Tenho transcrito aqui muitos dos artigos publicados pelo jornalista Washington Novaes. Lúcido e corajoso, o articulista é uma das poucas penas com espaço na grande imprensa a tratar com profundidade temáticas relacionadas à questão ambiental. Leia, mais abaixo, artigo sobre as mudanças climáticas globais. Vale a pena!
Clima vai exigir muito mais pressão
Washington Novaes
Há quantas décadas os cientistas advertem que não se devem desmatar encostas e topos de morros, nem ocupá-los com construções, porque se corre o risco de deslizamentos e mortes? Há quantas décadas a legislação proíbe essa ocupação? Há quanto tempo a ciência mostra os riscos de ocupar a planície natural de inundação de rios, que periodicamente ali produzem enchentes mais fortes, com vítimas e perdas materiais, ainda mais se canalizados, retificados, obstruídos por barragens? Não são conhecidos há muito tempo os riscos de impermeabilizar todo o solo das cidades com asfalto e não deixar espaço para a infiltração de água - agravando o risco de inundações? Há quantas décadas o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) alerta para a maior freqüência e o agravamento dos chamados "eventos extremos" do clima, principalmente chuvas intensas em curto espaço de tempo?
Quem acompanhou nas últimas semanas o noticiário sobre as chuvas e inundações em Santa Catarina viu todos os fenômenos indesejáveis acontecerem em poucos dias, nos quais morreu mais de uma centena de pessoas, mais de 100 mil foram desalojadas (principalmente moradores de encostas, topos de morros e adjacências), cidades se inundaram, rodovias, gasodutos e portos foram danificados, o turismo teve prejuízos imensos. Numa das cidades choveu mais de 850 milímetros (850 litros de água por m2 de solo) em 36 horas, quando menos de um quarto disso estava previsto para todo o mês. Sofreu-se com a falta de políticas públicas adequadas aos conhecimentos científicos, falta de ações administrativas conseqüentes, falta de informação, de organização da sociedade. Não se tratou apenas de fatalidade.
Pode-se transpor agora o tema para o plano universal. Há pelo menos 20 anos o IPCC vem advertindo para o aumento da temperatura do planeta em conseqüência da emissão de gases poluentes, que intensificam o efeito estufa e agravam os eventos climáticos extremos. Ao longo desse tempo, a Organização Meteorológica Mundial vem mostrando que a cada ano aumentam os milhões de vítimas desses eventos, assim como os prejuízos financeiros, já na casa das centenas de bilhões de dólares anuais. O IPCC alerta que as emissões precisam cair em pelo menos 80% até 2050, para evitar que a temperatura suba mais que 2 graus Celsius (já subiu 0,8 grau) e os problemas sejam ainda mais graves. A Agência Internacional de Energia advertiu em outubro que mesmo com a redução de 80% a elevação da temperatura será de 3 graus. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, nos seus cenários para o Brasil, prevê que a temperatura na Amazônia poderá subir até 6 graus, na tendência atual, e 3 a 4 graus no Centro-Oeste (com a contribuição da perda anual de 22 mil km2 no Cerrado) - e tudo isso influenciará o clima em todo o País, principalmente no Semi-Árido, que poderá perder 20% de seus recursos hídricos. Para completar, o estudo do ex-economista-chefe do Banco Mundial sir Nicholas Stern diz que temos menos de uma década para enfrentar todas essas questões, aplicando anualmente de 2% a 3% do produto bruto mundial (de US$ 1,2 trilhão a US$ 1,8 trilhão) - se não quisermos ter a mais grave recessão econômica da história.
Nada disso foi suficiente para levar os 192 países da Convenção do Clima a chegar, na Polônia, na reunião encerrada no dia 13, a um acordo para reduzir as emissões. A Grã-Bretanha anunciou-se disposta a cortar as suas em 40% até 2030 e 80% até 2050. A União Européia enfrenta resistência de alguns de seus países membros para reduzir 20% até 2020. Os EUA dizem que até 2020 podem cortar 17% sobre as emissões de 2000. E fica-se por aí, sem decisão conjunta, à espera de novas reuniões. Os países "em desenvolvimento" pediam que os industrializados destinassem US$ 20 bilhões por ano para o repasse de tecnologias que os ajudassem a enfrentar o problema; conseguiram míseros US$ 80 milhões. Os países detentores de florestas tropicais queriam que se criasse um mecanismo internacional para custear a redução de desmatamento, queimadas e mudanças no uso do solo em florestas tropicais; só conseguiram a aprovação teórica do sistema (REDD), mas não o caminho concreto para a mobilização e destinação do dinheiro.
O mundo continuará à espera. E o Brasil não sabe como fará para obter os US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões anuais em financiamentos internacionais que o Ministério do Meio Ambiente diz serem necessários para atingir sua meta (sem compromisso na convenção) de baixar o desmatamento na Amazônia em 70% até 2018 - o que significaria chegar a esse ano desmatando 7,5 mil km2 por ano e até lá ainda perder 70 mil km2 de florestas no bioma. Mas quem financiará o mecanismo, sem poder descontar a redução em seu balanço de emissões?
Enquanto isso, diz a ONU (Estado, 6/12) que este ano os dramas do clima já atingem 18 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe. Diz o Banco Mundial que o produto bruto dessas mesmas regiões pode cair mais de 11% até 2080. E diz o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que a crise financeira não deve ser desculpa para a inação. Mas o secretário da Convenção do Clima, Yvo de Boer, admitiu na Polônia que de lá saía com "alguma amargura". Que provavelmente terá aumentado nesta semana com um relatório da minoria republicana no Senado norte-americano enumerando as divergências de centenas de cientistas com relação às conclusões do IPCC.
Nada disso autoriza ou justifica o desânimo. Ao contrário. Reforça a necessidade de mais informação, mais organização social, mais pressão política, mais urgência, para que seja feito o indispensável: programas de redução de emissões, programas de adaptação às mudanças, criação de sistemas de defesa civil em cada município. E sistemas sofisticados de previsão de eventos. Não há alternativa.
Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
O Banco Mundial e as políticas de combate à pobreza: o caso da Paraíba
Em um dos últimos números do Caderno CRH, revista da área de ciências sociais publicada pela UFBA, você vai encontrar um artigo de autoria do Professor Flávio Lúcio Rodrigues Vieira, da UFPB, analisando uma política de combate à pobreza apoiada pelo Banco Mundial na Paraíba. Intitulado O banco mundial e o combate à pobreza no nordeste: o caso da Paraíba, o artigo, a partir de um estudo de caso, fornece importantes elementos para uma análise mais larga das políticas de combate à pobreza. Trancrevo abaixo o resumo do artigo. Para ler o artigo completo, clique aqui.
Neste artigo, é estudada a participação do Banco Mundial no financiamento do Projeto Cooperar, um plano de combate à pobreza, em execução pelo Governo da Paraíba desde 1997. Na primeira parte, enfocamos a atuação do BIRD, analisando as mudanças ocorridas nas estratégias aplicadas no Nordeste e a crescente participação dessa instituição internacional no financiamento de políticas de desenvolvimento voltadas para a região. Procuramos enfatizar as mudanças ocorridas na estratégia do Banco Mundial voltados ao financiamento de projetos orientados pela idéia de desenvolvimento rural, experiências que foram fundamentais para o aperfeiçoamento dos mecanismos de atuação do BIRD no Brasil e que constituem elementos antecedentes da estratégia de combate à pobreza no Nordeste durante a década de 1990. Na segunda parte, a análise é orientada para o Projeto Cooperar, exemplar de política de combate à pobreza no Nordeste, quando são examinadas suas origens, sua estratégia e o nível de interferência do Banco Mundial na implementação da estratégia de desenvolvimento.
Neste artigo, é estudada a participação do Banco Mundial no financiamento do Projeto Cooperar, um plano de combate à pobreza, em execução pelo Governo da Paraíba desde 1997. Na primeira parte, enfocamos a atuação do BIRD, analisando as mudanças ocorridas nas estratégias aplicadas no Nordeste e a crescente participação dessa instituição internacional no financiamento de políticas de desenvolvimento voltadas para a região. Procuramos enfatizar as mudanças ocorridas na estratégia do Banco Mundial voltados ao financiamento de projetos orientados pela idéia de desenvolvimento rural, experiências que foram fundamentais para o aperfeiçoamento dos mecanismos de atuação do BIRD no Brasil e que constituem elementos antecedentes da estratégia de combate à pobreza no Nordeste durante a década de 1990. Na segunda parte, a análise é orientada para o Projeto Cooperar, exemplar de política de combate à pobreza no Nordeste, quando são examinadas suas origens, sua estratégia e o nível de interferência do Banco Mundial na implementação da estratégia de desenvolvimento.
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quinta-feira, 11 de setembro de 2008
O atraso na nossa produção de conhecimento
Notícia preocupante, publicada no Estadão de hoje.
País fica atrás em inovação, diz Bird
Estudo do Banco Mundial aponta que universidade é distante da indústria e que Brasil só adapta tecnologias
Simone Iwasso e Maria Rehder
O Brasil está ficando para trás na comparação com outros países em desenvolvimento quando se trata de produzir conhecimento novo e de convertê-lo em resultados práticos.
Leia a íntegra da entrevista com o pesquisador do Banco Mundial
A conclusão é de um estudo inédito do Banco Mundial (Bird), que será divulgado hoje em seminário promovido pela Fundação Lemann. Ele aponta os fatores da deficiência brasileira na área: ensino básico precário, que resulta em profissionais pouco qualificados, universidades distantes do setor produtivo e voltadas mais para conhecimento teórico do que prático e tradição de importar e adaptar tecnologias, em vez de criá-las.
“O Brasil está publicando pesquisas em um ritmo bastante aceitável, tendo hoje 2% dos artigos científicos de revistas e jornais internacionais. Mas o número de patentes é baixo, 0,18% das patentes internacionais são brasileiras”, explica Alberto Rodriguez, um dos principais autores, que está no País esta semana para lançar o estudo.
“Há a necessidade de que a pesquisa feita na universidade e nos laboratórios seja mais voltada para aplicações práticas e menos para a teoria. E há excessiva falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento por parte do setor privado, que precisa se envolver mais.”
Segundo ele, enquanto outros países em desenvolvimento, como China, Índia e Coréia, estão se transformando em produtores de conhecimento graças a investimentos na formação de pesquisadores em áreas tecnológicas - e, com isso, alavancando suas economias -, o Brasil segue dependente de seus bens naturais, crescendo em um ritmo menor. “Apenas 19% dos estudantes de ensino superior no Brasil estão nas áreas de ciências e engenharias. No Chile são 33% e, na China, 53%”, afirma o relatório.
De acordo com levantamento feito pelo Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Unesp com base em dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), as universidades hoje representam 0,78% do total de depositantes de patentes no País - que conta com cerca de 50 mil pesquisadores.
A assessora da pró-reitoria de pesquisa da Unesp, Tânia Regina de Luca, reconhece a necessidade de as universidades investirem em inovação para a sua incorporação pelo setor produtivo, além da transformação do conhecimento científico em conhecimento técnico e gerencial. “Não podemos negar que isso contribui para o crescimento econômico do País”, avalia. “Temos de manter relações próximas com as indústrias, mas não podemos deixar de lado a autonomia das universidades, a nossa preocupação é com o conhecimento pelo conhecimento, com a pesquisa livre, e às vezes a empresa está mais preocupada com a gestão do conhecimento para gerar lucro.”
Para Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), um dos motivos que explicam o descompasso entre indústria e academia é a falta de doutores trabalhando em pesquisa nas empresas. “A universidade muitas vezes não tem com quem dialogar na empresa porque ela não faz pesquisa e há poucos doutores”, avalia Cruz.
“Concordo com o relatório quando ele aponta que precisamos ter algumas universidades de excelência, com padrão de pesquisa internacional, e isso está na contramão da nossa política educacional, que não valoriza a excelência e prega a homogeneização”, afirma.
País fica atrás em inovação, diz Bird
Estudo do Banco Mundial aponta que universidade é distante da indústria e que Brasil só adapta tecnologias
Simone Iwasso e Maria Rehder
O Brasil está ficando para trás na comparação com outros países em desenvolvimento quando se trata de produzir conhecimento novo e de convertê-lo em resultados práticos.
Leia a íntegra da entrevista com o pesquisador do Banco Mundial
A conclusão é de um estudo inédito do Banco Mundial (Bird), que será divulgado hoje em seminário promovido pela Fundação Lemann. Ele aponta os fatores da deficiência brasileira na área: ensino básico precário, que resulta em profissionais pouco qualificados, universidades distantes do setor produtivo e voltadas mais para conhecimento teórico do que prático e tradição de importar e adaptar tecnologias, em vez de criá-las.
“O Brasil está publicando pesquisas em um ritmo bastante aceitável, tendo hoje 2% dos artigos científicos de revistas e jornais internacionais. Mas o número de patentes é baixo, 0,18% das patentes internacionais são brasileiras”, explica Alberto Rodriguez, um dos principais autores, que está no País esta semana para lançar o estudo.
“Há a necessidade de que a pesquisa feita na universidade e nos laboratórios seja mais voltada para aplicações práticas e menos para a teoria. E há excessiva falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento por parte do setor privado, que precisa se envolver mais.”
Segundo ele, enquanto outros países em desenvolvimento, como China, Índia e Coréia, estão se transformando em produtores de conhecimento graças a investimentos na formação de pesquisadores em áreas tecnológicas - e, com isso, alavancando suas economias -, o Brasil segue dependente de seus bens naturais, crescendo em um ritmo menor. “Apenas 19% dos estudantes de ensino superior no Brasil estão nas áreas de ciências e engenharias. No Chile são 33% e, na China, 53%”, afirma o relatório.
De acordo com levantamento feito pelo Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Unesp com base em dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), as universidades hoje representam 0,78% do total de depositantes de patentes no País - que conta com cerca de 50 mil pesquisadores.
A assessora da pró-reitoria de pesquisa da Unesp, Tânia Regina de Luca, reconhece a necessidade de as universidades investirem em inovação para a sua incorporação pelo setor produtivo, além da transformação do conhecimento científico em conhecimento técnico e gerencial. “Não podemos negar que isso contribui para o crescimento econômico do País”, avalia. “Temos de manter relações próximas com as indústrias, mas não podemos deixar de lado a autonomia das universidades, a nossa preocupação é com o conhecimento pelo conhecimento, com a pesquisa livre, e às vezes a empresa está mais preocupada com a gestão do conhecimento para gerar lucro.”
Para Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), um dos motivos que explicam o descompasso entre indústria e academia é a falta de doutores trabalhando em pesquisa nas empresas. “A universidade muitas vezes não tem com quem dialogar na empresa porque ela não faz pesquisa e há poucos doutores”, avalia Cruz.
“Concordo com o relatório quando ele aponta que precisamos ter algumas universidades de excelência, com padrão de pesquisa internacional, e isso está na contramão da nossa política educacional, que não valoriza a excelência e prega a homogeneização”, afirma.
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