Notícia publicada na FOLHA dá conta da morte, ocorrida ontem, do cientista social Gilberto Velho. Um dos grandes nomes da antropologia brasileiro, Velho é autor de livros e artigos que são partes da bibliografia básica das ciências sociais brasileiras. Confira abaixo a notícia!
Antropólogo Gilberto Velho morre no Rio, aos 66 anos
Professor é autor do livro "A Utopia Urbana"
DO RIO
O antropólogo Gilberto Velho, 66, morreu na madrugada de ontem enquanto dormia, em seu apartamento, em Ipanema, zona sul do Rio.
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e decano do departamento de antropologia do Museu Nacional/UFRJ, Velho trabalhou normalmente até a tarde de sexta-feira.
A causa de sua morte ainda não foi determinada. Suspeita-se que ele tenha sofrido um AVC. Solteiro, Velho não tinha filhos.
O velório acontece hoje, entre 10h e 15h, na capela 3 do Cemitério São João Batista, em Botafogo.
O corpo do antropólogo será cremado, como era seu desejo, segundo amigos próximos. A data da cremação não havia sido confirmada até o fechamento desta edição.
Doutor em ciências humanas pela Universidade de São Paulo (USP), Velho sempre voltou seu olhar para temas da antropologia urbana e da sociedade. Em um de seus últimos textos, publicado no blog que mantinha, ele discorre sobre a eficácia das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) no combate à violência no Rio.
É autor de diversos livros, entre os quais "A Utopia Urbana" (2003), em que radiografa a rotina de pessoas que vivem em apartamentos conjugados em Copacabana para realizar o sonho de morar na zona sul carioca "de qualquer maneira".
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domingo, 15 de abril de 2012
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Um baita texto de antropologia
Edmundo Pereira, professor do Departamento de Antropologia da UFRN, é um Jedi. A classificação não é minha, mas dos estudantes do curso de Ciências Sociais da UFRN. Bueno, o texto abaixo, de sua lavra, foi publicado no número mais recente da prestigiosa revista MANA. Dê uma conferida! É biscoito fino.
Palavra de coca e de tabaco como "conhecimento tradicional": cultura, política e desenvolvimento entre os uitoto-murui do rio Caraparaná (CO)
Edmundo Pereira
Antropólogo, membro do DAN-PPGAS/UFRN.
E-mail: edmundopereira@gmail.com
Artículo 330. De conformidad con la Constituición y las leyes, los territorios indígenas estarán gobernados por concejos conformados y reglamentados según los usos y costumbres de sus comunidades [...] (Título XI. DE LA ORGANIZACIÓN TERRITORIAL, Nueva Constituición Política de Colombia, 1991).
Após a promulgação da nova Constituição colombiana em 1991, o tema do "desenvolvimento" voltou a ganhar especial relevância nos debates nacionais, passando a ser concebido, ao menos em tese, para o caso de muitos dos grupos andinos e amazônicos, a partir de perfis étnicos. Esse novo campo de relações sociais, calcado nos projetos de imaginação da nação (Anderson 2008) que passam a se pretender multiétnicos, acompanha também o aparecimento e o fortalecimento de organizações de representação indígena em diversos níveis, do local ao nacional. Nesse jogo complexo de agendas e práticas políticas, o "desenvolvimento" (O que é? A quem se destina? Sobre que bases se constitui?) torna-se capital simbólico e material negociado, não raro em meio a conflitos de diversas ordens, envolvendo concepções, conhecimentos e dinâmicas de produção de consenso por vezes bastante distintos.
Diante desse quadro, ao longo das últimas duas décadas, em face da diversidade de "projetos" implementados, vem se acumulando um número de experiências malsucedidas1 que ao final se explicam, em grande medida, pela incompreensão- do ponto de vista das agências não índias- do que tem sido chamado de "a dimensão cultural do desenvolvimento" (Grillo & Stirat 1997:6). O caso específico da região analisada, o interflúvio dos médios rios Caquetá e Putumayo, na Amazônia colombiana, habitado pelos grupos autointitulados Povos do Centro (denominação que incorpora sete grupos indígenas, dentre eles os Uitoto e seus subgrupos Murui e Muina),2 é particularmente rentável para a análise de processos de politização da cultura (Linnekin 1990, 1992; Jolly & Thomas 1992; Briggs 1996) em contexto de articulação entre agentes da cooperação internacional e mediadores nacionais e locais.
Entre 2000-2001, um debate mobilizou os aldeamentos uitoto-murui dos rios Caraparaná e Putumayo, na Amazônia colombiana, tendo como tema central a noção de "desenvolvimento alternativo". Alguns deles sediaram reuniões entre indígenas (moradores, representantes locais e de órgãos de representação política nacional) e não indígenas (técnicos de Estado, de ONGs e militares) na produção de "diagnósticos" e "projetos" com financiamento da Cooperação Espanhola e execução através de uma ONG também espanhola (Watu), em articulação com a ONIC (Organização Nacional Indígena da Colômbia) e a OIMA (Organização Indígena Murui do Amazonas). O modelo proposto pela articulação Watu-ONIC-OIMA pretendia, em pouco mais de três meses, atravessar todos os aldeamentos de ambos os rios, promovendo "reuniões participativas" através das quais se passava a um curto processo de investigação por meio de um questionário fechado versando sobre temas como "cultura", "economia", "política", "saúde" e "escolaridade".
Através da produção de uma amostragem em cada aldeamento, ao final, se produziria uma publicação com o "autodiagnóstico" e as propostas de "projetos" elencados pelo grupo, tudo levando em conta os "usos e costumes" locais. Nesse contexto, o aldeamento de San Rafael,3 com articulação entre seu cacique, Don Ángel Ortiz, e o cabildo local, propõe um contraprojeto baseado nos "conhecimentos" das rodas noturnas de diálogo e consumo ritual da coca (Erythroxylon coca var. ipadu) e do tabaco (Nicotiana tabacum), no conjunto de conhecimentos materiais, simbólicos e ético-morais chamado de Palavra de Coca e de Tabaco (jiibina uai diona uai).4
Neste exercício, objetivo refletir especialmente sobre o modo como este corpus de conhecimentos, denominado, dentre outros termos, Palavra de Coca e de Tabaco, passa a ser articulado como conhecimento tradicional, servindo de base para a produção de um modelo de desenvolvimento "indígena" fundamentado em conhecimentos, hierarquias e processos de produção de consensos locais. No calor dos debates, a noção de "desenvolvimento" ganha, então, contornos "indígenas", em consonância com a Constituição de 1991 e sua demanda por modelos de gestão político-administrativos de base étnica. Do mesmo modo, diante das demandas da arena do desenvolvimento, um perfil discreto e acabado do que seja a Palavra de Coca e de Tabaco é também constituído em diálogo com outras tradições de conhecimento locais, em especial o cristianismo católico.
Palavra de Coca e de Tabaco e organização política
Os Povos do Centro (ou Gente do Centro)5 descendem de grupos étnicos que foram vítimas de um dos episódios mais violentos do período de exploração da borracha, entre 1900-1930, na fronteira amazônica entre Peru e Colômbia. Nos processos de reconstrução sociocultural após a escravidão e o quase extermínio pelas empresas gomíferas (Pineda 1985, 2000), teve- e continua tendo- um papel articulador central o conjunto de conhecimentos materiais e simbólicos, organizado em torno do consumo e do uso simbólico das plantas da coca e do tabaco. Este conjunto de conhecimentos (abarcando áreas que vão do mítico-cosmológico ao médico-terapêutico e às formas de governança) é resultante das articulações socioculturais vividas pelos grupos indígenas que habitam o interflúvio dos médios Caquetá e Putumayo e destes com agências não índias (Echeverri & Pereira 2005).
Sua instituição central de transmissão é o cocadero, ou o mambeadero (termo mais usado),6 espaço marcado por etiqueta e comedimento, por convenção ritual, e que pode ser considerado como um dos epicentros de construção de índices de distinção identitária em relação a seus vizinhos indígenas e não indígenas, mesmo para aqueles (homens ou mulheres, jovens ou anciãos) que pouca intimidade têm com o mundo da coca e do tabaco. Aqueles que pouco frequentaram o mambeadero, perguntados sobre em que bases se constitui sua singularidade sociocultural, fazem referência aos usos rituais de ambas as plantas, plantas "sagradas", e aos seus "conhecedores", que podem também ser chamados de "avós" ou, simplesmente, "donos de mambeadero". Para aqueles que se dedicam a esses encontros diários, o processo de aquisição e sistematização de conhecimento pode chegar a um alto grau de complexidade e elaboração, com anos de dedicação e em uma linguagem por vezes bastante formalizada.
Dentre os termos utilizados por Don Ángel Ortiz7 - cacique e dono de mambeadero do aldeamento de San Rafael, rio Caraparaná- para abarcar os conhecimentos expressos, estava o de "Palavra de Coca e de Tabaco". Na prática cotidiana, a expressão aponta para uma forma de diálogo ritual masculino, através da qual conhecimentos de diversas ordens são transmitidos. Este diálogo, iniciado por perguntas dos aprendizes, pode ser expresso de maneira cotidiana, vernacular, ou formalizar-se em gêneros discursivos e de cantos, por vezes herméticos para a maioria do grupo em suas formas de expressão e significados. Os encontros, sempre noturnos, em lugar reservado para tal fim, demarcado pela presença de bancos, pilões e tostadores, organizam-se em uma hierarquia entre conhecedores e aprendizes, marcada por nivelamentos entre estes últimos. Ao mesmo tempo, se um aprendiz segue a etiqueta e oferece coca e tabaco àquele que conduz o diálogo, este é obrigado a responder ao que lhe for demando, sob pena de esquecer o que sabe caso não responda. Sua organização está estritamente relacionada à posição que Don Ángel chamava de nimairama (termo traduzido como "filósofo" ou "sábio"), também conhecido correntemente, em espanhol, como "tradicionalista". Deste, espera-se tanto a "continuidade da tradição" quanto alguma singularidade em seu manejo da Coca e do Tabaco que o diferencie e dê nome diante de outros especialistas.
Mas nas rodas noturnas do mambeadero também se resolvem questões internas aos aldeamentos, organizam-se trabalhos conjuntos, decisões as mais diversas são tomadas. Neste sentido, além de espaço apontado como "sagrado", é também tido como o lugar de onde a chefia tradicional é exercida, é lugar de "governo", razão pela qual outro termo que pode ser utilizado para referir-se a alguns donos de mambeadero é o de iyaima, traduzível por "chefe", "cacique". Assim, é também lugar privilegiado de estabelecimento e administração de relações que articulam aliados (intra e extragrupo, índios e não índios) entre aldeamentos, rios, chegando até Letícia (Departamento do Amazonas) e Bogotá. Não é incomum que um "dono de mambeadero" (ou um dos donos de mambeadero de um aldeamento) seja cacique local, seu mambeadero sendo o mais frequentado.
Durante meu primeiro período de campo,8 em uma de nossas conversas diurnas em seu mambeadero, indaguei a Don Ángel como era a organização política murui, de como, a partir do mambeadero, conseguia relacionar-se com distintos atores indígenas e não indígenas. Nesse momento de nosso trabalho, ele definiu dois papéis de comando, que eram também posições de concentração de conhecimento, como fundamentais e complementares: o de iyaima ("cacique") e o de nimairama ("homem de conhecimento"). A diferença fundamental entre os dois papéis, enfatizou, era o fato de que o iyaima além de dominar o conhecimento tradicional, o põe em "prática", com ele "governa" (yiide) seu povo/filhos (uruki).9 O nimairama, por sua vez, é como um "filósofo", explicou, é quem cuida do mambeadero e do diálogo cotidiano noturno.10 E é nesse e desse sítio de coca, sítio de Palavra, que se governa a partir da lógica e da dinâmica da Palavra deixada por Moo Buinaima ("Pai Criador") "para governar, para fazer multiplicar o alimento e os seres humanos". Este era o esquema ideal11 da organização política considerada como "tradicional" em San Rafael.
Nos fundamentos cosmológicos compilados por Don Ángel, nos seus termos, na "História murui", a organização política do grupo aparece expressa no conjunto de narrativas por ele nomeado de Cesto da Sabedoria (nimaira kirigai), já quase em seu final. É neste conjunto narrativo que se conta desde o aparecimento de Buinaima e a criação do universo até a sua chegada uma noite no mambeadero, quando entregou "aquilo que faltava", a "Lei", a "Palavra". Após apresentar os princípios éticos, os códigos básicos de conduta, as proibições e as penas e os processos jurídicos voltados às suas transgressões, a narrativa do ancião entra, por fim, no tema que chama de "estrutura de governo".
Com essa mesma ciência [Palavra de Coca e de Tabaco], nossos avós seguiam vivendo. Com isso, aquelas pessoas seguiam se desenvolvendo [jebuioikaide]. Assim, chegaram a estruturar sua forma de governo através de um rito em um morro chamado Bokire. Dizem nossos avós que era uma caguana12 que não era espessa, pura manicuera (juiñoi). Se conta que apenas o revolveram um pouquinho com goma. Descascaram amendoim e o puseram na caguana. Dizem que cada um de nossos avós levava um cestinho pendurado no pescoço. Quando se oferecia a cada um, se misturava a caguana. Ao acabar de tomar, ficava só o amendoim que eles chupavam para limpá-lo e o guardavam em seus cestinhos, pois ia servir de semente para cada um.13
Este trecho da narrativa se inicia com um verbo que era central para o projeto político de Don Ángel e os seus em meio aos debates sobre a produção de um plano de vida: "desenvolver" (jebui-oi-kai-de).14 Este é um dos temas centrais que perpassam toda a proposta política do ancião: o desenvolvimento, em particular, o "desenvolvimento ético", segundo uma ética murui, base para o "desenvolvimento de recursos humanos para administrar". Aqui também se refere a uma bandeira política fundamental não só para si e a gente de seu mambeadero, mas para o próprio movimento indígena colombiano como um todo, com o qual ele também dialogava: desenvolver-se econômica, política e socialmente na busca de autonomia em face do Estado e da sociedade colombiana.
(...)
LEIA O ARTIGO COMPLETO AQUI.
Palavra de coca e de tabaco como "conhecimento tradicional": cultura, política e desenvolvimento entre os uitoto-murui do rio Caraparaná (CO)
Edmundo Pereira
Antropólogo, membro do DAN-PPGAS/UFRN.
E-mail: edmundopereira@gmail.com
Artículo 330. De conformidad con la Constituición y las leyes, los territorios indígenas estarán gobernados por concejos conformados y reglamentados según los usos y costumbres de sus comunidades [...] (Título XI. DE LA ORGANIZACIÓN TERRITORIAL, Nueva Constituición Política de Colombia, 1991).
Após a promulgação da nova Constituição colombiana em 1991, o tema do "desenvolvimento" voltou a ganhar especial relevância nos debates nacionais, passando a ser concebido, ao menos em tese, para o caso de muitos dos grupos andinos e amazônicos, a partir de perfis étnicos. Esse novo campo de relações sociais, calcado nos projetos de imaginação da nação (Anderson 2008) que passam a se pretender multiétnicos, acompanha também o aparecimento e o fortalecimento de organizações de representação indígena em diversos níveis, do local ao nacional. Nesse jogo complexo de agendas e práticas políticas, o "desenvolvimento" (O que é? A quem se destina? Sobre que bases se constitui?) torna-se capital simbólico e material negociado, não raro em meio a conflitos de diversas ordens, envolvendo concepções, conhecimentos e dinâmicas de produção de consenso por vezes bastante distintos.
Diante desse quadro, ao longo das últimas duas décadas, em face da diversidade de "projetos" implementados, vem se acumulando um número de experiências malsucedidas1 que ao final se explicam, em grande medida, pela incompreensão- do ponto de vista das agências não índias- do que tem sido chamado de "a dimensão cultural do desenvolvimento" (Grillo & Stirat 1997:6). O caso específico da região analisada, o interflúvio dos médios rios Caquetá e Putumayo, na Amazônia colombiana, habitado pelos grupos autointitulados Povos do Centro (denominação que incorpora sete grupos indígenas, dentre eles os Uitoto e seus subgrupos Murui e Muina),2 é particularmente rentável para a análise de processos de politização da cultura (Linnekin 1990, 1992; Jolly & Thomas 1992; Briggs 1996) em contexto de articulação entre agentes da cooperação internacional e mediadores nacionais e locais.
Entre 2000-2001, um debate mobilizou os aldeamentos uitoto-murui dos rios Caraparaná e Putumayo, na Amazônia colombiana, tendo como tema central a noção de "desenvolvimento alternativo". Alguns deles sediaram reuniões entre indígenas (moradores, representantes locais e de órgãos de representação política nacional) e não indígenas (técnicos de Estado, de ONGs e militares) na produção de "diagnósticos" e "projetos" com financiamento da Cooperação Espanhola e execução através de uma ONG também espanhola (Watu), em articulação com a ONIC (Organização Nacional Indígena da Colômbia) e a OIMA (Organização Indígena Murui do Amazonas). O modelo proposto pela articulação Watu-ONIC-OIMA pretendia, em pouco mais de três meses, atravessar todos os aldeamentos de ambos os rios, promovendo "reuniões participativas" através das quais se passava a um curto processo de investigação por meio de um questionário fechado versando sobre temas como "cultura", "economia", "política", "saúde" e "escolaridade".
Através da produção de uma amostragem em cada aldeamento, ao final, se produziria uma publicação com o "autodiagnóstico" e as propostas de "projetos" elencados pelo grupo, tudo levando em conta os "usos e costumes" locais. Nesse contexto, o aldeamento de San Rafael,3 com articulação entre seu cacique, Don Ángel Ortiz, e o cabildo local, propõe um contraprojeto baseado nos "conhecimentos" das rodas noturnas de diálogo e consumo ritual da coca (Erythroxylon coca var. ipadu) e do tabaco (Nicotiana tabacum), no conjunto de conhecimentos materiais, simbólicos e ético-morais chamado de Palavra de Coca e de Tabaco (jiibina uai diona uai).4
Neste exercício, objetivo refletir especialmente sobre o modo como este corpus de conhecimentos, denominado, dentre outros termos, Palavra de Coca e de Tabaco, passa a ser articulado como conhecimento tradicional, servindo de base para a produção de um modelo de desenvolvimento "indígena" fundamentado em conhecimentos, hierarquias e processos de produção de consensos locais. No calor dos debates, a noção de "desenvolvimento" ganha, então, contornos "indígenas", em consonância com a Constituição de 1991 e sua demanda por modelos de gestão político-administrativos de base étnica. Do mesmo modo, diante das demandas da arena do desenvolvimento, um perfil discreto e acabado do que seja a Palavra de Coca e de Tabaco é também constituído em diálogo com outras tradições de conhecimento locais, em especial o cristianismo católico.
Palavra de Coca e de Tabaco e organização política
Os Povos do Centro (ou Gente do Centro)5 descendem de grupos étnicos que foram vítimas de um dos episódios mais violentos do período de exploração da borracha, entre 1900-1930, na fronteira amazônica entre Peru e Colômbia. Nos processos de reconstrução sociocultural após a escravidão e o quase extermínio pelas empresas gomíferas (Pineda 1985, 2000), teve- e continua tendo- um papel articulador central o conjunto de conhecimentos materiais e simbólicos, organizado em torno do consumo e do uso simbólico das plantas da coca e do tabaco. Este conjunto de conhecimentos (abarcando áreas que vão do mítico-cosmológico ao médico-terapêutico e às formas de governança) é resultante das articulações socioculturais vividas pelos grupos indígenas que habitam o interflúvio dos médios Caquetá e Putumayo e destes com agências não índias (Echeverri & Pereira 2005).
Sua instituição central de transmissão é o cocadero, ou o mambeadero (termo mais usado),6 espaço marcado por etiqueta e comedimento, por convenção ritual, e que pode ser considerado como um dos epicentros de construção de índices de distinção identitária em relação a seus vizinhos indígenas e não indígenas, mesmo para aqueles (homens ou mulheres, jovens ou anciãos) que pouca intimidade têm com o mundo da coca e do tabaco. Aqueles que pouco frequentaram o mambeadero, perguntados sobre em que bases se constitui sua singularidade sociocultural, fazem referência aos usos rituais de ambas as plantas, plantas "sagradas", e aos seus "conhecedores", que podem também ser chamados de "avós" ou, simplesmente, "donos de mambeadero". Para aqueles que se dedicam a esses encontros diários, o processo de aquisição e sistematização de conhecimento pode chegar a um alto grau de complexidade e elaboração, com anos de dedicação e em uma linguagem por vezes bastante formalizada.
Dentre os termos utilizados por Don Ángel Ortiz7 - cacique e dono de mambeadero do aldeamento de San Rafael, rio Caraparaná- para abarcar os conhecimentos expressos, estava o de "Palavra de Coca e de Tabaco". Na prática cotidiana, a expressão aponta para uma forma de diálogo ritual masculino, através da qual conhecimentos de diversas ordens são transmitidos. Este diálogo, iniciado por perguntas dos aprendizes, pode ser expresso de maneira cotidiana, vernacular, ou formalizar-se em gêneros discursivos e de cantos, por vezes herméticos para a maioria do grupo em suas formas de expressão e significados. Os encontros, sempre noturnos, em lugar reservado para tal fim, demarcado pela presença de bancos, pilões e tostadores, organizam-se em uma hierarquia entre conhecedores e aprendizes, marcada por nivelamentos entre estes últimos. Ao mesmo tempo, se um aprendiz segue a etiqueta e oferece coca e tabaco àquele que conduz o diálogo, este é obrigado a responder ao que lhe for demando, sob pena de esquecer o que sabe caso não responda. Sua organização está estritamente relacionada à posição que Don Ángel chamava de nimairama (termo traduzido como "filósofo" ou "sábio"), também conhecido correntemente, em espanhol, como "tradicionalista". Deste, espera-se tanto a "continuidade da tradição" quanto alguma singularidade em seu manejo da Coca e do Tabaco que o diferencie e dê nome diante de outros especialistas.
Mas nas rodas noturnas do mambeadero também se resolvem questões internas aos aldeamentos, organizam-se trabalhos conjuntos, decisões as mais diversas são tomadas. Neste sentido, além de espaço apontado como "sagrado", é também tido como o lugar de onde a chefia tradicional é exercida, é lugar de "governo", razão pela qual outro termo que pode ser utilizado para referir-se a alguns donos de mambeadero é o de iyaima, traduzível por "chefe", "cacique". Assim, é também lugar privilegiado de estabelecimento e administração de relações que articulam aliados (intra e extragrupo, índios e não índios) entre aldeamentos, rios, chegando até Letícia (Departamento do Amazonas) e Bogotá. Não é incomum que um "dono de mambeadero" (ou um dos donos de mambeadero de um aldeamento) seja cacique local, seu mambeadero sendo o mais frequentado.
Durante meu primeiro período de campo,8 em uma de nossas conversas diurnas em seu mambeadero, indaguei a Don Ángel como era a organização política murui, de como, a partir do mambeadero, conseguia relacionar-se com distintos atores indígenas e não indígenas. Nesse momento de nosso trabalho, ele definiu dois papéis de comando, que eram também posições de concentração de conhecimento, como fundamentais e complementares: o de iyaima ("cacique") e o de nimairama ("homem de conhecimento"). A diferença fundamental entre os dois papéis, enfatizou, era o fato de que o iyaima além de dominar o conhecimento tradicional, o põe em "prática", com ele "governa" (yiide) seu povo/filhos (uruki).9 O nimairama, por sua vez, é como um "filósofo", explicou, é quem cuida do mambeadero e do diálogo cotidiano noturno.10 E é nesse e desse sítio de coca, sítio de Palavra, que se governa a partir da lógica e da dinâmica da Palavra deixada por Moo Buinaima ("Pai Criador") "para governar, para fazer multiplicar o alimento e os seres humanos". Este era o esquema ideal11 da organização política considerada como "tradicional" em San Rafael.
Nos fundamentos cosmológicos compilados por Don Ángel, nos seus termos, na "História murui", a organização política do grupo aparece expressa no conjunto de narrativas por ele nomeado de Cesto da Sabedoria (nimaira kirigai), já quase em seu final. É neste conjunto narrativo que se conta desde o aparecimento de Buinaima e a criação do universo até a sua chegada uma noite no mambeadero, quando entregou "aquilo que faltava", a "Lei", a "Palavra". Após apresentar os princípios éticos, os códigos básicos de conduta, as proibições e as penas e os processos jurídicos voltados às suas transgressões, a narrativa do ancião entra, por fim, no tema que chama de "estrutura de governo".
Com essa mesma ciência [Palavra de Coca e de Tabaco], nossos avós seguiam vivendo. Com isso, aquelas pessoas seguiam se desenvolvendo [jebuioikaide]. Assim, chegaram a estruturar sua forma de governo através de um rito em um morro chamado Bokire. Dizem nossos avós que era uma caguana12 que não era espessa, pura manicuera (juiñoi). Se conta que apenas o revolveram um pouquinho com goma. Descascaram amendoim e o puseram na caguana. Dizem que cada um de nossos avós levava um cestinho pendurado no pescoço. Quando se oferecia a cada um, se misturava a caguana. Ao acabar de tomar, ficava só o amendoim que eles chupavam para limpá-lo e o guardavam em seus cestinhos, pois ia servir de semente para cada um.13
Este trecho da narrativa se inicia com um verbo que era central para o projeto político de Don Ángel e os seus em meio aos debates sobre a produção de um plano de vida: "desenvolver" (jebui-oi-kai-de).14 Este é um dos temas centrais que perpassam toda a proposta política do ancião: o desenvolvimento, em particular, o "desenvolvimento ético", segundo uma ética murui, base para o "desenvolvimento de recursos humanos para administrar". Aqui também se refere a uma bandeira política fundamental não só para si e a gente de seu mambeadero, mas para o próprio movimento indígena colombiano como um todo, com o qual ele também dialogava: desenvolver-se econômica, política e socialmente na busca de autonomia em face do Estado e da sociedade colombiana.
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quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Um excepcional artigo sobre a vida econômica na China contemporânea
A Professora Rosana Pinheiro-Machado é uma pesquisadora crítica e criativa. Tem produzido instigantes estudos antropológicos sobre a vida econômica chinesa. Sua perspectiva, em muitos aspectos, incorpora aportes da sociologia econômica. Vale a pena conferir um artigo de sua lavra publicada no último número da revista MANA. Confira, abaixo, a introdução.
Fazendo guanxi: dádivas, etiquetas e emoções na economia da China pós-Mao*
Rosana Pinheiro-Machado
Professora e pesquisadora da Escola Superior de Propaganda e Marketing- ESPM-Sul.
Introdução
Mesmo tendo se passado três décadas da abertura econômica (1979-20091), que pôs fim à era Mao, a discussão acerca do "espírito" do capitalismo chinês ainda suscita muitas polêmicas. Isto, contudo, não se deve exclusivamente à nebulosa interseção da ideologia estatal socialista com a economia de mercado, mas principalmente ao questionamento da persistência da prática do guanxi- laços e conexões pessoais- no sistema econômico.
O debate contemporâneo sobre o tema tem abordado a importância do guanxi em face de um sistema econômico que caminha em direção a uma suposta racionalidade das ações burocráticas e mercantis. Nesta perspectiva, a "teoria da transição" entende que a passagem do sistema socialista redistributivo para o capitalismo irá extinguir naturalmente a micropolítica dos laços pessoais (Guthrie 2002; Nee 1989, 1992). Noutra posição, como a sustentada neste artigo, entende-se que não existe um mercado ideal, pois ele é sempre imperfeito e inacabado e, portanto, o guanxi surge como aparato moral que preenche suas lacunas (Wank 1996, 2002). Trata-se de um componente emocional que, concomitantemente, responde e se alia a um novo sistema econômico, o qual introduz valores ocidentais baseados na legalização e no individualismo, por exemplo. Assim, o guanxi é entendido aqui como parte estruturante do mercado moderno e não como um vestígio arcaico que tende a desaparecer.
O objetivo deste artigo é discutir um processo social amplo- a renovada importância do guanxi na engrenagem da economia de mercado chinesa- a partir de um enfoque microscópico, baseado em minha experiência etnográfica. Se é notório o fato de que laços pessoais desempenham suma importância na conformação do mercado, na realocação de empregos e na prosperidade dos negócios em diversas sociedades (ver Granovetter 1973, 1974), o que se discute aqui é a intensidade, a particularidade e a resistência dessas características na China. Existe um "capitalismo chinês" (ou restringimo-nos apenas a capitalismo na China)? Se sim, qual é, então, a sua especificidade? Esta questão será desenvolvida adiante, mas antecipo o argumento de que é possível pensar uma expressão sui generis do capitalismo, que é justamente a indigenização do mercado a partir da incorporação das regras locais do guanxi.
Embora o campo teórico sobre o guanxi seja extremamente extenso e, por isso, pareça andar em círculos tocando em velhas questões (se persiste ou não persiste; se é uma prática pragmática ou afetiva; se pertence à cultura chinesa desde longa data ou é um fato recente etc.), a relevância de se repensar o tema se renova, especialmente em face da pujança da presença chinesa na economia global. Minha contribuição neste trabalho é mostrar como redes pessoais são operantes no sistema econômico a partir do ponto de vista da intersubjetividade etnográfica, já que a única forma de estudar este tema- na condição de mulher e estrangeira- era fazendo, eu mesma, guanxi. Inserindo-me em redes, estabelecendo-as conforme mandam as regras e tornando-me igualmente agente econômico, participei de tradicionais cerimoniais de dádivas que se atualizam na economia atual. Este enfoque intersubjetivo contribui para uma análise que procura romper com alguns dualismos formados ao longo da história da antropologia, buscando mostrar a tênue linha que separa a vida pública da privada, a racionalidade da intimidade, o ganho material do imaterial, o interesse do sentimento, a dádiva da mercadoria (cf. Appadurai 2006; Bourdieu 2001; Zelizer 2001, 2005).
Por fim, ao longo do texto que segue, três camadas analíticas se sobrepõem. A primeira refere-se ao meu próprio processo de formação de guanxi; a segunda, à dinâmica das redes entre os informantes entre si e, a última, à importância do relacionamento social em tempos de abertura econômica. O artigo está dividido em cinco seções. Na primeira, teço um breve comentário sobre o universo empírico no qual se passou a etnografia. Posteriormente, discuto o tema do "espírito do capitalismo chinês", introduzido nas ciências sociais por Max Weber. Na terceira, discorro sobre algumas características do guanxi destacadas no debate teórico contemporâneo, para, então, nas duas seções subsequentes, narrar e analisar meu processo etnográfico de formação de conexões, bem como dos informantes entre si. Apresento três eventos de pesquisa que evidenciam os mecanismos de formação e manutenção do guanxi na China atual.
LEIA O ARTIGO COMPLETO AQUI.
Fazendo guanxi: dádivas, etiquetas e emoções na economia da China pós-Mao*
Rosana Pinheiro-Machado
Professora e pesquisadora da Escola Superior de Propaganda e Marketing- ESPM-Sul.
Introdução
Mesmo tendo se passado três décadas da abertura econômica (1979-20091), que pôs fim à era Mao, a discussão acerca do "espírito" do capitalismo chinês ainda suscita muitas polêmicas. Isto, contudo, não se deve exclusivamente à nebulosa interseção da ideologia estatal socialista com a economia de mercado, mas principalmente ao questionamento da persistência da prática do guanxi- laços e conexões pessoais- no sistema econômico.
O debate contemporâneo sobre o tema tem abordado a importância do guanxi em face de um sistema econômico que caminha em direção a uma suposta racionalidade das ações burocráticas e mercantis. Nesta perspectiva, a "teoria da transição" entende que a passagem do sistema socialista redistributivo para o capitalismo irá extinguir naturalmente a micropolítica dos laços pessoais (Guthrie 2002; Nee 1989, 1992). Noutra posição, como a sustentada neste artigo, entende-se que não existe um mercado ideal, pois ele é sempre imperfeito e inacabado e, portanto, o guanxi surge como aparato moral que preenche suas lacunas (Wank 1996, 2002). Trata-se de um componente emocional que, concomitantemente, responde e se alia a um novo sistema econômico, o qual introduz valores ocidentais baseados na legalização e no individualismo, por exemplo. Assim, o guanxi é entendido aqui como parte estruturante do mercado moderno e não como um vestígio arcaico que tende a desaparecer.
O objetivo deste artigo é discutir um processo social amplo- a renovada importância do guanxi na engrenagem da economia de mercado chinesa- a partir de um enfoque microscópico, baseado em minha experiência etnográfica. Se é notório o fato de que laços pessoais desempenham suma importância na conformação do mercado, na realocação de empregos e na prosperidade dos negócios em diversas sociedades (ver Granovetter 1973, 1974), o que se discute aqui é a intensidade, a particularidade e a resistência dessas características na China. Existe um "capitalismo chinês" (ou restringimo-nos apenas a capitalismo na China)? Se sim, qual é, então, a sua especificidade? Esta questão será desenvolvida adiante, mas antecipo o argumento de que é possível pensar uma expressão sui generis do capitalismo, que é justamente a indigenização do mercado a partir da incorporação das regras locais do guanxi.
Embora o campo teórico sobre o guanxi seja extremamente extenso e, por isso, pareça andar em círculos tocando em velhas questões (se persiste ou não persiste; se é uma prática pragmática ou afetiva; se pertence à cultura chinesa desde longa data ou é um fato recente etc.), a relevância de se repensar o tema se renova, especialmente em face da pujança da presença chinesa na economia global. Minha contribuição neste trabalho é mostrar como redes pessoais são operantes no sistema econômico a partir do ponto de vista da intersubjetividade etnográfica, já que a única forma de estudar este tema- na condição de mulher e estrangeira- era fazendo, eu mesma, guanxi. Inserindo-me em redes, estabelecendo-as conforme mandam as regras e tornando-me igualmente agente econômico, participei de tradicionais cerimoniais de dádivas que se atualizam na economia atual. Este enfoque intersubjetivo contribui para uma análise que procura romper com alguns dualismos formados ao longo da história da antropologia, buscando mostrar a tênue linha que separa a vida pública da privada, a racionalidade da intimidade, o ganho material do imaterial, o interesse do sentimento, a dádiva da mercadoria (cf. Appadurai 2006; Bourdieu 2001; Zelizer 2001, 2005).
Por fim, ao longo do texto que segue, três camadas analíticas se sobrepõem. A primeira refere-se ao meu próprio processo de formação de guanxi; a segunda, à dinâmica das redes entre os informantes entre si e, a última, à importância do relacionamento social em tempos de abertura econômica. O artigo está dividido em cinco seções. Na primeira, teço um breve comentário sobre o universo empírico no qual se passou a etnografia. Posteriormente, discuto o tema do "espírito do capitalismo chinês", introduzido nas ciências sociais por Max Weber. Na terceira, discorro sobre algumas características do guanxi destacadas no debate teórico contemporâneo, para, então, nas duas seções subsequentes, narrar e analisar meu processo etnográfico de formação de conexões, bem como dos informantes entre si. Apresento três eventos de pesquisa que evidenciam os mecanismos de formação e manutenção do guanxi na China atual.
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sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Uma antropologia do turismo nos Lençóis...
Uma interessante análise do turismo nos Lençóis Maranhenses é o que você pode constatar ao ler o texto abaixo, publicado na Revista Pós Ciências Sociais, editada pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA. Confira!
A “ENCANTADA” ILHA DOS LENÇÓIS NO CENÁRIO DO ECOTURISMO: reflexões acerca do fenômeno turístico numa abordagem antropológica
Madian de Jesus Frazão Pereira*
O presente artigo constitui-se numa tessitura sobre algumas questões que desenvolvi em minha tese de doutorado (PEREIRA, 2007), que enveredam por reflexões teóricas na área da Antropologia do Turismo, por meio da qual busco apreender o processo de construções simbólicas sobre o patrimônio da Ilha dos Lençóis, situada no litoral ocidental do Estado do Maranhão. Considera-se o patrimônio dessa ilha maranhense, com ênfase em construções simbólicas que a designam como uma “ilha encantada” 1e como um “lugar” com características singulares2 consideradas elementos atrativos para empreendimentos que propalam o conceito de desenvolvimento sustentável.
A Ilha dos Lençóis congrega ricas características simbólicas e naturais que vêm sendo arregimentadas nos discursos do ecoturismo e das Unidades de Conservação, que podem ser percebidos, por exemplo, através da análise de matérias de divulgação sobre a região, elaboradas por empreendedores do setor turístico, gestores municipais e estaduais, bem como por jornalistas. Tais questões emergem no momento em que a Ilha dos Lençóis é apresentada como vitrine num dos pólos de ecoturismo do Estado do Maranhão e como integrante de uma Reserva Extrativista, mais especificamente da RESEX Marinha de Cururupu3; processos que tomam fôlego a partir do ano de 2000 e que, embora não elaborados conjuntamente, se interpenetram em vários momentos, como demonstro ao longo da minha tese.
Pertencente ao arquipélago de Maiaú4, no município de Cururupu, a Ilha dos Lençóis é uma ilha costeira que tem como um dos pontos mais marcantes o seu imponente conjunto de dunas, que formam 70% de sua cobertura. Localiza-se na área das Reentrâncias Maranhenses5 que se estende por 12 mil quilômetros quadrados. Essa imensa região, recortada por baías, enseadas, ilhas e manguezais, tem grande valor para as aves, especialmente as migratórias continentais, que a utilizam no seu período de invernada, conferindo à região o “status” de Reserva Hemisférica de Aves Limícolas e Área Úmida de Importância Internacional – Sítio Ramsar6. Por suas características peculiares, esta ilha torna-se um foco atrativo para o ecoturismo.
Os discursos oficiais sobre ecoturismo giram em torno da idéia de que as ilhas cururupuenses - inseridas no ecossistema de florestas de manguezais - têm uma “vocação natural” para esse empreendimento, sendo a Ilha dos Lençóis apresentada como a principal atração turística do referido pólo (conhecido regionalmente como Floresta dos Guarás), por contar com uma “beleza exótica” e por ser famosa pelos seus “mistérios”.
A Ilha dos Lençóis é revestida de um rico imaginário por ser considerada “encantada”, enquanto morada do “encantado” Rei Sebastião, e por abrigar uma comunidade de pescadores, com cerca de 400 habitantes, que pode ser considerada sui generis pela presença significativa de quase 3% de albinos em sua população, onde todos os nativos, albinos e não-albinos, se autodenominam como “filhos do Rei Sebastião”.
Falar em Ilha dos Lençóis é vivificar o imaginário sobre a presença de um sebastianismo singular que se apresenta na vertente da Encantaria7, expressa num rico imaginário. Seja no discurso de jornalistas, de literatos, seja no discurso de pescadores, de fiéis das religiões afro-brasileiras, muito já se comentou sobre o “encante” da ilha: relatando-se que muitas pessoas de lá já viram El Rei D. Sebastião em sua forma humana, ou em forma de um animal, mais precisamente de um touro negro; que na praia é possível encontrar objetos de ouro, mas que ninguém deve ousar retirá-los de lá, pois eles pertencem às riquezas do Rei Sebastião; e que a conhecida toada de caráter messiânico – “Rei, ê Rei, Rei Sebastião, quem desencantar Lençóis, vai abaixo o Maranhão” – aponta que no momento em que Rei Sebastião se desencantar, o seu reinado emergirá e a ilha de São Luís, capital do Maranhão, submergirá. Além de tudo isso, o alto índice de albinismo verificado na “ilha encantada” suscitou diversas interpretações imaginárias8 sobre a comunidade local.
A “ENCANTADA” ILHA DOS LENÇÓIS NO CENÁRIO DO ECOTURISMO: reflexões acerca do fenômeno turístico numa abordagem antropológica
Madian de Jesus Frazão Pereira*
O presente artigo constitui-se numa tessitura sobre algumas questões que desenvolvi em minha tese de doutorado (PEREIRA, 2007), que enveredam por reflexões teóricas na área da Antropologia do Turismo, por meio da qual busco apreender o processo de construções simbólicas sobre o patrimônio da Ilha dos Lençóis, situada no litoral ocidental do Estado do Maranhão. Considera-se o patrimônio dessa ilha maranhense, com ênfase em construções simbólicas que a designam como uma “ilha encantada” 1e como um “lugar” com características singulares2 consideradas elementos atrativos para empreendimentos que propalam o conceito de desenvolvimento sustentável.
A Ilha dos Lençóis congrega ricas características simbólicas e naturais que vêm sendo arregimentadas nos discursos do ecoturismo e das Unidades de Conservação, que podem ser percebidos, por exemplo, através da análise de matérias de divulgação sobre a região, elaboradas por empreendedores do setor turístico, gestores municipais e estaduais, bem como por jornalistas. Tais questões emergem no momento em que a Ilha dos Lençóis é apresentada como vitrine num dos pólos de ecoturismo do Estado do Maranhão e como integrante de uma Reserva Extrativista, mais especificamente da RESEX Marinha de Cururupu3; processos que tomam fôlego a partir do ano de 2000 e que, embora não elaborados conjuntamente, se interpenetram em vários momentos, como demonstro ao longo da minha tese.
Pertencente ao arquipélago de Maiaú4, no município de Cururupu, a Ilha dos Lençóis é uma ilha costeira que tem como um dos pontos mais marcantes o seu imponente conjunto de dunas, que formam 70% de sua cobertura. Localiza-se na área das Reentrâncias Maranhenses5 que se estende por 12 mil quilômetros quadrados. Essa imensa região, recortada por baías, enseadas, ilhas e manguezais, tem grande valor para as aves, especialmente as migratórias continentais, que a utilizam no seu período de invernada, conferindo à região o “status” de Reserva Hemisférica de Aves Limícolas e Área Úmida de Importância Internacional – Sítio Ramsar6. Por suas características peculiares, esta ilha torna-se um foco atrativo para o ecoturismo.
Os discursos oficiais sobre ecoturismo giram em torno da idéia de que as ilhas cururupuenses - inseridas no ecossistema de florestas de manguezais - têm uma “vocação natural” para esse empreendimento, sendo a Ilha dos Lençóis apresentada como a principal atração turística do referido pólo (conhecido regionalmente como Floresta dos Guarás), por contar com uma “beleza exótica” e por ser famosa pelos seus “mistérios”.
A Ilha dos Lençóis é revestida de um rico imaginário por ser considerada “encantada”, enquanto morada do “encantado” Rei Sebastião, e por abrigar uma comunidade de pescadores, com cerca de 400 habitantes, que pode ser considerada sui generis pela presença significativa de quase 3% de albinos em sua população, onde todos os nativos, albinos e não-albinos, se autodenominam como “filhos do Rei Sebastião”.
Falar em Ilha dos Lençóis é vivificar o imaginário sobre a presença de um sebastianismo singular que se apresenta na vertente da Encantaria7, expressa num rico imaginário. Seja no discurso de jornalistas, de literatos, seja no discurso de pescadores, de fiéis das religiões afro-brasileiras, muito já se comentou sobre o “encante” da ilha: relatando-se que muitas pessoas de lá já viram El Rei D. Sebastião em sua forma humana, ou em forma de um animal, mais precisamente de um touro negro; que na praia é possível encontrar objetos de ouro, mas que ninguém deve ousar retirá-los de lá, pois eles pertencem às riquezas do Rei Sebastião; e que a conhecida toada de caráter messiânico – “Rei, ê Rei, Rei Sebastião, quem desencantar Lençóis, vai abaixo o Maranhão” – aponta que no momento em que Rei Sebastião se desencantar, o seu reinado emergirá e a ilha de São Luís, capital do Maranhão, submergirá. Além de tudo isso, o alto índice de albinismo verificado na “ilha encantada” suscitou diversas interpretações imaginárias8 sobre a comunidade local.
Leia o texto integral aqui.
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quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Morre Lévi-Strauss

A morte de Lévi-Strauss, ocorrida no domingo passado e comunicada ontem pela família, marca o fim de uma era. A era dos grandes cientistas sociais. Lévi-Strauss, de longe, foi o nome mais marcante do campo na segunda metade do rico e complexo século XX. Confira, aí abaixo, matéria publicada na edição online do Jornal do Brasil de hoje a respeito dessa perda.
Morre Lévi-Strauss, um dos maiores pensadores do século XX
Luísa Côrtes
Jornal do Brasil
PARIS - - Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele.
O mundo ainda não chegou ao fim, mas já sofre a perda de um dos mais respeitados pensadores do século XX, autor da frase citada. O antropólogo e filósofo francês Claude Lévi-Strauss faleceu na madrugada de sábado para domingo, na França, e deixou, além de obras essenciais para as ciências sociais - como “Tristes Trópicos”, “O cru e o cozido” e a série “Mitológicas”- ideias críticas ao etnocentrismo ocidental.
Ao contrário do que muitos pensam, Strauss não é natural da França. Filho de intelectuais franceses de origem judaica, Claude nasceu em Bruxelas, na Bélgica, em 1908. Ainda criança se mudou para a França, onde, mais tarde, estudou Direito e Filosofia na Universidade de Sorbonne, em Paris. Lévi-Strauss fez parte do círculo intelectual de Jean Paul Sartre, e comandou por mais de vinte anos o departamento de Antropologia Social no College de France, onde ficou até se aposentar, em 1982.
Além da importância internacional, Lévi-Strauss também foi essencial para o desenvolvimento do pensamento brasileiro. Foi um dos fundadores do departamento de Ciências Sociais da ainda recém-fundada Universidade de São Paulo (USP), onde lecionou entre os anos de 1935 e 1939. A contribuição com a formação intelectual do Brasil foi respondida à altura, por uma experiência que marcou toda a vida de Lévi-Strauss: foi aqui que o pensador iniciou seu estudo sobre os índios, despertando sua vocação para a antropologia.
Em diversas viagens ao interior do Brasil, ao norte do Paraná, à Goiás e ao Mato Grosso, Lévi-Strauss passou pela primeira experiência de conviver diariamente com tribos indígenas. O relato dessa exploração por terras brasileiras transformou-se no livro “Tristes Trópicos”, de 1955, que lançou o pensador à fama. A obra foi encomendada pela editora francesa Plon para fazer parte de uma série etnográfica chamada “Terra humana”. Lévi-Strauss se destacou e escreveu uma obra de arte, segundo os críticos, que se diferencia de um relato erudito, por representar a alma do autor.
Lévi-Strauss também é considerado o pai do estruturalismo, corrente intelectual que ajudou a compor, por meio da reunião do método estrutural e da psicanálise, e que buscava a interpretação dos mitos, a descoberta dos sistemas de pensamento e o entendimento sobre o funcionamento social. Para a elaboração do novo conceito, ele contou com um fundamental encontro com o lingüista americano Roman Jakobson, que estimulou Lévi-Strauss a se debruçar sobre os fenômenos humanos, como o parentesco.
Seguindo o conselho de Jakobson, Lévi-Strauss lançou o seu primeiro livro de grande projeção, "As Estruturas Elementares do Parentesco", publicado em 1949. A obra afirma que o "parentesco" - interpretado como regras de aliança, filiação e residência - está no centro da Antropologia, que estuda o homem em sua dimensão social.
A obra de Strauss é referência em todas as escolas de ciências humanas ao redor do mundo. A importância do antropólogo também já foi reconhecida diversas vezes: em 1973, o pensador foi eleito membro da Academia Francesa; fez parte, ainda, da Academia Nacional de Ciências do Estados Unidos, da Academia Americana e do Instituto de Artes e Letras, todos no Estados Unidos. Além de todos esses méritos, Lévi-Strauss era doutor "honoris causa" em diversas universidades, como nas de Bruxelas, Montreal, Oxford, Chicago, Québec e Autônoma do México. Ele, que afirmava que "o homem é uma espécie passageira que deixará apenas alguns traços de sua existência quando estiver extinta", se enganou. O pensador é uma espécie de homem que deixa muitas palavras, imagens, livros e ideias que estarão presentes eternamente.
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segunda-feira, 2 de março de 2009
GT discutirá crime e violência em congresso de antropologia em Natal (RN)
No período de 19 a 22 de agosto de 2009, no Campus da UFRN, ocorrerá a II Reunião Equatorial de Antropologia e a XI Reunião de Antropólogos do Norte-Nordeste. O congresso contará com 28 Grupos de Trabalho. O colega Vanderlan Francisco da Silva (UERN) e eu estaremos coordenando o GT- 26 - Violência, Crime e Segurança Pública. O envio de trabalhos será até o próximo dia 16 de março. Para saber mais, consulte o edital aqui. Leia abaixo uma descrição do nosso GT.
Este será um espaço para a apresentação e discussão de trabalhos de pesquisa e reflexões teóricas sobre violência, crime e segurança pública. Nele serão bem vindos registros etnográficos sobre as diferentes formas de expressão da violência no Brasil e na América Latina. Os trabalhos sobre os sistemas prisionais e de segurança pública, especialmente aqueles dedicados à apreensão de seus conflitos, atores e matrizes culturais serão igualmente bem recebidos neste GT. Também serão incorporados no GT trabalhos que relacionem violência e sofrimento social com gênero e etnia. Busca-se, dessa maneira, constituir um lócus para a socialização de saberes e práticas sobre temáticas candentes situadas na intersecção entre violência, práticas culturais e formas de institucionalização.
Este será um espaço para a apresentação e discussão de trabalhos de pesquisa e reflexões teóricas sobre violência, crime e segurança pública. Nele serão bem vindos registros etnográficos sobre as diferentes formas de expressão da violência no Brasil e na América Latina. Os trabalhos sobre os sistemas prisionais e de segurança pública, especialmente aqueles dedicados à apreensão de seus conflitos, atores e matrizes culturais serão igualmente bem recebidos neste GT. Também serão incorporados no GT trabalhos que relacionem violência e sofrimento social com gênero e etnia. Busca-se, dessa maneira, constituir um lócus para a socialização de saberes e práticas sobre temáticas candentes situadas na intersecção entre violência, práticas culturais e formas de institucionalização.
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
Veena Das: anote esse grande nome da antropologia em seu caderninho

Veena Das é uma grande antropóloga. Seus trabalhos de pesquisa na Índia são referência não apenas para os que buscam saber mais sobre o país, mas, acima de tudo, para os que pesquisam sobre questões tão diversas quanto cognição, sofrimento social e agenciamento coletivo. É uma pesquisadora da estirpe de uma Mary Douglas (um dos meus poucos ícones, você deve saber!). Para ir entrando em contato com o seu pensamento, que vai acabar merecendo maior atenção por aqui nos próximos anos, coloco aqui alguns links. O primeiro é um ótimo artigo de Mariza Peirano (acho que você sabe quem é, não?). Intitulado "Onde está a antropologia?", o artigo, que foi publicado na sempre ótima revista Mana, trata, mesmo que de forma rápida, de uma das obras de Das. Aproveito para indicar também a leitura de um artigo de autoria de João Eduardo Coin de Carvalho, professor de Psicologia da UNESP. Publicado na revista Saúde & Sociedade, o artigo, cujo título é "Violência e sofrimento social: a resistência feminina na obra de Veena Das", é um segundo passo no conhecimento da obra dessa instigante cientista social.
Se você quer saber um pouqinho mais sobre Veena Das, e confia no Wikipedia, acesse aqui (em inglês).
terça-feira, 30 de setembro de 2008
Um artigo de Bruno Latour sobre a imagem
A revista Horizontes Antropológicos, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFRGS, em seu último número, publicou um artigo de Bruno Latour. Um dos expoentes da nova sociologia francesa, Latour (para mais informações sobre ele, clique aqui) é um cientista social dedicado à reflexão sobre formas científicas e não-científicas de produção do conhecomento. Para ler o artigo, acesse aqui.
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