sábado, 17 de setembro de 2011

Amor e dinheiro: um artigo de Gláucia Russo

Gláucia Russo é Professora da UERN e doutora em Ciências Sociais. Uma pesquisadora talentosa e promissora, além de ser uma pessoa humana das melhores. Confira abaixo trechos de um artigo de sua lavra publicado na importante revista CADERNO CRH.



Amor e dinheiro: uma relação possível?
Glaucia Russo

Doutora em Ciências Sociais. Professora e pesquisadora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Av. Prof. Antonio Campos, s/n. Costa e Silva. Cep: 59625-620. Mossoro - Rio Grande do Norte - Brasil. Caixa-Postal 70. ghar@ibest.com.br

Sob o signo da economia do dinheiro, tudo é transformado, até mesmo os sentimentos, o amor e a forma de vivenciar as relações afetivas. Neste artigo, tentarei compreender em que aspectos a economia monetária modifica ou influencia o amor na modernidade,1 sem perder de vista que tais relações se inserem em um contexto onde domina o individualismo e as relações mercantis, mas também relações humanas com toda a sua complexidade, contradições e surpresas.

Amor e dinheiro aparecem em nossa sociedade como polos ao redor dos quais a vida gira e se, à primeira vista, são representados como elementos antagônicos, ou pelo menos de forma absolutamente separada, de outro ângulo, são desejos que se complementam e, portanto, garantem a felicidade pessoal. Aqui, por meio do diálogo com Georg Simmel, em sua discussão sobre dinheiro e a sociedade moderna, e autores, como Tönnies, Giddens e Lázaro, problematizamos alguns dentre os variados aspectos presentes nesse debate.

Tomo como pressuposto que a ideia e a vivência concreta do amor se modificam sob o signo da economia do dinheiro, predominando fortes traços do individualismo moderno, sem o qual, por mais paradoxal que possa parecer, o amor, tal qual nós o percebemos e vivenciamos, não seria possível em nosso tempo e espaço.

O consumo do amor é uma nova forma de integração do indivíduo no sistema produtivo. Dito de outra forma, o elemento monetário modifica as relações e, na sociedade do dinheiro, ele tem forte influência sobre o comportamento das pessoas, incluindo-se aí a vivência do amor. Mas é preciso também considerar que esse processo é de mão dupla, pois todos os polos se tocam e se influenciam mutuamente. Assim, o dinheiro está sujeito aos valores, humores e reações de homens e mulheres em um determinado tempo, e não lhes é completamente indiferente, embora o seja em grande medida.

O ser humano, como ser cultural, contamina o dinheiro com seus sentimentos, transforma-o em um objeto animado, ama-o, odeia-o, deseja-o, mas, acima de tudo, dá-lhe significados que estão além da sua mera presença material. Homens e mulheres transformam-no em um símbolo da nossa época, com significados e conteúdos diferenciados, tornando inócua qualquer investigação sociológica que não leve em consideração seus aspectos simbólicos, o que significa que nenhuma relação é meramente econômica, pois, se há contato entre seres humanos, uma gama de outros elementos está em jogo.

O sistema capitalista, com o fortalecimento da economia monetária, transformou o homem em força de trabalho e, consequentemente, em mercadoria. Ele passou a ser um objeto comercializável, pois está à venda: sua sobrevivência depende disso. Ao transformar a força de trabalho humana em objeto sujeito a leis mercadológicas, esse sistema reforçou a importância do dinheiro em detrimento do ser humano. Em todos os cantos e recantos da sociedade, as pessoas trocam suas ideias, ideais, força física e mesmo seus corpos por dinheiro.

Estamos diante de uma sociedade dominada nos seus mais diversos aspectos pelo dinheiro, que transforma seres humanos em mercadoria e relações, outrora marcadas pela irracionalidade, e relacionamentos pessoais, em encontros racionais, mas que apostam nos sentimentos, dentre eles especialmente o amor, como forma de resgatar sua humanidade.

O dinheiro não é apenas deus, mas também demônio do nosso tempo. Por ele valores morais são deixados de lado, e o próprio amor, que aparece como uma forma de romper com a frieza e a indiferença que caracterizaria as relações pessoais modernas, especialmente aquelas engendradas na metrópole, é transformada. Vivemos a época de um amor fabricado, interessado, que não se sustenta sem a base do dinheiro.

Em nosso tempo e espaço, vive-se o amor como uma experiência egoísta, individual, que não se sustenta se as pessoas a ele conectadas não tiverem condições cotidianas de sobrevivência, o que, na modernidade, só parece possível pela posse do dinheiro.

Sob o signo do dinheiro, o amor aparece como a grande solução de que dispomos para enfrentar o isolamento, o racionalismo, o egoísmo, a competitividade e o individualismo exacerbado experimentado na era moderna. No entanto, ele mesmo já foi contaminado por sua lógica e realidade própria, demonstrando que, em sociedade, nenhum terreno escapa ao domínio do dinheiro, mas que ele também não está imune às vivências, necessidades, tensões e relações erigidas pelos seres humanos.


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