A “ENCANTADA” ILHA DOS LENÇÓIS NO CENÁRIO DO ECOTURISMO: reflexões acerca do fenômeno turístico numa abordagem antropológica
Madian de Jesus Frazão Pereira*
O presente artigo constitui-se numa tessitura sobre algumas questões que desenvolvi em minha tese de doutorado (PEREIRA, 2007), que enveredam por reflexões teóricas na área da Antropologia do Turismo, por meio da qual busco apreender o processo de construções simbólicas sobre o patrimônio da Ilha dos Lençóis, situada no litoral ocidental do Estado do Maranhão. Considera-se o patrimônio dessa ilha maranhense, com ênfase em construções simbólicas que a designam como uma “ilha encantada” 1e como um “lugar” com características singulares2 consideradas elementos atrativos para empreendimentos que propalam o conceito de desenvolvimento sustentável.
A Ilha dos Lençóis congrega ricas características simbólicas e naturais que vêm sendo arregimentadas nos discursos do ecoturismo e das Unidades de Conservação, que podem ser percebidos, por exemplo, através da análise de matérias de divulgação sobre a região, elaboradas por empreendedores do setor turístico, gestores municipais e estaduais, bem como por jornalistas. Tais questões emergem no momento em que a Ilha dos Lençóis é apresentada como vitrine num dos pólos de ecoturismo do Estado do Maranhão e como integrante de uma Reserva Extrativista, mais especificamente da RESEX Marinha de Cururupu3; processos que tomam fôlego a partir do ano de 2000 e que, embora não elaborados conjuntamente, se interpenetram em vários momentos, como demonstro ao longo da minha tese.
Pertencente ao arquipélago de Maiaú4, no município de Cururupu, a Ilha dos Lençóis é uma ilha costeira que tem como um dos pontos mais marcantes o seu imponente conjunto de dunas, que formam 70% de sua cobertura. Localiza-se na área das Reentrâncias Maranhenses5 que se estende por 12 mil quilômetros quadrados. Essa imensa região, recortada por baías, enseadas, ilhas e manguezais, tem grande valor para as aves, especialmente as migratórias continentais, que a utilizam no seu período de invernada, conferindo à região o “status” de Reserva Hemisférica de Aves Limícolas e Área Úmida de Importância Internacional – Sítio Ramsar6. Por suas características peculiares, esta ilha torna-se um foco atrativo para o ecoturismo.
Os discursos oficiais sobre ecoturismo giram em torno da idéia de que as ilhas cururupuenses - inseridas no ecossistema de florestas de manguezais - têm uma “vocação natural” para esse empreendimento, sendo a Ilha dos Lençóis apresentada como a principal atração turística do referido pólo (conhecido regionalmente como Floresta dos Guarás), por contar com uma “beleza exótica” e por ser famosa pelos seus “mistérios”.
A Ilha dos Lençóis é revestida de um rico imaginário por ser considerada “encantada”, enquanto morada do “encantado” Rei Sebastião, e por abrigar uma comunidade de pescadores, com cerca de 400 habitantes, que pode ser considerada sui generis pela presença significativa de quase 3% de albinos em sua população, onde todos os nativos, albinos e não-albinos, se autodenominam como “filhos do Rei Sebastião”.
Falar em Ilha dos Lençóis é vivificar o imaginário sobre a presença de um sebastianismo singular que se apresenta na vertente da Encantaria7, expressa num rico imaginário. Seja no discurso de jornalistas, de literatos, seja no discurso de pescadores, de fiéis das religiões afro-brasileiras, muito já se comentou sobre o “encante” da ilha: relatando-se que muitas pessoas de lá já viram El Rei D. Sebastião em sua forma humana, ou em forma de um animal, mais precisamente de um touro negro; que na praia é possível encontrar objetos de ouro, mas que ninguém deve ousar retirá-los de lá, pois eles pertencem às riquezas do Rei Sebastião; e que a conhecida toada de caráter messiânico – “Rei, ê Rei, Rei Sebastião, quem desencantar Lençóis, vai abaixo o Maranhão” – aponta que no momento em que Rei Sebastião se desencantar, o seu reinado emergirá e a ilha de São Luís, capital do Maranhão, submergirá. Além de tudo isso, o alto índice de albinismo verificado na “ilha encantada” suscitou diversas interpretações imaginárias8 sobre a comunidade local.
Leia o texto integral aqui.
2 comentários:
Muito interessante. Estou começando na antropologia (venho do turismo), mas quero desenvolver minha pesquisa seguindo essa linha. A maioria das pessoas que estudam turismo costuma enfatizar 'a importância do patrimônio', como se o patrimônio existisse em si, não como uma categoria 'inventada'. o mesmo serve para as noções de 'natureza', 'atrativo', entre outros. Madian questiona isso e eu também pretendo questionar. Obrigada por divulgar.
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