da Brigada Militar tem pelo menos dois sargentos com pouco serviço. Na última segunda, às 11h30, o repórter do Canal Rural da RBS, Gustavo Bonato, 27 anos, fez o sinal para atravessar a rua na faixa de segurança, no centro de Porto Alegre.
Os carros pararam, menos a viatura nº 6427, onde estavam os Sgs. Alex e Nilo, que se deslocava em baixa velocidade, sirene e giroflex desativados. Obrigado a parar no meio da faixa de segurança, Gustavo disse ao motorista: –“Policial deve dar o exemplo e parar na faixa”. A viatura, então, parou em fila dupla e Gustavo foi abordado: “-O que tu disse (sic), magrão?” - “Disse que os policiais devem dar o exemplo”, respondeu o repórter. – “Palhaço...viaturas têm preferência em atendimento à ocorrência”. – “Se vocês estão atendendo a uma ocorrência, então estão perdendo tempo”, disse Gustavo. – “Sim, estou perdendo tempo com um palhaço”, disse o Sargento. Aí Gustavo foi “convidado” a entrar na viatura para ir ao batalhão. No deslocamento, ao verem que a identidade do repórter era do Paraná, um dos policiais disse: -“Esse deve ser um meliante do PR que veio aqui chineliá (sic) com a gente”. No batalhão, Gustavo foi revistado, mãos na parede, etc. Meia hora depois, estava “liberado”. Gustavo morou na Suíça, um lugar onde pedestres têm preferência e onde policiais prestam contas do que fazem. Nas horas vagas, os policiais suíços prendem cineastas acusados de estupro ou desmontam versões fantasiosas como a daquela brasileira que se autoflagelou. Na maior parte do tempo, como ocorre com as melhores polícias do mundo, atendem às demandas do público com respeito e extremo zelo. O fazem não apenas porque são mais educados, bem pagos e mais bem formados, mas porque sabem que uma polícia que não for admirada pela cidadania é uma instituição imprestável. A arma mais importante de qualquer polícia é a informação e o povo é a fonte onde se deve buscá-la. Se a população admira sua polícia, presta informações. Quando teme sua polícia e desconfia dela, se cala. Em 1829, Sir Robert Peel, o fundador da Polícia londrina, formulou os 9 princípios que, desde então, orientam o policiamento britânico. O mais conhecido deles assinala: “A polícia deve manter o relacionamento com o público que assegure realidade à histórica tradição pela qual a polícia é o público e o público é a polícia”. Na Inglaterra, certa feita, minha filha mais velha se envolveu em um acidente com sua bicicleta. O erro foi dela e o motorista se comportou corretamente, chamando a ambulância. No fim das contas, sobraram apenas alguns arranhões e o susto. No dia seguinte, dois policiais estiveram em minha casa. Abri a porta, apreensivo, imaginando algum tipo de problema. Eles haviam sido informados do acidente e perguntaram por minha filha. – “Ela está bem?” – “Sim, respondi, está tudo bem”. – “Que bom”, disseram, “somos os policiais deste bairro; se precisar, o senhor pode nos chamar por este número”, me passaram o celular e me desejaram bom dia. A autoridade das polícias britânicas se formou assim e assim é mantida. Policiais são servidores do povo. Informam a população, pedem desculpas quando erram, pedem “por favor”, auxiliam as vítimas. Uma polícia incapaz disto é, na melhor das hipóteses, um desperdício e, na pior, uma ameaça. O que ocorreu com Gustavo Bonato não é um caso isolado, é a regra. Se fosse em uma vila, teria sido muito pior. E se calarmos diante de coisas assim, então tudo será sempre pior.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Texto sobre crime e policiamento

No número mais recente da revista DADOS, uma das mais importantes publicações na área de ciências sociais no Brasil, você encontrará um interessante artigo sobre crime e policiamento. Intitulado Crime e estratégias de policiamento em espaços urbanos, o texto tem como autores Claudio Beato, Bráulio Figueiredo Alves da Silva e Ricardo Tavares. Acesse o artigo aqui.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

"Querem destruir a Polícia Federal"

A frase do título desta postagem é do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos e foi dita em entrevista concedida ao jornalista Bob Fernandes. Transcrevo a entrevista abaixo. Caso queira, acesse direto o blog do Bob aqui.

Thomaz Bastos: "Querem destruir a Polícia Federal"

Bob Fernandes


Noite de 22 de dezembro de 1988. Dezenas e dezenas de milhões de brasileiros de olhos grudados na telas de televisão.



Tensão, ansiedade, expectativa. Aquela era uma morte anunciada por meses e meses, país afora se intuía, inevitável o assassinato ao final daquela história. O crime foi cometido e, na ante-véspera do Natal, o Brasil parou em busca da resposta:



- Quem matou Odete Roitmann?



Leia também:
» Opine aqui sobre os vinte anos da morte de Chico Mendes
» Darly Alves: "Chico Mendes foi um mártir e eu também"
» Em carta, filha de Chico Mendes diz: "Você tentava dizer algo..."



Odete, a malvadona vivida por Beatriz Seggal na novela Vale Tudo. Mais malvada - mas há controvérsias - que a Flora interpretada por Patrícia Pillar em A Favorita neste 2008.



Naquela noite em que o Brasil parou para descobrir o assassino de Odete Roitmann, nos confins da Amazônia morria, assassinado, um homem até então desconhecido.



Sua morte, como a de Odete, era mais do que anunciada. Disto se sabia na longeva Xapuri, disto sabiam os poucos que conheciam a luta que se travava nos seringais do Acre.



Mesmo jornalistas, sempre ciosos do saber tudo, só descobriram o personagem e sua dimensão quando ele já estava morto. Alguns, poucos, tentaram evitar a morte anunciada. Não conseguiram. Jornais, revistas, a televisão, não tinham espaço e tempo para um ilustre desconhecido.



Disto bem sabe o repórter Edílson Martins, que em vão tentou contar no Jornal do Brasil a história do homem marcado para morrer.



E foi assim, cercados por uma cortina de silêncio da mídia - que naquele tempo só se chamava "imprensa" - que pai e filho, Darly e Darci Alves da Silva, assassinaram Chico Mendes.



Darly e Darci, dois pobre-diabos que enchiam a boca ao se apresentar como "fazendeiros".



Dois anos depois, em 1990, a atenção do mundo se voltava para Xapuri. Darly e Darci estavam, em tempo recorde, no banco dos réus.



Na acusação, apenas formalmente como Assistente, o criminalista Márcio Thomaz Bastos, a quem Terra Magazine ouve hoje, há exatos 20 anos do assassinato. Atuação impecável, Thomaz Bastos arrancou a condenação de Darly e Darci em julgamento célebre, que recorda na entrevista que se segue:



- Inesquecível. Aquele é um dos raros momentos na vida em que alguém... Em que eu me senti falando em nome de todos, me senti falando em nome da humanidade.



Em seu escritório à Avenida Faria Lima, São Paulo, enquanto regressa ao passado, ao assassinato e à condenação, enquanto, certamente, perscruta os seus 73 anos, Márcio Thomaz Bastos torna concreto o que viveu em Xapuri:



- ...Ficou claro, e nem sempre assim, é muito difícil ter isso tão claro, que tínhamos ali um embate do Bem contra o Mal...



Também hoje, em trabalho do blogueiro da Amazônia de Terra Magazine, Altino Machado, os internautas podem ver, ler e ouvir a versão da história contada pelo assassino, Darly Alves da Silva.



No julgamento dos assassinos, em Xapuri, a imprensa buscou se purgar. E, para tanto, mentiu muito. Criou um mundo que não existia, não existiu.



No verão de 1990, para saciar a sede de justiça do mundo e, talvez, sua inoperância pregressa, jornais, revistas, rádios e televisões levaram a Xapuri mais de "5 mil pessoas". Tal multidão existiu apenas nas manchetes. Lá não estiveram mais de 300 manifestantes, além de centenas de jornalistas.



Inesquecível, pelos piores motivos, as cenas de filhos de Chico Mendes: Sandino, 4 anos de idade, e Elenira, 6 anos, a desfilar pela ruas de Xapuri com a foto do pai morto pregado em um cartaz, ou a posar ao lado de seu túmulo.



O fizeram, o faziam, a mando de fotógrafos, cinegrafistas, repórteres. A mídia que se calara até o assassinato, por desconhecimento ou desinteresse, para incensar manchetes durante o julgamento pagava picolés aos filhos do líder morto.



Duas décadas depois Márcio Tomaz Bastos faz um outro balanço, o da Justiça no Brasil:



- Xapuri foi só uma ilusão. O Judiciário não funciona como deveria. É lento, ineficaz, o Brasil tem um sistema, um Judiciário que fala para si mesmo, que não está em conexão com o mundo exterior, com a sociedade, que é, em uma palavra, solipsista... O judiciário não funciona adequadamente.



Quando Darly e Darci foram condenados, Thomaz Bastos imaginou que ali "se quebrava um paradigma". Ilusão, como ele mesmo agora constata.



Márcio Thomaz Bastos foi por cinco anos, como se sabe, ministro da Justiça do governo Lula. Entre seus grandes êxitos, a construção de uma Polícia Federal objeto de admiração e respeito. Na tarefa, e no comando da Polícia Federal, o delegado Paulo Lacerda.



O mesmo Paulo Lacerda ilhado e atacado por adversários de fora e de dentro do governo nestes dias de 2008.



De dentro, por aqueles que temem o passado e o futuro, ou apenas o invejam e jogam o jogo.



De fora do governo, pelos milhares que foram para a cadeia em operações da PF, pelos que temem uma Polícia Federal forte e eficaz e, mais do que nunca, por uma diminuta mas barulhenta corte de rábulas & Associados.



Atacado não pelos milhares de advogados do Brasil, mas por facções daquela parcela que vive dos milhõe$ e milhõe$ de quem sempre tungou cofres públicos. Tungou, tungavam, até então sem problemas.



A PF de Thomaz Bastos ganhou recursos, deixou de depender de esmolas de DEA e CIA para operar, fechou as portas para a palpitologia ilegal do FBI.



Para quem imagina que se pode recortar a história e, assim, monitorá-la, um lembrete: o Márcio Thomaz Bastos que arrancou a condenação dos assassinos de Chico Mendes é o mesmo que esteve à frente do ministério da Justiça quando a Polícia Federal se tornou objeto de respeito e admiração.



A mesma Polícia Federal que, duas décadas antes, não apenas não conseguiu impedir o assassinato de Chico Mendes como por ele mesmo era acusada de integrar "um complô" para matá-lo.



Sobre a Polícia Federal de hoje, a do pré e pós Satiagraha, Márcio Thomaz Bastos alerta:



- ...Em alguns casos há uma clara tentativa de se atacar, de se destruir a Polícia Federal...



A propósito, quanto ao passado - mas sem que se descure do presente- vale destacar o fator que Márcio Thomaz Bastos considera vital, aquele que nascido na Europa e nos Estados Unidos no rastro do assassinato de Chico Mendes, chegou ao Brasil como um vagalhão e levou à condenação de Darly e Darci:



- ...Então o que se levantou foi uma autoridade moral...



Terra Magazine - Há 20 anos morria Chico Mendes e há 18 o senhor era assistente de acusação, mas conduzia a acusação na prática, contra os assassinos de Chico, Darly e Darci Alves da Silva. Passado tanto tempo...
Márcio Thomaz Bastos - Inesquecível. Aquele é um dos raros momentos na vida em que alguém... Em que eu me senti falando em nome de todos, me senti falando em nome da humanidade. É uma sensação impressionante, e inesquecível. O ambiente, as pessoas, tudo...

O ambiente, a Amazônia?
Isso. Você de repente fala por todos. Defender a memória do Chico, acusar os que o mataram, era falar pela Amazônia, falar em nome da humanidade. Ali nós tivemos claramente a explicitação do que era o bem e do que era o mal.

E quanto ao resultado, do ponto de vista jurídico?
A condenação, que se deu em tempo recorde, dois anos depois do crime, ocorreu por vários fatores. Um deles é que somos ainda um país de colonizados, então foi muito importante ali a pressão internacional, o protesto do mundo todo, que criou o ambiente, a pressão pelo julgamento rápido. Aquele julgamento criou, ou imaginávamos estar criando, um novo paradigma, o de uma justiça eficiente, rápida...

Foi só uma ilusão?
Foi só uma ilusão. O Judiciário não funciona como deveria. É lento, ineficaz, o Brasil tem um sistema, um Judiciário que fala para si mesmo, que não está em conexão com o mundo exterior, com a sociedade, que é, em uma palavra, solipsista. Um ano depois do julgamento, me lembro, escrevi um artigo para a Folha de S.Paulo...

Já sem ilusões?
Já sem ilusões, já tínhamos voltado a ser o que sempre fomos. A mesma lentidão, o mesmo sistema penitenciário, as mesmas cadeias lotadas, as mesmas injustiças...

E o senhor imaginava uma quebra de paradigma...
Encaminhamos modificações durante minha passagem pelo Ministério da Justiça, defendemos uma ampla reforma do Judiciário. Já há uma maior celeridade... Acho, cada vez mais, que o Conselho Nacional de Justiça deve ter um papel muito importante nesse cenário. Outro dia participei de um julgamento e está claro para mim que já há modificações importantes, já há condições para maior celeridade, mas nem por isso podemos deixar de dizer que o Judiciário, como um todo, não funciona adequadamente.

A propósito, passados 20 anos, temos o Supremo nessa questão em pauta já há meio ano, a "Operação Satiagraha"...
Olha, quanto ao Supremo, esse Supremo, o de hoje, está mais próximo das ruas, mais do que nunca esteve...

Mas não lhe parece que está nas ruas mas ainda de toga? Não há um descompasso muito grande entre o que o Supremo escuta, percebe, e o país real? Não estamos aqui, claro, a sugerir que o Supremo atenda a "clamores populares", mas não lhe parece às vezes que eles estão ainda distantes, isolados, presos às suas vaidades, sem perceber o que de verdade pulsa no país real?
Eu diria que, em tese, você tem razão, mas, para o bem e para o mal, hoje ele está mais voltado para o povo de carne-e-osso, para a Nação real.

A propósito de teses, há outras na praça; haveria uma "fascistização" em curso, embalada por um "estado policialesco"... Proponho uma outra tese: a hipotética "fascistização" não nasceria, antes de qualquer coisa, numa sociedade que aceita a impunidade? Que não consegue levar ao fim os julgamentos contra quem tem poder, dinheiro? Que vê se arrastar por anos, décadas, até a prescrição, os processos contra quem tem grana?
A propósito dessa tese basta lembrar das nossas raízes e costumes ibéricos, voltarmos a Raimundo Faoro e o país patrimonialista exposto em Os donos do Poder (Nota da Redação: um clássico da sociologia, publicado em 1958), ou em Raízes do Brasil, por Sérgio Buarque de Holanda (NR: outra leitura clássica sobre o Brasil, esta de 1936).

Quanto às teses em curso...
Outro dia li, alguém disse, algo em latim, algo sobre o "abuso não deve impedir o uso". Ou seja, se há excessos, incorreções eventuais, que isso seja corrigido, que as corregedorias funcionem de verdade, não como meros instrumentos com outros fins, mas o que não se pode fazer é buscar destruir as instituições só porque agora elas funcionam um pouco melhor e, cumprindo seu papel, passaram a incomodar quem antes se sentia confortável.

Se bem entendi o senhor está falando da Polícia Federal?
Também. Em alguns casos há uma clara tentativa de se atacar, de se destruir a Polícia Federal.

... Tentativa de quem um dia foi preso, de quem teme ser preso um dia, de quem teme uma polícia séria, forte, eficaz. Tentativa de uma certa porção do establishment...
... Certamente. Mas eu tenho certeza de que não conseguirão. Tenho muito orgulho do trabalho que fizemos, que fez minha equipe, na recuperação da Polícia Federal, da sua imagem, das suas ações...

Uma polícia que até então tinha que usar verbas da DEA (NR: Drug Enforcement Administration) para operar, que tinha um de seus braços, à época chamava-se SOIP, construído com verbas do Departamento de Estado dos EUA - leia-se CIA -, assim como o mesmo departamento de Estado havia "doado" automóveis para o tal SOIP, não sei como se chama hoje...
Pois é, mas tudo isso foi modificado, reformulado, a polícia foi reaparelhada, ganhou autonomia, nossa polícia hoje se parece muito, tem a eficácia (risos) dos "feds" (NR: os policiais federais dos EUA)...e eu tenho a convicção de que ela continuará sendo eficiente. Estão tentando, mas não vão conseguir destruí-la.

Voltemos a Chico Mendes e às metáforas correlatas, estas que ligam os dois tempos, aquele e o de hoje. Você lembra que lá em Xapuri, no Acre, onde estávamos no julgamento, rádios, televisões, jornais, diziam, repetiam, que lá estavam "5 mil pessoas acompanhando o julgamento"... e que, na verdade, não estavam ali mais do que 300 pessoas que não fossem de Xapuri?
Me lembro, perfeitamente. Foi isso mesmo.

Lembra? Manchetes e mais manchetes. À época escrevi algo sobre isso, "Holofotes na Selva", sobre "as 5 mil pessoas" que na verdade nunca lá estiveram.
Me lembro, falava-se muito nesse número e de fato isso nunca existiu.

Isso não diz muito sobre o que era, como funcionava, funciona a mídia?
De fato... Mas ali era o mundo que queria falar, queria punir os criminosos, era o Bem contra o Mal. Daí os exageros. Naquele caso, a mídia captou o sentimento geral, aquela vontade de justiça que estava no ar.

E o senhor soube que, à época, fotógrafos, cinegrafistas, jornalistas, davam dinheiro ao filho pequeno (NR: Sandino, aos 4 anos) de Chico Mendes para que ele posasse ao lado do túmulo do pai? E que pagavam picolés à filha, também pequena (NR: Elenira, então com 6 anos, que hoje, já adulta, escreveu para o Blog da Amazônia e Terra Magazine uma carta em memória ao pai, Chico Mendes), para que desfilasse nas ruas de Xapuri com um cartaz com a foto do pai? Desta forma garantiam as manchetes, as fotos, as capas da noite ou do dia seguinte. O senhor chegou a ver ou saber disso?
Não, disso eu não soube... Eu estava muito isolado, concentrado na acusação, como você deve se lembrar. Quase não fui às ruas, não acompanhei essa movimentação externa ao julgamento. Vi, sabia que não estavam lá 5 mil pessoas, mas não soube disso.

Ali tínhamos um poder: o dos fazendeiros, grileiros, que era um poder grande lá em Xapuri, no Acre, mas que era um poderzinho, um poder menor diante da gigantesca força moral que se levantou com o assassinato do Chico Mendes...
Exatamente. Então o que se levantou foi uma autoridade moral que veio com muita força do exterior, que levou todo o mundo do trabalho no Brasil a Xapuri. Me lembro claramente do Lula chegando a Xapuri, da Marina Silva, do Jair Meneguelli, que era presidente da CUT...

Voltando às metáforas. Chico Mendes morreu na noite de 22 de dezembro. O Brasil não o conhecia. Ele era um absoluto desconhecido e naquela noite...
Eu não conhecia o Chico. Tinha ouvido falar, mas não o conhecia, não tinha dimensão da sua luta. E sua luta pela Amazônia, pelos seringueiros, também não tinha toda aquela dimensão, repercussão, antes da sua morte. O Lula conhecia o Chico, sabia disso tudo, mas eu, não.

Nem os jornalistas conheciam. Teve repórter (NR: Edílson Martins) que tentou, sem conseguir, emplacar matéria no Jornal do Brasil sobre a morte próxima, anunciada, de um líder dos seringueiros, o Chico Mendes. Aliás, na noite em que o Chico morreu, o Brasil todo estava parado, assistindo, debatendo excitado um outro assassinato. Naquela noite o Brasil parou para saber, na novela das 8, quem havia matado Odete Roittman (NR: Beatriz Segall, em personagem hiper malvada da novela Vale Tudo).
Eu não sabia disso.

O que ficou na sua memória, passados 20 anos do assassinato e 18 do julgamento?
Aquela sensação de que enquanto acusava os assassinos do Chico Mendes, eu falava em nome da humanidade. Ali ficou claro, e nem sempre é assim, é muito difícil ter isso tão claro, que tínhamos um embate do Bem contra o Mal. Ficou também a impressão de que tínhamos quebrado um paradigma, o da injustiça permanente, do Judiciário que não funciona, que é fechado em si mesmo. Mas, apesar dos avanços que também são evidentes, vejo que foi só uma ilusão.
Apesar disso, são essas lutas que dão sentido concreto à História. Todos esses fatos se acumulam no tempo, esses valores pelos quais lutamos vão sedimentando uma cultura, vão formando e inspirando outras mentes.
Em algum momento, as mudanças se precipitam e a realidade se transforma, embora de maneira mais lenta do que gostaríamos. De modo que, passados 20 anos, Chico Mendes continua sendo uma inspiração e uma presença para todos nós.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Crime e policiamento

Leia aqui interessante artigo de autoria de, entre outros, Cláudio Beato (UFMG), sobre criminalidade e estratégias de policiamento para fazer-lhe face.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sobre ter ou não vocação para ser policial

Marcos Rolim, como sempre, vai na jugular. Já falei dele neste blog. Dispensa, portanto, apresentações. Então, deixemos de coisa e postemos mais um dos seus ótimos textos. Este trata da formação policial. Tema que me interessa de perto dado que oriento alunos nesta temática.


Vocação
Marcos Rolim

Um dos meus alunos no curso de especialização em segurança pública da Faculdade de Direito de Santa Maria, policial militar, me relatou um fato ocorrido com seu familiar, um jovem cujo sonho era ser policial: o rapaz havia sido selecionado pela P.M. de Santa Catarina e fazia a instrução para soldado.

Um dia, sua turma recebeu ordem para efetuar a limpeza de um enorme e imundo banheiro coletivo. Os alunos se esforçaram muito e deixaram o local “brilhando”. Exaustos, depois de horas de trabalho, viram quando um oficial colheu quilos de estrume dos cavalos, entrou no banheiro e espalhou a “carga” pelo chão. O mesmo oficial determinou, então, que a limpeza fosse refeita, já que o banheiro continuava imundo. O jovem recusou-se a cumprir a ordem humilhante. Recebeu várias ameaças e, naquele momento, desligou-se da corporação. Ao relatar o fato ao Major – superior imediato do oficial envolvido – ouviu dele a seguinte pérola: “- De fato, você não tem vocação para ser policial”.

O episódio faz pensar sobre as virtudes que um policial deve ter. No Brasil, ainda hoje, há quem imagine que as qualidades mais importantes de um “bom policial” sejam a obediência, a força física e o destemor. Nenhuma delas, entretanto, tem algo a ver com a excelência na função. Agentes públicos caracterizados por aquelas três qualidades, aliás, têm mais chances de serem péssimos policiais e, pior, mais chances de se transformarem em bandidos perigosos. Eventuais dúvidas poderão ser sanadas ao se checar os critérios empregados pelos nazistas para a constituição de sua “tropa de choque”, a Schutzstaffel, ou “SS” como ficou conhecida aquela organização de assassinos.

Um bom policial precisa ter, inicialmente, um senso moral muito superior à média. Por isso, se deveria exigir que os aspirantes tivessem um nível de moralidade “pós-convencional’ (nos termos propostos por Kohlberg), o que pode ser medido com facilidade em testes específicos que empregam dilemas morais. Bons policiais devem ter, também, estrutura psíquica equilibrada e formação superior (é incompreensível, neste particular, que não tenhamos ainda cursos de graduação em segurança nas universidades) e, ainda, demonstrar capacidade de liderança (na Suécia, por exemplo, um dos critérios para ingresso na polícia é a comprovação de já ter exercido liderança comunitária).


Para tudo isto, é claro, o Estado precisaria oferecer bons salários –correspondentes às exigências e à enorme complexidade da função, além da perspectiva de uma sólida carreira policial, de tal forma que fosse possível atrair para as polícias os melhores. Fazemos tudo ao contrário, como se sabe. "Altura" ainda é critério de recrutamento (sério), adoramos a imagem de “rambos”, vibramos com a tortura em “Tropa de Elite” e tome ranger de dentes e colunas sobre pena de morte. Pior: incensamos a imagem de gestores, oficiais e chefes incompetentes, bastando que nos ofereçam frases feitas e bravatas ao invés de diagnósticos e planos concretos. E se os incompetentes são ainda covardes a ponto de mandar bater em bancários, em professores ou em colonos, então exultamos como filhotes extraviados de Sade diante do látego. Vocação nacional? Tomara que não.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Mapa do Crime

O jornal Folha de São Paulo publica na edição de hoje uma matéria sobre o mapa da criminalidade. A folha teve acesso a dados detalhados das diversas modalidades delituosas na cidade de São Paulo. Até agora, informa o jornal, as autoridades policiais paulistas só informavam os macrodados. Esse tipo de levantamento é fundamental para a construção de uma cultura de enfrentamento à criminalidade marcada pela mobilização de conhecimento. Por outro lado, é de fundamental importância que entidades da sociedade civil e estudiosos possam ter acesso a esses dados. Eles municiam análises e propostas de ação. A mais básica dessas propostas é a distribuição do contingente policial na cidade. Entretanto, sabemos bem, quanto menos informação disponível, mais ficamos à mercê da "vontade política" das autoridades. Como aprendeu cedo aquele aspirante do filme "Tropa de Elite", a distribuição de contingente policial nas nossas cidades, não raramente, está relacionada a outros fatores (alguns bem obscuros, por sinal). Nesse quadro, para muitas autoridades policiais, menos informação (para o público), por mais absurdo que isso seja, é melhor.
ASSINANTE UOL LÊ A MATÉRIA DA FOLHA AQUI.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Sobre a queda do número de homicídios em São Paulo

Quando muitos celebram a "política de enfrentamento" como único meio de enfrentamento da criminalidade, devemos analisar cuidadosamente os dados (mesmo que precários) sobre homicídios no Brasil. Merecem especial atenção informações acerca do Rio de Janeiro e São Paulo. Pois, de algum modo, o que ocorre nessas duas unidades da federação impacta no restante do país. Por isso mesmo, reproduzo, abaixo, parte de uma reportagem publicada hoje nno jornal Folha de São Paulo.

"Homicídios caem em SP, mas PM mata mais
No primeiro semestre, número de assassinatos caiu 13% no Estado; mortes causadas por policiais em serviço subiram 21,2%

Casos de roubo e latrocínio aumentaram no período; pesquisador credita queda nos homicídios ao maior investimento do Estado

JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL

O número de homicídios dolosos manteve no semestre passado a tendência de queda verificada no Estado de São Paulo desde 1999, segundo dados divulgados ontem pelo governo José Serra (PSDB).
A comparação com o mesmo período do ano passado, no entanto, revela que a Polícia Militar está matando mais e que houve pequeno aumento nos roubos e latrocínios.
O Estado registrou 2.183 assassinatos no primeiro semestre, uma redução de 13% em relação a igual período de 2007, quando houve 2.509 casos. A redução foi uniforme, tanto em São Paulo como no interior.
Na cidade de São Paulo, o número de assassinatos caiu de 777 para 630, enquanto no interior do Estado decresceu de 1.011 para 884 casos.
As demais cidades da região metropolitana também acompanham a tendência, com 52 registros a menos neste ano.
Outro dado positivo da estatística: o número deste ano representa menos da metade das 4.521 mortes ocorridas entre janeiro e junho de 2004.
O número de mortes por PMs em serviço passou de 170 para 206 (21,2% a mais), na comparação entre o primeiro semestre de 2007 e o de 2008.
São muitos casos, mas bem abaixo das 290 mortes atribuídas a policiais militares em 2006, ano em que a PM reagiu aos ataques da facção criminosa PCC. Quatro anos atrás, o número de mortos por PMs no primeiro semestre foi de 254.
A quantidade de policiais militares mortos durante o expediente se manteve em 12 casos. No mesmo período de 2006, foram 19 casos de policiais assassinados."

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Em outra postagem, voltarei ao assunto.