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sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O artigo de Washington Novaes de hoje

Como sempre, republico aqui os artigos do jornalista. Eles são publicados no jornal O Estado de São Paulo. Leia-o abaixo.

Perguntas de fim de ano

Washington Novaes

O Brasil chega a este final de ano posto diante de algumas das maiores dúvidas e interrogações de sua história. Trata-se de saber o que fará com sua matriz energética, especialmente com o petróleo, e com seus recursos naturais, no mundo perplexo com a crise financeira e condicionantes "ambientais" muito graves.

Os jornais anunciam que o governo vai contratar um escritório de advocacia para definir o marco legal para a exploração do petróleo na chamada camada pré-sal, depois que o presidente da República optar entre os vários caminhos examinados por uma comissão interministerial. Aí já terá pela frente questões complicadas, de ordem política, financeira e econômica, que têm sido examinadas por este jornal ao longo dos últimos meses. Mas o problema não se esgota nesse ponto. Será preciso saber como o mundo e o País se comportarão no panorama das mudanças climáticas e na discussão sobre a insustentabilidade do uso de recursos e serviços naturais no mundo, já além da capacidade de reposição do planeta. Porque, em princípio, essas duas questões exigirão profundas mudanças nas matrizes energéticas e de transportes em toda a parte (e no consumo de combustíveis), nos padrões de uso de materiais, nos formatos de construção, na agropecuária, em tudo. No caso do petróleo, influenciarão também com os preços a viabilidade ou não da própria exploração das novas jazidas.

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), a Agência Internacional de Energia e relatórios como o do ex-economista-chefe do Banco Mundial sir Nicholas Stern dizem que será indispensável reduzir em 80% até 2050 as emissões de poluentes (em que os combustíveis fósseis respondem por 80% do total) que intensificam o efeito estufa e acentuam os desastres climáticos. O mundo em crise acolherá as advertências ou seguirá com o atual aumento de emissões, incapaz de investir em busca daquelas mudanças tecnológicas em meio à crise financeira? Se optar pelas mudanças, em que ritmo elas acontecerão e que influência terão no consumo e nos preços do petróleo, do gás natural e do carvão? Hoje o consumo de petróleo está em 85 milhões de barris/dia (34% da demanda total de energia), com previsão de 106 milhões em 2030 (30% de demanda). Subsistirá? Já caiu um pouco neste final de ano e prevê-se nova queda para 2009.

O preço do barril, que já chegou a mais de US$ 150, na semana passada caiu abaixo de US$ 40 - patamar considerado mínimo por muitos analistas para viabilizar investimentos no pré-sal. Ficará mais viável - principalmente nos países que usam diesel e gás para gerar energia - investir em outros formatos de geração? Uma terceira hipótese será a de estarem ou não à disposição tecnologias que permitam evitar as emissões de poluentes sem mudar a matriz energética. A principal delas seria a captura e o sepultamento de carbono emitido em usinas de geração de energia na queima de diesel, carvão mineral ou gás. Tecnicamente é possível, diz o IPCC. Mas não se sabe ainda que conseqüências geológicas, hidrológicas, sismológicas ou na biodiversidade marinha (se a deposição for no mar) terá. A viabilidade de altos investimentos em petróleo estará condicionada por esses fatores. Ainda mais que a produção na camada pré-sal levará 27 anos, como disse o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, num seminário da Federação Única dos Petroleiros. O que acontecerá em tão largo tempo? Principalmente quando não se sabe exatamente qual é o volume de óleo explorável - e isso depende da geologia, da geofísica, da petrofísica e da engenharia, lembrou ele. Assim como depende do custo futuro de navios, plataformas, refinarias e sondas. E o País ainda não sabe exatamente com que receitas de exportação contará nos próximos anos, para poder calcular investimentos.

Pelo ângulo geral do consumo a questão não é menos complicada. Que se fará diante das seguidas advertências de que o consumo atual de recursos e serviços naturais (2,5 hectares por habitante/ano) é insustentável (a disponibilidade é de 1,8 hectare) e agrava a crise dos recursos hídricos, a desertificação, a perda da biodiversidade e as mudanças climáticas? A alternativa seria a criação e implantação de padrões compatíveis com a capacidade de reposição no planeta. Caso contrário, vai-se seguir aumentando o número dos que passam fome no mundo (já perto de 1 bilhão, segundo a ONU), dos que vivem abaixo da linha da pobreza (cerca de 3 bilhões), dos atingidos pelos desastres do clima (centenas de milhões a cada ano). Que conseqüências políticas e sociais se esperam, se for esse o caminho? E o que acontecerá por decorrência na área de energia?

O panorama energético brasileiro é confuso e problemático. Desprezam-se os estudos científicos que indicam a possibilidade de forte economia no consumo de energia e redução de perdas - só se pensa em construir novas usinas hidrelétricas e nucleares. O programa de energias alternativas (solar, eólica) só dispõe de recursos mínimos. Não assumimos compromissos na Convenção do Clima, só metas internas como as de redução do desmatamento na Amazônia, sem saber exatamente como fazê-lo, porque os recursos financeiros federais são mais que escassos e não há caminhos definidos no âmbito internacional para que outros países possam supri-los.Transferimos para 2010 um projeto de zoneamento para o Cerrado, que perde 22 mil km² por ano e responde por 26% das emissões totais brasileiras. Também acabamos de adiar para o ano que vem o novo inventário de emissões totais brasileiras (Stern disse que elas estão entre 11 toneladas e 12 toneladas por habitante/ano, o que seria mais que o dobro das registradas no inventário de 1994). Não temos planejamento para a matriz de transportes. Nem programas ativos para a área de recursos e serviços naturais.

É um balanço amargo e inquietante na hora das comemorações. Mas é o real.


Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Mais um artigo de Washington Novaes

Sempre que possível, coloco aqui os artigos de autoria de Washington Novaes. Trata-se de um dos poucos jornalistas que escreve na grande imprensa e consegue emitir uma opinião própria. Se fosse somente isso, já merecia ser lido. Mas tem mais: é crítico, analítico e não faz jogo de cena com a platéia. Bom, tudo isso é para te convidar à leitura do artigo dele publicado hoje no Estadão. Está aí embaixo. Caso queira ir direto, faço questão de fornecer o link do Estadão, esse jornal que facilita a vida dos internautas permitindo livre acesso ao seu conteúdo.

A crise do dinheiro no mundo da mandioca

Washington Novaes

Por menos que o mercado financeiro o deseje, a cada dia a crise nos mercados mundiais traz à luz mais discussões sobre o descompasso entre o terreno das finanças, a realidade concreta e os limites do planeta; entre os valores em jogo nesse mercado (fala-se em mais de US$ 500 trilhões) e o valor da produção efetiva (o produto bruto mundial é calculado em cerca de US$ 60 trilhões por ano); entre os formatos de calcular esse produto e as realidades que eles ignoram; entre as possibilidades reais em termos de recursos e serviços naturais e o consumo insustentável, já além desses limites concretos.

Algumas manifestações nas últimas semanas puseram ainda mais em evidência o tema. A começar pela prestigiada revista britânica New Scientist, que dedicou sua capa a uma discussão entre cientistas e estudiosos do "desenvolvimento sustentável". Ela conclui pela afirmação de que "a ciência nos diz que se for para levarmos a sério a tentativa de salvar o planeta temos de remodelar nossa economia", já que esta, hoje, busca o "crescimento infinito", enquanto os recursos naturais são finitos. Uma das opiniões citadas é do respeitado economista Hernan Daly, da Universidade de Maryland e ex-Banco Mundial, segundo quem "a Terra já não está conseguindo sustentar a economia existente, muito menos uma que continue crescendo (...); o mundo caminha para desastres ecológico e econômico (por falta de recursos naturais); é preciso mudar".

Na mesma direção vai entrevista do professor Paul Singer, da USP e da Secretaria da Economia Solidária do Ministério do Trabalho, a uma publicação da Unisinos, sobre o consumo além da capacidade de reposição planetária (um dos exemplos por ele citados é o da produção de carnes). Ele lembra que em O Mito do Desenvolvimento Econômico (1974) o economista Celso Furtado já comentava a impossibilidade de o mundo todo chegar ao padrão de consumo dos EUA - por falta de recursos e serviços naturais. Também o professor Ricardo Abramovay, da Faculdade de Economia da USP, observa (Valor Econômico, 9/10) que "a maneira de medir a riqueza está ultrapassada", sem levar em conta vários fatores e ignorando a urgência de "descarbonizar a matriz energética global", hoje dependente, em 80%, de combustíveis fósseis, e que tem graves conseqüências na área do clima.

Ainda uma vez, é preciso ressaltar neste momento:

A ausência de uma estratégia adequada brasileira diante desse quadro, levando em conta o privilégio de ser um País bem dotado de recursos e serviços naturais, que são exatamente o fator escasso no mundo - como já se escreveu tantas vezes neste espaço.

O contra-senso de quase toda a discussão sobre a crise atual deixar de lado uma evidência: enquanto os governos direcionam trilhões de dólares para salvar instituições financeiras, este ano o movimento da ONU contra a fome só conseguiu 10% dos US$ 22 bilhões de que precisava para enfrentar o problema no mundo - o número de pessoas nessa situação aumentou de 850 milhões para 925 milhões, disse o diretor-geral da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Jacques Diouf. Segundo a FAO, nada menos que 33 países estão em "situação alarmante", sem produção interna de alimentos suficiente. No Brasil, com uns 30% da população abaixo da linha da pobreza, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, os 20% mais pobres da população gastam 34,5% de sua renda total com alimentos.

Diz ainda a Organização Internacional do Trabalho (OIT) que a atual crise financeira já aumentou em 20 milhões o número de desempregados no mundo, que pela primeira vez passa de 200 milhões - são agora 210 milhões. O contingente de pessoas que vive com menos um dólar por dia subiu de 480 milhões para 520 milhões; com mais 100 milhões de pessoas que têm menos de dois dólares diários, este contingente soma agora 1,4 bilhões de pessoas. E o temor é de que venha a aumentar muito a criminalidade, com a ampliação do desemprego entre jovens.

Diante das incertezas na área dos alimentos e da necessidade de importar trigo, parece estranho o presidente da República vetar projeto, aprovado pelo Congresso Nacional (Estadão Online, 10/10), que exigia a adição de amido de mandioca à farinha de trigo comprada pelo poder público, sob a alegação de que seria difícil comprovar as porcentagens (quando em outras épocas no País toda a farinha de trigo recebeu a mistura). Estranho, em primeiro lugar, porque limita caminhos a um dos principais produtos da agricultura familiar, que responde por 70% do abastecimento interno de alimentos (82% da mandioca, 59% dos suínos, 58,9% do feijão, 55,4% do leite, 47,9% das aves, 43,1% do milho, 41,3% do arroz, 28,4% da soja) e pela quase totalidade dos postos de trabalho na zona rural, onde ainda vivem uns 20% dos brasileiros. Segundo, porque a mandioca é a mais adequada de todas as culturas aos solos brasileiros - não precisa de "corretivos" nem de outros insumos químicos. Quanto não vale isso, quando o valor das commodities de exportação caiu 30% em média (Estado,17/10) este ano, enquanto o preço internacional dos fertilizantes fosfatados subiu de US$ 250 para US$1.230 a tonelada, como lembra o professor Abramovay; o de adubos à base de potássio subiu de US$ 172 para US$ 500; o de nitrogenados, de US$ 277 para US$ 450?

Há quase 20 anos, o cientista Paulo Tarso Alvim sentenciava: "Se a mandioca fosse norte-americana, o mundo todo estaria comendo tapioca flakes e mandioca puffs." Não terá chegado a hora de rever estratégias, adequar a economia a realidades maiores, antecipar-se a efeitos da crise global, que poderão ser ainda mais danosos - em lugar de dizer, como nos mais altos níveis da República, que "a crise na oferta de alimentos é passageira, não é coisa perigosa" (Estado, 26/4)?


Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br