sexta-feira, 19 de março de 2010

Lula em Israel II

O saldo foi positivo, apesar de algumas derrapadas. Como diria aquele grande pensador brasileiro: "faz parte!". Veja o porquê na análise sempre arguta do jornalista Alon Feuerwerker.

No frigir dos ovos
Alon Feuerwerker


Lula fez o que os antecessores não tinham feito: uma visita oficial ao país nascido do movimento sionista. Viajou para lá, discursou no Parlamento — onde foi aplaudido — e homenageou as vítimas do Holocausto

Qual é o saldo da visita de Luiz Inácio Lula da Silva ao Oriente Médio? O presidente vinha de derrota em Honduras e estava enredado numa situação inexplicável ao tratar os direitos humanos em Cuba. Mas desta vez Lula conseguiu colher o principal objetivo político: um alvará informal de interlocutor com o Irã e de jogador global na pendência entre Israel e os palestinos. Na política, como no futebol, é sempre um jogo depois do outro.

Houve ainda avanços comerciais, que também são políticos. Os gestos na diplomacia têm importância, mas o lugar principal é dos fatos. Israel ser um bom aliado dos Estados Unidos faz o PT e a esquerda torcerem o nariz ao sionismo como movimento de emancipação nacional. É portanto digno de registro que as relações entre Israel e o Mercosul tenham se consolidado exatamente sob a batuta de Lula.

Serve de contrapeso à absorção da Venezuela no bloco, dirá o cético. Infelizmente, ainda não se descobriu — de um lado e de outro — como fazer omelete sem tirar os ovos da casca.

Mais um fato: Lula foi o primeiro presidente brasileiro a colocar os pés em Israel. Houve agora ali alguma turbulência e cotoveladas, quando ele recusou homenagear o fundador do moderno nacionalismo judaico, Theodor Herzl, enquanto aceitava reverenciar Yasser Arafat.

Que importância tem isso? Pouca. A História doravante vai registrar que Lula foi o primeiro presidente do Brasil a visitar oficialmente o país nascido do movimento sionista. Viajou para lá, discursou no Knesset (Parlamento) — onde foi aplaudido — e homenageou as vítimas do Holocausto.

O movimento de Lula no tabuleiro levantino só poderá ser avaliado após os resultados. É acaciano? Talvez. Se as potências não precisarem chegar à guerra para bloquear a emergência de um Irã nuclear, Lula vai estar nos livros de História como visionário, enquanto os críticos dele precisarão espremer-se nos rodapés desse episódio. Caso contrário, nosso presidente ficará nos anais como derrotado, um Neville Chamberlain de segunda linha.

A não ser que, repetindo Getúlio Vargas na Segunda Guerra Mundial, dê um jeito de estar do lado vencedor, qualquer que seja, na hora “h”.

Subestimar Lula tem-se revelado esporte de alto risco. Melhor então acompanhar o desenvolvimento da trama. E não se apressar nos palpites.

Além da assimetria no tratamento aos ícones nacionais, outro detalhe polêmico da visita foi o conteúdo da fala presidencial. Lula deu opinião sobre tudo, desde o muro que separa Israel da Cisjordânia até a luta interna dos palestinos, passando pela questão nuclear. Palpitou inclusive sobre as relações entre Israel e os Estados Unidos.

Não deixa de ser comportamento curioso à luz da “estrita observância do princípio da não ingerência”, que justifica, por exemplo, o silêncio e o imobilismo sepulcrais das nossas autoridades diante das violações de direitos humanos cometidas por governos amigos. Mas aí deve estar valendo o critério “anti-imperialista”. Deu sorte de entrar na categoria? Então meta ficha, que nem Lula nem nossa chancelaria vão dizer nada.

Ainda sobre discursos, o Itamaraty parece considerar positivo um eventual estremecimento dos Estados Unidos com Israel. Também aqui as coisas precisariam ser olhadas com cuidado e noção de timing. Líder de um governo fortemente nacionalista, Benjamin Netanyahu vem nas semanas recentes abrindo involuntariamente espaço para Barack Obama aparecer aos olhos do mundo árabe como alguém que “enfrenta Israel”.

No frigir dos ovos, americanos e israelenses são e serão aliados estratégicos. E os últimos desencontros engordam a conta de Obama com um capital político indispensável para impor a “pax americana” na região. Impor inclusive ao Irã. E talvez com a ajuda do Brasil.


Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta sexta (19) no Correio Braziliense.

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