terça-feira, 24 de novembro de 2009

Os desafios do Oriente Médio

Transcrevo abaixo análise do jornalista Alon Feuerwerker. Identifico-me com esse posicionamento.

O cerne da questão (24/11)
Alon Feuerwerker

Certas horas, o debate sobre o Oriente Médio envereda pela busca da “fórmula ideal” para a paz, não sem antes se deter exaustivamente na procura pelos “verdadeiros culpados”. Tempo desperdiçado.

Um trecho da fala de Luiz Inácio Lula da Silva ontem em seu programa semanal de rádio Café com o presidente merece ser olhado com muita atenção. Diz Lula: “Por exemplo: você tem, dentro da Palestina, a Autoridade Palestina, que quer a paz. Mas você tem o Hamas, que não quer a paz. Então, é preciso que, primeiro, tenha um acordo interno dentro da Palestina para saber se eles são capazes de produzir uma proposta única de paz que atenda os interesses de vários grupos.”

Lula (que ontem recebeu em Brasília o presidente do Irã) tocou no cerne do problema. Na mesma entrevista, o presidente também se refere a divergências internas em Israel, mas está implícita a diferença. Israel tem um governo, com autoridade sobre o país. A Palestina tem dois, rivais. Em Gaza manda o Hamas; na Cisjordânia, a Fatah (Autoridade Palestina). O senso comum diria que quando Irã e Síria armam o Hamas ajudam o partido islâmico a combater Israel. Talvez o senso comum esteja errado: as armas de Teerã e Damasco nas mãos do Hamas têm como alvo principal a Fatah, e não Israel.

As nações alcançam sua independência quando preenchem certos requisitos. Um deles é existir o núcleo dirigente hegemônico, capaz inclusive de reprimir eventuais dissidências. Por essa razão, talvez nunca os palestinos estiveram tão distantes como agora da autodeterminação. É mais fácil hoje em dia surgirem duas Palestinas do que uma só. Ou alguém enxerga no horizonte a possibilidade de dar certo um único país onde Hamas e Fatah coabitem democraticamente, inclusive alternando-se no poder? Só se for um país tutelado de fora.

A falta de uma hegemonia clara ali decorre, também, da falta de clareza sobre o projeto nacional. A base da disputa é a ambição de cada grupo pelo poder. Mas como é preciso ter discurso, há dois bem demarcados. A Fatah é uma organização historicamente (no período recente) propensa a aceitar, como dado permanente, um Estado judeu num pedaço do território que vai do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Já o Hamas é contra. O partido islâmico chegou a propor uma “trégua de longa duração” com Israel, mas não renuncia ao objetivo de riscar o vizinho do mapa.

Daí a dificuldade de um acordo. Certas horas, o debate sobre o Oriente Médio envereda pela busca da “fórmula ideal” para a pacificação, não sem antes se deter exaustivamente na procura pelos “verdadeiros culpados”. Tempo desperdiçado. Se um dia houver paz estável ali, ela nascerá não da mente genial de alguém que decifrou a quadratura do círculo, ou de uma conclusão definitiva sobre quem possui a superioridade moral, mas de ter surgido a solução política.

Infelizmente porém, as soluções políticas são como a vida: não se consegue produzi-las a partir do zero em laboratório. Elas costumam surgir é da relação de forças nascida da luta (política), entendida amplamente — o que inclui a guerra. Qual é a situação de fato no Oriente Médio? Nenhum dos dois lados está 100% convencido de que a continuação do uso da força é prejudicial a seus objetivos nacionais. E enquanto permanecer esse “equilíbrio da convicção na via bélica” pouco adiantarão os apelos piedosos pela paz.

Quando recusou em 2000 a proposta feita por Bill Clinton e Ehud Barak em Camp David, Yasser Arafat mostrou que já não detinha as condições ideais para aceitar sacrifícios em nome de todo o povo palestino. Se endossasse ali algum tipo de compromisso em torno de Jerusalém ou do direito de retorno ao atual território israelense de todos os descendentes do êxodo (forçado ou voluntário) de 1948-49, possivelmente desencadearia uma guerra civil. Certamente teria apoio externo para esmagar o Hamas e correlatos, mas preferiu não seguir por esse caminho, talvez por imaginar que poderia obter mais na mesa de negociações se começasse uma nova Intifada.

Engenharia de obra feita é sempre fácil, mas vista retrospectivamente a decisão de Arafat em Camp David não legou a seu povo uma situação mais favorável. Ao contrário. Aliás, a história das escolhas árabe-palestinas de um século para cá não é propriamente uma parada de sucessos. Apoiaram o Império Otomano contra os ingleses na Primeira Guerra Mundial. Apoiaram a Alemanha nazista na Segunda. Alinharam-se com a União Soviética na Guerra Fria. E Arafat apoiou Saddam Hussein quando este anexou o Kuait.

Não se discute aqui se foram escolhas “certas” ou “erradas”, de um ângulo programático, ou moral. Ou se decorreram de uma posição anticolonial ou anti-imperialista. O fato é que adotaram os lados perdedores em todos os momentos cruciais. E essa circunstância tem mais a ver com a atual situação do projeto nacional palestino do que pode parecer ao observador eventual.

Será diferente desta vez?

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