quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Um excepcional artigo sobre a vida econômica na China contemporânea

A Professora Rosana Pinheiro-Machado é uma pesquisadora crítica e criativa. Tem produzido instigantes estudos antropológicos sobre a vida econômica chinesa. Sua perspectiva, em muitos aspectos, incorpora aportes da sociologia econômica. Vale a pena conferir um artigo de sua lavra publicada no último número da revista MANA. Confira, abaixo, a introdução.

Fazendo guanxi: dádivas, etiquetas e emoções na economia da China pós-Mao*
Rosana Pinheiro-Machado
Professora e pesquisadora da Escola Superior de Propaganda e Marketing- ESPM-Sul.

Introdução

Mesmo tendo se passado três décadas da abertura econômica (1979-20091), que pôs fim à era Mao, a discussão acerca do "espírito" do capitalismo chinês ainda suscita muitas polêmicas. Isto, contudo, não se deve exclusivamente à nebulosa interseção da ideologia estatal socialista com a economia de mercado, mas principalmente ao questionamento da persistência da prática do guanxi- laços e conexões pessoais- no sistema econômico.

O debate contemporâneo sobre o tema tem abordado a importância do guanxi em face de um sistema econômico que caminha em direção a uma suposta racionalidade das ações burocráticas e mercantis. Nesta perspectiva, a "teoria da transição" entende que a passagem do sistema socialista redistributivo para o capitalismo irá extinguir naturalmente a micropolítica dos laços pessoais (Guthrie 2002; Nee 1989, 1992). Noutra posição, como a sustentada neste artigo, entende-se que não existe um mercado ideal, pois ele é sempre imperfeito e inacabado e, portanto, o guanxi surge como aparato moral que preenche suas lacunas (Wank 1996, 2002). Trata-se de um componente emocional que, concomitantemente, responde e se alia a um novo sistema econômico, o qual introduz valores ocidentais baseados na legalização e no individualismo, por exemplo. Assim, o guanxi é entendido aqui como parte estruturante do mercado moderno e não como um vestígio arcaico que tende a desaparecer.

O objetivo deste artigo é discutir um processo social amplo- a renovada importância do guanxi na engrenagem da economia de mercado chinesa- a partir de um enfoque microscópico, baseado em minha experiência etnográfica. Se é notório o fato de que laços pessoais desempenham suma importância na conformação do mercado, na realocação de empregos e na prosperidade dos negócios em diversas sociedades (ver Granovetter 1973, 1974), o que se discute aqui é a intensidade, a particularidade e a resistência dessas características na China. Existe um "capitalismo chinês" (ou restringimo-nos apenas a capitalismo na China)? Se sim, qual é, então, a sua especificidade? Esta questão será desenvolvida adiante, mas antecipo o argumento de que é possível pensar uma expressão sui generis do capitalismo, que é justamente a indigenização do mercado a partir da incorporação das regras locais do guanxi.

Embora o campo teórico sobre o guanxi seja extremamente extenso e, por isso, pareça andar em círculos tocando em velhas questões (se persiste ou não persiste; se é uma prática pragmática ou afetiva; se pertence à cultura chinesa desde longa data ou é um fato recente etc.), a relevância de se repensar o tema se renova, especialmente em face da pujança da presença chinesa na economia global. Minha contribuição neste trabalho é mostrar como redes pessoais são operantes no sistema econômico a partir do ponto de vista da intersubjetividade etnográfica, já que a única forma de estudar este tema- na condição de mulher e estrangeira- era fazendo, eu mesma, guanxi. Inserindo-me em redes, estabelecendo-as conforme mandam as regras e tornando-me igualmente agente econômico, participei de tradicionais cerimoniais de dádivas que se atualizam na economia atual. Este enfoque intersubjetivo contribui para uma análise que procura romper com alguns dualismos formados ao longo da história da antropologia, buscando mostrar a tênue linha que separa a vida pública da privada, a racionalidade da intimidade, o ganho material do imaterial, o interesse do sentimento, a dádiva da mercadoria (cf. Appadurai 2006; Bourdieu 2001; Zelizer 2001, 2005).

Por fim, ao longo do texto que segue, três camadas analíticas se sobrepõem. A primeira refere-se ao meu próprio processo de formação de guanxi; a segunda, à dinâmica das redes entre os informantes entre si e, a última, à importância do relacionamento social em tempos de abertura econômica. O artigo está dividido em cinco seções. Na primeira, teço um breve comentário sobre o universo empírico no qual se passou a etnografia. Posteriormente, discuto o tema do "espírito do capitalismo chinês", introduzido nas ciências sociais por Max Weber. Na terceira, discorro sobre algumas características do guanxi destacadas no debate teórico contemporâneo, para, então, nas duas seções subsequentes, narrar e analisar meu processo etnográfico de formação de conexões, bem como dos informantes entre si. Apresento três eventos de pesquisa que evidenciam os mecanismos de formação e manutenção do guanxi na China atual.

LEIA O ARTIGO COMPLETO AQUI.

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