Nestas plagas, dia sim e outro também, durante anos, ouvimos louvações ao modelo econômico adotado no Chile (não esquecer: introduzido pela ditadura de Pinochet). Bueno, eis que, agora, com os estudantes nas ruas, apontando a insustentabilidade da excludente política educacional regida pela lógica da desregulamentação, nenhum daqueles arautos vem a público defendê-lo.
Aproveito para transcrever, abaixo, artigo explicitando o nó da questão educacional chilena.
O que está acontecendo no Chile?
Camilla Croso*
Correio Braziliense - 27/09/2011
O que está acontecendo no Chile desmascara o que se acreditava ser um modelo educacional a ser seguido. Há cerca de quatro meses, o movimento estudantil, com multidões de cidadãos e cidadãs, exige que a educação seja reconhecida como direito humano fundamental e que o Estado assuma seu papel de proteger, respeitar e realizar esse direito, que ratificou em vários tratados internacionais.
Boa parte da educação privada no Chile é subsidiada pelo Estado. As "escolas subvencionadas", mesmo recebendo recursos públicos, podem selecionar os estudantes, cobrar taxas das famílias e lucrar com o ensino. O resultado é uma verdadeira segregação entre pessoas de diferentes níveis de renda, fenômeno que vem sendo conhecido como "apartheid educacional".
Em decorrência, o acesso à educação de qualidade está restrito a quem pode arcar com seus custos; o sistema educativo chileno se converte em uma das principais fontes de crescimento da desigualdade entre os mais e os menos vulneráveis economicamente — o que não deve ser ignorado, visto que mais de 3 milhões de chilenos vivem abaixo da linha de pobreza, incluindo 500 mil que vivem em extrema pobreza, segundo estudo da OCDE divulgado em abril deste ano.
Diante disso, a cidadania chilena foi às ruas inúmeras vezes nos últimos meses, em manifestações públicas envolvendo até 700 mil pessoas. Suas demandas centrais são a gratuidade da educação pública e o fim do lucro na educação. De fato, pesquisa de opinião pública do Centro de Estudos Públicos (CEP) do Chile, lançada em julho de 2011, demonstra que 80% da população chilena rejeitam a lógica do lucro que se instaurou na educação do país.
O movimento segue resistindo e protestando porque, apesar de sua expressão massiva, não obteve até o momento uma resposta à altura do governo. Este tem feito propostas que apenas tangenciam as questões de fundo do sistema educacional chileno, mas não alteram a estrutura, fundamentada na lógica de mercado.
Os entusiastas do modelo vigente enfatizam o aumento na matrícula, mas ignoram a segregação social. É preocupante que, nos últimos 30 anos, as matrículas nas escolas urbanas tenham caído de 75% a 42% e que, nos últimos 15 anos, 707 escolas municipais tenham fechado suas portas, enquanto 2.540 escolas privadas (e subvencionadas) tenham sido abertas. Deve-se admitir o que é evidente: a segregação social produzida no interior do sistema educacional é per si discriminatória e compromete uma aprendizagem em sintonia com o conjunto dos direitos humanos.
As críticas ao modelo chileno que hoje vêm a público são feitas há muito tempo por organismos internacionais. O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, por exemplo, questiona a qualidade segmentada por condição de renda e o fato de o governo subvencionar escolas privadas em vez de promover escolas públicas. Em carta enviada ao relator especial sobre o direito à educação das Nações Unidas, Kishore Singh, entidades de acadêmicos e o Foro Nacional Educação de Qualidade para Todos, do Chile, apontam a diminuição da oferta da educação gratuita como uma violação. O documento mostra que não só a gratuidade da educação não progrediu, como a oferta de educação gratuita regrediu. Uma expressão disso é a queda no percentual do PIB dedicado à educação: de 1970 até agora, desceu da faixa dos 7% a parcos 4,4%.
Mas não é apenas o direito à educação que está sendo violado no Chile. É também o direito à vida e à liberdade de expressão. A crescente criminalização do movimento cidadão é da maior gravidade e já levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a solicitar informações ao governo chileno sobre os episódios de violência durante os protestos de 4 de agosto, incluindo o uso desproporcional da força, detenções arbitrárias e centenas de feridos. Ao longo do mês, o uso da violência escalou, passando de bombas de gás lacrimogêneo e jatos de água a armas de fogo, culminando com a morte do estudante Manuel Gutiérrez, de 16 anos, baleado no peito.
Os acontecimentos no Chile vêm repercutindo em todo o mundo, deixando em evidência que a concepção de educação como direito humano fundamental está em risco, assim como o direito à livre manifestação.
* Coordenadora da Campanha Latino-americana pelo Direito à Educação (Clade) e presidente da Campanha Mundial pela Educação (CME)
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2 comentários:
E pensar que se a tchurma do PSDB/PFL continuasse à frente do govero, estaríamos com uma situação, senão parecida pior!!!
Valeu, Artemilson!
Realmente, é de bater na madeira três vezes.
Brigadão pela frequência, cara.
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