terça-feira, 16 de março de 2010

Lula em Israel

Transcrevo abaixo coluna do Alon Feuerwerker sobre derrapadas na curva de Lula em sua visita a Israel.

Lula e o protocolo (16/03)
Alon Feuerwerker

Há algum ruído porque Luiz Inácio Lula da Silva recusou ir ao túmulo de Theodor Herzl para colocar uma coroa de flores, no sesquicentenário (150 anos) do nascimento do jornalista austríaco. Herzl foi fundador do movimento sionista, que defende o direito de os judeus construírem um Estado na Palestina. Ou seja, Lula aceita Israel como um fato da política, mas não enxerga vantagem em associar a imagem dele —na esfera doutrinária— à legitimidade de os judeus terem seu país na região.

É direito do presidente só ir aonde quiser. Ainda mais se o evento era extra-agenda. Mesmo que um brasileiro, Osvaldo Aranha, tenha presidido a Assembleia Geral da ONU quando, em 1947, o organismo decidiu dividir a Palestina entre um país árabe e um judeu. Foi naquela época uma vitória do sionismo, uma conquista derivada também do apoio dado pelos nacionalistas judeus aos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Enquanto o nacionalismo árabe ali emergente se associava ao nazifascismo.

Lula e o governo dele não são exatamente fãs desse tipo de solenidade.

Em novembro de 2008 o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, visitou o monumento dos combatentes brasileiros mortos na Segunda Guerra, no Aterro do Flamengo, no Rio. Depositou ali a merecida coroa de flores em homenagem aos pracinhas. Nenhuma autoridade civil brasileira compareceu. Nem do governo federal, nem do estadual.

Conforme os registros da época, o motivo alegado pelo Itamaraty foi protocolar, pois ministros não podem se reunir com um chefe de Estado estrangeiro antes que ele se encontre com o mandatário brasileiro. E por que não mudaram a agenda, para nossas autoridades poderem participar da cerimônia? E se ministros não podem, por que generais podem?

O Brasil foi representado pelo então comandante do CML (Comando Militar do Leste), general Luiz Cesário da Silveira Filho, por outros militares da ativa e por ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Tivemos 2 mil mortos no conflito. Os soviéticos tiveram 20 milhões. Era, portanto, um baita gesto do presidente russo em direção a nós, brasileiros. Coisa de quem tem a dimensão de si próprio, sabe de onde veio e para onde vai.

Maio está chegando. O 65º aniversário da vitória aliada em 1945 vai passar, como de hábito. Será comemorado em muitos países vencedores da guerra, mas aqui tem tudo para ficar quase em branco, novamente. Quase? As Forças Armadas cultivam sozinhas a memória da participação brasileira naquele episódio decisivo para a humanidade.

Relevante em Lula não é chamar a si a prerrogativa de reverenciar —ou não— emblemas nacionais das nações visitadas. Isso é do jogo. O detalhe mais agudo é outro: o pouco cuidado em relação aos símbolos nacionais brasileiros. Talvez estejamos diante de um nacionalismo de tipo inteiramente novo, mais datado, com Lula acumulando todos os papéis, desde o Descobrimento.

São conhecidas as dificuldades da esquerda para entender a Independência, a Abolição, a República, a Revolução de 1930, e mesmo a participação brasileira no conflito de 1939-45. Foram todos episódios da nossa construção, mas na historiografia oficial há certa tendência de empurrar muitos deles à categoria das "manipulações da classe dominante", ao arquivo dos "exemplos de transições por cima". Sai a História, entram os clichês vulgares.

Os processos de emancipação nacional são bonitos nos (maus) livros ou nas falsificações intelectuais e acadêmicas. Na vida real implicam dor, perda, sofrimento, crueldade e tragédia. A vitória de uns sempre representa a derrota de outros. Não tem sido diferente em Israel e na Palestina. Mesmo assim, os países democráticos cultivam a memória dentro de certos limites de fidedignidade, ainda quando tendem a deformar os fatos por conveniência política.

Lula deixar de ir ao túmulo de Herzl é pouco relevante. É apenas uma posição político-ideológica, como qualquer outra. As relações entre nós e eles, especialmente no terreno comercial, vão bem e continuarão assim. Grave é inexistir no Brasil um túmulo importante para os mandatários estrangeiros fazerem visitas protocolares, para colocarem coroas de flores em homenagem aos nossos heróis. E quando, com muito esforço e persistência, finalmente acham um e vão lá colocar, fazem isso sozinhos. Por razões protocolares.

Sabe como é, né? Nós brasileiros somos especialistas em seguir os protocolos. É uma conhecida obsessão nacional.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta terça (16) no Correio Braziliense.

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