quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Diplomacia brasileira reverte potencial desastre

Em diversas oportunidades tenho criticado, neste espaço, a recepção brasileira ao contestado presidente iraniano. Afirmei, dentre outras coisas, que essa bola fora poderia atingir todo o projeto político do Governo Lula. Nestes dias, com a recepção de representantes de Israel e da Autoridade Palestina, a diplomacia brasileira consegue reverter, em parte, a erosão de capital político provocada pela recepção oficial de uma figura tenebrosa, que, dentre outras coisas, quer varrar do mapa o Estado de Israel. Leia abaixo a análise de Alon Feuerwerker.

Um gol do Itamaraty (12/11)
Não é razoável que o Lula fique excessivamente identificado com Mahmoud Ahmadinejad. Daí a bola dentro com essa agenda multicor


A diplomacia brasileira marcou um gol de placa ao conseguir programar na mesma época as visitas aqui dos presidentes de Israel, do Irã e da Autoridade Palestina. Para um país que busca cadeira permanente do Conselho de Segurança da ONU, é demonstração de densidade diplomática no mais alto nível.

A projeção da força do Brasil nos assuntos internacionais tem sido quase uma obsessão do presidente da República. É um bom projeto, que busca corrigir a óbvia assimetria entre o que somos de fato e nossa influência, ainda relativamente reduzida. Quando executado com profissionalismo, merece aplauso e alcança resultado.

Mas, o que é “profissionalismo”? Em primeiro lugar, compreender que papel internacional não é o direito irrestrito de se meter na vida dos outros e ditar regras ao alheio. Em Honduras, colhemos infelizmente os frutos de uma ação atrapalhada, que no começo se baseou em inteligência precária e depois evoluiu para a irrelevância.

Já a agenda levantina está montada com base nas melhores tradições do Itamaraty. O Brasil não é parte diretamente envolvida nos conflitos do Oriente Médio, defende o direito de todos os povos locais à autodeterminação em seu Estado nacional próprio e pode servir como ponte para diálogo entre países que hoje são inimigos. Tampouco temos contencioso com o Irã.

Mais: o Brasil não tem qualquer interesse em que o conflito ali seja transplantado para a América do Sul. Se acontecer, será uma derrota na construção da unidade continental, peça central do projeto nacional brasileiro. Como mostram os acontecimentos recentes entre Venezuela e Colômbia, cada rachadura no bloco é uma nova oportunidade para países de fora virem meter o bedelho.

A agenda de visitas destes dias também é competente para tirar Luiz Inácio Lula da Silva de uma arapuca.

O Brasil deseja estreitar os laços com o Irã, o que é visto com simpatia na Casa Branca. Esse movimento disputa espaço com a aliança entre Teerã e Caracas. E coloca o Brasil como interlocutor legítimo no debate sobre as reais intenções de Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad ao aproximarem seus dois países.

O projeto da atual cúpula iraniana — cada vez mais contestada internamente — é conhecido: levantar a bandeira da eliminação de Israel como estado judeu, fazendo desse objetivo um vetor de ampliação da influência regional. Para reforçar seus argumentos, Teerã cuida também, com carinho, de desenvolver tecnologia nuclear própria. O Irã afirma que ela será usada para fins pacíficos, mas é razoável haver dúvidas.

Será péssimo para nós se a aliança entre Chávez e Ahmadinejad evoluir para algum tipo de nuclearização da América do Sul. Uma corrida bélica regional nesses moldes seria o túmulo do nosso projeto de liderança. Que sirva de alerta o que aconteceu em Honduras, quando caímos na irrelevância e vimos a reinstalação — sob aplausos gerais — do diktat americano.

Então, é razoável que o Brasil adote uma política ativa diante da Venezuela, integrando-a no Mercosul, e do Irã. Não é razoável, porém, que Lula fique excessivamente identificado com Ahmadinejad. Daí o gol marcado pelo Itamaraty com essa agenda multicor.

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