Tarso Genro é um grande quadro político. Abaixo, você lê um artigo de sua autoria. Vale a pena sempre conferir os posicionamentos do atual governador do RS. O texto foi retirado do site CARTA MAIOR.
Explorando os limites de uma esquerda reformada
Tarso Genro
Zygmunt Bauman, na primeira carta do seu livro recentemente publicado no Brasil, "44 cartas do mundo líquido moderno" (Zahar, 2011, 226 pgs.), faz duas perguntas e apresenta uma conclusão provisória: "Como filtrar as notícias que importam no meio de tanto lixo inútil e irrelevante? Como captar as mensagens significativas entre o alarido sem nexo? Na balbúrdia de opiniões e sugestões contraditórias, parece que nos falta uma máquina de debulhar para separar o joio do trigo na montanha de mentiras, ilusões, refugo e lixo."
A pergunta de Bauman tem tudo a ver com a impotência das esquerdas, principalmente nos países capitalistas mais desenvolvidos, para dar respostas a uma crise que vinha sendo prevista por alguns economistas, há mais de dez anos. Vê-se que esta, depois de revelada, apresenta características diferentes, sociais e econômicas, das anteriores. Tanto daquelas do fim do Século XIX, na Europa e na Rússia, como daquelas que ensejaram a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, entremeadas pela crise aguda de 1929.
A compreensão destas diferenças é o que permitirá uma renovação do ideário e da estratégia da esquerda, em escala mundial, que atualmente se encontra em recesso conservador, como é caso da social-democracia. Uma outra parte da esquerda está fragmentada em milhares de pequenos grupos de idealistas, com causas confusas ou não raras vezes meramente corporativas.
Ambos os agrupamentos de esquerda identificam-se por estarem afastados dos cenários políticos onde se travam as batalhas pelos rumos da história: os cenários dos movimentos sociais de massas em defesa dos direitos prometidos pelas constituições modernas (teto, lazer, educação, informação livre, inclusão na sociedade de classes de maneira formal); e os cenários das disputas ideológicas com o projeto neoliberal, no âmbito da luta política democrática. A crise de personalidade da social democracia é, por outro lado, também uma crise da sua relevância na luta para ocupar governos e governar com coerência programática.
Suponho que as diferenças significativas para uma estratégia de esquerda, são aquelas que marcam os cenários, tanto nos países do centro do capitalismo como nos países "emergentes": primeiro, a rapidez com que as crises contaminam o cenário global é a mesma rapidez - com fundamento nas mesmas tecnologias informacionais - que permite a manipulação dos seus efeitos e a criação de hegemonias artificiais, para a universalização dos "remédios" anticrise; segundo, os trabalhadores do setor público e os trabalhadores assalariados de boa renda ou renda razoável, estão separados dos pobres das periferias, dos imigrantes, dos favelados criminalizados, desempregados, intermitentes ou precários. Estes constituem "ameaças", originárias de quem está excluído e cujas demandas, se aceitas pelos governos, podem exigir repartição de benefícios sociais e disputa pelos empregos dos que estão protegidos na formalidade.
Finalmente, uma terceira diferença substancial: as representações parlamentares dos partidos de esquerda livraram-se, em regra, daquela posição clássica de mera denúncia do "parlamento burguês". Substituíram, porém, esta ideologia da destruição do Estado por uma ideologia que faz, em regra, das bancadas de esquerda, mais uma soma de posições corporativas do mundo do trabalho ou mesmo de setores empresariais, do que uma síntese programática em defesa de um padrão desenvolvimento alternativo e de um novo conteúdo democrático para a república. Neste sentido, as delegações parlamentares de esquerda aproximam-se, perigosamente, da prática tradicional dos partidos cujo sentido é perpetuar uma burocracia parlamentar-profissional, alheia a princípios programáticos.
As transformações do capitalismo, que "cindiram" o campo dos assalariados e dos pobres, em geral, unificaram os "de cima, a partir da força coercitiva do capital financeiro e da ciranda especulativa. Ao mesmo tempo, estas transformações e a necessidade de manejo da dívida pública de maneira "responsável" aproximaram do estado, em geral, os grandes grupos empresariais de comunicação e os grandes oligopólios privados.
Os estados, premidos pela dívida, e as corporações de empresas em geral (donas ou reféns dos bancos) constituem hoje (unidos todos pelas algemas da dívida pública) um "estado ampliado". Por isso mesmo é, também, um estado que vem crescentemente renunciando as suas funções públicas originárias, inclusive aquelas de dar sustento, com juros subsidiados e aportes de infraestrutura, aos investimentos do setores produtivos estratégicos para o projeto nacional. Aqui, a lógica da globalização financeira e da dívida fala mais alto do que a ideia de nação, seja do ponto de vista do controle das riquezas naturais no território, seja do ponto da vista da formação de uma comunidade de destino que institui o "ethos" da nação.
O exemplo grego é emblemático. Não só no que se refere à "revogação" do referendo, feita pelo Banco Central Europeu, mas também no que refere às distintas reações políticas do mundo do trabalho, com suas diversas hierarquias públicas e privadas, para contestar o sacrifício das novas reformas.
Os trabalhadores, o povo grego em geral, os seus empresários nacionais, os seus setores médios empobrecidos, os seus agricultores, não apresentaram um programa alternativo de reformas, que implicasse numa nova relação com a União Européia. Não se uniram por uma saída alternativa para crise. Apenas "somaram" reivindicações de diversas categorias, públicas e privadas, de aposentados e pensionistas, de setores da indústria, sem compor um todo coerente em defesa de um novo modo de integração européia e de um novo estatuto de força para a comunidade política de esquerda, no âmbito da democracia, contra as tecnocracias financeiras. Os partidos que poderiam fazer isso, ou foram impotentes e fragmentários, ou foram coniventes ou omissos. Lembremos o que ocorreu na Grécia, na Espanha, na Itália, em Portugal...
Ao contrário do que ocorreu em outros períodos da História, nos quais os debaixo "pagavam" as crises com o desemprego e a recessão (na "destruição criativa" de que nos falava Marx), mas cobravam avanços sociais e, no mínimo, compartilhamento nas decisões de estado, no atual período -em cada crise- a esquerda sai mais enfraquecida. Uma parte dela já adotara os valores de uma desigualdade que seria modernizante e que, presumidamente, traria automaticamente melhorias para todos. A outra parte não construiu um programa de respostas, que instituísse uma nova correlação de forças política no plano interno (senão uma nova hegemonia), e ao mesmo tempo protegesse ou pelos menos sustentasse os direitos sociais já conquistados. A primeira parte da esquerda pulou o muro ou ficou encima dele e a segunda fez bravatas corporativas ou não tinha o que dizer.
Uma esquerda reformada não pode sair da tradição socialista, que, no atual período, significa concretamente opor a defesa dos direitos ao sucateamento dos direitos. Significa defender a globalização dos direitos sociais em conjunto com a globalização do capital. Defender a organização do consumo sustentável, combinada com a regulação social do mercado. Significa defender a solidariedade aos ex-países coloniais e a sua gente imigrada, opondo-se ao racismo e à xenofobia. Significa defender a estabilidade da democracia parlamentar e das instituições republicanas, combinadas com a participação direta e virtual da cidadania. Uma esquerda renovada defenderá políticas de desenvolvimento regional que partam da valorização da bases produtivas locais e da valorização das suas respectivas culturas. A esquerda renovada deve, enfim, repor no discurso político e nas ações de governo, a agenda do combate às desigualdades, tão cara à tradição socialista, social-democrata ou meramente republicano-democrática, que o neoliberalismo conseguiu arquivar.
O grande Giovanni Arrighi, falecido em 2009, chegou a ter esperança num mundo "não-hegemônico", cessados os efeitos da crise, em função da emergência da China e da policentralidade mais expressiva, que fatalmente adquiriria o capitalismo no período pós-crise. Tal mundo não se confirmou, lamentavelmente, mas as diferenças sul-norte, hoje, tem novas características políticas. As experiências latino-americanas de não aceitar passivamente as cartilhas neoliberais, embora as campanhas difamatórias contra todos os governos que se opuseram ao "caminho único", abrem novas perspectivas para o discurso e para as práticas de governo da esquerda.
A esquerda, agora, precisa derrotar a direita - além das derrotas eleitorais que já lhe infringiu - no terreno das ideias, no terreno da cultura política. Isso significa salvar a democracia, com um programa aplicável e realista cujo limite, ao mesmo tempo radical e amplo, é dar efetividade às promessas de justiça e igualdade, que estão no âmago das constituições modernas, tão duramente conquistadas ao longo de duzentos anos de lutas.
A derrota da democracia pela manipulação da informação, pela falta de crença popular na efetividade dos direitos que modernamente lhe caracteriza, pela destruição da esfera da política com a desmoralização de todos os partidos e das práticas de gestão democrática, seria a derrota final da idéia do socialismo. A partir daí só poderá sobrevir a anomia e a barbárie. Quem precisa, hoje, apelar para práticas clandestinas, nos obscuros porões das agências de risco, é a direita neoliberal e os seus servos na tecnocracia dos partidos conservadores.
No atual período histórico, finalmente, a democracia política, que era a cortesã escondida do socialismo, passa ser sua única companheira. Democracia e socialismo estão fundidos no programa de direitos e nas oportunidades de luta abertas firmemente pelas constituições democráticas.
(*) Governador do Rio Grande do Sul
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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
Uma feminista escreve sobre Netinho
Postei aqui um comentário bem emocional defendendo a candidatura do Netinho ao Senado pelo estado de São Paulo. Reafirmo o que disse. Caso se interesse, você pode conferir o post Netinho, pela luz que nos acende. Depois de escrever, pensei: e se eu fosse mulher e feminista, que posição teria? Hoje, conferi os argumento de Lola Aronovich, Professora da UFC que mantém o ótimo blog Escreva Lola Escreva, e se identifica como "feminista de esquerda" (ou será feminista e de esquerda?). O texto é bem escrito, a argumentação consistente e o posicionamento lúcido. Não deixe de conferir!
O ATAQUE DE NETINHO E O ATAQUE CONTRA ELE
Lola Aronovich
Várias leitoras queridas, a maior parte através de email, e um piolho do Twitter que eu nunca nem ouvi falar mas que deu pra me seguir e querer pautar meu blog, me pediram pra escrever sobre o Netinho. As leitoras estão genuinamente preocupadas, sem saber pra quem dar o segundo voto pra senador em SP. Já o piolho ordenou: “No perfil, essa senhora @lolaescreva se apresenta como feminista de esquerda. E não fala nada da candidatura de Netinho p/Senador?”. Pois é, por eu ser feminista de esquerda (espero que ninguém mais, fora o piolho, tenha deixado escapar o quanto essas duas palavras juntas são redundantes), eu tenho que falar sobre todos os assuntos relacionados a muheres, ainda que um determinado tópico possa não me interessar, ou que eu não tenha tempo. A afirmação dele serve pra tudo: “Essa sra se apresenta como feminista de esquerda e não fala nada da adúltera que iria ser apedrejada no Irã?” ou “Essa sra se apresenta como feminista de esquerda e não fala nada das bodas de prata da minha mãe?”. Etc.
O caso Netinho não me atrai muito porque eu não voto em SP e porque, na realidade, sei muito pouco a respeito da vida dele. O que me espanta é justamente isso: por que eu, que não voto em SP, ouço falar mal do Netinho todo santo dia? Eu não me recordo de ter visto uma campanha tão gigantesca contra um candidato a senador. Sério. Vocês se lembram de algo igual? Lógico que Netinho deve ter sido o primeiro candidato a senador na história do Brasil a ter batido em mulher (estou sendo irônica), mas vocês conhecem outra campanha parecida?
E quem vocês acham que organiza uma campanha contra dessas? Nós, feministas de esquerda? Ou gente que não dá a mínima pra mulheres e aproveita pra fazer duas campanhas em uma, no estilo “Pô, as feminazis barangas e mal-amadas não estão se mobilizando contra o Netinho!”? Ou gente que jamais, nem em mil anos, votaria em algum candidato de um partido de esquerda como o PCdoB? Ou gente que se aproveita do apoio do PT ao Netinho pra atacar o PT? Ou gente que treme nas bases pelo PT ter a chance de eleger dois senadores por SP – reduto eleitoral tucano! – que darão total apoio ao governo Dilma? Ou as quatro alternativas anteriores? Porque, gente, tô vendo bem pouca feminista se manifestar contra o Netinho. O que vejo são aqueles, the usual suspects, os reaças, dizendo que o Senado precisa de gente limpa... como o Quércia.
E eu adoraria acreditar que o ódio contra Netinho não tem nada a ver com o fato d'ele ser negro. Já consigo antecipar a revolta do pessoal que acha que no Brasil não existem raças, muito menos racismo: “Ahn, ele é negro?! Nem tinha notado!”. Sei, sei. Devem ter notado também que há uma ausência de senadores negros no Brasil. Há 81 senadores brasileiros. Quantos negros? Só lembro do Paulo Paim (PT-RS). Mais algum? Mas isso não é racismo! É apenas um sinal de que negros, tal qual mulheres, se interessam pouco por política, né?
O pouco que sei do Netinho: o ex-pagodeiro do grupo Negritude Jr não foi um vereador atuante. Ele teve um programa de TV que atendia à comunidade carente. Em 2005, ele espancou sua mulher. Alguns anos antes, havia dado uma chave de braço numa funcionária da Vasp. Ele pediu desculpas em várias ocasiões.
Eu acho que devo ter uma visão diferente à da maioria sobre crime e castigo, porque não creio que alguém que comete um crime deve ser julgado pelo resto da vida. Tipo: Sean Penn bateu na mulher dele, a Madonna, na década de 80. Então vamos boicotar seus filmes pro resto da vida. Parece sensato pra vocês? Porque pra mim, não.
Homens que batem em mulheres não são um ou outro. São um monte (numa pesquisa recente, 55% dos entrevistados disseram conhecer uma mulher que já foi agredida. Uma mulher é agredida no Brasil a cada 15 segundos). Inclusive, muito mais que imaginamos. Assim como homens que estupram mulheres não são aqueles que ficam escondidos num beco, esperando uma vítima passar. Em geral são parentes e conhecidos. Assim como homens que matam mulheres não são serial killers misóginos. São maridos, namorados, ou ex-parceiros. Todos esses três casos de violência contra a mulher têm a mesma origem: esses homens veem as mulheres como seres inferiores que pertencem a eles pro que der e vier. Homens são criados (e, como mães e professoras, temos responsabilidade nisso) para resolverem conflitos com violência. Homens (e muitas mulheres) creem numa visão totalmente idiota do que é ser homem (e do que é ser mulher).
Logicamente que eu acho que estupradores, assassinos e espancadores devem ir presos. Devem ser punidos. Mas eu não consigo ver prisão apenas como punição. Há um caráter correcional na prisão, certo? Ou pelo menos deveria haver. Depois de punida, uma pessoa deve ser reabilitada, educada para poder conviver em sociedade, sem causar mais dano algum. E eu acredito, ou quero acreditar, que a maior parte dos criminosos pode ser reabilitado.
Este certamente é o caso de homens que batem em mulher. O que funciona mesmo na reabilitação são grupos de homens que se reúnem para dialogar e trocar experiências. Dessa forma, eles conseguem mudar, juntos, a visão deturpada que têm da masculinidade. Só mandar um espancador pra cadeia, sem reabilitá-lo, não resolve o problema. Ele provavelmente também baterá na próxima mulher com quem tenha um relacionamento. Ou na própria mulher que decidiu perdoá-lo. Isso porque não é a mulher que é o problema. É esse homem, que vai repetir o mesmo padrão de comportamento.
Pessoalmente, acho que a participação nesses grupos de apoio deveria ser obrigatória para todos os homens que batem em mulheres. Agora, não sei se Netinho participou deles. Só declarar-se arrependido não impede que ele volte a cometer o mesmo crime. É uma vantagem que ele leva diante do segundo maior espancador de mulheres no Brasil, Dado Dolabella. Mas não é suficiente.
Algumas feministas ligadas ao PCdoB declararam apoio à candidatura de Netinho. Mas eu considero difícil saber qual é a dele. Por exemplo, alguém me explica o que ele quis dizer na sua resposta à pergunta “O sr. defende a legalização do aborto?”. Ele respondeu: “Não. Para mim, o aborto é uma questão de saúde. Não consigo tratá-lo como uma questão religiosa. Sou batista. Meu segmento de igreja é totalmente contrário. Mas eu entendo diferente. Acho que todo mundo é contra o aborto. Existem circunstâncias que levam ao aborto, e ele tem que ser tratado como saúde pública”. Seu não era pra ter sido um sim?
Vejo três vantagens em se votar no Netinho: 1) ele é negro. Pra mim, isso é muito importante. Todas as minorias devem estar mais representadas no nosso órgão legislativo (e executivo. E judiciário). 2) Ele podia ter se filiado a qualquer partido, e foi a um que respeito, o PCdoB. Um partido de esquerda com um histórico de defesa das minorias. 3) Seria ótimo pra Dilma, que sem dúvida será eleita, só não sei se no primeiro ou segundo turno, ter um Senado (e um Congresso) com maioria governista. Fica bem mais fácil aprovar leis e projetos.
E vejo desvantagens em votar no Netinho. 1) Ele bateu em duas mulheres. Até concordo com o que disseram as feministas do PCdoB, que esse passado sombrio de Netinho fará com que ele seja cobrado na defesa das mulheres. Mesmo assim, não sei se ele está reabilitado. 2) Ele não parece ter sido um bom vereador. E não conheço suas ideias (mas isso pode ser falha minha, não dele). 3) Ele é evangélico. Desculpem o preconceito, mas tenho receio de qualquer candidato que promete colocar "Deus acima de tudo". Exijo um Estado laico!
Mas Netinho claramente não me parece pior que um Quércia (que saiu da disputa, ainda bem, e ia perder do mesmo jeito), ou (pra falar de outros estados) de um Tasso Jereissati, ou de um Collor, ou de um Demóstenes, ou de um Bornhausen. Eu não vou dizer a ninguém em quem votar. E nem posso dizer o que eu faria, já que não voto em SP. Netinho (e Marta) devem ganhar, pelo que dizem as pesquisas. Portanto, se o fato d'ele ter batido em mulheres falar mais alto, sugiro que votem num outro candidato de esquerda, do PSTU, por exemplo. Mas não votem na direita. Porque, lembrem-se, políticos não são seres individuais que caem do espaço e agem sozinhos. Eles devem seguir diretrizes de seus partidos. Partidos de esquerda sempre estão muito mais ligados às lutas das minorias que os de direita. Esse pessoal de direita que se diz revoltado com a provável eleição de Netinho nunca mexeu uma palha pra melhorar a situação das mulheres. Em geral, muito pelo contrário.
E, por favor, pra quem se sentir ultrajad@ com a minha opinião, entenda que nunca iremos concordar em 100% dos casos. E discordar de alguém não me faz uma monstra sanguinária defensora de estupradores e assassinos. Não me faz nem mesmo menos feminista.
O ATAQUE DE NETINHO E O ATAQUE CONTRA ELE
Lola Aronovich
Várias leitoras queridas, a maior parte através de email, e um piolho do Twitter que eu nunca nem ouvi falar mas que deu pra me seguir e querer pautar meu blog, me pediram pra escrever sobre o Netinho. As leitoras estão genuinamente preocupadas, sem saber pra quem dar o segundo voto pra senador em SP. Já o piolho ordenou: “No perfil, essa senhora @lolaescreva se apresenta como feminista de esquerda. E não fala nada da candidatura de Netinho p/Senador?”. Pois é, por eu ser feminista de esquerda (espero que ninguém mais, fora o piolho, tenha deixado escapar o quanto essas duas palavras juntas são redundantes), eu tenho que falar sobre todos os assuntos relacionados a muheres, ainda que um determinado tópico possa não me interessar, ou que eu não tenha tempo. A afirmação dele serve pra tudo: “Essa sra se apresenta como feminista de esquerda e não fala nada da adúltera que iria ser apedrejada no Irã?” ou “Essa sra se apresenta como feminista de esquerda e não fala nada das bodas de prata da minha mãe?”. Etc.
O caso Netinho não me atrai muito porque eu não voto em SP e porque, na realidade, sei muito pouco a respeito da vida dele. O que me espanta é justamente isso: por que eu, que não voto em SP, ouço falar mal do Netinho todo santo dia? Eu não me recordo de ter visto uma campanha tão gigantesca contra um candidato a senador. Sério. Vocês se lembram de algo igual? Lógico que Netinho deve ter sido o primeiro candidato a senador na história do Brasil a ter batido em mulher (estou sendo irônica), mas vocês conhecem outra campanha parecida?
E quem vocês acham que organiza uma campanha contra dessas? Nós, feministas de esquerda? Ou gente que não dá a mínima pra mulheres e aproveita pra fazer duas campanhas em uma, no estilo “Pô, as feminazis barangas e mal-amadas não estão se mobilizando contra o Netinho!”? Ou gente que jamais, nem em mil anos, votaria em algum candidato de um partido de esquerda como o PCdoB? Ou gente que se aproveita do apoio do PT ao Netinho pra atacar o PT? Ou gente que treme nas bases pelo PT ter a chance de eleger dois senadores por SP – reduto eleitoral tucano! – que darão total apoio ao governo Dilma? Ou as quatro alternativas anteriores? Porque, gente, tô vendo bem pouca feminista se manifestar contra o Netinho. O que vejo são aqueles, the usual suspects, os reaças, dizendo que o Senado precisa de gente limpa... como o Quércia.
E eu adoraria acreditar que o ódio contra Netinho não tem nada a ver com o fato d'ele ser negro. Já consigo antecipar a revolta do pessoal que acha que no Brasil não existem raças, muito menos racismo: “Ahn, ele é negro?! Nem tinha notado!”. Sei, sei. Devem ter notado também que há uma ausência de senadores negros no Brasil. Há 81 senadores brasileiros. Quantos negros? Só lembro do Paulo Paim (PT-RS). Mais algum? Mas isso não é racismo! É apenas um sinal de que negros, tal qual mulheres, se interessam pouco por política, né?
O pouco que sei do Netinho: o ex-pagodeiro do grupo Negritude Jr não foi um vereador atuante. Ele teve um programa de TV que atendia à comunidade carente. Em 2005, ele espancou sua mulher. Alguns anos antes, havia dado uma chave de braço numa funcionária da Vasp. Ele pediu desculpas em várias ocasiões.
Eu acho que devo ter uma visão diferente à da maioria sobre crime e castigo, porque não creio que alguém que comete um crime deve ser julgado pelo resto da vida. Tipo: Sean Penn bateu na mulher dele, a Madonna, na década de 80. Então vamos boicotar seus filmes pro resto da vida. Parece sensato pra vocês? Porque pra mim, não.
Homens que batem em mulheres não são um ou outro. São um monte (numa pesquisa recente, 55% dos entrevistados disseram conhecer uma mulher que já foi agredida. Uma mulher é agredida no Brasil a cada 15 segundos). Inclusive, muito mais que imaginamos. Assim como homens que estupram mulheres não são aqueles que ficam escondidos num beco, esperando uma vítima passar. Em geral são parentes e conhecidos. Assim como homens que matam mulheres não são serial killers misóginos. São maridos, namorados, ou ex-parceiros. Todos esses três casos de violência contra a mulher têm a mesma origem: esses homens veem as mulheres como seres inferiores que pertencem a eles pro que der e vier. Homens são criados (e, como mães e professoras, temos responsabilidade nisso) para resolverem conflitos com violência. Homens (e muitas mulheres) creem numa visão totalmente idiota do que é ser homem (e do que é ser mulher).
Logicamente que eu acho que estupradores, assassinos e espancadores devem ir presos. Devem ser punidos. Mas eu não consigo ver prisão apenas como punição. Há um caráter correcional na prisão, certo? Ou pelo menos deveria haver. Depois de punida, uma pessoa deve ser reabilitada, educada para poder conviver em sociedade, sem causar mais dano algum. E eu acredito, ou quero acreditar, que a maior parte dos criminosos pode ser reabilitado.
Este certamente é o caso de homens que batem em mulher. O que funciona mesmo na reabilitação são grupos de homens que se reúnem para dialogar e trocar experiências. Dessa forma, eles conseguem mudar, juntos, a visão deturpada que têm da masculinidade. Só mandar um espancador pra cadeia, sem reabilitá-lo, não resolve o problema. Ele provavelmente também baterá na próxima mulher com quem tenha um relacionamento. Ou na própria mulher que decidiu perdoá-lo. Isso porque não é a mulher que é o problema. É esse homem, que vai repetir o mesmo padrão de comportamento.
Pessoalmente, acho que a participação nesses grupos de apoio deveria ser obrigatória para todos os homens que batem em mulheres. Agora, não sei se Netinho participou deles. Só declarar-se arrependido não impede que ele volte a cometer o mesmo crime. É uma vantagem que ele leva diante do segundo maior espancador de mulheres no Brasil, Dado Dolabella. Mas não é suficiente.
Algumas feministas ligadas ao PCdoB declararam apoio à candidatura de Netinho. Mas eu considero difícil saber qual é a dele. Por exemplo, alguém me explica o que ele quis dizer na sua resposta à pergunta “O sr. defende a legalização do aborto?”. Ele respondeu: “Não. Para mim, o aborto é uma questão de saúde. Não consigo tratá-lo como uma questão religiosa. Sou batista. Meu segmento de igreja é totalmente contrário. Mas eu entendo diferente. Acho que todo mundo é contra o aborto. Existem circunstâncias que levam ao aborto, e ele tem que ser tratado como saúde pública”. Seu não era pra ter sido um sim?
Vejo três vantagens em se votar no Netinho: 1) ele é negro. Pra mim, isso é muito importante. Todas as minorias devem estar mais representadas no nosso órgão legislativo (e executivo. E judiciário). 2) Ele podia ter se filiado a qualquer partido, e foi a um que respeito, o PCdoB. Um partido de esquerda com um histórico de defesa das minorias. 3) Seria ótimo pra Dilma, que sem dúvida será eleita, só não sei se no primeiro ou segundo turno, ter um Senado (e um Congresso) com maioria governista. Fica bem mais fácil aprovar leis e projetos.
E vejo desvantagens em votar no Netinho. 1) Ele bateu em duas mulheres. Até concordo com o que disseram as feministas do PCdoB, que esse passado sombrio de Netinho fará com que ele seja cobrado na defesa das mulheres. Mesmo assim, não sei se ele está reabilitado. 2) Ele não parece ter sido um bom vereador. E não conheço suas ideias (mas isso pode ser falha minha, não dele). 3) Ele é evangélico. Desculpem o preconceito, mas tenho receio de qualquer candidato que promete colocar "Deus acima de tudo". Exijo um Estado laico!
Mas Netinho claramente não me parece pior que um Quércia (que saiu da disputa, ainda bem, e ia perder do mesmo jeito), ou (pra falar de outros estados) de um Tasso Jereissati, ou de um Collor, ou de um Demóstenes, ou de um Bornhausen. Eu não vou dizer a ninguém em quem votar. E nem posso dizer o que eu faria, já que não voto em SP. Netinho (e Marta) devem ganhar, pelo que dizem as pesquisas. Portanto, se o fato d'ele ter batido em mulheres falar mais alto, sugiro que votem num outro candidato de esquerda, do PSTU, por exemplo. Mas não votem na direita. Porque, lembrem-se, políticos não são seres individuais que caem do espaço e agem sozinhos. Eles devem seguir diretrizes de seus partidos. Partidos de esquerda sempre estão muito mais ligados às lutas das minorias que os de direita. Esse pessoal de direita que se diz revoltado com a provável eleição de Netinho nunca mexeu uma palha pra melhorar a situação das mulheres. Em geral, muito pelo contrário.
E, por favor, pra quem se sentir ultrajad@ com a minha opinião, entenda que nunca iremos concordar em 100% dos casos. E discordar de alguém não me faz uma monstra sanguinária defensora de estupradores e assassinos. Não me faz nem mesmo menos feminista.
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quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Debate: a esquerda na América Latina
Hoje, aí pelas 19 horas, ocorrerá, aqui na UFRN, um debate intitulado "Os Desafios da Esquerda na América Latina no contexto de crise do capital". Tratando do assunto estarão Valter Pomar (da direção do PT) e Sebastião Vargas (Professor do Departamento de História da UFRN). O local? Auditório B do CCHLA.
sexta-feira, 3 de julho de 2009
A melancolia da esquerda e o cinismo da direita
Transcrevo abaixo partes de um texto inicialmente publicado no El País. Se você freqënta este blog, e eu espero que faça isso com assiduidade (risos), sabe que eu sempre coloco aqui artigos ou reportagens do bom jornal espanhol. O texto está traduzido. E esta tarefa foi feita pelo Ex-Blog do César Maia. Créditos devidamente registrados, que tal ler uma análise interessante sobre as diferenças entre esquerda e direita? Claro, claro, o universo de referência é a Europa, mas, vá lá, dá para aproveitar algo para pensar a nossa realidade...
"O VÍCIO DA ESQUERDA É A MELANCOLIA. O VÍCIO DA DIREITA É O CINISMO"!
Trechos do artigo de Daniel Innerarity (professor de filosofia na U. Zaragoza), Ideias para a Esquerda. (El País, 28/06)
1. O vício da esquerda é a melancolia e o da direita é o cinismo. Em geral, a esquerda espera muito da política, mais que a direita. Exige à política resultados, não só liberdade, mas igualdade. A direita se contenta com a política manter as regras do jogo. É mais procedimental, e se dá por satisfeita que a política garanta marcos e possibilidades, pois o resultado concreto não é o mais importante. Claro que ambas aspiram defender a liberdade e a igualdade. Ninguém tem o monopólio dos valores, mas a ênfase de cada uma explica suas distintas culturas políticas.
2. A diferença radicaria em que a esquerda, na medida em que espera muito da política, também tem um maior potencial de decepção. Por isso, o vício da esquerda é a decepção e o da direita é o cinismo. A esquerda aprende em ciclos longos, e só consegue se recuperar através de certa revisão doutrinária. A direita tem mais incorporada a flexibilidade, e é menos doutrinária, mais eclética, incorporando com maior agilidade elementos de outras tradições políticas.
3. Por isso, a esquerda só pode ganhar se há um clima no qual as ideias joguem um papel importante e há um alto nível de exigências que se dirijam à política. Quando isso falta, quando não há ideias em geral e as aspirações da cidadania em relação à política são planas, a direita é a preferida dos eleitores. A esquerda deveria politizar, frente a uma direita, que isso não interessa.
4. A direita vitoriosa na Europa é uma direita que promove direta ou indiretamente a despolitização e se move melhor com outros valores (eficácia, ordem, flexibilidade, saber técnico...). O que a esquerda deveria fazer é lutar em todos os níveis para recuperar a centralidade política. Hoje, o verdadeiro combate se dá em um campo de jogo que está dividido: os que desejam que o mundo tenha um formato político e outros que não lhes importaria que a política resultasse insignificante.
5. Por isso, a defesa da política é a tarefa fundamental da esquerda. A direita está comodamente instalada na política reduzida a sua mínima expressão. Para a esquerda, que o espaço público tenha qualidade democrática, é um assunto crucial, onde joga sua própria sobrevivência. A atual socialdemocracia europeia não tem nem ideias nem projetos, ou os tem em medida claramente insuficiente.
"O VÍCIO DA ESQUERDA É A MELANCOLIA. O VÍCIO DA DIREITA É O CINISMO"!
Trechos do artigo de Daniel Innerarity (professor de filosofia na U. Zaragoza), Ideias para a Esquerda. (El País, 28/06)
1. O vício da esquerda é a melancolia e o da direita é o cinismo. Em geral, a esquerda espera muito da política, mais que a direita. Exige à política resultados, não só liberdade, mas igualdade. A direita se contenta com a política manter as regras do jogo. É mais procedimental, e se dá por satisfeita que a política garanta marcos e possibilidades, pois o resultado concreto não é o mais importante. Claro que ambas aspiram defender a liberdade e a igualdade. Ninguém tem o monopólio dos valores, mas a ênfase de cada uma explica suas distintas culturas políticas.
2. A diferença radicaria em que a esquerda, na medida em que espera muito da política, também tem um maior potencial de decepção. Por isso, o vício da esquerda é a decepção e o da direita é o cinismo. A esquerda aprende em ciclos longos, e só consegue se recuperar através de certa revisão doutrinária. A direita tem mais incorporada a flexibilidade, e é menos doutrinária, mais eclética, incorporando com maior agilidade elementos de outras tradições políticas.
3. Por isso, a esquerda só pode ganhar se há um clima no qual as ideias joguem um papel importante e há um alto nível de exigências que se dirijam à política. Quando isso falta, quando não há ideias em geral e as aspirações da cidadania em relação à política são planas, a direita é a preferida dos eleitores. A esquerda deveria politizar, frente a uma direita, que isso não interessa.
4. A direita vitoriosa na Europa é uma direita que promove direta ou indiretamente a despolitização e se move melhor com outros valores (eficácia, ordem, flexibilidade, saber técnico...). O que a esquerda deveria fazer é lutar em todos os níveis para recuperar a centralidade política. Hoje, o verdadeiro combate se dá em um campo de jogo que está dividido: os que desejam que o mundo tenha um formato político e outros que não lhes importaria que a política resultasse insignificante.
5. Por isso, a defesa da política é a tarefa fundamental da esquerda. A direita está comodamente instalada na política reduzida a sua mínima expressão. Para a esquerda, que o espaço público tenha qualidade democrática, é um assunto crucial, onde joga sua própria sobrevivência. A atual socialdemocracia europeia não tem nem ideias nem projetos, ou os tem em medida claramente insuficiente.
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quinta-feira, 21 de agosto de 2008
Aperfeiçoe o seu inglês
Melhore o seu domínio do inglês, assitindo uma boa TV na internet. A GRITtv, ligada ao The Nation, uma publicação norte-americana de esquerda, é uma boa opção. Assista, abaixo, um dos programas da TV.
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