Leia a matéria abaixo. Fundamental para quem quer analisar os (des)caminhos da degradação ambiental.
Anfíbios do cerrado ameaçados
Autor(es): » Max Milliano Melo
Correio Braziliense - 01/10/2011
Devido à degradação ambiental e às mudanças climáticas, metade das espécies da classe animal pode desaparecer do bioma até 2050, segundo pesquisa conduzida por especialistas da UnB e da USP
Eles representam um passo importante da evolução animal no planeta, marcando a transição da vida aquática para a conquista do ambiente terrestre. Os anfíbios, animais que vivem um pouco na água, um pouco no solo, são um dos grupos de animais mais antigos da Terra. Uma pesquisa feita por duas doutorandas da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de São Paulo (USP) mostra, no entanto, que num dos mais brasileiros dos biomas, o cerrado, o futuro do animal não é promissor. Pressionados pelas mudanças climáticas e pela destruição ambiental, os simpáticos bichos de olhos grandes correm gravíssimo risco de desaparecer.
Uma das autoras do estudo, Débora Leite Silvano conta que os anfíbios do cerrado estão entre os grupos de animais menos estudados pela ciência. "Quando começamos nosso trabalho, percebemos que existiam poucas pesquisas que verificassem a situação dos anfíbios. Todos os artigos publicados sobre o assunto se referenciavam em uma base de dados antiga e desatualizada", lembra a pesquisadora, atualmente professora da Universidade Católica de Brasília (UCB).
Para mudar um pouco essa história, elas contaram com a ajuda de 11 coleções zoológicas. Depois de cruzar o país pesquisando depositários de espécies, as pesquisadoras criaram uma base de dados: foram catalogadas 204 espécies de anfíbios que vivem no cerrado. Dessas, cerca de metade são endêmicas, ou seja, não habitam em nenhuma outra região do mundo, o que as torna ainda mais vulneráveis. O estudo verificou que pelo menos 52 não estão protegidas, e dessas, 19 estão complemente fora das unidades de conservação.
Além da espécie de censo, o cruzamento das informações dos animais guardados em coleções levou as duas pesquisadoras a encontrarem mais de uma dezena de variantes de sapos que não eram conhecidas e nunca tinham sido catalogadas. "Verificamos e anotamos cada detalhe sobre as espécies. Quando consultamos os dados já disponíveis sobre o assunto, 12 grupos de indivíduos não correspondiam a nenhuma espécie até então conhecida", conta Débora, que dividiu o estudo com a bióloga Paula Valdujo.
Algumas candidatas a nova espécie já estavam em estudo, como é o caso da perereca P. berohoca, que teve seu processo de reconhecimento concluído no início deste ano. Outras, no entanto, ainda não tinham começado a serem estudadas e estavam sem nome ou qualquer outra identificação. "Também aplicamos modelos de distribuição e registros históricos de sua ocorrência. A partir disso, pudemos determinar a área de ocorrência das espécies no passado, presente e futuro", relata a especialista.
Êxodo para o sul
Foi nesse estágio que as pesquisadoras concluíram que, mesmo sendo ainda pouco conhecidas, as espécies correm grave risco de desaparecer. Utilizando dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) para identificar as prováveis áreas em que as espécies terão condições de sobreviver, elas descobriram que, aos poucos, sapos, rãs, pererecas e salamandras se deslocam rumo ao sul, já que os ambientes mais ao norte estão cada vez mais quentes e secos. Com isso, metade das espécies de anfíbios do bioma podem desaparecer até 2050.
Um exemplo é o Rhinella veredas, um tipo de sapo que, segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), ocorre apenas nas regiões localizadas no oeste da Bahia, próximo às divisas com Tocantins e Goiás. O levantamento mostra que a espécie está se movendo em direção ao sul, e já pode ser encontrada do norte ao centro de Minas Gerais. "O grande problema é que é justamente nessas regiões que o cerrado está mais degradado", lamenta.
Isso significa dizer que se, por um lado, as mudanças no clima empurram as espécies vulneráveis para o sul, por outro, a expansão urbana e agrícola dos estados do Sudeste e de Goiás elimina os hábitats dos indivíduos. Para completar a sentença de desaparecimento dos anfíbios do cerrado, há poucos estudos que ajudem a entender os animais, o que contribui ainda mais para sua vulnerabilidade.
O professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília Guarino Colli explica que os anfíbios mantêm um papel importante no equilíbrio natural do cerrado. "Eles são animais predadores, ou seja, não se alimentam de plantas. Assim, eles são importantes no combate a insetos e outros tipos de artrópodes", conta o especialista. "Ao mesmo tempo, eles também servem de alimento para uma porção de espécies, como cobras, aves e ratos", completa. Assim, um desequilíbrio nos anfíbios pode afetar toda a cadeia alimentar.
Para ele, a pouca informação sobre as espécies é um problema estrutural. "Há poucos especialistas na área e há regiões que nunca foram estudadas", conta o especialista. "Além disso, trata-se de uma região muito degradada. Muitas vezes, quando se vai iniciar uma pesquisa em determinada região, ela já está destruída e parte do que havia já foi perdido", completa o professor da UnB.
Mostrando postagens com marcador Meio Ambiente. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Meio Ambiente. Mostrar todas as postagens
sábado, 1 de outubro de 2011
terça-feira, 22 de junho de 2010
Tragédia no Nordeste

Quebrangulo. Município da Zona da Mata foi totalmente destruído pelas águas do Rio Paraíba
Em um belo ensaio, que eu li em algum lugar e não lembro mais qual foi, o sempre polêmico Mike Davis, autor, dentre outros, do fabuloso "Cidade de Quartzo", comenta que nós, humanos, gostamos de nos imaginar no controle, mas, aqui na terra, somos apenas "turistas". Todos! E, de vez quando, acordamos para a realidade. Não raro, construímos elaborações a respeito de uma "vingança da natureza".
Por que estou relembrando isso? Porque estou profundamente impactado pela tragédia que atinge alguns estados aqui do Nordeste. Em especial, Pernambuco e Alagoas. As tvs não param de nos apresentar as faces do desastre provocado pelas chuvas.
Aproveito para colocar, mais abaixo, matéria publicada na edição on line do jornal O ESTADO DE SÃO PAULO sobre a situação nos dois estados.
Nordeste tem mais de mil desaparecidos
Temporais rompem barragem, arrasam mais de 20 cidades e matam 38 em Alagoas e Pernambuco; Lula mobiliza Forças Armadas
22 de junho de 2010 0h 00
Dois dias após a chuva que devastou 21 cidades, Alagoas procura mais de mil desaparecidos. O presidente Lula declarou que a situação exige "esforço de guerra" e mobilizou as Forças Armadas. Alguns locais foram destruídos pela força das águas das chuvas e da correnteza dos rios. No limite com Pernambuco, houve o rompimento de uma represa. Nos dois Estados, o número de mortos chega a 38 e a previsão para hoje é de mais chuva.
Veja também:
Lula anuncia liberação de FGTS para vítimas
Governador de PE vai a Brasília pedir ajuda a Lula
Lula convocou reunião do Gabinete de Crise para definir ajuda de emergência. Também determinou o envio para o Nordeste de antenas de celulares (para lugares isolados), geradores e hospitais de campanha.
O governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), decretou estado de calamidade pública no Estado, após algumas cidades registrarem as maiores chuvas em quatro décadas. "É uma verdadeira tragédia", completou o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). O número de mortes subiu - 26 em Alagoas e 12 em Pernambuco - e há pelo menos 97 mil desabrigados - 80 mil alagoanos. Há 25 cidades em estado de calamidade pública - 10 em Pernambuco.
Na Zona da Mata de Alagoas, União dos Palmares, Branquinha, Murici, São José da Laje e Santana do Mundaú foram invadidas pela enxurrada, provocada pelo rompimento da Barragem de Bom Conselho (PE), que fez transbordar o Rio Mundaú. Várias pessoas foram arrastadas pelas águas - 500 pessoas estão desaparecidas só em União dos Palmares. Em Branquinha, nenhum prédio público ficou de pé.
Na Grande Maceió, a cidade de Rio Largo, cortada pelo Mundaú, foi uma das mais atingidas. Três mil casas foram completamente destruídas pela enchente. Há 30 desaparecidos e 15 mil desabrigados. Além disso, a inundação fechou dois sistemas de captação e deixou nove cidades alagoanas sem abastecimento. O conserto vai demorar 15 dias.
"Já fugimos três vezes da correnteza do Mundaú, algumas vezes com água dando na canela, mas nunca vimos uma enxurrada tão grande como essa", contou a dona de casa Maria do Carmo dos Santos, de 34 anos, que perdeu tudo o que tinha. "Só deu tempo de pegar os documentos, um saco com roupas e os meninos", acrescentou Maria do Carmo, que tem cinco filhos, todos menores. Ela vivia na Ilha Angelita, no delta do Rio Mundaú. Ali, das 2 mil casas só sobraram escombros de pé.
"Há mais de mil desaparecidos no Estado", afirmou o secretário da Coordenação Estadual da Defesa Civil de Alagoas, Deníldson Queiroz. À noite, o governador confirmou esse número.
Pernambuco
Os rastros da destruição do fim de semana chegaram ontem à Praia de Boa Viagem, no Recife. Trazidos pelos rios que deságuam no oceano, móveis, sapatos, madeira e lixo foram jogados na areia da famosa praia urbana.
Do total de municípios afetados, dez estão em situação de calamidade pública e outros 13, em estado de emergência. Em Barreiros, ao sul da Zona da Mata, mesmo com a trégua da chuva, as águas ainda não baixaram totalmente e muitos moradores se encontram isolados ou em cima de telhados. A cidade estava sem energia elétrica e sem comunicação telefônica.
Palmares, também na Zona da Mata, ficou sem acesso. Duas pontes caíram e a BR-101 foi interditada na altura da cidade. No balanço geral, Pernambuco tem 1,4 mil km de estradas e 69 pontes destruídas, em 49 municípios afetados.
COLABOROU VANNILDO MENDES
Marcadores:
Meio Ambiente,
Nordeste,
Sociedade e Meio Ambiente.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
Sobre Pipa, quilombolas e meio ambiente
Recebi uma mensagem que faço questão de transcrevê-la aqui. Aborda questões importantes e que não podem ficar circunscritas às listas de e-mails. A autora é a Professor Julie Cavignac, do Departamento de Antropologia da UFRN.
Prezados,
Recebi a informaçao do site do Resort "Nova Pipa" a ser implantado na
comunidade quilombola de Sibauma que entrou com processo junto ao INCRA em
2005 e cuja area a ser titulada ainda encontra-se em discussao.
Nova Pipa
Além disso, me parece que o projeto em questao a ser instalado na orla
maritima e na embocadura do RIo Catu fere o Código Florestal (Lei no.
4.771, de 15 de setembro de 1965), artigo 2o, alínea “a”, item 1, que
estabelece como área de preservação permanente as florestas e demais
formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer
curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal, com largura
mínima de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez)
metros de largura.
Vejam o parecer conclusivo do relatorio antropologico elaborado em 2006:
"A titulação coletiva da terra foi vista, após haver várias reuniões
públicas, como uma necessidade, em primeiro lugar, para consolidação do
grupo cuja integridade encontra-se hoje ameaçada. Entre as razões
evocadas, precisa ser destacada a importância do território tradicional na
vida cotidiana, pois a coesão social passa necessariamente por um
compartilhamento de um espaço comum, permitindo a inscrição material da
história do grupo e o uso comum da terra; como vimos, o uso coletivo do
espaço natural e cultivado foi, durante o passado, uma estratégia
escolhida para que o grupo se mantivesse no local, a terra aparecendo como
essencial para a subsistência das famílias e a reprodução dos valores
comuns.
Para as famílias quilombolas, a titulação irá assegurar o domínio e a
posse de suas terras tradicionais. Além de suprir as necessidades
econômicas do grupo, a terra tem um valor histórico-cultural inestimável:
o território sustenta os processos que visam o reconhecimento e a
elaboração de uma história diferenciada em nível local. Garante a
continuidade das famílias quilombolas, sua reprodução física, além de
permitir o reconhecimento político e a valorização de um grupo
historicamente marginalizado e que continua ser alvo de preconceitos.
Como já mostramos, a identidade coletiva deve ser levada em conta na
questão fundiária: elementos diferenciais como a identidade étnica, a
ancestralidade comum, as formas de organização social e política
distintas, os elementos lingüísticos e religiosos devem entrar em
consideração na discussão da demanda territorial a ser realizada pelos
quilombolas.
Como mostra a pesquisa histórico-documental e com referências à memória
genealógica, Sibaúma é ocupada de maneira contínua desde, pelo menos, os
meados do século XIX, com contínuos conflitos territoriais. Temos,
também, documentos declaratórios de cadastro de imóvel rural datados de
1978 e 1981, em nome de moradores da comunidade, atestando uma ocupação
agrícola que foi que historicamente interrompida a partir dos anos 1980.
A titulação do território da comunidade quilombola de Sibaúma se adequa
ainda aos objetivos do Programa Brasil quilombola, que visa a melhoria
das condições de vida e ao fortalecimento da organização das comunidades
remanescentes de quilombos por meio da promoção do acesso aos bens e
serviços sociais necessários ao desenvolvimento, considerando os
princípios sócio-culturais dessas comunidades. As políticas públicas a
serem implementadas devem ser voltadas para o desenvolvimento da
comunidade, respeitar a singularidade cultural do grupo e as práticas
sociais tradicionais e comunitárias.
Das razões para titulação:
1. A ocupação ancestral do território pelo grupo foi comprovada
documentalmente e pela pesquisa etnográfica. Apesar de não haver títulos
de propriedades emitidos em nome dos quilombolas, existe um uso contínuo
do território requerido; o que tem como conseqüência a aplicação do
direito constitucional. Até a década de 1980, a população tirou seu
sustento do rio (água potável e pesca), dos terrenos cultiváveis e das
matas nativas. A partir dessa época, os moradores sofreram pressões por
parte do atual proprietário da “Agro Comercial de Bovino ldta.” (Milson
dos Anjos) para sair dos seus lugares tradicionais de moradia e foram
impossibilitados de ocupar certas áreas indispensáveis à reprodução de um
modo de vida tradicional, o que acelerou a desintegração do grupo;
2. Existem registros orais comprovados documentalmente apontando que,
desde a década de 1920, houve uma pressão por parte dos herdeiros de
Miguel Soares Raposo da Câmara (1838-1923) para vender partes do
território ocupado pelas famílias quilombolas. Por outro lado, nos anos
1980, há comprovação do uso de má fé na cessão das terras por parte de
compradores, entre outros, de Walter Soares de Paula;
3. A população local não pode usufruir plenamente dos recursos naturais
necessários para o seu sustento (rio, mar, mata). Há mais de vinte anos, a
comunidade sofre com as conseqüências de um desenvolvimento predatório,
com o desmatamento da maior parte do seu território tradicional (Milson
dos Anjos), de danos irrecuperáveis no mangue e no rio após a construção
de viveiros de Camarão (Francisco de Assis Medeiros) e de uma exploração
imobiliária desenfreada, o que representa um perigo para a integridade do
grupo e sua reprodução. De fato, os quilombolas foram lesados com esses
danos ambientais e por diversos compradores que cercaram os terrenos e o
acesso ao rio. Devem ser indenizados;
4. As terras que foram cedidas por membros da comunidades e que
encontram-se de posse de indivíduos externos à comunidade não atendem à
função social da terra, pois não são produtivas e servem à especulação
imobiliária. Por tanto, recomenda-se a aplicação da legislação em vigor
para o benefício de uma população que encontra-se numa situação de risco
social;
5. São necessárias ações urgentes visando a preservação do meio ambiente
que encontra-se seriamente degradado e a aplicação das diferentes
legislações ambientais, pois parte da comunidade esta situada num parque
estadual, numa APA e em terras da União (mar e rio). Também, recomenda-se
que haja uma aplicação firme das leis ambientais no sentido da melhoria
das condições de vida atuais e futuras das populações locais;
6. São necessárias ações urgentes de preservação de uma história e de uma
cultura diferenciada, sendo do dever do Estado em preservar um patrimônio
histórico nacional (sítios arqueológicos) e, conforme a legislação em
curso, sobretudo àquele pertencendo a remanescentes de quilombolas ;
7. Recomenda-se que o processo em curso deve ser acompanhado por
representantes de órgãos governamentais, no que diz respeito a discussão
da proposta do território a ser identificado bem como elaboração de
projetos coletivos. Também, é necessário que haja um empenho do poder
público na aplicação das decisões judiciais já tomadas;
8. Finalmente, medidas devem ser tomadas para impedir que se continue a
venda de terrenos na área em discussão, para frear a especulação
imobiliária já importante."
"E agora?" Quem pergunta é a professora Julie.
Prezados,
Recebi a informaçao do site do Resort "Nova Pipa" a ser implantado na
comunidade quilombola de Sibauma que entrou com processo junto ao INCRA em
2005 e cuja area a ser titulada ainda encontra-se em discussao.
Nova Pipa
Além disso, me parece que o projeto em questao a ser instalado na orla
maritima e na embocadura do RIo Catu fere o Código Florestal (Lei no.
4.771, de 15 de setembro de 1965), artigo 2o, alínea “a”, item 1, que
estabelece como área de preservação permanente as florestas e demais
formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer
curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal, com largura
mínima de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez)
metros de largura.
Vejam o parecer conclusivo do relatorio antropologico elaborado em 2006:
"A titulação coletiva da terra foi vista, após haver várias reuniões
públicas, como uma necessidade, em primeiro lugar, para consolidação do
grupo cuja integridade encontra-se hoje ameaçada. Entre as razões
evocadas, precisa ser destacada a importância do território tradicional na
vida cotidiana, pois a coesão social passa necessariamente por um
compartilhamento de um espaço comum, permitindo a inscrição material da
história do grupo e o uso comum da terra; como vimos, o uso coletivo do
espaço natural e cultivado foi, durante o passado, uma estratégia
escolhida para que o grupo se mantivesse no local, a terra aparecendo como
essencial para a subsistência das famílias e a reprodução dos valores
comuns.
Para as famílias quilombolas, a titulação irá assegurar o domínio e a
posse de suas terras tradicionais. Além de suprir as necessidades
econômicas do grupo, a terra tem um valor histórico-cultural inestimável:
o território sustenta os processos que visam o reconhecimento e a
elaboração de uma história diferenciada em nível local. Garante a
continuidade das famílias quilombolas, sua reprodução física, além de
permitir o reconhecimento político e a valorização de um grupo
historicamente marginalizado e que continua ser alvo de preconceitos.
Como já mostramos, a identidade coletiva deve ser levada em conta na
questão fundiária: elementos diferenciais como a identidade étnica, a
ancestralidade comum, as formas de organização social e política
distintas, os elementos lingüísticos e religiosos devem entrar em
consideração na discussão da demanda territorial a ser realizada pelos
quilombolas.
Como mostra a pesquisa histórico-documental e com referências à memória
genealógica, Sibaúma é ocupada de maneira contínua desde, pelo menos, os
meados do século XIX, com contínuos conflitos territoriais. Temos,
também, documentos declaratórios de cadastro de imóvel rural datados de
1978 e 1981, em nome de moradores da comunidade, atestando uma ocupação
agrícola que foi que historicamente interrompida a partir dos anos 1980.
A titulação do território da comunidade quilombola de Sibaúma se adequa
ainda aos objetivos do Programa Brasil quilombola, que visa a melhoria
das condições de vida e ao fortalecimento da organização das comunidades
remanescentes de quilombos por meio da promoção do acesso aos bens e
serviços sociais necessários ao desenvolvimento, considerando os
princípios sócio-culturais dessas comunidades. As políticas públicas a
serem implementadas devem ser voltadas para o desenvolvimento da
comunidade, respeitar a singularidade cultural do grupo e as práticas
sociais tradicionais e comunitárias.
Das razões para titulação:
1. A ocupação ancestral do território pelo grupo foi comprovada
documentalmente e pela pesquisa etnográfica. Apesar de não haver títulos
de propriedades emitidos em nome dos quilombolas, existe um uso contínuo
do território requerido; o que tem como conseqüência a aplicação do
direito constitucional. Até a década de 1980, a população tirou seu
sustento do rio (água potável e pesca), dos terrenos cultiváveis e das
matas nativas. A partir dessa época, os moradores sofreram pressões por
parte do atual proprietário da “Agro Comercial de Bovino ldta.” (Milson
dos Anjos) para sair dos seus lugares tradicionais de moradia e foram
impossibilitados de ocupar certas áreas indispensáveis à reprodução de um
modo de vida tradicional, o que acelerou a desintegração do grupo;
2. Existem registros orais comprovados documentalmente apontando que,
desde a década de 1920, houve uma pressão por parte dos herdeiros de
Miguel Soares Raposo da Câmara (1838-1923) para vender partes do
território ocupado pelas famílias quilombolas. Por outro lado, nos anos
1980, há comprovação do uso de má fé na cessão das terras por parte de
compradores, entre outros, de Walter Soares de Paula;
3. A população local não pode usufruir plenamente dos recursos naturais
necessários para o seu sustento (rio, mar, mata). Há mais de vinte anos, a
comunidade sofre com as conseqüências de um desenvolvimento predatório,
com o desmatamento da maior parte do seu território tradicional (Milson
dos Anjos), de danos irrecuperáveis no mangue e no rio após a construção
de viveiros de Camarão (Francisco de Assis Medeiros) e de uma exploração
imobiliária desenfreada, o que representa um perigo para a integridade do
grupo e sua reprodução. De fato, os quilombolas foram lesados com esses
danos ambientais e por diversos compradores que cercaram os terrenos e o
acesso ao rio. Devem ser indenizados;
4. As terras que foram cedidas por membros da comunidades e que
encontram-se de posse de indivíduos externos à comunidade não atendem à
função social da terra, pois não são produtivas e servem à especulação
imobiliária. Por tanto, recomenda-se a aplicação da legislação em vigor
para o benefício de uma população que encontra-se numa situação de risco
social;
5. São necessárias ações urgentes visando a preservação do meio ambiente
que encontra-se seriamente degradado e a aplicação das diferentes
legislações ambientais, pois parte da comunidade esta situada num parque
estadual, numa APA e em terras da União (mar e rio). Também, recomenda-se
que haja uma aplicação firme das leis ambientais no sentido da melhoria
das condições de vida atuais e futuras das populações locais;
6. São necessárias ações urgentes de preservação de uma história e de uma
cultura diferenciada, sendo do dever do Estado em preservar um patrimônio
histórico nacional (sítios arqueológicos) e, conforme a legislação em
curso, sobretudo àquele pertencendo a remanescentes de quilombolas ;
7. Recomenda-se que o processo em curso deve ser acompanhado por
representantes de órgãos governamentais, no que diz respeito a discussão
da proposta do território a ser identificado bem como elaboração de
projetos coletivos. Também, é necessário que haja um empenho do poder
público na aplicação das decisões judiciais já tomadas;
8. Finalmente, medidas devem ser tomadas para impedir que se continue a
venda de terrenos na área em discussão, para frear a especulação
imobiliária já importante."
"E agora?" Quem pergunta é a professora Julie.
Marcadores:
Meio Ambiente,
Negros,
Pipa,
quilombolas
sexta-feira, 26 de junho de 2009
Sobre constrangedor silêncio dos ecologistas europeus em relação à exportação de pneus usados para os trópicos
Leia aí embaixo a resposta de Augusto Max, o Guru, ao texto de Alon Feuerwerker que eu postei antes (Pneu usado no meio ambiente dos outros...) . Confira!
Silêncio?
Augusto Max
Opa, a pergunta de Alon já foi respondida por um ex-membro do CONAMA no blog dele, mas reforço aqui. O presidente abriu essa ação junto ao supremo sob pressão de vários grupos ambientalistas, há 3 anos atrás. Eu ouvi em vários encontros ambientalistas nos últimos anos isso ser posto em pauta. Alguns grupos chegaram a se manifestar em Genebra, na sede da OMC, pelo assunto.
Se o 'alarido' dos ambientalistas não foi ouvido, isso se deve tão somente ao espaço que lhes é concedido na mídia. Em minha experiência nesse campo, vi que somente aos ambientalistas era dado espaço relevante em algum meio quando interessava ao grupo midiático usar as declarações para alguma alfinetagem política. Sempre carregadas de muito maniqueísmo, sempre manobradas com alguma crítica a determinado grupo político. Quando é uma questão que não vá criar uma polêmica que lhes interesse na política em que se inserem, pouco importa à mídia publicar o que pensam os ambientalistas.
Acho que o maior impecilho à "questão ambiental" no Brasil é esse modo como é tratado o problema nos meios de comunicação. Munição para politicagem de jornal. Existe um amplo porém frágil campo de articulação, que pouco chega ao nordeste, entre institutos, associações civis, movimentos etc. ligados ao tema. Há de tudo: revistas de meio ambiente ligadas ao PSDB; tematização pelo MST; greenpeace; grandes portais gerais como o ambientebrasil, agrupamentos empresariais como o Instituto Ethos etc. Se, dentre tudo isso, mesmo um jornalista bem informado só consegue ouvir Marina Silva, o problema está muito mais no sistema midiático brasileiro que "no silêncio de ONG's financiadas pelo capital estrangeiro" ou paranóia semelhante.
De qualquer forma, é gratificante que pelo menos nas questões de "não jogue seu lixo no meu território nacional!" nacionalistas se coadunem com ambientalistas.
Silêncio?
Augusto Max
Opa, a pergunta de Alon já foi respondida por um ex-membro do CONAMA no blog dele, mas reforço aqui. O presidente abriu essa ação junto ao supremo sob pressão de vários grupos ambientalistas, há 3 anos atrás. Eu ouvi em vários encontros ambientalistas nos últimos anos isso ser posto em pauta. Alguns grupos chegaram a se manifestar em Genebra, na sede da OMC, pelo assunto.
Se o 'alarido' dos ambientalistas não foi ouvido, isso se deve tão somente ao espaço que lhes é concedido na mídia. Em minha experiência nesse campo, vi que somente aos ambientalistas era dado espaço relevante em algum meio quando interessava ao grupo midiático usar as declarações para alguma alfinetagem política. Sempre carregadas de muito maniqueísmo, sempre manobradas com alguma crítica a determinado grupo político. Quando é uma questão que não vá criar uma polêmica que lhes interesse na política em que se inserem, pouco importa à mídia publicar o que pensam os ambientalistas.
Acho que o maior impecilho à "questão ambiental" no Brasil é esse modo como é tratado o problema nos meios de comunicação. Munição para politicagem de jornal. Existe um amplo porém frágil campo de articulação, que pouco chega ao nordeste, entre institutos, associações civis, movimentos etc. ligados ao tema. Há de tudo: revistas de meio ambiente ligadas ao PSDB; tematização pelo MST; greenpeace; grandes portais gerais como o ambientebrasil, agrupamentos empresariais como o Instituto Ethos etc. Se, dentre tudo isso, mesmo um jornalista bem informado só consegue ouvir Marina Silva, o problema está muito mais no sistema midiático brasileiro que "no silêncio de ONG's financiadas pelo capital estrangeiro" ou paranóia semelhante.
De qualquer forma, é gratificante que pelo menos nas questões de "não jogue seu lixo no meu território nacional!" nacionalistas se coadunem com ambientalistas.
Marcadores:
Governo Lula,
Meio Ambiente,
Sociedade e Meio Ambiente.
quinta-feira, 25 de junho de 2009
Pneu usado no meio ambiente dos outros...
Concordo inteiramente com a posição do Alon Feurwerker a respeito da decisão do Supremo vetando a importação de pneus usados pelo Brasil. Vale lembrar: a ação positiva foi iniciada pelo Governo Lula. Confira!
O cinismo europeu, derrotado
Alon Feuerwerker
Do stf.jus.br:
Por 8 votos a 1, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 101, na qual o presidente da República alegava que a importação de pneus usados e inservíveis fere a Constituição Federal. Para a maioria dos ministros, os danos causados ao meio ambiente justificam a recusa do país a receber os produtos. Já o ministro Marco Aurélio acredita que os pneus usados ainda servem para o uso, o que favoreceria principalmente as camadas mais pobres da população brasileira. A ação foi proposta pelo presidente da República, por intermédio da Advocacia Geral da União, questionando decisões judiciais que permitiram a importação de pneus usados. A AGU pede que o Supremo declare a constitucionalidade de normas em vigor no país que a proíbem. O governo utiliza como principal fundamento o artigo 225 da Constituição Federal (CF), que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ameaçado pela incineração e pelo depósito de pneus velhos.
Escrevi algumas coisas sobre isso (clique e role a página). E o intrigante no episódio foi o quase silêncio dos ambientalistas. Minha homenagem à senadora Marina Silva (PT-AC), uma exceção. Alguém poderia explicar por que a mesma Europa que vive nos azucrinando sobre a Amazônia e sobre a qualidade de nossa carne bovina queria nos empurrar, na cara dura, os pneus velhos sem serventia e que ameaçam o ecossistema do velho continente? E por que não ouvimos desta vez o alarido das ONGs?
O cinismo europeu, derrotado
Alon Feuerwerker
Do stf.jus.br:
Por 8 votos a 1, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 101, na qual o presidente da República alegava que a importação de pneus usados e inservíveis fere a Constituição Federal. Para a maioria dos ministros, os danos causados ao meio ambiente justificam a recusa do país a receber os produtos. Já o ministro Marco Aurélio acredita que os pneus usados ainda servem para o uso, o que favoreceria principalmente as camadas mais pobres da população brasileira. A ação foi proposta pelo presidente da República, por intermédio da Advocacia Geral da União, questionando decisões judiciais que permitiram a importação de pneus usados. A AGU pede que o Supremo declare a constitucionalidade de normas em vigor no país que a proíbem. O governo utiliza como principal fundamento o artigo 225 da Constituição Federal (CF), que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ameaçado pela incineração e pelo depósito de pneus velhos.
Escrevi algumas coisas sobre isso (clique e role a página). E o intrigante no episódio foi o quase silêncio dos ambientalistas. Minha homenagem à senadora Marina Silva (PT-AC), uma exceção. Alguém poderia explicar por que a mesma Europa que vive nos azucrinando sobre a Amazônia e sobre a qualidade de nossa carne bovina queria nos empurrar, na cara dura, os pneus velhos sem serventia e que ameaçam o ecossistema do velho continente? E por que não ouvimos desta vez o alarido das ONGs?
Marcadores:
Governo Lula,
Meio Ambiente,
STF
domingo, 14 de junho de 2009
Alon Feuerwerker analisa a MP 458
Confira abaixo artigo do jornalista Alon Feuerwerker. Trata-se de uma análise lúcida e distanciada da MP 458. Vale a pena conferir!
Mudança de mentalidades
Alon Feuerwerker
Dado que recriar a comunidade primitiva em pleno século 21 é tão possível quanto seria, por exemplo, colonizar o sol, o resultado é um faroeste em que só vale mesmo a lei do mais forte
Quando a Câmara dos Deputados alterou a medida provisória (MP) 458, que regulariza terras na Amazônia, ofereceu condições políticas ideais para a sanção do presidente da República. Luiz Inácio Lula da Silva pode agora vetar o que apelidou de “excessos”, pode fazer uma média com o ambientalismo e, ao mesmo tempo, manter o núcleo do texto: a porta finalmente aberta para que brasileiros responsáveis pelo desbravamento da região norte deixem a categoria dos bandidos potenciais.
Uma vez sancionada a lei, e mesmo se mais nada fizer na sua passagem pelo governo, o ministro Roberto Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) terá deixado uma bela marca na História do Brasil. O país lhe deverá essa. Verdade que o projeto saído do Congresso tem problemas, ainda mais se o Planalto vetar mesmo as mudanças introduzidas na Câmara e mantidas no Senado. Persistirá em algum grau o preconceito contra as empresas rurais, assim como persistirão as limitações regressistas a que a terra receba o estatuto pleno de mercadoria. Mas não é o mais importante.
O fundamental é que a MP 458 se apresenta como ponto de partida para uma reforma agrária verdadeira e para a incorporação acelerada e legal da nossa fronteira agrícola norte à esfera mercantil. A MP não deve ser vista como fim de caminho, mas começo. Foi assim na Lei de Biossegurança. Primeiro veio a regularização da soja transgênica. Depois, surgiu do Executivo um projeto confuso para reformar a legislação referente aos organismos geneticamente modificados. Com o tempo, a vida e o processo político cuidaram de aperfeiçoar a coisa, que terminou boa o suficiente para sobreviver a um histórico julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Ao assinar em 2003 a MP da soja geneticamente alterada, Lula descriminou os produtores de transgênicos. Foi uma saudável ruptura com o passado do PT. Agora, a MP 458 é o marco de mais um salto. Vai minguando o sonho idílico de recriar a comunidade primitiva, baseada no extrativismo e na revogação passadista da divisão social do trabalho. E se fosse só um sonho não teria maiores consequências. Sonhar não faz mal a ninguém. O problema começa quando se tenta levar a utopia à prática. Como a recriação do comunismo primitivo em pleno século 21 é tão possível quanto seria, por exemplo, colonizar o sol, o resultado é um faroeste em que só vale mesmo a lei do mais forte.
Faroeste que serve como luva aos propósitos de certo ativismo, para quem o Brasil é um equívoco a retificar. O que somos nós? Um país expandido do litoral para o interior, graças 1) ao esforço heroico dos portugueses entre os séculos 16 e 18, 2) à energia investida pelo Império no século 19, sem o que seríamos uma espécie de América espanhola, mesmo falando português e 3) ao gênio de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, que na transição para o século 20 consolidou legalmente nossas fronteiras.
Já a sub-historiografia recente nos resume ao produto de uma sucessão de crueldades. Mas, que país não o é na origem? Uma coisa é reconhecer e homenagear o sofrimento de quem foi vitimado no processo de construção nacional. Outra, bem diferente, é propor a desconstrução do Brasil como expiação pelos nossos pecados originais.
A criminalização a priori dos produtores rurais que ajudam a manter a Amazônia como território brasileiro é mais um vetor da operação intelectual voltada a desconstruir nossa identidade nacional. Com a MP 458, além de oferecer base legal para a solução de conflitos históricos, o governo Lula abre em boa hora caminho a uma necessária mudança de mentalidades.
Candidato de quem?
O nome do antigo Campo Majoritário (hoje Construindo um Novo Brasil) para comandar o PT, José Eduardo Dutra, tem um caminho se quiser obter o apoio da Mensagem ao Partido, do secretário-geral José Eduardo Cardozo e do ministro Tarso Genro: deve se declarar acima das tendências. Se for lançado como candidato do CNB, terá dificuldade para atrair no primeiro turno do Processo de Eleição Direta (PED) não só o grupo de Cardozo, mas também a Articulação de Esquerda, de Valter Pomar. Já no CNB, por enquanto, o desejo mais forte é justamente isolar as duas correntes rivais.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
Mudança de mentalidades
Alon Feuerwerker
Dado que recriar a comunidade primitiva em pleno século 21 é tão possível quanto seria, por exemplo, colonizar o sol, o resultado é um faroeste em que só vale mesmo a lei do mais forte
Quando a Câmara dos Deputados alterou a medida provisória (MP) 458, que regulariza terras na Amazônia, ofereceu condições políticas ideais para a sanção do presidente da República. Luiz Inácio Lula da Silva pode agora vetar o que apelidou de “excessos”, pode fazer uma média com o ambientalismo e, ao mesmo tempo, manter o núcleo do texto: a porta finalmente aberta para que brasileiros responsáveis pelo desbravamento da região norte deixem a categoria dos bandidos potenciais.
Uma vez sancionada a lei, e mesmo se mais nada fizer na sua passagem pelo governo, o ministro Roberto Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) terá deixado uma bela marca na História do Brasil. O país lhe deverá essa. Verdade que o projeto saído do Congresso tem problemas, ainda mais se o Planalto vetar mesmo as mudanças introduzidas na Câmara e mantidas no Senado. Persistirá em algum grau o preconceito contra as empresas rurais, assim como persistirão as limitações regressistas a que a terra receba o estatuto pleno de mercadoria. Mas não é o mais importante.
O fundamental é que a MP 458 se apresenta como ponto de partida para uma reforma agrária verdadeira e para a incorporação acelerada e legal da nossa fronteira agrícola norte à esfera mercantil. A MP não deve ser vista como fim de caminho, mas começo. Foi assim na Lei de Biossegurança. Primeiro veio a regularização da soja transgênica. Depois, surgiu do Executivo um projeto confuso para reformar a legislação referente aos organismos geneticamente modificados. Com o tempo, a vida e o processo político cuidaram de aperfeiçoar a coisa, que terminou boa o suficiente para sobreviver a um histórico julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Ao assinar em 2003 a MP da soja geneticamente alterada, Lula descriminou os produtores de transgênicos. Foi uma saudável ruptura com o passado do PT. Agora, a MP 458 é o marco de mais um salto. Vai minguando o sonho idílico de recriar a comunidade primitiva, baseada no extrativismo e na revogação passadista da divisão social do trabalho. E se fosse só um sonho não teria maiores consequências. Sonhar não faz mal a ninguém. O problema começa quando se tenta levar a utopia à prática. Como a recriação do comunismo primitivo em pleno século 21 é tão possível quanto seria, por exemplo, colonizar o sol, o resultado é um faroeste em que só vale mesmo a lei do mais forte.
Faroeste que serve como luva aos propósitos de certo ativismo, para quem o Brasil é um equívoco a retificar. O que somos nós? Um país expandido do litoral para o interior, graças 1) ao esforço heroico dos portugueses entre os séculos 16 e 18, 2) à energia investida pelo Império no século 19, sem o que seríamos uma espécie de América espanhola, mesmo falando português e 3) ao gênio de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, que na transição para o século 20 consolidou legalmente nossas fronteiras.
Já a sub-historiografia recente nos resume ao produto de uma sucessão de crueldades. Mas, que país não o é na origem? Uma coisa é reconhecer e homenagear o sofrimento de quem foi vitimado no processo de construção nacional. Outra, bem diferente, é propor a desconstrução do Brasil como expiação pelos nossos pecados originais.
A criminalização a priori dos produtores rurais que ajudam a manter a Amazônia como território brasileiro é mais um vetor da operação intelectual voltada a desconstruir nossa identidade nacional. Com a MP 458, além de oferecer base legal para a solução de conflitos históricos, o governo Lula abre em boa hora caminho a uma necessária mudança de mentalidades.
Candidato de quem?
O nome do antigo Campo Majoritário (hoje Construindo um Novo Brasil) para comandar o PT, José Eduardo Dutra, tem um caminho se quiser obter o apoio da Mensagem ao Partido, do secretário-geral José Eduardo Cardozo e do ministro Tarso Genro: deve se declarar acima das tendências. Se for lançado como candidato do CNB, terá dificuldade para atrair no primeiro turno do Processo de Eleição Direta (PED) não só o grupo de Cardozo, mas também a Articulação de Esquerda, de Valter Pomar. Já no CNB, por enquanto, o desejo mais forte é justamente isolar as duas correntes rivais.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
Marcadores:
Governo Lula,
Meio Ambiente,
PT
sábado, 6 de junho de 2009
Carlos Minc e a insustentabilidade do ambientalismo petista
O Alon Feuerwecker, com a argúcia de sempre, aponta, no texto abaixo, publicado no jornal Correio Brasiliense, os erros do ambientalismo praticado por alguns setores ditos de esquerda no Brasil. É especialmente crítico em relação ao midiático Ministro Carlos Minc. Toca, ao meu ver, em questões centrais do debate sobre o desenvolvimento brasileiro. Vale a pena conferir!
Peixes ornamentais
O mais recente refúgio de Carlos Minc é bater boca com o agronegócio. Já que não se pode fazer muito, que se fabrique então uma polêmica.
E deu errado. Os produtores de etanol trouxeram ao Brasil o ex-presidente americano Bill Clinton, para ele falar bem do produto. Digamos que o marido de Hillary não chegou a falar mal do nosso álcool, mas deu o recado: os Estados Unidos (e a Europa) acham que uma explosão da demanda mundial pelo combustível de cana brasileiro vai pressionar a fronteira agrícola em direção ao norte, à Amazônia. A pressão virá da cana, do boi e da soja. Ou dos três juntos. Ninguém vai deixar de comer só para andar de carro a álcool.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva gosta de repetir que no Brasil há terra sobrando para plantar cana-de-açúcar. Onde está essa "terra sobrante", ninguém sabe, ninguém viu. Se temos áreas ociosas e improdutivas (os tais "pastos degradados") em grande quantidade, então talvez seja o caso de demitir o ministro do Desenvolvimento Agrário, que deveria estar fazendo as devidas desapropriações, como determina a lei. Mas isso é só um floreio verbal meu. Guilherme Cassel pode dormir tranquilo. Essa terra toda só existe nos discursos de Lula.
São os limites do marketing. Clinton não é político brasileiro, não está mesmerizado pelo "cara". Nem parece interessado nas rentáveis parcerias -inclusive eleitorais- com o nosso setor sucroalcooleiro. Daí que tenha, para tristeza dos anfitriões, repetido o óbvio. As terras agricultáveis aqui são finitas, e ainda está por ser demonstrado que o aumento da produtividade da cana brasileira pode atender o mercado mundial sem elevação significativa da área plantada.
No front ecológico, tem sido inviável para o presidente da República fazer o costumeiro: acender uma vela a Deus, outra ao diabo e seguir em frente na base da conversa. Em 2003, o governo praticamente entregou a área aos movimentos do setor. Para, na sequência, iniciar um sistemático desmonte da agenda ambiental brasileira de matriz global. Em entrevista recente ao jornal Valor Econômico, a ex-ministra e senadora Marina Silva (PT-AC) registrou o fato. Não foi contestada.
Onde está o problema? Como tem sido dito aqui, é impossível a um país com as nossas desigualdades e a nossa demanda por progresso aceitar o cardápio do "nada pode", que nos é servido como a quintessência da responsabilidade ambiental. Hidrelétricas, especialmente na Amazônia? Não pode. Usinas nucleares? Não pode. Estradas? Muito difícil. Hidrovias? Nem pensar. Déficit de casas? A solução depende de licença dos órgãos ambientais. E por aí vai. Nenhuma nação com autoestima e ciosa de sua soberania pode se dobrar diante de uma lógica assim. Muito menos um país com nossa quantidade de pobres. Um governo brasileiro que acolha a pauta do "nada pode" estará condenado à morte política.
Risco que corre o ministro Carlos Minc. Quando substituiu Marina, o perigo estava bem claro. A senadora pediu o boné para não virar um peixinho ornamental no aquário da Esplanada. No caso de Minc, talvez o cálculo de Lula embuta a suposição de que o ministro dá mais valor ao cargo do que à biografia. Verdade que Minc tem procurado lutar no terreno verbal. Seu mais recente refúgio é bater boca com o agronegócio. Já que não se pode fazer muito, que se fabrique então uma polêmica. O que, de quebra, ajuda a segurar um pouco mais a cadeira.
Desde o início de seus já seis anos e meio no terceiro andar do Palácio do Planalto, Lula decidiu a favor do agronegócio todas as disputas internas. Começou lá atrás, com as medidas provisórias da soja transgênica e com a nova Lei de Biossegurança. E a tendência se consolida a cada episódio, a cada divergência.Mas por que Lula segue esse caminho? Talvez porque do outro lado não lhe ofereçam uma agenda factível, compatível com o projeto nacional de desenvolvimento. Ou pelo menos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a plataforma eleitoral da candidata dele à sucessão. Lula é obcecado por soluções intermediárias, por consensos, por meios-termos. Mas não tem vocação para o suicídio político.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
Peixes ornamentais
O mais recente refúgio de Carlos Minc é bater boca com o agronegócio. Já que não se pode fazer muito, que se fabrique então uma polêmica.
E deu errado. Os produtores de etanol trouxeram ao Brasil o ex-presidente americano Bill Clinton, para ele falar bem do produto. Digamos que o marido de Hillary não chegou a falar mal do nosso álcool, mas deu o recado: os Estados Unidos (e a Europa) acham que uma explosão da demanda mundial pelo combustível de cana brasileiro vai pressionar a fronteira agrícola em direção ao norte, à Amazônia. A pressão virá da cana, do boi e da soja. Ou dos três juntos. Ninguém vai deixar de comer só para andar de carro a álcool.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva gosta de repetir que no Brasil há terra sobrando para plantar cana-de-açúcar. Onde está essa "terra sobrante", ninguém sabe, ninguém viu. Se temos áreas ociosas e improdutivas (os tais "pastos degradados") em grande quantidade, então talvez seja o caso de demitir o ministro do Desenvolvimento Agrário, que deveria estar fazendo as devidas desapropriações, como determina a lei. Mas isso é só um floreio verbal meu. Guilherme Cassel pode dormir tranquilo. Essa terra toda só existe nos discursos de Lula.
São os limites do marketing. Clinton não é político brasileiro, não está mesmerizado pelo "cara". Nem parece interessado nas rentáveis parcerias -inclusive eleitorais- com o nosso setor sucroalcooleiro. Daí que tenha, para tristeza dos anfitriões, repetido o óbvio. As terras agricultáveis aqui são finitas, e ainda está por ser demonstrado que o aumento da produtividade da cana brasileira pode atender o mercado mundial sem elevação significativa da área plantada.
No front ecológico, tem sido inviável para o presidente da República fazer o costumeiro: acender uma vela a Deus, outra ao diabo e seguir em frente na base da conversa. Em 2003, o governo praticamente entregou a área aos movimentos do setor. Para, na sequência, iniciar um sistemático desmonte da agenda ambiental brasileira de matriz global. Em entrevista recente ao jornal Valor Econômico, a ex-ministra e senadora Marina Silva (PT-AC) registrou o fato. Não foi contestada.
Onde está o problema? Como tem sido dito aqui, é impossível a um país com as nossas desigualdades e a nossa demanda por progresso aceitar o cardápio do "nada pode", que nos é servido como a quintessência da responsabilidade ambiental. Hidrelétricas, especialmente na Amazônia? Não pode. Usinas nucleares? Não pode. Estradas? Muito difícil. Hidrovias? Nem pensar. Déficit de casas? A solução depende de licença dos órgãos ambientais. E por aí vai. Nenhuma nação com autoestima e ciosa de sua soberania pode se dobrar diante de uma lógica assim. Muito menos um país com nossa quantidade de pobres. Um governo brasileiro que acolha a pauta do "nada pode" estará condenado à morte política.
Risco que corre o ministro Carlos Minc. Quando substituiu Marina, o perigo estava bem claro. A senadora pediu o boné para não virar um peixinho ornamental no aquário da Esplanada. No caso de Minc, talvez o cálculo de Lula embuta a suposição de que o ministro dá mais valor ao cargo do que à biografia. Verdade que Minc tem procurado lutar no terreno verbal. Seu mais recente refúgio é bater boca com o agronegócio. Já que não se pode fazer muito, que se fabrique então uma polêmica. O que, de quebra, ajuda a segurar um pouco mais a cadeira.
Desde o início de seus já seis anos e meio no terceiro andar do Palácio do Planalto, Lula decidiu a favor do agronegócio todas as disputas internas. Começou lá atrás, com as medidas provisórias da soja transgênica e com a nova Lei de Biossegurança. E a tendência se consolida a cada episódio, a cada divergência.Mas por que Lula segue esse caminho? Talvez porque do outro lado não lhe ofereçam uma agenda factível, compatível com o projeto nacional de desenvolvimento. Ou pelo menos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a plataforma eleitoral da candidata dele à sucessão. Lula é obcecado por soluções intermediárias, por consensos, por meios-termos. Mas não tem vocação para o suicídio político.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
Marcadores:
Desenvolvimento Econômico,
Governo Lula,
Meio Ambiente
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Sobre mudança climática
Tenho transcrito aqui muitos dos artigos publicados pelo jornalista Washington Novaes. Lúcido e corajoso, o articulista é uma das poucas penas com espaço na grande imprensa a tratar com profundidade temáticas relacionadas à questão ambiental. Leia, mais abaixo, artigo sobre as mudanças climáticas globais. Vale a pena!
Clima vai exigir muito mais pressão
Washington Novaes
Há quantas décadas os cientistas advertem que não se devem desmatar encostas e topos de morros, nem ocupá-los com construções, porque se corre o risco de deslizamentos e mortes? Há quantas décadas a legislação proíbe essa ocupação? Há quanto tempo a ciência mostra os riscos de ocupar a planície natural de inundação de rios, que periodicamente ali produzem enchentes mais fortes, com vítimas e perdas materiais, ainda mais se canalizados, retificados, obstruídos por barragens? Não são conhecidos há muito tempo os riscos de impermeabilizar todo o solo das cidades com asfalto e não deixar espaço para a infiltração de água - agravando o risco de inundações? Há quantas décadas o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) alerta para a maior freqüência e o agravamento dos chamados "eventos extremos" do clima, principalmente chuvas intensas em curto espaço de tempo?
Quem acompanhou nas últimas semanas o noticiário sobre as chuvas e inundações em Santa Catarina viu todos os fenômenos indesejáveis acontecerem em poucos dias, nos quais morreu mais de uma centena de pessoas, mais de 100 mil foram desalojadas (principalmente moradores de encostas, topos de morros e adjacências), cidades se inundaram, rodovias, gasodutos e portos foram danificados, o turismo teve prejuízos imensos. Numa das cidades choveu mais de 850 milímetros (850 litros de água por m2 de solo) em 36 horas, quando menos de um quarto disso estava previsto para todo o mês. Sofreu-se com a falta de políticas públicas adequadas aos conhecimentos científicos, falta de ações administrativas conseqüentes, falta de informação, de organização da sociedade. Não se tratou apenas de fatalidade.
Pode-se transpor agora o tema para o plano universal. Há pelo menos 20 anos o IPCC vem advertindo para o aumento da temperatura do planeta em conseqüência da emissão de gases poluentes, que intensificam o efeito estufa e agravam os eventos climáticos extremos. Ao longo desse tempo, a Organização Meteorológica Mundial vem mostrando que a cada ano aumentam os milhões de vítimas desses eventos, assim como os prejuízos financeiros, já na casa das centenas de bilhões de dólares anuais. O IPCC alerta que as emissões precisam cair em pelo menos 80% até 2050, para evitar que a temperatura suba mais que 2 graus Celsius (já subiu 0,8 grau) e os problemas sejam ainda mais graves. A Agência Internacional de Energia advertiu em outubro que mesmo com a redução de 80% a elevação da temperatura será de 3 graus. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, nos seus cenários para o Brasil, prevê que a temperatura na Amazônia poderá subir até 6 graus, na tendência atual, e 3 a 4 graus no Centro-Oeste (com a contribuição da perda anual de 22 mil km2 no Cerrado) - e tudo isso influenciará o clima em todo o País, principalmente no Semi-Árido, que poderá perder 20% de seus recursos hídricos. Para completar, o estudo do ex-economista-chefe do Banco Mundial sir Nicholas Stern diz que temos menos de uma década para enfrentar todas essas questões, aplicando anualmente de 2% a 3% do produto bruto mundial (de US$ 1,2 trilhão a US$ 1,8 trilhão) - se não quisermos ter a mais grave recessão econômica da história.
Nada disso foi suficiente para levar os 192 países da Convenção do Clima a chegar, na Polônia, na reunião encerrada no dia 13, a um acordo para reduzir as emissões. A Grã-Bretanha anunciou-se disposta a cortar as suas em 40% até 2030 e 80% até 2050. A União Européia enfrenta resistência de alguns de seus países membros para reduzir 20% até 2020. Os EUA dizem que até 2020 podem cortar 17% sobre as emissões de 2000. E fica-se por aí, sem decisão conjunta, à espera de novas reuniões. Os países "em desenvolvimento" pediam que os industrializados destinassem US$ 20 bilhões por ano para o repasse de tecnologias que os ajudassem a enfrentar o problema; conseguiram míseros US$ 80 milhões. Os países detentores de florestas tropicais queriam que se criasse um mecanismo internacional para custear a redução de desmatamento, queimadas e mudanças no uso do solo em florestas tropicais; só conseguiram a aprovação teórica do sistema (REDD), mas não o caminho concreto para a mobilização e destinação do dinheiro.
O mundo continuará à espera. E o Brasil não sabe como fará para obter os US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões anuais em financiamentos internacionais que o Ministério do Meio Ambiente diz serem necessários para atingir sua meta (sem compromisso na convenção) de baixar o desmatamento na Amazônia em 70% até 2018 - o que significaria chegar a esse ano desmatando 7,5 mil km2 por ano e até lá ainda perder 70 mil km2 de florestas no bioma. Mas quem financiará o mecanismo, sem poder descontar a redução em seu balanço de emissões?
Enquanto isso, diz a ONU (Estado, 6/12) que este ano os dramas do clima já atingem 18 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe. Diz o Banco Mundial que o produto bruto dessas mesmas regiões pode cair mais de 11% até 2080. E diz o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que a crise financeira não deve ser desculpa para a inação. Mas o secretário da Convenção do Clima, Yvo de Boer, admitiu na Polônia que de lá saía com "alguma amargura". Que provavelmente terá aumentado nesta semana com um relatório da minoria republicana no Senado norte-americano enumerando as divergências de centenas de cientistas com relação às conclusões do IPCC.
Nada disso autoriza ou justifica o desânimo. Ao contrário. Reforça a necessidade de mais informação, mais organização social, mais pressão política, mais urgência, para que seja feito o indispensável: programas de redução de emissões, programas de adaptação às mudanças, criação de sistemas de defesa civil em cada município. E sistemas sofisticados de previsão de eventos. Não há alternativa.
Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Clima vai exigir muito mais pressão
Washington Novaes
Há quantas décadas os cientistas advertem que não se devem desmatar encostas e topos de morros, nem ocupá-los com construções, porque se corre o risco de deslizamentos e mortes? Há quantas décadas a legislação proíbe essa ocupação? Há quanto tempo a ciência mostra os riscos de ocupar a planície natural de inundação de rios, que periodicamente ali produzem enchentes mais fortes, com vítimas e perdas materiais, ainda mais se canalizados, retificados, obstruídos por barragens? Não são conhecidos há muito tempo os riscos de impermeabilizar todo o solo das cidades com asfalto e não deixar espaço para a infiltração de água - agravando o risco de inundações? Há quantas décadas o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) alerta para a maior freqüência e o agravamento dos chamados "eventos extremos" do clima, principalmente chuvas intensas em curto espaço de tempo?
Quem acompanhou nas últimas semanas o noticiário sobre as chuvas e inundações em Santa Catarina viu todos os fenômenos indesejáveis acontecerem em poucos dias, nos quais morreu mais de uma centena de pessoas, mais de 100 mil foram desalojadas (principalmente moradores de encostas, topos de morros e adjacências), cidades se inundaram, rodovias, gasodutos e portos foram danificados, o turismo teve prejuízos imensos. Numa das cidades choveu mais de 850 milímetros (850 litros de água por m2 de solo) em 36 horas, quando menos de um quarto disso estava previsto para todo o mês. Sofreu-se com a falta de políticas públicas adequadas aos conhecimentos científicos, falta de ações administrativas conseqüentes, falta de informação, de organização da sociedade. Não se tratou apenas de fatalidade.
Pode-se transpor agora o tema para o plano universal. Há pelo menos 20 anos o IPCC vem advertindo para o aumento da temperatura do planeta em conseqüência da emissão de gases poluentes, que intensificam o efeito estufa e agravam os eventos climáticos extremos. Ao longo desse tempo, a Organização Meteorológica Mundial vem mostrando que a cada ano aumentam os milhões de vítimas desses eventos, assim como os prejuízos financeiros, já na casa das centenas de bilhões de dólares anuais. O IPCC alerta que as emissões precisam cair em pelo menos 80% até 2050, para evitar que a temperatura suba mais que 2 graus Celsius (já subiu 0,8 grau) e os problemas sejam ainda mais graves. A Agência Internacional de Energia advertiu em outubro que mesmo com a redução de 80% a elevação da temperatura será de 3 graus. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, nos seus cenários para o Brasil, prevê que a temperatura na Amazônia poderá subir até 6 graus, na tendência atual, e 3 a 4 graus no Centro-Oeste (com a contribuição da perda anual de 22 mil km2 no Cerrado) - e tudo isso influenciará o clima em todo o País, principalmente no Semi-Árido, que poderá perder 20% de seus recursos hídricos. Para completar, o estudo do ex-economista-chefe do Banco Mundial sir Nicholas Stern diz que temos menos de uma década para enfrentar todas essas questões, aplicando anualmente de 2% a 3% do produto bruto mundial (de US$ 1,2 trilhão a US$ 1,8 trilhão) - se não quisermos ter a mais grave recessão econômica da história.
Nada disso foi suficiente para levar os 192 países da Convenção do Clima a chegar, na Polônia, na reunião encerrada no dia 13, a um acordo para reduzir as emissões. A Grã-Bretanha anunciou-se disposta a cortar as suas em 40% até 2030 e 80% até 2050. A União Européia enfrenta resistência de alguns de seus países membros para reduzir 20% até 2020. Os EUA dizem que até 2020 podem cortar 17% sobre as emissões de 2000. E fica-se por aí, sem decisão conjunta, à espera de novas reuniões. Os países "em desenvolvimento" pediam que os industrializados destinassem US$ 20 bilhões por ano para o repasse de tecnologias que os ajudassem a enfrentar o problema; conseguiram míseros US$ 80 milhões. Os países detentores de florestas tropicais queriam que se criasse um mecanismo internacional para custear a redução de desmatamento, queimadas e mudanças no uso do solo em florestas tropicais; só conseguiram a aprovação teórica do sistema (REDD), mas não o caminho concreto para a mobilização e destinação do dinheiro.
O mundo continuará à espera. E o Brasil não sabe como fará para obter os US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões anuais em financiamentos internacionais que o Ministério do Meio Ambiente diz serem necessários para atingir sua meta (sem compromisso na convenção) de baixar o desmatamento na Amazônia em 70% até 2018 - o que significaria chegar a esse ano desmatando 7,5 mil km2 por ano e até lá ainda perder 70 mil km2 de florestas no bioma. Mas quem financiará o mecanismo, sem poder descontar a redução em seu balanço de emissões?
Enquanto isso, diz a ONU (Estado, 6/12) que este ano os dramas do clima já atingem 18 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe. Diz o Banco Mundial que o produto bruto dessas mesmas regiões pode cair mais de 11% até 2080. E diz o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que a crise financeira não deve ser desculpa para a inação. Mas o secretário da Convenção do Clima, Yvo de Boer, admitiu na Polônia que de lá saía com "alguma amargura". Que provavelmente terá aumentado nesta semana com um relatório da minoria republicana no Senado norte-americano enumerando as divergências de centenas de cientistas com relação às conclusões do IPCC.
Nada disso autoriza ou justifica o desânimo. Ao contrário. Reforça a necessidade de mais informação, mais organização social, mais pressão política, mais urgência, para que seja feito o indispensável: programas de redução de emissões, programas de adaptação às mudanças, criação de sistemas de defesa civil em cada município. E sistemas sofisticados de previsão de eventos. Não há alternativa.
Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Marcadores:
Banco Mundial,
Meio Ambiente,
mudanças climáticas
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
A ascensão política dos verdes no Brasil
Em artigo publicado na Folha de São Paulo de hoje, Ângela Alonso (leia aqui o seu curriculum lattes) analisa a ascensão política dos verdes. Vale a pena a leitura. Transcrevo abaixo alguns trechos do artigo.
Uma nova agenda para o ambientalismo?
ANGELA ALONSO
--------------------------------------------------------------------------------
O sucesso do PV na eleição do Rio mostra que a via eleitoral pode ser estratégia eficaz para o ativismo verde nos anos 2000
--------------------------------------------------------------------------------
"FAÇA AMOR , não faça guerra" e "saudações ecolibertárias" eram slogans de que Fernando Gabeira e Carlos Minc usavam e abusavam na virada dos anos 70 para os 80. Essa pegada de crítica cultural à sociedade capitalista alimentava um socialismo que boa parte da esquerda "séria" considerava "festivo". Ninguém decerto imaginava naquela hora que os dois verdes fossem sair das bordas da oposição ao regime militar para ir parar um no ministério, o outro quase na prefeitura de uma das grandes metrópoles do país.
O ano de 2008 trouxe essa surpresa para quem acompanha a trajetória do movimento ambientalista brasileiro.
(...)
A primeira diz respeito à forma de organização preferencial dos ambientalistas entre nós. Em meados dos anos 80, eles brigaram muito tentando decidir qual a melhor estratégia para levar avante seu proselitismo.
(...)
Nessa queda-de-braço entre partidarizar ou não o ativismo ambientalista, o grupo de Gabeira e Minc perdeu. É certo que formaram o Partido Verde, mas não angariaram apoio eleitoral e tiveram de acompanhar o debate do lado de fora do Congresso.
Já os ambientalistas que apostaram em manter suas associações civis elegeram Fabio Feldmann e o alçaram a grande articulador da questão na Assembléia Constituinte -ao final da qual a proteção ambiental foi parar na letra da lei.
(..)
Contudo, e essa é a surpresa a que me refiro, o sucesso do PV na eleição municipal do Rio de Janeiro mostra que a via eleitoral, descartada pela maioria do movimento ambientalista, pode, sim, ser estratégia eficaz para o ativismo verde nos anos 2000.
A campanha de Gabeira e a chegada de Minc ao Ministério do Meio Ambiente também anunciam, e essa é a segunda novidade, uma inflexão de agenda.
Nos anos 70 e 80, os ambientalistas brasileiros se concentraram numa crítica ampla à sociedade capitalista: da poluição ao estilo de vida acoplado à sociedade de consumo, passando pela desigualdade social. Falavam de uma "sociedade alternativa", na qual as tecnologias limpas andavam de mãos dadas com os direitos das minorias e cujo ponto de fuga era uma sonhada revolução cultural e comportamental. Um programa que associava, à maneira européia, questão ambiental e questão urbana.
Essa tônica sumiu na década seguinte, quando a maioria dos verdes brasileiros migrou para a floresta.
Durante a Rio 92, os verdes ganharam a modulação dos "marrons": movimentos sociais de seringueiros, de barragens e os vinculados aos direitos de povos indígenas que se convertiam ao ambientalismo. Com eles, subiu ao primeiro plano o tema dos "povos da floresta", a associação entre meio ambiente e grupos sociais vivendo nele e dele, de que Chico Mendes, primeiro, e Marina Silva, depois, se tornaram emblema.
A nova abordagem atraiu financiamentos internacionais para projetos de "desenvolvimento sustentável" e de proteção à "biodiversidade" e fomentou dezenas de novas associações, algumas altamente profissionalizadas, voltadas para gerir reservas florestais. Com isso, as questões urbanas e o estilo de vida associado à sociedade de consumo foram relegados ao segundo plano no debate público sobre a questão ambiental no Brasil.
A ascensão política de Gabeira e Minc repõe essa agenda. Porém, o apoio que recebem vem justamente da classe média urbana de alta escolaridade -de quem, as pesquisas de opinião mostraram, Gabeira arrancou mais votos-, isto é, do grupo cujo estilo de vida seria potencialmente mais atingido pela implantação do programa do Partido Verde.
A pergunta que fica, então, é: caso continuem alcançando cargos de comando, os verdes terão força para implementar sua agenda ou ficarão no plano das "saudações ecolibertárias"?
ANGELA ALONSO, 39, doutora em sociologia, é professora de sociologia da USP e coordenadora da área de Conflitos Ambientais do Cebrap. É autora, com Sergio Costa e Sergio Tomioka, de "Modernização Negociada: Expansão Viária e Riscos Ambientais no Brasil", entre outros livros.
Uma nova agenda para o ambientalismo?
ANGELA ALONSO
--------------------------------------------------------------------------------
O sucesso do PV na eleição do Rio mostra que a via eleitoral pode ser estratégia eficaz para o ativismo verde nos anos 2000
--------------------------------------------------------------------------------
"FAÇA AMOR , não faça guerra" e "saudações ecolibertárias" eram slogans de que Fernando Gabeira e Carlos Minc usavam e abusavam na virada dos anos 70 para os 80. Essa pegada de crítica cultural à sociedade capitalista alimentava um socialismo que boa parte da esquerda "séria" considerava "festivo". Ninguém decerto imaginava naquela hora que os dois verdes fossem sair das bordas da oposição ao regime militar para ir parar um no ministério, o outro quase na prefeitura de uma das grandes metrópoles do país.
O ano de 2008 trouxe essa surpresa para quem acompanha a trajetória do movimento ambientalista brasileiro.
(...)
A primeira diz respeito à forma de organização preferencial dos ambientalistas entre nós. Em meados dos anos 80, eles brigaram muito tentando decidir qual a melhor estratégia para levar avante seu proselitismo.
(...)
Nessa queda-de-braço entre partidarizar ou não o ativismo ambientalista, o grupo de Gabeira e Minc perdeu. É certo que formaram o Partido Verde, mas não angariaram apoio eleitoral e tiveram de acompanhar o debate do lado de fora do Congresso.
Já os ambientalistas que apostaram em manter suas associações civis elegeram Fabio Feldmann e o alçaram a grande articulador da questão na Assembléia Constituinte -ao final da qual a proteção ambiental foi parar na letra da lei.
(..)
Contudo, e essa é a surpresa a que me refiro, o sucesso do PV na eleição municipal do Rio de Janeiro mostra que a via eleitoral, descartada pela maioria do movimento ambientalista, pode, sim, ser estratégia eficaz para o ativismo verde nos anos 2000.
A campanha de Gabeira e a chegada de Minc ao Ministério do Meio Ambiente também anunciam, e essa é a segunda novidade, uma inflexão de agenda.
Nos anos 70 e 80, os ambientalistas brasileiros se concentraram numa crítica ampla à sociedade capitalista: da poluição ao estilo de vida acoplado à sociedade de consumo, passando pela desigualdade social. Falavam de uma "sociedade alternativa", na qual as tecnologias limpas andavam de mãos dadas com os direitos das minorias e cujo ponto de fuga era uma sonhada revolução cultural e comportamental. Um programa que associava, à maneira européia, questão ambiental e questão urbana.
Essa tônica sumiu na década seguinte, quando a maioria dos verdes brasileiros migrou para a floresta.
Durante a Rio 92, os verdes ganharam a modulação dos "marrons": movimentos sociais de seringueiros, de barragens e os vinculados aos direitos de povos indígenas que se convertiam ao ambientalismo. Com eles, subiu ao primeiro plano o tema dos "povos da floresta", a associação entre meio ambiente e grupos sociais vivendo nele e dele, de que Chico Mendes, primeiro, e Marina Silva, depois, se tornaram emblema.
A nova abordagem atraiu financiamentos internacionais para projetos de "desenvolvimento sustentável" e de proteção à "biodiversidade" e fomentou dezenas de novas associações, algumas altamente profissionalizadas, voltadas para gerir reservas florestais. Com isso, as questões urbanas e o estilo de vida associado à sociedade de consumo foram relegados ao segundo plano no debate público sobre a questão ambiental no Brasil.
A ascensão política de Gabeira e Minc repõe essa agenda. Porém, o apoio que recebem vem justamente da classe média urbana de alta escolaridade -de quem, as pesquisas de opinião mostraram, Gabeira arrancou mais votos-, isto é, do grupo cujo estilo de vida seria potencialmente mais atingido pela implantação do programa do Partido Verde.
A pergunta que fica, então, é: caso continuem alcançando cargos de comando, os verdes terão força para implementar sua agenda ou ficarão no plano das "saudações ecolibertárias"?
ANGELA ALONSO, 39, doutora em sociologia, é professora de sociologia da USP e coordenadora da área de Conflitos Ambientais do Cebrap. É autora, com Sergio Costa e Sergio Tomioka, de "Modernização Negociada: Expansão Viária e Riscos Ambientais no Brasil", entre outros livros.
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
EVENTO NA UFRN DISCUTIRÁ NANOTECNOLOGIA, SOCIEDADE E MEIO AMBIENTE.

No período de 13 a 17 de outubro próximo, no Auditório B do CCHLA, ocorrerá o V Seminário Internacional Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente. Trata-se de uma promoção conjunta do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN e do IPT/Instituto Tecnológica de Pesquisas do estado de São Paulo. O patrocínio é do NEAD/Ministério do Desenvolvimento Agrário, da FAPERN e da CAPES.
Dos convidados internacionais já estão confirmados:
1) Paul Thompson - Professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Michigan (EUA). Trata-se de um pesquisador que tem se dedicado à reflexão sobre a ética na pequisa científica (muito particularmente na agricultura) e autor, dentre outros, do livro The Spirit of the Soil: Agriculture and Environmental Ethics;
2) Fernando Tula - Professor de filosofia da Universidade Nacional de Quilmes (Argentina) e pesquisador de história da ciência;
3) Hugh Lacey - Professor aposentado do Departamento de Filosofia do Swarthmore College (EUA), foi também professor visitante da USP e tem várias obras publicadas (inclusive em português) sobre filosofia e pesquisa científica, com destaque para Is Science Value Free? Values and Scientific Understanding;
4) Guillermo Folladori - Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Zacatecas (México);
5) José Palma de Oliveira - Professor de psicologia da Universidade de Lisboa.
Quanto às mesas, destacamos as seguintes:
a) nanotecnologia e agricultura
b) nanomedicina
c) Nanotecnologia e ética
d) Nanotecnologia, saúde e segurança do trabalhador
e) Nanotecnologia e economia
Para garantir sua inscrição, escreva, informando seus dados (nome, instituição, atividade - se docente ou discente - neste último caso, em que nível).
Acesse aqui a programação do evento.
GARANTA SUA INSCRIÇÃO, ESCREVA MENSAGEM COM SEUS DADOS (NOME COMPLETO, VINCULAÇÃO INSTITUCIONAL E ATIVIDADE) PARA: seminanonatal@gmail.com
Marcadores:
Ética,
filosofia,
Meio Ambiente,
Nanotecnologia,
pesquisa científica
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
EVENTO NO CCHLA DISCUTIRÁ NANOTECNOLOGIA

No período de 13 a 17 de outubro próximo, no Auditório B do CCHLA, ocorrerá o V Seminário Internacional Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente. Trata-se de uma promoção conjunta do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN e do IPT/Instituto Tecnológica de Pesquisas do estado de São Paulo. O patrocínio é do NEAD/Ministério do Desenvolvimento Agrário, da FAPERN e da CAPES.
Dos convidados internacionais já estão confirmados:
1) Paul Thompson - Professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Michigan (EUA). Trata-se de um pesquisador que tem se dedicado à reflexão sobre a ética na pequisa científica (muito particularmente na agricultura) e autor, dentre outros, do livro The Spirit of the Soil: Agriculture and Environmental Ethics;
2) Fernando Tula - Professor de filosofia da Universidade Nacional de Quilmes (Argentina) e pesquisador de história da ciência;
3) Hugh Lacey - Professor aposentado do Departamento de Filosofia do Swarthmore College (EUA), foi também professor visitante da USP e tem várias obras publicadas (inclusive em português) sobre filosofia e pesquisa científica, com destaque para Is Science Value Free? Values and Scientific Understanding;
4) Guillermo Folladori - Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Zacatecas (México);
5) José Palma de Oliveira - Professor de psicologia da Universidade de Lisboa.
Quanto às mesas, destacamos as seguintes:
a) nanotecnologia e agricultura
b) nanomedicina
c) Nanotecnologia e ética
d) Nanotecnologia, saúde e segurança do trabalhador
e) Nanotecnologia e economia
Para garantir sua inscrição, escreva, informando seus dados (nome, instituição, atividade - se docente ou discente - neste último caso, em que nível).
Acesse aqui a programação do evento.
Marcadores:
Meio Ambiente,
Nanotecnologia,
Seminário
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
Responsabilidade socioambiental: a perspectiva da NSE
Ricardo Abramovay, professor titular da FEA/USP, escreve regularmente no jornal Valor Econômico. Leia, abaixo, artigo de sua autoria publicado na edição do último final de semana intitulado "A dimensão estratégica da responsabilidade socioambiental". Abramovay tem tabalhado na perspectiva analítica da Nova Sociologia Econômica.
A responsabilidade socioambiental do setor privado envolve um paradoxo básico, em torno de cuja explicação a literatura científica se polariza e os atores sociais se dividem. Para uns trata-se de contradição nos termos, ilusão que ignora a essência mesmo do que é o sistema capitalista.
A expressão emblemática deste ponto de vista está na célebre afirmação do prêmio Nobel de Economia, Milton Friedman, segundo o qual qualquer companhia voltada a controlar a poluição além do exigido por lei, para contribuir com a melhoria do meio ambiente, estaria praticando socialismo puro e simples ("pure and unadulterated socialism").
Mais recentemente (e a partir de argumentos diferentes dos de Friedman), Robert Reich, ex-ministro do Trabalho de Bill Clinton, em Supercapitalism, denuncia a noção de responsabilidade social corporativa como uma espécie de cortina de fumaça que obscurece o papel imprescindível do Estado na organização social.
Nefasto desvio das finalidades para as quais a empresa existe ou ilusão perniciosa de que o setor privado pode conduzir transformações sociais significativas, em ambos os casos a conclusão é a mesma: a busca do lucro (no respeito à lei, é claro) resume a essência do que fazem os componentes de uma economia descentralizada.
As unidades individuais operam a partir dos sinais que recebem do mercado e cabe ao Estado corrigir e impor às firmas o ônus das externalidades, isto é, dos efeitos socialmente indesejados de seus atos.
Este ponto de vista padece de dois problemas básicos. Por um lado, ele ignora que o setor privado e as associações empresariais vão muito além do cumprimento da legislação no que se refere aos impactos socioambientais de suas ações.
Não havia qualquer exigência legal para a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais e a Associação Nacional de Exportadores de Cereais decidissem, em junho de 2006, não mais comprar soja vinda de áreas recentemente desmatadas do bioma amazônico.
Da mesma forma, não foi para obedecer à lei que a indústria farmacêutica criou um "índice de acesso aos medicamentos" (http://www.atmindex.org), de cuja elaboração participaram universidades, movimentos sociais, governos e organizações não-governamentais, e cujo ponto de partida está na constatação de que as chamadas doenças negligenciadas não têm recebido nem de longe atenção suficiente do setor privado.
Ora, dirá o leitor, nos dois casos, as empresas só tomam estas iniciativas por interesse, para ganhar mais, por razões, na verdade, egoístas, e não por uma preocupação socioambiental legítima. Aqui reside o segundo problema ligado ao ponto de vista que julga ilusória ou nefasta a própria idéia de responsabilidade socioambiental do setor privado. É claro que o setor privado age por interesse. A questão consiste em saber de que maneira se formam e se exprimem estes interesses.
A principal crítica que se pode fazer aos que rejeitam, em princípio, o conceito de responsabilidade socioambiental do setor privado é que tratam os interesses empresariais como se fossem imunes à pressão social. Tudo se passa como se os mercados, de fato, fossem mecanismos de equilíbrio, neutros, impessoais e situados, por assim dizer, acima da vida social.
Não são apenas as empresas que estão no meio ambiente, sob a forma de emissões, destruição da biodiversidade, poluição e comprometimento tão freqüente do patrimônio social e natural em que intervêm. O meio ambiente (isto é os ecossistemas dos quais as sociedades humanas são parte integrante e indissolúvel) também está nas empresas. Sua presença aí é cada vez mais importante e nela se encontra um dos caminhos de mudança no mundo contemporâneo.
Michael Porter e Mark Kramer, em artigo de 2006 premiado pela Harvard Business Review ("Strategy and Society - The Link between Competitive Advantage and Corporate Social Responsibility"), insistem na dimensão estratégica da responsabilidade corporativa. Muitas companhias, relatam Porter e Kramer, só acordaram para a importância do tema sob pressão e isso lhes trouxe (como no célebre caso da Nike, acusada de fazer uso de trabalho infantil ou das empresas petrolíferas diante de seus sucessivos acidentes) imensos prejuízos.
Com freqüência, a resposta a estas pressões foi episódica, cosmética e, sobretudo, sem horizonte estratégico. O grande desafio para a empresa é medir as conseqüências de suas ações não só em seu entorno imediato, mas numa perspectiva de longo prazo, em que sejam criadas capacidades para antecipar resultados.
Para isso, é fundamental reconhecer a dependência mútua entre corporações e sociedade. Porter e Kramer falam em valores partilhados (shared values), que abram caminho para reduzir os conflitos potenciais que a firma enfrenta.
As escolhas das empresas não envolvem apenas seleção de tecnologias, preços e procedimentos produtivos. Referem-se também à maneira como vão relacionar-se com as dimensões socioambientais do que fazem, ou, em outras palavras, à qualidade de sua inserção social.
A publicação pelo Global Report Initiative de um documento sobre a biodiversidade (http://www.globalreporting.org/home) é um passo marcante neste sentido. Destinado a tomadores de decisão no interior das organizações, o documento mostra a importância dos ecossistemas para a vida humana e sugere procedimentos concretos para proteger e regenerar os ambientes em que atuam.
São imensas as oportunidades de ganho empresarial que uma atitude não predatória oferece. Mas isso exige, com freqüência, mudanças tanto na visão que a empresa tem de seus recursos, como, sobretudo, de suas relações com os stakeholders.
Estes stakeholders vão desde comunidades locais e grupos preocupados como a biodiversidade até investidores temerosos dos riscos que a destruição dos ecossistemas poderia trazer à própria legitimidade (licença para operar) da companhia. Socioambiental não é um setor à parte, uma equipe de bombeiros convocada quando a temperatura sobe, mas sim o componente estratégico decisivo do qual depende a integridade de qualquer organização contemporânea.
(Valor Econômico, 19/9)
A responsabilidade socioambiental do setor privado envolve um paradoxo básico, em torno de cuja explicação a literatura científica se polariza e os atores sociais se dividem. Para uns trata-se de contradição nos termos, ilusão que ignora a essência mesmo do que é o sistema capitalista.
A expressão emblemática deste ponto de vista está na célebre afirmação do prêmio Nobel de Economia, Milton Friedman, segundo o qual qualquer companhia voltada a controlar a poluição além do exigido por lei, para contribuir com a melhoria do meio ambiente, estaria praticando socialismo puro e simples ("pure and unadulterated socialism").
Mais recentemente (e a partir de argumentos diferentes dos de Friedman), Robert Reich, ex-ministro do Trabalho de Bill Clinton, em Supercapitalism, denuncia a noção de responsabilidade social corporativa como uma espécie de cortina de fumaça que obscurece o papel imprescindível do Estado na organização social.
Nefasto desvio das finalidades para as quais a empresa existe ou ilusão perniciosa de que o setor privado pode conduzir transformações sociais significativas, em ambos os casos a conclusão é a mesma: a busca do lucro (no respeito à lei, é claro) resume a essência do que fazem os componentes de uma economia descentralizada.
As unidades individuais operam a partir dos sinais que recebem do mercado e cabe ao Estado corrigir e impor às firmas o ônus das externalidades, isto é, dos efeitos socialmente indesejados de seus atos.
Este ponto de vista padece de dois problemas básicos. Por um lado, ele ignora que o setor privado e as associações empresariais vão muito além do cumprimento da legislação no que se refere aos impactos socioambientais de suas ações.
Não havia qualquer exigência legal para a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais e a Associação Nacional de Exportadores de Cereais decidissem, em junho de 2006, não mais comprar soja vinda de áreas recentemente desmatadas do bioma amazônico.
Da mesma forma, não foi para obedecer à lei que a indústria farmacêutica criou um "índice de acesso aos medicamentos" (http://www.atmindex.org), de cuja elaboração participaram universidades, movimentos sociais, governos e organizações não-governamentais, e cujo ponto de partida está na constatação de que as chamadas doenças negligenciadas não têm recebido nem de longe atenção suficiente do setor privado.
Ora, dirá o leitor, nos dois casos, as empresas só tomam estas iniciativas por interesse, para ganhar mais, por razões, na verdade, egoístas, e não por uma preocupação socioambiental legítima. Aqui reside o segundo problema ligado ao ponto de vista que julga ilusória ou nefasta a própria idéia de responsabilidade socioambiental do setor privado. É claro que o setor privado age por interesse. A questão consiste em saber de que maneira se formam e se exprimem estes interesses.
A principal crítica que se pode fazer aos que rejeitam, em princípio, o conceito de responsabilidade socioambiental do setor privado é que tratam os interesses empresariais como se fossem imunes à pressão social. Tudo se passa como se os mercados, de fato, fossem mecanismos de equilíbrio, neutros, impessoais e situados, por assim dizer, acima da vida social.
Não são apenas as empresas que estão no meio ambiente, sob a forma de emissões, destruição da biodiversidade, poluição e comprometimento tão freqüente do patrimônio social e natural em que intervêm. O meio ambiente (isto é os ecossistemas dos quais as sociedades humanas são parte integrante e indissolúvel) também está nas empresas. Sua presença aí é cada vez mais importante e nela se encontra um dos caminhos de mudança no mundo contemporâneo.
Michael Porter e Mark Kramer, em artigo de 2006 premiado pela Harvard Business Review ("Strategy and Society - The Link between Competitive Advantage and Corporate Social Responsibility"), insistem na dimensão estratégica da responsabilidade corporativa. Muitas companhias, relatam Porter e Kramer, só acordaram para a importância do tema sob pressão e isso lhes trouxe (como no célebre caso da Nike, acusada de fazer uso de trabalho infantil ou das empresas petrolíferas diante de seus sucessivos acidentes) imensos prejuízos.
Com freqüência, a resposta a estas pressões foi episódica, cosmética e, sobretudo, sem horizonte estratégico. O grande desafio para a empresa é medir as conseqüências de suas ações não só em seu entorno imediato, mas numa perspectiva de longo prazo, em que sejam criadas capacidades para antecipar resultados.
Para isso, é fundamental reconhecer a dependência mútua entre corporações e sociedade. Porter e Kramer falam em valores partilhados (shared values), que abram caminho para reduzir os conflitos potenciais que a firma enfrenta.
As escolhas das empresas não envolvem apenas seleção de tecnologias, preços e procedimentos produtivos. Referem-se também à maneira como vão relacionar-se com as dimensões socioambientais do que fazem, ou, em outras palavras, à qualidade de sua inserção social.
A publicação pelo Global Report Initiative de um documento sobre a biodiversidade (http://www.globalreporting.org/home) é um passo marcante neste sentido. Destinado a tomadores de decisão no interior das organizações, o documento mostra a importância dos ecossistemas para a vida humana e sugere procedimentos concretos para proteger e regenerar os ambientes em que atuam.
São imensas as oportunidades de ganho empresarial que uma atitude não predatória oferece. Mas isso exige, com freqüência, mudanças tanto na visão que a empresa tem de seus recursos, como, sobretudo, de suas relações com os stakeholders.
Estes stakeholders vão desde comunidades locais e grupos preocupados como a biodiversidade até investidores temerosos dos riscos que a destruição dos ecossistemas poderia trazer à própria legitimidade (licença para operar) da companhia. Socioambiental não é um setor à parte, uma equipe de bombeiros convocada quando a temperatura sobe, mas sim o componente estratégico decisivo do qual depende a integridade de qualquer organização contemporânea.
(Valor Econômico, 19/9)
Marcadores:
Abramovay,
Empresas,
Meio Ambiente,
Nova Sociologia Econômica,
Responsabilidade social
Assinar:
Postagens (Atom)