quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Morre Lévi-Strauss


A morte de Lévi-Strauss, ocorrida no domingo passado e comunicada ontem pela família, marca o fim de uma era. A era dos grandes cientistas sociais. Lévi-Strauss, de longe, foi o nome mais marcante do campo na segunda metade do rico e complexo século XX. Confira, aí abaixo, matéria publicada na edição online do Jornal do Brasil de hoje a respeito dessa perda.


Morre Lévi-Strauss, um dos maiores pensadores do século XX

Luísa Côrtes

Jornal do Brasil



PARIS - - Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele.


O mundo ainda não chegou ao fim, mas já sofre a perda de um dos mais respeitados pensadores do século XX, autor da frase citada. O antropólogo e filósofo francês Claude Lévi-Strauss faleceu na madrugada de sábado para domingo, na França, e deixou, além de obras essenciais para as ciências sociais - como “Tristes Trópicos”, “O cru e o cozido” e a série “Mitológicas”- ideias críticas ao etnocentrismo ocidental.


Ao contrário do que muitos pensam, Strauss não é natural da França. Filho de intelectuais franceses de origem judaica, Claude nasceu em Bruxelas, na Bélgica, em 1908. Ainda criança se mudou para a França, onde, mais tarde, estudou Direito e Filosofia na Universidade de Sorbonne, em Paris. Lévi-Strauss fez parte do círculo intelectual de Jean Paul Sartre, e comandou por mais de vinte anos o departamento de Antropologia Social no College de France, onde ficou até se aposentar, em 1982.


Além da importância internacional, Lévi-Strauss também foi essencial para o desenvolvimento do pensamento brasileiro. Foi um dos fundadores do departamento de Ciências Sociais da ainda recém-fundada Universidade de São Paulo (USP), onde lecionou entre os anos de 1935 e 1939. A contribuição com a formação intelectual do Brasil foi respondida à altura, por uma experiência que marcou toda a vida de Lévi-Strauss: foi aqui que o pensador iniciou seu estudo sobre os índios, despertando sua vocação para a antropologia.


Em diversas viagens ao interior do Brasil, ao norte do Paraná, à Goiás e ao Mato Grosso, Lévi-Strauss passou pela primeira experiência de conviver diariamente com tribos indígenas. O relato dessa exploração por terras brasileiras transformou-se no livro “Tristes Trópicos”, de 1955, que lançou o pensador à fama. A obra foi encomendada pela editora francesa Plon para fazer parte de uma série etnográfica chamada “Terra humana”. Lévi-Strauss se destacou e escreveu uma obra de arte, segundo os críticos, que se diferencia de um relato erudito, por representar a alma do autor.


Lévi-Strauss também é considerado o pai do estruturalismo, corrente intelectual que ajudou a compor, por meio da reunião do método estrutural e da psicanálise, e que buscava a interpretação dos mitos, a descoberta dos sistemas de pensamento e o entendimento sobre o funcionamento social. Para a elaboração do novo conceito, ele contou com um fundamental encontro com o lingüista americano Roman Jakobson, que estimulou Lévi-Strauss a se debruçar sobre os fenômenos humanos, como o parentesco.


Seguindo o conselho de Jakobson, Lévi-Strauss lançou o seu primeiro livro de grande projeção, "As Estruturas Elementares do Parentesco", publicado em 1949. A obra afirma que o "parentesco" - interpretado como regras de aliança, filiação e residência - está no centro da Antropologia, que estuda o homem em sua dimensão social.


A obra de Strauss é referência em todas as escolas de ciências humanas ao redor do mundo. A importância do antropólogo também já foi reconhecida diversas vezes: em 1973, o pensador foi eleito membro da Academia Francesa; fez parte, ainda, da Academia Nacional de Ciências do Estados Unidos, da Academia Americana e do Instituto de Artes e Letras, todos no Estados Unidos. Além de todos esses méritos, Lévi-Strauss era doutor "honoris causa" em diversas universidades, como nas de Bruxelas, Montreal, Oxford, Chicago, Québec e Autônoma do México. Ele, que afirmava que "o homem é uma espécie passageira que deixará apenas alguns traços de sua existência quando estiver extinta", se enganou. O pensador é uma espécie de homem que deixa muitas palavras, imagens, livros e ideias que estarão presentes eternamente.

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