A análise do jornalista Alon Feuerwerker aponta a necessidade de um certo distanciamento crítico em relação à essa "guerra de mundos", que, ao que parece, o PT está embarcando. Para gáudio dos adversários, diga-se de passagem.
Sem hora de parar (23/09)
Alon Feuerwerker
Este governo tem sido bom ao dobrar apostas. Por enquanto as fichas acumulam-se a cada rodada na frente do jogador. É a típica situação na qual ninguém consegue convencer o sortudo de que chegou a hora de interromper o jogo
Qual é o problema nos protestos de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT e de aliados contra a imprensa? Não são as reclamações em si. A imprensa possui o direito de publicar/veicular o que bem entende, e também os críticos da atividade jornalística têm a prerrogativa de dar opinião a respeito. É um direito universal.
Justamente empenhada na defesa da própria liberdade, não é razoável a imprensa ficar com não me toques quando se exerce a liberdade alheia. Se o jornalista ou a empresa jornalística avaliam que foram atingidos na sua honra, que recorram à Justiça. O Código Penal está aí. O mesmo vale para os políticos, do governo ou da oposição: o Judiciário é o caminho para a busca de reparação.
Já há um controle social formal da atividade jornalística. Ele é feito pelos juízes, a posteriori. Mas não só. A emergência de meios materiais para o cidadão comum, com a internet, romper a unidirecionalidade na comunicação estabeleceu formas adicionais de controle social do jornalismo. Quem sempre esteve acostumado a falar hoje precisa estar cada vez mais disposto a ouvir. E põe disposto nisso!
Há entretanto, no poder, a tentação permanente de introduzir na lei controles a priori sobre o trabalho dos profissionais e empresas. Mas controles assim são proibidos pela Constituição. Em pelo menos dois julgamentos nos últimos anos o Supremo Tribunal Federal deixou claro, por boas maiorias, o entendimento claríssimo sobre o tema.
Qualquer controle a priori representaria cerceamento da liberdade de expressão garantida pelo texto constitucional. Seria censura, que a Carta proíbe.
Mesmo que iniciativas para tal pareçam prosperar no Congresso, irão morrer na corte suprema, mantida a composição atual do STF. E mesmo no Legislativo o terreno não está tão propício. O presidente da Câmara dos Deputados e do PMDB, e candidato a vice na chapa do PT, Michel Temer, diz que nada assim tem futuro no Parlamento. Se ele está certo só o tempo dirá, mas parece razoável.
É duvidoso que os partidos e políticos mais centristas tomem como sua uma pendenga alheia. E o Congresso Nacional está coalhado de gente ligada a atividades de comunicação.
A relação de forças pode sempre mudar, mas não é realista projetar agora um cenário permeável à introdução de novos parâmetros legais cerceadores da atividade jornalística. Pelo menos não parâmetros capazes de sobreviver à via crucis no Congresso e no STF.
Valeria a pena a nova administração, em caso de vitória do PT, meter-se numa disputa sem luz no fim do túnel, apenas para estabelecer um clima permanente de confronto? A lógica simples diz que não. Mas a lógica do núcleo dirigente deste governo (e que espera permanecer) é mais complexa. Investe-se no conflito retórico e na polarização permanente como fonte de poder político. Por enquanto está funcionando.
Agitar o fantasma do “controle social da mídia” é duplamente útil. Alimenta-se retoricamente uma base social radicalizada, mas num item de materialização bem improvável. Ou seja, a ameaça existe, mas sempre será possível argumentar, para os públicos certos, que ela não se realizará. E está dado o recado.
Se o governo desejasse, se sentisse necessidade, faria aos veículos de comunicação o gesto que oito anos atrás fez ao mercado financeiro. Uma “carta aos brasileiros” para reafirmar o compromisso com certas prerrogativas democráticas. Não o faz porque acha que não precisa, entende que pode atravessar a eleição e ganhar sem isso. Alguns acham que podem até governar sem isso.
É uma aposta. Este governo tem sido bom ao dobrar apostas. Por enquanto as fichas acumulam-se a cada rodada na frente do jogador. É a típica situação na qual ninguém consegue convencer o sortudo de que chegou a hora de parar de apostar.
Hora de decidir
O STF informa que continua hoje a votação sobre se o Ficha Limpa vale ou não para esta eleição. Na boa, está na hora de acabar com a novela.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quinta (23) no Correio Braziliense.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
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