domingo, 28 de setembro de 2008

A memória no Brasil: um artigo do historiador Peter Burke

Coloquei, abaixo, trechos de interessante artigo de autoria do historiador Peter Burke. Foi publicado na edição de hoje do jornal Folha de São Paulo.

Quase memória

Relação do brasileiro com seu passado é mais tênue do que aquela construída nos países europeus e mesmo nas demais nações latino-americanas

PETER BURKE
COLUNISTA DA FOLHA

Na última geração, os europeus experimentaram um "boom de memória", uma onda de interesse, tanto acadêmico quanto popular, pelas lembranças; não apenas memórias individuais, mas também coletivas -em outras palavras, imagens compartilhadas do passado.
Essa onda de interesse foi ao mesmo tempo expressada e incentivada pela série de sete livros de enorme sucesso lançada pelo estudioso-editor Pierre Nora entre 1984 e 1993, sob o título "Les Lieux de Mémoire" [Os Lugares de Memória].
A idéia central de Nora foi pedir a seus colaboradores que se concentrassem em lugares associados a memórias coletivas do passado francês - lugares geográficos, como Versalhes ou o Panteão, mas também lugares metafóricos, como a "Enciclopédia Larousse" ou mesmo a "Marselhesa".
A série foi imitada em outros países europeus, como a Alemanha e a Itália. Poderia ou deveria ser imitada também no Brasil?
Poder-se-ia afirmar que no Brasil ou em outros lugares do Novo Mundo um empreendimento como o de Nora seria inadequado, pois, em comparação com a Europa, nas Américas um edifício é considerado antigo quando data da década de 1930, e a população de muitos países é relativamente jovem e mais voltada para o futuro do que para o passado.
Na verdade, os brasileiros parecem ainda menos preocupados com o passado do que as populações de outros países latino-americanos, especialmente a Argentina.
De todo modo, o Brasil tem seus próprios "lugares de memória". Os nomes de muitas localidades, de Iguaçu a Paraíba, têm um significado em tupi e assim nos lembram, ou deveriam lembrar, os tupinambás e outros "primeiros povos".

Cidades, pessoas
As cidades, por outro lado, muitas vezes evocam memórias da Europa. Os imigrantes tentaram recriar nas Américas um mundo conhecido, batizando suas cidades de Belém, Nova Friburgo, Nova Odessa e assim por diante.
Em comparação, os escravos africanos que foram trazidos para o Brasil contra a sua vontade não tiveram a oportunidade de impor nomes familiares à paisagem estranha. No entanto tentaram a reconstrução simbólica do espaço africano nos terreiros de candomblé.
As memórias locais também são importantes. Os nomes de algumas cidades e muitas ruas se referem a líderes e acontecimentos locais -João Pessoa, avenida Nove de Julho etc. Nomes como esses foram conseqüência de iniciativas oficiais.
Um testemunho mais direto de memórias populares ou atitudes em relação ao passado vem dos nomes pessoais.
Para um visitante europeu, é uma espécie de surpresa descobrir quantos brasileiros têm nomes de heróis culturais como Edison, Milton, Newton ou Washington.
O único problema é descobrir se esses nomes foram escolhidos pelos pais por sua sonoridade ou por sua associação com o Reino Unido, os EUA, a ciência ou a democracia.
Um equivalente brasileiro a "Os Lugares de Memória", se fosse publicado, como espero que um dia o seja, naturalmente incluiria as comemorações oficiais de eventos como a descoberta do Brasil pelos portugueses ou a expulsão dos portugueses da Bahia em 1823.
Como no caso da Europa, os locais de memória incluiriam museus e monumentos (embora os visitantes europeus possam se surpreender ao ver monumentos aos imigrantes no Brasil).
Também haveria espaço para pinturas históricas como "Independência ou Morte", de Pedro Américo, ou suas imagens da guerra contra o Paraguai.
De todo modo, os principais lugares de onde a maioria dos brasileiros extrai suas visões do passado são certamente o Carnaval e a telenovela.
Temas históricos são comuns nos enredos das escolas de samba do Rio e seus equivalentes em outras cidades -eventos como a descoberta do Brasil ou a abolição da escravatura e indivíduos como Zumbi ou o imperador d. Pedro 2º. Quanto às telenovelas, pense-se no sucesso de "A Escrava Isaura" em 1976 e novamente em 2004; e de "Sinhá Moça" em 1986 e também 20 anos depois, assim como novelas relacionadas à história mais recente, de "Éramos Seis" (1994) a "Terra Nostra" (1999).


(...)
PETER BURKE é historiador inglês, autor de "O Que É História Cultural?" (ed. Zahar). Escreve na seção "Autores", do Mais!.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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