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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Mais um artigo de Washington Novaes

Sempre que possível, coloco aqui os artigos de autoria de Washington Novaes. Trata-se de um dos poucos jornalistas que escreve na grande imprensa e consegue emitir uma opinião própria. Se fosse somente isso, já merecia ser lido. Mas tem mais: é crítico, analítico e não faz jogo de cena com a platéia. Bom, tudo isso é para te convidar à leitura do artigo dele publicado hoje no Estadão. Está aí embaixo. Caso queira ir direto, faço questão de fornecer o link do Estadão, esse jornal que facilita a vida dos internautas permitindo livre acesso ao seu conteúdo.

A crise do dinheiro no mundo da mandioca

Washington Novaes

Por menos que o mercado financeiro o deseje, a cada dia a crise nos mercados mundiais traz à luz mais discussões sobre o descompasso entre o terreno das finanças, a realidade concreta e os limites do planeta; entre os valores em jogo nesse mercado (fala-se em mais de US$ 500 trilhões) e o valor da produção efetiva (o produto bruto mundial é calculado em cerca de US$ 60 trilhões por ano); entre os formatos de calcular esse produto e as realidades que eles ignoram; entre as possibilidades reais em termos de recursos e serviços naturais e o consumo insustentável, já além desses limites concretos.

Algumas manifestações nas últimas semanas puseram ainda mais em evidência o tema. A começar pela prestigiada revista britânica New Scientist, que dedicou sua capa a uma discussão entre cientistas e estudiosos do "desenvolvimento sustentável". Ela conclui pela afirmação de que "a ciência nos diz que se for para levarmos a sério a tentativa de salvar o planeta temos de remodelar nossa economia", já que esta, hoje, busca o "crescimento infinito", enquanto os recursos naturais são finitos. Uma das opiniões citadas é do respeitado economista Hernan Daly, da Universidade de Maryland e ex-Banco Mundial, segundo quem "a Terra já não está conseguindo sustentar a economia existente, muito menos uma que continue crescendo (...); o mundo caminha para desastres ecológico e econômico (por falta de recursos naturais); é preciso mudar".

Na mesma direção vai entrevista do professor Paul Singer, da USP e da Secretaria da Economia Solidária do Ministério do Trabalho, a uma publicação da Unisinos, sobre o consumo além da capacidade de reposição planetária (um dos exemplos por ele citados é o da produção de carnes). Ele lembra que em O Mito do Desenvolvimento Econômico (1974) o economista Celso Furtado já comentava a impossibilidade de o mundo todo chegar ao padrão de consumo dos EUA - por falta de recursos e serviços naturais. Também o professor Ricardo Abramovay, da Faculdade de Economia da USP, observa (Valor Econômico, 9/10) que "a maneira de medir a riqueza está ultrapassada", sem levar em conta vários fatores e ignorando a urgência de "descarbonizar a matriz energética global", hoje dependente, em 80%, de combustíveis fósseis, e que tem graves conseqüências na área do clima.

Ainda uma vez, é preciso ressaltar neste momento:

A ausência de uma estratégia adequada brasileira diante desse quadro, levando em conta o privilégio de ser um País bem dotado de recursos e serviços naturais, que são exatamente o fator escasso no mundo - como já se escreveu tantas vezes neste espaço.

O contra-senso de quase toda a discussão sobre a crise atual deixar de lado uma evidência: enquanto os governos direcionam trilhões de dólares para salvar instituições financeiras, este ano o movimento da ONU contra a fome só conseguiu 10% dos US$ 22 bilhões de que precisava para enfrentar o problema no mundo - o número de pessoas nessa situação aumentou de 850 milhões para 925 milhões, disse o diretor-geral da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Jacques Diouf. Segundo a FAO, nada menos que 33 países estão em "situação alarmante", sem produção interna de alimentos suficiente. No Brasil, com uns 30% da população abaixo da linha da pobreza, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, os 20% mais pobres da população gastam 34,5% de sua renda total com alimentos.

Diz ainda a Organização Internacional do Trabalho (OIT) que a atual crise financeira já aumentou em 20 milhões o número de desempregados no mundo, que pela primeira vez passa de 200 milhões - são agora 210 milhões. O contingente de pessoas que vive com menos um dólar por dia subiu de 480 milhões para 520 milhões; com mais 100 milhões de pessoas que têm menos de dois dólares diários, este contingente soma agora 1,4 bilhões de pessoas. E o temor é de que venha a aumentar muito a criminalidade, com a ampliação do desemprego entre jovens.

Diante das incertezas na área dos alimentos e da necessidade de importar trigo, parece estranho o presidente da República vetar projeto, aprovado pelo Congresso Nacional (Estadão Online, 10/10), que exigia a adição de amido de mandioca à farinha de trigo comprada pelo poder público, sob a alegação de que seria difícil comprovar as porcentagens (quando em outras épocas no País toda a farinha de trigo recebeu a mistura). Estranho, em primeiro lugar, porque limita caminhos a um dos principais produtos da agricultura familiar, que responde por 70% do abastecimento interno de alimentos (82% da mandioca, 59% dos suínos, 58,9% do feijão, 55,4% do leite, 47,9% das aves, 43,1% do milho, 41,3% do arroz, 28,4% da soja) e pela quase totalidade dos postos de trabalho na zona rural, onde ainda vivem uns 20% dos brasileiros. Segundo, porque a mandioca é a mais adequada de todas as culturas aos solos brasileiros - não precisa de "corretivos" nem de outros insumos químicos. Quanto não vale isso, quando o valor das commodities de exportação caiu 30% em média (Estado,17/10) este ano, enquanto o preço internacional dos fertilizantes fosfatados subiu de US$ 250 para US$1.230 a tonelada, como lembra o professor Abramovay; o de adubos à base de potássio subiu de US$ 172 para US$ 500; o de nitrogenados, de US$ 277 para US$ 450?

Há quase 20 anos, o cientista Paulo Tarso Alvim sentenciava: "Se a mandioca fosse norte-americana, o mundo todo estaria comendo tapioca flakes e mandioca puffs." Não terá chegado a hora de rever estratégias, adequar a economia a realidades maiores, antecipar-se a efeitos da crise global, que poderão ser ainda mais danosos - em lugar de dizer, como nos mais altos níveis da República, que "a crise na oferta de alimentos é passageira, não é coisa perigosa" (Estado, 26/4)?


Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

sábado, 6 de setembro de 2008

Sobre as empregadas domésticas

Leia, abaixo, coluna de autoria de Sérgio Malbergier, colunista do UOL, a respeito da situação das empregadas domésticas. Comento no final do post.

Dependência de empregada
Sérgio Malbergier

Uma das piores memórias que tenho é dos gritos: "Tereeeeeeza! Tereeeeeeeeeeza! Traz um copo d'água! Por favor!".

Gritávamos da sala, seis, sete anos de idade, assistindo à TV, para a empregada trazer um copo d'água.

Um horror...

A Constituição dita "cidadã" de 1988 gravou em lei essa discriminação, herança da escravidão, que "permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil", na profecia de Joaquim Nabuco do final do século 19.

As domésticas são a maior categoria profissional do Brasil, com 6,8 milhões de empregadas. E mesmo assim os constituintes tiraram delas direitos inalienáveis dos trabalhadores, quase todos desde os anos 1940, como jornada de trabalho estabelecida em lei, hora extra, adicional noturno, salário-família e FGTS. Uma mancha na Carta "cidadã" que só pode estar fincada numa "característica nacional do Brasil" bem representada naquele Congresso.

Como mostrou reportagem do caderno Dinheiro, acabar com a discriminação deve dobrar os custos com as domésticas. A jornada de trabalho no Brasil é de 44 horas semanais. Sem discriminação, sua empregada trabalhará, por exemplo, das 7 da manhã às 3 da tarde de segunda a sexta e das 8 ao meio-dia no sábado. O que passar disso, hora extra. Jantar? Adicional noturno.

Nisso, o governo fala o que deve: "O que o governo quer é apagar essa mancha de discriminação presente na Constituição. A idéia é mandar ainda neste ano, quando comemoramos 20 anos da Constituinte, uma PEC para resolver essa questão e ampliar os direitos dessa categoria que é a maior do país", disse a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, às repórteres Fátima Fernandes e Claudia Rolli.

Só em países de péssimo sistema educacional e de desigualdades gritantes as relações trabalhistas permitem, no século 21, multidões de domésticos prontos para servir às classes altas e mesmo médias.

Um americano que se casou com uma amiga brasileira e depois veio morar aqui com as filhas não vê a hora de arrumar emprego em Nova York para levar a família de volta. Diz que lhe revolta ver as crianças deixando a mesa sem levar os pratos à cozinha nem nunca lavá-los. Não quer as filhas crescendo nesse ambiente senhorial.

Talvez seja mais fácil ao olhar estrangeiro observar o absurdo dessa relação, como as minúsculas e claustrofóbicas "dependências de empregada", as entradas de serviço, a comida diferente, o trabalho de sol à lua, humilhações inomináveis diariamente em milhões de lares brasileiros.

Justiça, mesmo que tardia.


Comentário:


Smpre me indignei com a forma como são tratadas as empregadas domésticas no Brasil. Não raras vezes, visitando pessoas amigas, perco toda a alegria quando vejo como as mesmas, geralmente pertencentes à dita classe média intelectualizada, tratam suas empregadas. É gente que não consegue manter uma conversa por mais de dez minutos sem tomar Foucault ou Bourdieu como muletas, mas, sem nenhuma cerimônia, grita e faz exigências descabidas às suas empregadas. Outras vezes, na aula de ballet de minha filha ou em algum restaurante aqui em Natal, vejo como os pimpolhos são tratados e tratam as empregadas. Nessas situações, o amargo sobe à garganta e uma desesperança erosiva quer adentrar na minha alma.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

A construção social do mercado de drogas

Uma análise criativa e corajosa sobre as condições de trabalho no mercado de drogas no Rio de Janeiro, levando em conta os aportes de Karl Polanyi, autor de "A grande transformação", obra de referência da Nova Sociologia Econômica, foi feita pelo Professor Michel Misse (UFRJ) em Mesa redonda ocorrida no Encontro Anual da ANPOCS de 2007. O título da mesa redonda, da qual também participou a Professora Adriana Piscitelli (UNICAMP), era "O mundo do trabalho pelo avesso". A intervenção de Misse, depois transformada em artigo (eu colocarei o link do mesmo em outra postagem), pode ser acompanhada aqui.