terça-feira, 7 de setembro de 2010

O rififi da Receita na análise de Alon

Confira abaixo artigo do jornalista Alon Feuerwerker comentando a crise provocada pela quebra do sigilo fiscal de pessoas ligadas à campanha do PSDB.

Sócios espertos da vitimização (07/09)
Alon Feuerwerker


Como pode um órgão estatal ser ao mesmo tempo capaz de operar um sistema de arrecadação no estado da arte, em padrões mundiais, e de exibir tamanho desleixo no cumprimento de outras obrigações legais?

Seja qual for o resultado político-eleitoral do rififi em torno dos sigilos fiscais quebrados irregularmente, uma coisa já se pode dizer: de todos os protagonistas, quem faz o papel mais deplorável é a Receita Federal, como instituição.

Adote o observador ou analista o ângulo que desejar, já há um consenso. Impressiona o contraste entre, de um lado, a eficiência da Receita para apresentar a conta ao contribuinte e cobrar a fatura, e, de outro, a bagunça que se instalou nas suas fileiras.

Como pode um órgão estatal ser ao mesmo tempo capaz de operar um sistema de arrecadação no estado da arte, em padrões mundiais, e de exibir tamanho desleixo no cumprimento de outras obrigações legais?

Estivéssemos num país mais democraticamente constituído, boa parte da cúpula da Receita já estaria no olho da rua. Ou então os dirigentes da instituição já teriam colocado para correr a linha de comando nos lugares onde o descalabro com os sigilos está comprovado. Preventivamente.

Os cumes de popularidade do presidente da República geraram entre nós um subproduto indesejável. Sempre restará ao incompetente instalado na máquina alegar que as reclamações contra ele fazem parte de uma grande conspiração para derrubar o governo que mais fez pelos pobres na História do Brasil.

Assim, além dos oligarcas regionais e dos políticos em busca de uma boa lavanderia para o currículo, outra espécie que gosta de se abrigar sob o guarda-chuva presidencial em tempos recentes é o funcionário público nomeado em confiança mas que não consegue desempenhar.

Basta apresentar-se como herói da pátria, dizer que está ameaçado ou perseguido por apoiar um projeto político bom para o Brasil e pronto: o incompetente já virou sócio da vitimização.

E se ainda por cima o sujeito estiver sendo alvo de reportagens constrangedoras, melhor: bastará denunciar um complô da mídia e o felizardo terá aberto para si as portas do Palácio do Planalto. Um excelente negócio.

Assim vai o Brasil nos tempos de Luiz Inácio Lula da Silva. E como será a partir de janeiro de 2011? Talvez haja razão para algum otimismo.

A hoje favorita, Dilma Rousseff, criou em torno dela o mito do horror à incompetência e à enrolação. Horror que aparece de vez em quando no noticiário como mania de maltratar as pessoas. Mas talvez seja uma boa relação custo-benefício.

José Serra também é conhecido, até demais, pela aversão ao “embromation”, e Marina Silva apresenta ao Brasil como ideia-força a proposta de governar com bons quadros, independentemente da colocarão partidária.

Seria ingenuidade imaginar que algum deles poderá atravessar o governo sem os malas de praxe, os sem alça mas com apoio em tal tendência do PT, ou em tal grupo de deputados do PMDB. Isso no caso de Dilma. Sempre há um preço a pagar. Mas seria desejável que ao menos no começo do mandato as nomeações equilibrassem a fidelidade com a capacidade de entregar a mercadoria.

Ou então vai ficar como está. O sujeito é pego na contramão, dá uma explicação qualquer e fica tudo por isso mesmo. Em nome da governabilidade.

Anarquia

Já escrevi aqui e vou insistir. Passou da hora de o Supremo Tribunal Federal chamar para si a decisão sobre a retroatividade do Ficha Limpa.

O entendimento do Tribunal Superior Eleitoral é que a lei retroage. Como, supostamente, a Constituição diz que isso não é possível, parece a este leigo que é tema a ser submetido ao controle de constitucionalidade.

O que não dá é o eleitor chegar ao dia do voto sem saber se o candidato é candidato mesmo ou não. Para usar uma expressão do mundo jurídico, a dúvida pode trazer prejuízo eleitoral irreparável.

Se o STF decidir pela implantação de leis retroativas no Brasil será bizarro, creio. Mas menos bizarro do que deixar a coisa rolar anarquicamente, como está acontecendo.


Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta terça (07) no Correio Braziliense.

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