segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O desafio de Marina

A análise política de Alon Feuerwerker sobre o cenário político colocado para a política Marina Silva é perspicaz. Confira!

A travessia (12/09)
Quem conhece Marina sabe que ela tem tutano para encarar a caminhada. Mas será que o PV dará o necessário apoio? Como fez o PT para Lula?

A três semanas do primeiro turno, os números de todos os levantamentos convergem para um padrão. Entre eles e também na comparação com as duas eleições anteriores. Três quintos do eleitorado “útil” (o que vota em candidatos) pendem para a favorita de Luiz Inácio Lula da Silva. A diferença é que em 2002 e 2006 essa configuração só se cristalizou no segundo turno. Ou seja, em vez de a ex-petista Marina Silva dividir no primeiro turno votos de seu antigo campo, os números mostram que ela semeia no terreno da potencial oposição. Não só a atual, mas a futura.

Marina segue uma estratégia à la Antanas Mockus, o verde que chegou em segundo lugar na eleição da Colômbia: fincar estaca como a alternativa para adiante. É inteligente, mas sempre será preciso ver se a senadora do Acre e seu PV vão suportar a travessia do deserto. Lula e o PT atravessaram o deserto na oposição porque partiram de duas premissas. Não apoiariam nenhum governo liderado por outros e cauterizariam todas as possíveis dissidências conciliatórias.

Quem conhece Marina sabe que ela tem tutano para encarar a caminhada. Mas será que o PV dará a ela o necessário apoio? Como fez o PT para Lula? O exemplo de Ciro Gomes está aí. Na hora H o PSB puxou o tapete, ainda que a puxada estivesse escrita nas estrelas desde o esboço da candidatura.

O recuo do PSB decorreu de uma visão estratégica sobre a necessidade de coesão do bloco governista, diz o PSB. Ou de renunciar a um projeto nacional em favor de projetos regionais, dizem os críticos. Pouco importam as explicações. Ciro Gomes ficou fora e o PSB está agarradinho a Dilma Rousseff. O amor aliás é recíproco.

Marina ainda sonha com a ida a um hipotético segundo turno, e os ganhos pontuais dela entre os grupos mais formalmente instruídos certamente vão animar. Aí seria a sopa no mel, mesmo em caso de derrota. Ela restaria como a primeira da fila, posição que José Serra conquistou em 2002. Como o cenário mais visível não é esse, vale especular então sobre o grau de resistência da própria Marina e, principalmente, do novo partido dela às forças centrípetas do poder.

O PT pôde fincar pé na oposição por funcionar em boa medida como um único organismo e pela inserção social e no poder local, com importantes orçamentos municipais sob controle. Coisas que o PV não tem. Como os parlamentares do PV irão resistir à caneta do Executivo?

De outro ângulo, entretanto, a situação de Marina é animadora. A onda peemedebista nos anos 80 trazia na testa o atendimento às aspirações democráticas, a tucana nos anos 90 contemplou os desejos modernizantes, e a petista nesta primeira década do século 21 enfatizou a justiça social.

Quem está mais bem posicionada para a agenda do ponto futuro é Marina Silva. Falta a ela massa crítica para realizar agora este potencial, e é preciso saber se conseguirá manter a tropa reunida para, como disse, fazer a travessia. Mas sua resistência a ser desidratada nesta eleição é um sinal.

Como nos primórdios

Uma boa conversa ao longo da semana passada com dois próceres petistas, separadamente, revelou certo incômodo com a perspectiva de ter uma “oposição interna” peemedebista nos próximos quatro anos, na eventualidade de vitória de Dilma Rousseff. Acham que um também eventual enfraquecimento extremo da dupla PSDB-DEM fará a oposição social ao PT deslocar-se para o polo mais viável, o PMDB, mas argumentam que há aí duas atenuantes.

Uma é a expectativa de poder futuro simbolizada na possível volta de Lula. É um trunfo petista. Um cano frio a ser encostado na testa dos permeáveis a tentações de dissidência. Outro trunfo é o previsível inconformismo da oposição tradicional com o papel de coadjuvante. Por isso, acreditam, sempre poderão contar com o PSDB para enfraquecer o PMDB, caso necessário. Como se passava, aliás, nos primórdios petistas e tucanos.


Coluna (Nas entrelinhas) publicada neste domingo (12) no Correio Braziliense.

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