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sexta-feira, 19 de março de 2010

Lula em Israel II

O saldo foi positivo, apesar de algumas derrapadas. Como diria aquele grande pensador brasileiro: "faz parte!". Veja o porquê na análise sempre arguta do jornalista Alon Feuerwerker.

No frigir dos ovos
Alon Feuerwerker


Lula fez o que os antecessores não tinham feito: uma visita oficial ao país nascido do movimento sionista. Viajou para lá, discursou no Parlamento — onde foi aplaudido — e homenageou as vítimas do Holocausto

Qual é o saldo da visita de Luiz Inácio Lula da Silva ao Oriente Médio? O presidente vinha de derrota em Honduras e estava enredado numa situação inexplicável ao tratar os direitos humanos em Cuba. Mas desta vez Lula conseguiu colher o principal objetivo político: um alvará informal de interlocutor com o Irã e de jogador global na pendência entre Israel e os palestinos. Na política, como no futebol, é sempre um jogo depois do outro.

Houve ainda avanços comerciais, que também são políticos. Os gestos na diplomacia têm importância, mas o lugar principal é dos fatos. Israel ser um bom aliado dos Estados Unidos faz o PT e a esquerda torcerem o nariz ao sionismo como movimento de emancipação nacional. É portanto digno de registro que as relações entre Israel e o Mercosul tenham se consolidado exatamente sob a batuta de Lula.

Serve de contrapeso à absorção da Venezuela no bloco, dirá o cético. Infelizmente, ainda não se descobriu — de um lado e de outro — como fazer omelete sem tirar os ovos da casca.

Mais um fato: Lula foi o primeiro presidente brasileiro a colocar os pés em Israel. Houve agora ali alguma turbulência e cotoveladas, quando ele recusou homenagear o fundador do moderno nacionalismo judaico, Theodor Herzl, enquanto aceitava reverenciar Yasser Arafat.

Que importância tem isso? Pouca. A História doravante vai registrar que Lula foi o primeiro presidente do Brasil a visitar oficialmente o país nascido do movimento sionista. Viajou para lá, discursou no Knesset (Parlamento) — onde foi aplaudido — e homenageou as vítimas do Holocausto.

O movimento de Lula no tabuleiro levantino só poderá ser avaliado após os resultados. É acaciano? Talvez. Se as potências não precisarem chegar à guerra para bloquear a emergência de um Irã nuclear, Lula vai estar nos livros de História como visionário, enquanto os críticos dele precisarão espremer-se nos rodapés desse episódio. Caso contrário, nosso presidente ficará nos anais como derrotado, um Neville Chamberlain de segunda linha.

A não ser que, repetindo Getúlio Vargas na Segunda Guerra Mundial, dê um jeito de estar do lado vencedor, qualquer que seja, na hora “h”.

Subestimar Lula tem-se revelado esporte de alto risco. Melhor então acompanhar o desenvolvimento da trama. E não se apressar nos palpites.

Além da assimetria no tratamento aos ícones nacionais, outro detalhe polêmico da visita foi o conteúdo da fala presidencial. Lula deu opinião sobre tudo, desde o muro que separa Israel da Cisjordânia até a luta interna dos palestinos, passando pela questão nuclear. Palpitou inclusive sobre as relações entre Israel e os Estados Unidos.

Não deixa de ser comportamento curioso à luz da “estrita observância do princípio da não ingerência”, que justifica, por exemplo, o silêncio e o imobilismo sepulcrais das nossas autoridades diante das violações de direitos humanos cometidas por governos amigos. Mas aí deve estar valendo o critério “anti-imperialista”. Deu sorte de entrar na categoria? Então meta ficha, que nem Lula nem nossa chancelaria vão dizer nada.

Ainda sobre discursos, o Itamaraty parece considerar positivo um eventual estremecimento dos Estados Unidos com Israel. Também aqui as coisas precisariam ser olhadas com cuidado e noção de timing. Líder de um governo fortemente nacionalista, Benjamin Netanyahu vem nas semanas recentes abrindo involuntariamente espaço para Barack Obama aparecer aos olhos do mundo árabe como alguém que “enfrenta Israel”.

No frigir dos ovos, americanos e israelenses são e serão aliados estratégicos. E os últimos desencontros engordam a conta de Obama com um capital político indispensável para impor a “pax americana” na região. Impor inclusive ao Irã. E talvez com a ajuda do Brasil.


Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta sexta (19) no Correio Braziliense.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Lula no Haaretz

O Haaretz é, de longe, um dos melhores jornais que você pode ler na internet. Sempre que tenho um tempinho, procuro lê-lo. O jornal israelense e o espanho EL PAÍS são boas opções informativas. O inconveniente, para muitos, é de que ele publicado em inglês. Mas não desanime, faça um esforço e leia-o. Na sua edição de hoje, para desespero da Nova Direita brasileira (que ficou histérica com o fato), há uma grande matéria com o Presidente Lula. Transcrevo-a abaixo.


Brazil leader talks Mideast peace, how to be friends with both Israel and Iran
By Adar Primor
Tags: Israel news
In exclusive interview, Luiz Inacio Lula da Silva tells Haaretz it's time for more serious Israel-Palestinian talks.

SAO PAULO, Brazil - President Lula of Brazil, who in October will conclude his second term in office (and his last permitted by the state's constitution), is the most popular head of state in the country's history. His popularity rating stands at about 80 percent, and the universal consensus is that it's simply impossible not to like him. Even Brazilians who did not vote for him find him likable.

The reason becomes clear when Luiz Inacio Lula da Silva - his full name, which no one uses - enters the room. He smiles in all directions. In addition to the two Israeli journalists present, the third guest is a reporter for ANBA news agency, run by the Arab Brazilian Chamber of Commerce. Impartiality is the name of the game. Lula, as he is universally known, has to be loved by all. His visit to the Middle East next week will begin in Israel but will also take him to the Palestinian Authority and Jordan. And now he has a problem: Who will get to ask the first question? He decides to solve this by having us shoot for evens or odds. Amusing himself, he does this four times; only after the result is overwhelmingly clear does he declare the winner: Haaretz.

Lula was one of the first leaders to host President Mahmoud Ahmadinejad after Iran's blood-stained election of June 2009. Brazil was also one of only five countries to abstain from an International Atomic Energy Agency vote last November on a condemnation of Iran.
He is set to visit the Islamic Republic in May, where his hosts will repay him in kind for the red carpet he laid out for them in Brasilia last November. When asked how he'll be able to win over the Israelis, whose vantage point is related to the trauma of the Holocaust, Lula replies: "I spoke with the president of Iran and made it clear to him that he cannot go on saying that he wants Israel's liquidation, just as it is untenable for him to deny the Holocaust, which is a legacy of all humanity. I added that the fact that he has differences with Israel does not allow him to deny or ignore history."

In a way that will undoubtedly disturb those who will host him in Israel next week, Lula draws a direct association between the failure to advance Israeli-Palestinian peace and his planned visit to Tehran; between the need to ensure that Iran will not manufacture nuclear weapons and the need to resolve the Middle East conflict; and between the failed attempts at mediation led by international players, first and foremost the United States, and the need to bring in fresh new players - Brazilians, in all likelihood.

"I talked about Iran with many leaders, and particularly with those whose countries have a seat on the Security Council," he explains. "The Americans, the French, the British, the Russians and the Chinese all want to advance the Middle East peace process. But I also feel that the parties to the conflict and the people involved in the process have long since grown tired of it. So, the time has come to bring into the arena players who will be able to put forward new ideas. Those players must have access to all levels of the conflict: in Israel, in Palestine, in Iran, in Syria, in Jordan and in many other countries that are associated with this conflict. This is the only way we will be able to advance Israeli-Palestinian peace, and at the same time be able to say clearly to Iran that we are against the manufacture of nuclear weapons."

'People have to look at each other'

Lula does not overlook any of the elements in this comprehensive linkage when asked about the fact that Israeli patience regarding Iran seems to have worn thin. "The leaders I spoke to believe that we must act quickly, otherwise Israel will attack Iran. I do not want Israel to attack Iran, just as I do not want Iran to attack Israel. In an orderly world, people have to learn to talk to one another." Here he seems to be alluding critically to the "proximity talks" about to get underway between Israel and the Palestinian Authority.

"The appropriate partners from each country have to be found, and more serious talks conducted," he continues. "The importance of talks between third- and fourth-rank officials [does not hold] even 1 percent of the importance of tete-a-tete talks between leaders. Politics is mainly contact. People have to look at each other, sense each other. A leader has to look into the eyes of his interlocutor instead of communicating with him through lower-level individuals.

" The Brazilian president says he is disappointed that all that remains of the Oslo Accords is "Nobel Prizes and photographs of people hugging each other," as well as the fact that the Annapolis conference of November 2007, in which Brazil participated, did not have any follow-up. "This gives me serious doubts: Who really wants peace in the Middle East? Who has an interest in achieving a solution and who would like the conflict to continue? The impression is that someone is constantly working here as though he has hidden enemies, people who simply do not want an agreement to be reached."

Lula describes himself as a negotiator, not an ideologue, a person who manages to get along with both Hugo Chavez and George W. Bush, with Shimon Peres and Mahmoud Ahmadinejad. He says he has never read a book in his life, even though everyone admires his "supreme wisdom" and "creative mind." As a chairman of the workers union during the years of military rule in Brazil, he encountered and resolved many difficult conflicts.

"I was born into the politics of dialogue, I became president of this country through dialogue and I have conducted my entire presidency by means of dialogue. I believe that through dialogue we will succeed in solving all the conflicts which today appear to be unsolvable," he says.

He is well aware that he will be regarded as "naive" by his Israeli interlocutors. He is also familiar with the counter-rhetoric of Prime Minister Benjamin Netanyahu - who likens Ahmadinejad to Hitler, Iran to the Nazi regime and the world of 2010 to that of 1938. Lula's assertive response is likely to surprise even those familiar with his arguments: "Anyone who compares Ahmadinejad and modern-day Iran to Hitler and the Nazis is having the same kind of radicalism of which Iran is being accused. Anyone who takes that line is not contributing in the least to the peace process which we want to create for the sake of the future. You cannot do politics with hate and resentment. Anyone who wants to do politics with hate and resentment should get out of politics. Nobody can rule a country through the liver. You have to rule a country with your head and your heart. Other than that, it's best to stay somewhere else other than in politics."

Lula wears a blue suit with a Brazilian flag pinned to its lapel. After each question he takes out a small pair of glasses, places them on the edge of his nose and jots down a few points. He has a particularly husky bass voice; when he whispers, every syllable can still be heard in the big hall.

"My personal thesis is that we must not allow what happened in Iraq to happen in Iran," he says. "Accordingly, before sanctions of any kind are imposed, we must make every effort to rebuild the peace in the Middle East. That is what is behind my visit to Israel, Palestine and Jordan - and that is what will also take me on a visit to Iran later. After all, the Middle East conflict is not bilateral and does not pertain only to Israel and Palestine. There are other interests in the Middle East, interests which must be represented so that we can find a solution. Iran is part of all this, and therefore someone must talk to them."

Harmony in diversity

The atmosphere in Sao Paulo's Albert Einstein Hospital is somewhat despondent. Built in the mid-1970s, this vast medical institution, which dominates a hill in the prestigious Morumbi district, is considered the largest and most advanced medical center - not only in Brazil but in all of Latin America. The city's Jewish community (80,000 strong, out of 120,000 in the entire country) regards the hospital as its flagship. The institution operates on a nonprofit basis and its every fiber bespeaks giving: Giving to the country that absorbed the members of the community, and giving above all to its downtrodden, many of whom live just a stone's throw from the luxurious villas of Morumbi.

About 80,000 people live in the Paraisopolis favela (shantytown), one of about 500 favelas within a 10-kilometer radius of the hospital. The garbage is piled up on both sides of the streets, the homes are crumbling and sewage flows openly in the streets. Four hundred volunteers from the hospital are working to transform Paraisopolis into a place that will better fit the meaning of its name ("city of paradise"). Hospital staff recently opened a clinic here, and there is an old-age home, enrichment and learning groups, a library, sports facilities and an auditorium. The volunteers distribute condoms and give advice to pregnant girls. There's a colorful cardboard box into which people are asked "to throw all the curse words" they customarily utter every day.

In November 2009, the Jewish community was in an uproar when Lula deliberately chose not to invite its president, Claudio Lottenberg, to a luncheon in honor of a visiting President Shimon Peres. The reason: an article by Lottenberg attacking Lula that had been published in Brazil's largest newspaper, Folha de Sao Paulo.

Now, on the eve of Lula's visit to Israel, the community is playing down the incident. Lottenberg himself says he has "very close relations" with the president. "He makes a point of visiting the community every year on Holocaust Day and on Rosh Hashanah. All told, we have held 22 cordial meetings with him." Lottenberg adds that "Lula is an important rising player in the international arena, and Israel should take account of this. It is important for Israel to have partners and allies besides the United States."

In separate conversations, Brazil's ambassador to Israel, Pedro Motta Pinto Coelho, and his Israeli counterpart in Brasilia, Giora Becher, note that since Emperor Dom Pedro II visited in 1876, no Brazilian head of state has been to the Holy Land. Lula will be the first president to visit. The ambassadors note the "significant improvement" in economic and political relations between the two countries during Lula's term in office, demonstrated by increased cooperation and many visits on the part of high-ranking officials from both sides.

Lula's ambition to make a deep imprint in the Middle East goes beyond his country's international status, to what he describes proudly as "a long Brazilian history of peace and a life of brotherhood in a region of diverse cultures. More than 120,000 Jews live here in full harmony with 10 million Arabs. It would seem that people can learn from us." Brazil terms itself "the world's largest Lebanese country" (some six million of Brazil's Arabs are of Lebanese origin), "the second-largest African country in the world" (after Nigeria), and also the second-largest Italian and Japanese countries. It is a huge blend of peoples and cultures that do not know the meaning of friction.

Message of unity

You'd be hard-pressed to find someone in Rio de Janeiro who hasn't heard of Saara Street, where Jews and Arabs sell clothing, toys and other items side by side. Whenever tension in the Middle East rises, local television crews show up to film the Brazilian version of coexistence. "All Brazilians are brothers," they say - hence their ability, in their view, to bring brotherhood to all other nations.

These days, local TV stations are broadcasting a commercial produced by Bank Itau, which sponsors the Brazilian national soccer team. The camera zooms in on a bustling market, obviously in the Old City of Jerusalem. A 7- or 8-year-old boy is dribbling a soccer ball. He has sidelocks. He dribbles and dribbles until he loses control of the ball, which hits a sack of corn belonging to Arabs and knocks it over. Standing next to the fallen sack is a another boy. An Arab, of course. He looks at the Jew. Everyone falls silent. The viewers are tense, waiting for war to break out. But then the two boys discover they are both wearing the yellow T-shirt of the Brazilian national team. The Arab boy picks up the ball, bounces it and gives it back to the Jewish kid. Then they pass it back and forth. The slogan flashes on the screen: "Itau - uniting cultures through soccer." Cut.

It's the beginning of a beautiful friendship. The same friendship that Lula wants to bring with him on his visit. The same message, naive or not, that he wants to imbue in the conflicted nations.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Os desafios do Oriente Médio

Transcrevo abaixo análise do jornalista Alon Feuerwerker. Identifico-me com esse posicionamento.

O cerne da questão (24/11)
Alon Feuerwerker

Certas horas, o debate sobre o Oriente Médio envereda pela busca da “fórmula ideal” para a paz, não sem antes se deter exaustivamente na procura pelos “verdadeiros culpados”. Tempo desperdiçado.

Um trecho da fala de Luiz Inácio Lula da Silva ontem em seu programa semanal de rádio Café com o presidente merece ser olhado com muita atenção. Diz Lula: “Por exemplo: você tem, dentro da Palestina, a Autoridade Palestina, que quer a paz. Mas você tem o Hamas, que não quer a paz. Então, é preciso que, primeiro, tenha um acordo interno dentro da Palestina para saber se eles são capazes de produzir uma proposta única de paz que atenda os interesses de vários grupos.”

Lula (que ontem recebeu em Brasília o presidente do Irã) tocou no cerne do problema. Na mesma entrevista, o presidente também se refere a divergências internas em Israel, mas está implícita a diferença. Israel tem um governo, com autoridade sobre o país. A Palestina tem dois, rivais. Em Gaza manda o Hamas; na Cisjordânia, a Fatah (Autoridade Palestina). O senso comum diria que quando Irã e Síria armam o Hamas ajudam o partido islâmico a combater Israel. Talvez o senso comum esteja errado: as armas de Teerã e Damasco nas mãos do Hamas têm como alvo principal a Fatah, e não Israel.

As nações alcançam sua independência quando preenchem certos requisitos. Um deles é existir o núcleo dirigente hegemônico, capaz inclusive de reprimir eventuais dissidências. Por essa razão, talvez nunca os palestinos estiveram tão distantes como agora da autodeterminação. É mais fácil hoje em dia surgirem duas Palestinas do que uma só. Ou alguém enxerga no horizonte a possibilidade de dar certo um único país onde Hamas e Fatah coabitem democraticamente, inclusive alternando-se no poder? Só se for um país tutelado de fora.

A falta de uma hegemonia clara ali decorre, também, da falta de clareza sobre o projeto nacional. A base da disputa é a ambição de cada grupo pelo poder. Mas como é preciso ter discurso, há dois bem demarcados. A Fatah é uma organização historicamente (no período recente) propensa a aceitar, como dado permanente, um Estado judeu num pedaço do território que vai do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Já o Hamas é contra. O partido islâmico chegou a propor uma “trégua de longa duração” com Israel, mas não renuncia ao objetivo de riscar o vizinho do mapa.

Daí a dificuldade de um acordo. Certas horas, o debate sobre o Oriente Médio envereda pela busca da “fórmula ideal” para a pacificação, não sem antes se deter exaustivamente na procura pelos “verdadeiros culpados”. Tempo desperdiçado. Se um dia houver paz estável ali, ela nascerá não da mente genial de alguém que decifrou a quadratura do círculo, ou de uma conclusão definitiva sobre quem possui a superioridade moral, mas de ter surgido a solução política.

Infelizmente porém, as soluções políticas são como a vida: não se consegue produzi-las a partir do zero em laboratório. Elas costumam surgir é da relação de forças nascida da luta (política), entendida amplamente — o que inclui a guerra. Qual é a situação de fato no Oriente Médio? Nenhum dos dois lados está 100% convencido de que a continuação do uso da força é prejudicial a seus objetivos nacionais. E enquanto permanecer esse “equilíbrio da convicção na via bélica” pouco adiantarão os apelos piedosos pela paz.

Quando recusou em 2000 a proposta feita por Bill Clinton e Ehud Barak em Camp David, Yasser Arafat mostrou que já não detinha as condições ideais para aceitar sacrifícios em nome de todo o povo palestino. Se endossasse ali algum tipo de compromisso em torno de Jerusalém ou do direito de retorno ao atual território israelense de todos os descendentes do êxodo (forçado ou voluntário) de 1948-49, possivelmente desencadearia uma guerra civil. Certamente teria apoio externo para esmagar o Hamas e correlatos, mas preferiu não seguir por esse caminho, talvez por imaginar que poderia obter mais na mesa de negociações se começasse uma nova Intifada.

Engenharia de obra feita é sempre fácil, mas vista retrospectivamente a decisão de Arafat em Camp David não legou a seu povo uma situação mais favorável. Ao contrário. Aliás, a história das escolhas árabe-palestinas de um século para cá não é propriamente uma parada de sucessos. Apoiaram o Império Otomano contra os ingleses na Primeira Guerra Mundial. Apoiaram a Alemanha nazista na Segunda. Alinharam-se com a União Soviética na Guerra Fria. E Arafat apoiou Saddam Hussein quando este anexou o Kuait.

Não se discute aqui se foram escolhas “certas” ou “erradas”, de um ângulo programático, ou moral. Ou se decorreram de uma posição anticolonial ou anti-imperialista. O fato é que adotaram os lados perdedores em todos os momentos cruciais. E essa circunstância tem mais a ver com a atual situação do projeto nacional palestino do que pode parecer ao observador eventual.

Será diferente desta vez?

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Uma visita incômoda

Ao que tudo indica está confirmada a visita do Presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ao Brasil em fins de novembro. Digo tudo indica porque já se anunciou antes a vinda desse, digamos, indesejável visitante.

O Governo Lula vai indo bem. Qual o sentido de se comprometer fazendo salamaleques para uma figura como o presidente iraniano, profundamente identificado com o fundamentalismo islâmico e marcado por desastradas afirmações anti-semitas? Será apenas a expressão da eterna capacidade dos petistas em, quando tudo parece caminhar, fazerem alguma patuscada para entornar o caldo?

Começo a duvidar que se trate de algo mais sério. Ora, o Governo Lula, ao menos até agora, tem acenado com indisfarçável simpatia para os inimigos de Israel. E o próprio presidente, que tantas viagens internacionais fez, quantas vezes visitou Israel? Por favor, lembrem-me...

Há ainda que se pesar a complacência do governo brasileiro em relação à perigosa aproximação de Hugo Chaves com o Irã. Chaves que, é bom não esquecer, há algum tempo expulsou religiosos judeus da Venezuela.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Aqui, pau puro; lá fora, reconhecimento...

Aqui, por aqui entenda-se mídia nativa, a diplomacia brasileira e o chanceler Celso Amorim são alvos de uma campanha de desqualificação. Exemplar desse comportamento foi a capa da edição da revista Veja publicada na semana passada. Uma baixaria sem tamanho... Bueno, mas, lá fora, só há espaço para o reconhecimento da atuação propositiva do Ministério das Relações Exteriores sob o Governo Lula. A matéria abaixo, publicada em prestigiosa revista dedicada às relações internacionais, indica bem o tipo de abordagem predominante na imprensa mundial a respeito da atuação brasileira. Por essas e outras, diariamente, leio EL País, Haaretz e Le Monde. Se ficar somente com a Folha, Veja e similares, você só vai ter mesmo é ânsia de vômito.



Foreign Policy: Amorim, “o melhor chanceler do mundo”

Fonte VIOMUNDO

David Rothkofp, no blog da revista Foreign Policy

Esse pode ter sido o melhor mês do Brasil desde cerca de junho de 1494. Foi quando o Tratado de Tordesilhas foi assinado, dando a Portugal tudo no mundo a leste de uma linha imaginária que foi declarada existir 379 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. Isso garantiu que o que viria a se tornar Brasil seria português e, portanto, desenvolveria uma cultura e identidade diferentes do resto da América Latina hispânica. Isso garantiu que o mundo teria samba, churrasco, Garota de Ipanema e, através de uma incrível e tortuosa corrente de eventos, a Gisele Bundchen.
Embora o Brasil tenha levado algum tempo dando razão à máxima de que “é o país do futuro e sempre será”, há poucas dúvidas de que o amanhã chegou para o país, ainda que muito tenha de ser feito para superar sérios desafios sociais e aproveitar o extraordinário potencial econômico do país.

A prova de que algo novo e importante está acontecendo no Brasil começou alguns anos atrás, quando o presidente [Fernando Henrique] Cardoso gerenciou uma mudança para a ortodoxia econômica que estabilizou o país-vítima de ciclos de crescimento e crise e inflação de tirar do sério. Ganhou força, no entanto, durante o extraordinário governo do atual presidente, Luis Inacio “Lula” da Silva.

Algum desse impulso se deve ao compromisso de Lula de preservar as fundações econômicas assentadas por Cardoso, uma decisão política corajosa para um líder sindical de oposição do Partido dos Trabalhadores. Parte do impulso se deve a sorte, uma mudança do paradigma energético que ajudou o investimento de 30 anos do Brasil em biocombustíveis dar retorno importante, as descobertas maciças de petróleo na costa do Brasil e a crescente demanda da Ásia que permitiu ao Brasil se tornar o líder exportador da agricultura mundial, assumindo o papel de “celeiro da Ásia”. Mas muito do impulso se deve à grande capacidade dos líderes brasileiros de aproveitar o momento que muitos dos predecessores provavelmente teriam perdido.
Desses líderes, muito do crédito vai para o presidente Lula, que se tornou uma espécie de estrela de rock na cena internacional, juntando a energia, a disposição, o carisma, a intuição e o senso comum tão eficazmente que a falta de educação formal não se tornou empecilho. Algum crédito vai para outros membros de sua equipe, como a chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, a ex-ministra da Energia que se tornou uma ministra dura e possível sucessora de Lula. Mas eu acredito que uma grande parte do crédito deve ir para Celso Amorim, que planejou a transformação do papel mundial do Brasil de forma sem precedentes na história moderna. Ele é o ministro das Relações Exteriores de Lula desde 2003 (também serviu nos anos 90), mas penso que se pode argumentar que é atualmente o chanceler mais bem sucedido do mundo.

É impossível apontar um único momento de mudança nas tentativas de Amorim de transformar o Brasil de um poder regional com influência int ernacional duvidosa em um dos países mais importantes no mundo, reconhecido por consenso global para jogar um papel de liderança sem precedentes.
Pode ter sido quando ele teve um papel central na engenharia do “empurrão” dado pelos países emergentes contra o “poder-de-sempre” dos Estados Unidos e da Europa durante as negociações comerciais de Cancun em 2003.
Pode ter sido o jeito que o Brasil adotou para usar questões como a dos biocombustíveis para forjar novos diálogos e influência, com os Estados Unidos ou com outros poderes emergentes.

Com certeza envolveu a decisão de Amorim de abraçar a idéia de transformar os BRICs de uma sigla em uma importante colaboração geopolítica, trabalhando com seus colegas da Rússia, da Índia e da China para institucionalizar o diálogo entre os países e coordenar sua mensagens. (Dos BRICs quem se deu melhor nesse arranjo foi o Brasil. Rússia, China e Índia todos conquistaram seus lugares na mesa através de capacidade militar, tamanho de população, influência econômica ou recursos naturais. O Brasil tem tudo isso, mas menos que os outros).

Também envolveu muitas outras coisas, como o aprofundamento das relações com países como a China, a promoção do Brasil como destino de investimentos, a reputação do Brasil como comparativamente seguro diante de problemas econômicos globais, o conforto que o presidente dos Estados Unidos sente em relação a seu colega brasileiro — a ponto de encorajar o Brasil a jogar um papel como intermediário junto, por exemplo, aos iranianos. Concorde ou não com todas as decisões de Amorim, como em Honduras ou em relação a Cuba na Organização dos Estados Americanos, o Brasil tem continuado a jogar um papel regional importante ainda que seu foco tenha claramente mudado para o palco global.

Nada ilustra quanto evoluiu o Brasil ou quão eficaz é o time Lula-Amorim quanto os eventos das últimas semanas. Primeiro, os países do mundo largaram o G8 e abraçaram o G20, garantindo ao Brasil um lugar permanente na mesa mais importante do mundo. Em seguida, o Brasil se tornou o primeiro país da América Latina a ganhar o direito de sediar as Olimpíadas. Ontem o Financial Times noticiou que a “Ásia e o Brasil lideram na confiança do consumidor”, um reflexo da reputação que o governo vendeu eficazmente (com a maior parte do crédito indo para o ressurgente setor privado brasileiro). E nesta semana as notícias sobre o encontro do FMI-Banco Mundial em Istambul mostraram a institucionalização do novo papel do Brasil com um acordo para mudar a estrutura do FMI. De acordo com o Washington Post de hoje: “As nações também concordaram preliminarmente em reestruturar a estrutura de votação do Fundo, prometendo dar mais poder aos gigantes emergentes como o Brasil e a China até janeiro de 2011″.

Nada mal para alguns dias de trabalho. E embora seja o ministro da Fazenda que representa o Brasil nos encontros do FMI-Banco Mundial, o arquiteto dessa marcante transformação no papel do Brasil foi Amorim.

Muito ainda precisa ser feito, com certeza. Parte tem a ver com o novo papel desejado. O Brasil quer uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e mais liderança nas instituições internacionais. Pode conquistar isso, mas terá de manter o crescimento e a estabilidade para chegar lá. Além disso, o Brasil parece inclinado a minimizar ameaças regionais como a representada pela Venezuela (Os brasileiros tendem a olhar com desprezo para seus vizinhos do norte tanto quanto o fazem para os argentinos, vizinhos do sul… e, portanto, subestimam a habilidade de homens como Hugo Chávez de causar danos). E o Brasil tem diante de si uma eleição que pode mudar o elenco de jogadores e, naturalmente, pode mudar a atual trajetória de uma série de maneiras — boas e ruins.

Mas é difícil pensar em outro chanceler que tenha tão eficazmente orquestrado uma mudança tão significativa no papel internacional de seu país. E se alguem pedisse hoje que eu votasse no melhor chanceler do mundo, meu voto provavelmente iria para o filho de Santos, Celso Amorim.

David Rothkopf é autor de Superclass: The Global Power Elite and the World They are Making (Superclasse: A elite do poder global e o mundo que ela está construindo) e Running the World: The Inside Story of the National Security Council and the Architects of American Power (Governando o Mundo: A história do Conselho de Segurança Nacional e os Arquitetos do Poder Americano).

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Mais sobre a Bolívia




Evitar a repetição, na Bolívia de hoje, do Golpe de 1973, contra Salvador Allende, eis o desafio dos que defendem a democracia na América Latina. Esse o tom de matéria publicada hoje no jornal argentino Página 12. Leia aqui.

Marcos Nobre escreve sobre a crise boliviana

Marcos Nobre (veja aqui o curriculum lattes dele) é um acadêmico que escreve para o grande público sem deixar cair o nível. É colunista do jornal Folha de São Paulo. Como tenho tentado acompanhar a crise boliviana, coloco, abaixo, partes de seu artigo de hoje que trata dessa questão.
MARCOS NOBRE

Deixem a Bolívia em paz

NÃO HÁ NADA mais humilhante para um país do que não ser levado a sério. É o que está acontecendo com a Bolívia.
A Argentina passou recentemente por mais de quatro meses de crise grave, com seguidos episódios de bloqueios de estradas, desabastecimento e confrontos físicos inclusive. E ninguém pediu reunião internacional de emergência nem resolveu enviar tropas. A presidente Cristina Kirchner aceitou a derrota no Congresso e recuou. Como faz qualquer governo democrático.
A crise boliviana é certamente mais grave do que foi a argentina.
Mas o que chama a atenção é que ninguém ouve o que o governo boliviano tem a dizer. E o presidente Evo Morales não se cansa de dizer que não quer e que não precisa de ajuda.
(...)
A reunião de emergência da recém-criada União de Nações Sul-Americanas (Unasul) foi um equívoco. A começar pelo local em que foi realizada. Por melhores que sejam as intenções da presidente do Chile (e da Unasul), Michelle Bachelet, seu país não é o lugar mais apropriado para uma discussão sobre a estabilidade interna da Bolívia, que tem com o Chile, desde o final do século 19, um contencioso territorial importante, não obstante as boas relações diplomáticas que mantêm os dois países na atualidade.
Foi um mau começo para a Unasul, principalmente porque foi puro paternalismo: cuidar do irmãozinho que não sabe se cuidar sozinho. Mais que isso, deu palanque para as estrepolias de Hugo Chávez. Se algo pode e deve ser feito pela Unasul é justamente convencer o presidente venezuelano a respeitar a Bolívia.
Antes da reunião da Unasul, as forças de oposição a Morales já haviam sinalizado claramente a sua intenção de não provocar uma escalada nos conflitos, principalmente depois do choque provocado pelas mortes. É também assim que se deve entender a declaração de Morales de que as mortes foram provocadas por pistoleiros brasileiros e peruanos: não atribuí-las aos opositores mostra claramente o seu desejo de manter um clima favorável
para as negociações.
(...)
ASSINANTE UOL LÊ A MATÉRIA COMPLETA AQUI.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A crise boliviana e a inação do Brasil.



Quem pena em ocupar um papel de liderança continental não pode assumir a posição de avestruz que a diplomacia brasileira tem demonstrado em relação à crise boliviana. Para ler alguém que expressa uma posição similar a essa, leia artigo postado hojo no blog do Alon. Lei-a aqui.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Relações internacionais? Política externa? Quem liga?

A maioria dos brasileiros mantém uma indiferença olímpica em relação ao que ocorre nos países vizinhos. No século XIX, nossas elites compravam até a água que bebiam da França. Hoje, todos acompanham o que ocorre nos EUA. Nossos telejornais dedicam longos minutos para a campanha presidencial norte-americana. Nada de errado. Mas e o que ocorre na nossa vizinhança? A Bolívia está em uma encruzilhada, dividida entre a população mestiça e indigena que dá sustentação ao presidente Evo Morales e as elites locais de regiões inteiras (como a de Santa Cruz de la Sierra) que reivindicam maior autonomia e a manutenção de privilégios, e nós, brasileiros, nem aí. Converse com um português minimamente informado (gente da universidade, por exemplo) e questione-o sobre Cabo Verde ou Timor Leste, e, ele, sem ser especialista em política internacional, te brindará com uma longa exposição sobre o papel de Portugal nesses países e o que pode ser feito e mudado. Aqui, mesmo colegas professores das ciênciais sociais, quando falam da Venezuela, Equador, Bolívia ou Peru, dentre outros, é para reproduzir caricaturas de uma imprensa etnocêntrica e arrogante de sua ignorância.

Relações internacionais? Quem liga para isso no Brasil? O que os nossos irmãos de continente pensam de nós? Quem liga? Preocupa-nos o que os norte-americanos pensam ou que os franceses pensam... Mas, de vez em quando, a realidade bate na nossa cara e cobra uma compreensão das coisas que as leituras da revista Veja não supre. Por que estou comentando isso? Porque, desde a vitória de Evo Morales, a Bolívia e o Paraguai têm cobrado do Brasil (e também da Argentina) uma outra postura (menos hegemonista e autoritária) nos relacionamentos comerciais e políticos. Agora, com a ascensão de Fernando Lugo à presidência do Paraguai (vitorioso em uma campanha na qual a renegociação do contrato de uso da energia de Itaipu deu o tom), somos chamados à realidade. Mais uma vez, acredito, assistiremos àquelas tristes bravatas imperialistas de jornalistas e políticos propondo algo como um "endurecimento" com os "adversários". Lembram-se dos discursos no Congresso Nacional quando da crise do gás boliviano? Ninguém precisa de repeteco.

Por falar em Fernando Lugo, ontem, o bispo que assumirá a presidência de seu país, carregando muita esperança dos paraguaios, criticou duramente o hegemonismo brasileiro e apontou a Venezuela, para ser mais claro, Hugo Chavez, como uma contraposição ao Brasil. Isso tudo aponta o quão importante é começarmos a superar a nossa ignorância com o que ocorre no restante do continente.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Brasil, Chavez e Argentina: a visão de Atílio Boron

Leia aqui (em espanhol) artigo do cienstista social argentino Atílio Boron sobre a situação política no mercosul.