quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Uma feminista escreve sobre Netinho

Postei aqui um comentário bem emocional defendendo a candidatura do Netinho ao Senado pelo estado de São Paulo. Reafirmo o que disse. Caso se interesse, você pode conferir o post Netinho, pela luz que nos acende. Depois de escrever, pensei: e se eu fosse mulher e feminista, que posição teria? Hoje, conferi os argumento de Lola Aronovich, Professora da UFC que mantém o ótimo blog Escreva Lola Escreva, e se identifica como "feminista de esquerda" (ou será feminista e de esquerda?). O texto é bem escrito, a argumentação consistente e o posicionamento lúcido. Não deixe de conferir!

O ATAQUE DE NETINHO E O ATAQUE CONTRA ELE
Lola Aronovich


Várias leitoras queridas, a maior parte através de email, e um piolho do Twitter que eu nunca nem ouvi falar mas que deu pra me seguir e querer pautar meu blog, me pediram pra escrever sobre o Netinho. As leitoras estão genuinamente preocupadas, sem saber pra quem dar o segundo voto pra senador em SP. Já o piolho ordenou: “No perfil, essa senhora @lolaescreva se apresenta como feminista de esquerda. E não fala nada da candidatura de Netinho p/Senador?”. Pois é, por eu ser feminista de esquerda (espero que ninguém mais, fora o piolho, tenha deixado escapar o quanto essas duas palavras juntas são redundantes), eu tenho que falar sobre todos os assuntos relacionados a muheres, ainda que um determinado tópico possa não me interessar, ou que eu não tenha tempo. A afirmação dele serve pra tudo: “Essa sra se apresenta como feminista de esquerda e não fala nada da adúltera que iria ser apedrejada no Irã?” ou “Essa sra se apresenta como feminista de esquerda e não fala nada das bodas de prata da minha mãe?”. Etc.

O caso Netinho não me atrai muito porque eu não voto em SP e porque, na realidade, sei muito pouco a respeito da vida dele. O que me espanta é justamente isso: por que eu, que não voto em SP, ouço falar mal do Netinho todo santo dia? Eu não me recordo de ter visto uma campanha tão gigantesca contra um candidato a senador. Sério. Vocês se lembram de algo igual? Lógico que Netinho deve ter sido o primeiro candidato a senador na história do Brasil a ter batido em mulher (estou sendo irônica), mas vocês conhecem outra campanha parecida?

E quem vocês acham que organiza uma campanha contra dessas? Nós, feministas de esquerda? Ou gente que não dá a mínima pra mulheres e aproveita pra fazer duas campanhas em uma, no estilo “Pô, as feminazis barangas e mal-amadas não estão se mobilizando contra o Netinho!”? Ou gente que jamais, nem em mil anos, votaria em algum candidato de um partido de esquerda como o PCdoB? Ou gente que se aproveita do apoio do PT ao Netinho pra atacar o PT? Ou gente que treme nas bases pelo PT ter a chance de eleger dois senadores por SP – reduto eleitoral tucano! – que darão total apoio ao governo Dilma? Ou as quatro alternativas anteriores? Porque, gente, tô vendo bem pouca feminista se manifestar contra o Netinho. O que vejo são aqueles, the usual suspects, os reaças, dizendo que o Senado precisa de gente limpa... como o Quércia.

E eu adoraria acreditar que o ódio contra Netinho não tem nada a ver com o fato d'ele ser negro. Já consigo antecipar a revolta do pessoal que acha que no Brasil não existem raças, muito menos racismo: “Ahn, ele é negro?! Nem tinha notado!”. Sei, sei. Devem ter notado também que há uma ausência de senadores negros no Brasil. Há 81 senadores brasileiros. Quantos negros? Só lembro do Paulo Paim (PT-RS). Mais algum? Mas isso não é racismo! É apenas um sinal de que negros, tal qual mulheres, se interessam pouco por política, né?

O pouco que sei do Netinho: o ex-pagodeiro do grupo Negritude Jr não foi um vereador atuante. Ele teve um programa de TV que atendia à comunidade carente. Em 2005, ele espancou sua mulher. Alguns anos antes, havia dado uma chave de braço numa funcionária da Vasp. Ele pediu desculpas em várias ocasiões.

Eu acho que devo ter uma visão diferente à da maioria sobre crime e castigo, porque não creio que alguém que comete um crime deve ser julgado pelo resto da vida. Tipo: Sean Penn bateu na mulher dele, a Madonna, na década de 80. Então vamos boicotar seus filmes pro resto da vida. Parece sensato pra vocês? Porque pra mim, não.
Homens que batem em mulheres não são um ou outro. São um monte (numa pesquisa recente, 55% dos entrevistados disseram conhecer uma mulher que já foi agredida. Uma mulher é agredida no Brasil a cada 15 segundos). Inclusive, muito mais que imaginamos. Assim como homens que estupram mulheres não são aqueles que ficam escondidos num beco, esperando uma vítima passar. Em geral são parentes e conhecidos. Assim como homens que matam mulheres não são serial killers misóginos. São maridos, namorados, ou ex-parceiros. Todos esses três casos de violência contra a mulher têm a mesma origem: esses homens veem as mulheres como seres inferiores que pertencem a eles pro que der e vier. Homens são criados (e, como mães e professoras, temos responsabilidade nisso) para resolverem conflitos com violência. Homens (e muitas mulheres) creem numa visão totalmente idiota do que é ser homem (e do que é ser mulher).

Logicamente que eu acho que estupradores, assassinos e espancadores devem ir presos. Devem ser punidos. Mas eu não consigo ver prisão apenas como punição. Há um caráter correcional na prisão, certo? Ou pelo menos deveria haver. Depois de punida, uma pessoa deve ser reabilitada, educada para poder conviver em sociedade, sem causar mais dano algum. E eu acredito, ou quero acreditar, que a maior parte dos criminosos pode ser reabilitado.

Este certamente é o caso de homens que batem em mulher. O que funciona mesmo na reabilitação são grupos de homens que se reúnem para dialogar e trocar experiências. Dessa forma, eles conseguem mudar, juntos, a visão deturpada que têm da masculinidade. Só mandar um espancador pra cadeia, sem reabilitá-lo, não resolve o problema. Ele provavelmente também baterá na próxima mulher com quem tenha um relacionamento. Ou na própria mulher que decidiu perdoá-lo. Isso porque não é a mulher que é o problema. É esse homem, que vai repetir o mesmo padrão de comportamento.

Pessoalmente, acho que a participação nesses grupos de apoio deveria ser obrigatória para todos os homens que batem em mulheres. Agora, não sei se Netinho participou deles. Só declarar-se arrependido não impede que ele volte a cometer o mesmo crime. É uma vantagem que ele leva diante do segundo maior espancador de mulheres no Brasil, Dado Dolabella. Mas não é suficiente.

Algumas feministas ligadas ao PCdoB declararam apoio à candidatura de Netinho. Mas eu considero difícil saber qual é a dele. Por exemplo, alguém me explica o que ele quis dizer na sua resposta à pergunta “O sr. defende a legalização do aborto?”. Ele respondeu: “Não. Para mim, o aborto é uma questão de saúde. Não consigo tratá-lo como uma questão religiosa. Sou batista. Meu segmento de igreja é totalmente contrário. Mas eu entendo diferente. Acho que todo mundo é contra o aborto. Existem circunstâncias que levam ao aborto, e ele tem que ser tratado como saúde pública”. Seu não era pra ter sido um sim?

Vejo três vantagens em se votar no Netinho: 1) ele é negro. Pra mim, isso é muito importante. Todas as minorias devem estar mais representadas no nosso órgão legislativo (e executivo. E judiciário). 2) Ele podia ter se filiado a qualquer partido, e foi a um que respeito, o PCdoB. Um partido de esquerda com um histórico de defesa das minorias. 3) Seria ótimo pra Dilma, que sem dúvida será eleita, só não sei se no primeiro ou segundo turno, ter um Senado (e um Congresso) com maioria governista. Fica bem mais fácil aprovar leis e projetos.

E vejo desvantagens em votar no Netinho. 1) Ele bateu em duas mulheres. Até concordo com o que disseram as feministas do PCdoB, que esse passado sombrio de Netinho fará com que ele seja cobrado na defesa das mulheres. Mesmo assim, não sei se ele está reabilitado. 2) Ele não parece ter sido um bom vereador. E não conheço suas ideias (mas isso pode ser falha minha, não dele). 3) Ele é evangélico. Desculpem o preconceito, mas tenho receio de qualquer candidato que promete colocar "Deus acima de tudo". Exijo um Estado laico!

Mas Netinho claramente não me parece pior que um Quércia (que saiu da disputa, ainda bem, e ia perder do mesmo jeito), ou (pra falar de outros estados) de um Tasso Jereissati, ou de um Collor, ou de um Demóstenes, ou de um Bornhausen. Eu não vou dizer a ninguém em quem votar. E nem posso dizer o que eu faria, já que não voto em SP. Netinho (e Marta) devem ganhar, pelo que dizem as pesquisas. Portanto, se o fato d'ele ter batido em mulheres falar mais alto, sugiro que votem num outro candidato de esquerda, do PSTU, por exemplo. Mas não votem na direita. Porque, lembrem-se, políticos não são seres individuais que caem do espaço e agem sozinhos. Eles devem seguir diretrizes de seus partidos. Partidos de esquerda sempre estão muito mais ligados às lutas das minorias que os de direita. Esse pessoal de direita que se diz revoltado com a provável eleição de Netinho nunca mexeu uma palha pra melhorar a situação das mulheres. Em geral, muito pelo contrário.

E, por favor, pra quem se sentir ultrajad@ com a minha opinião, entenda que nunca iremos concordar em 100% dos casos. E discordar de alguém não me faz uma monstra sanguinária defensora de estupradores e assassinos. Não me faz nem mesmo menos feminista.

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