Leia, abaixo, coluna de autoria de Sérgio Malbergier, colunista do UOL, a respeito da situação das empregadas domésticas. Comento no final do post.
Dependência de empregada
Sérgio Malbergier
Uma das piores memórias que tenho é dos gritos: "Tereeeeeeza! Tereeeeeeeeeeza! Traz um copo d'água! Por favor!".
Gritávamos da sala, seis, sete anos de idade, assistindo à TV, para a empregada trazer um copo d'água.
Um horror...
A Constituição dita "cidadã" de 1988 gravou em lei essa discriminação, herança da escravidão, que "permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil", na profecia de Joaquim Nabuco do final do século 19.
As domésticas são a maior categoria profissional do Brasil, com 6,8 milhões de empregadas. E mesmo assim os constituintes tiraram delas direitos inalienáveis dos trabalhadores, quase todos desde os anos 1940, como jornada de trabalho estabelecida em lei, hora extra, adicional noturno, salário-família e FGTS. Uma mancha na Carta "cidadã" que só pode estar fincada numa "característica nacional do Brasil" bem representada naquele Congresso.
Como mostrou reportagem do caderno Dinheiro, acabar com a discriminação deve dobrar os custos com as domésticas. A jornada de trabalho no Brasil é de 44 horas semanais. Sem discriminação, sua empregada trabalhará, por exemplo, das 7 da manhã às 3 da tarde de segunda a sexta e das 8 ao meio-dia no sábado. O que passar disso, hora extra. Jantar? Adicional noturno.
Nisso, o governo fala o que deve: "O que o governo quer é apagar essa mancha de discriminação presente na Constituição. A idéia é mandar ainda neste ano, quando comemoramos 20 anos da Constituinte, uma PEC para resolver essa questão e ampliar os direitos dessa categoria que é a maior do país", disse a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, às repórteres Fátima Fernandes e Claudia Rolli.
Só em países de péssimo sistema educacional e de desigualdades gritantes as relações trabalhistas permitem, no século 21, multidões de domésticos prontos para servir às classes altas e mesmo médias.
Um americano que se casou com uma amiga brasileira e depois veio morar aqui com as filhas não vê a hora de arrumar emprego em Nova York para levar a família de volta. Diz que lhe revolta ver as crianças deixando a mesa sem levar os pratos à cozinha nem nunca lavá-los. Não quer as filhas crescendo nesse ambiente senhorial.
Talvez seja mais fácil ao olhar estrangeiro observar o absurdo dessa relação, como as minúsculas e claustrofóbicas "dependências de empregada", as entradas de serviço, a comida diferente, o trabalho de sol à lua, humilhações inomináveis diariamente em milhões de lares brasileiros.
Justiça, mesmo que tardia.
Comentário:
Smpre me indignei com a forma como são tratadas as empregadas domésticas no Brasil. Não raras vezes, visitando pessoas amigas, perco toda a alegria quando vejo como as mesmas, geralmente pertencentes à dita classe média intelectualizada, tratam suas empregadas. É gente que não consegue manter uma conversa por mais de dez minutos sem tomar Foucault ou Bourdieu como muletas, mas, sem nenhuma cerimônia, grita e faz exigências descabidas às suas empregadas. Outras vezes, na aula de ballet de minha filha ou em algum restaurante aqui em Natal, vejo como os pimpolhos são tratados e tratam as empregadas. Nessas situações, o amargo sobe à garganta e uma desesperança erosiva quer adentrar na minha alma.
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