Ministrei aulas em academias de polícia e já orientei (bons) trabalhos acadêmicos de policiais civis e militares. Essa aproximação não me fez menos crítico dos (graves) problemas de nossas polícias. Muito pelo contrário! Não perco oportunidades, em contato com policiais (individualmente ou em coletivos), de apontar a necessidade do enfrentamento, por parte da cidadania e dos próprios corpos policiais, desses problemas.
E há, no meio policial, muita gente que se dá conta da necessidade de uma redefinição do trabalho policial para que a instituição conquiste e amplie sua legitimidade social. Tanto é assim que, recentemente, de forma muito corajosa, um oficial da PM do RN escreveu uma dissertação de mestrado estabelecendo uma relação entre a violência policial e a formação que é oferecida aos novos soldados no estado. Fui o orientador desse trabalho.
Por outro lado, mesmo entre os corpos dirigentes, existem os que preferem não "perder" tempo com essas questões. Não é raro que, em conversa com oficiais ou com autoridades policiais, obtenha a seguinte resposta: "mas isso é cultural. A sociedade quer que a polícia seja assim..." Outra vezes: "Não, professor, não é a polícia que é violenta, mas a sociedade brasileira...".
Bom... Mas deixemos de coisa... O que escrevi acima foi apenas uma introdução para levá-lo a tomar em conta o meu convite para que você leia o texto abaixo, retirado do site de Marcos Rolim, especialista em segurança pública.
DESACATO AO CIDADÃO
Marcos Rolim
O 9º Batalhão da Brigada Militar tem pelo menos dois sargentos com pouco serviço. Na última segunda, às 11h30, o repórter do Canal Rural da RBS, Gustavo Bonato, 27 anos, fez o sinal para atravessar a rua na faixa de segurança, no centro de Porto Alegre.
Os carros pararam, menos a viatura nº 6427, onde estavam os Sgs. Alex e Nilo, que se deslocava em baixa velocidade, sirene e giroflex desativados. Obrigado a parar no meio da faixa de segurança, Gustavo disse ao motorista: –“Policial deve dar o exemplo e parar na faixa”. A viatura, então, parou em fila dupla e Gustavo foi abordado: “-O que tu disse (sic), magrão?” - “Disse que os policiais devem dar o exemplo”, respondeu o repórter. – “Palhaço...viaturas têm preferência em atendimento à ocorrência”. – “Se vocês estão atendendo a uma ocorrência, então estão perdendo tempo”, disse Gustavo. – “Sim, estou perdendo tempo com um palhaço”, disse o Sargento. Aí Gustavo foi “convidado” a entrar na viatura para ir ao batalhão. No deslocamento, ao verem que a identidade do repórter era do Paraná, um dos policiais disse: -“Esse deve ser um meliante do PR que veio aqui chineliá (sic) com a gente”. No batalhão, Gustavo foi revistado, mãos na parede, etc. Meia hora depois, estava “liberado”. Gustavo morou na Suíça, um lugar onde pedestres têm preferência e onde policiais prestam contas do que fazem. Nas horas vagas, os policiais suíços prendem cineastas acusados de estupro ou desmontam versões fantasiosas como a daquela brasileira que se autoflagelou. Na maior parte do tempo, como ocorre com as melhores polícias do mundo, atendem às demandas do público com respeito e extremo zelo. O fazem não apenas porque são mais educados, bem pagos e mais bem formados, mas porque sabem que uma polícia que não for admirada pela cidadania é uma instituição imprestável. A arma mais importante de qualquer polícia é a informação e o povo é a fonte onde se deve buscá-la. Se a população admira sua polícia, presta informações. Quando teme sua polícia e desconfia dela, se cala. Em 1829, Sir Robert Peel, o fundador da Polícia londrina, formulou os 9 princípios que, desde então, orientam o policiamento britânico. O mais conhecido deles assinala: “A polícia deve manter o relacionamento com o público que assegure realidade à histórica tradição pela qual a polícia é o público e o público é a polícia”. Na Inglaterra, certa feita, minha filha mais velha se envolveu em um acidente com sua bicicleta. O erro foi dela e o motorista se comportou corretamente, chamando a ambulância. No fim das contas, sobraram apenas alguns arranhões e o susto. No dia seguinte, dois policiais estiveram em minha casa. Abri a porta, apreensivo, imaginando algum tipo de problema. Eles haviam sido informados do acidente e perguntaram por minha filha. – “Ela está bem?” – “Sim, respondi, está tudo bem”. – “Que bom”, disseram, “somos os policiais deste bairro; se precisar, o senhor pode nos chamar por este número”, me passaram o celular e me desejaram bom dia. A autoridade das polícias britânicas se formou assim e assim é mantida. Policiais são servidores do povo. Informam a população, pedem desculpas quando erram, pedem “por favor”, auxiliam as vítimas. Uma polícia incapaz disto é, na melhor das hipóteses, um desperdício e, na pior, uma ameaça. O que ocorreu com Gustavo Bonato não é um caso isolado, é a regra. Se fosse em uma vila, teria sido muito pior. E se calarmos diante de coisas assim, então tudo será sempre pior.
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