quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Mais um texto de Gláucio de Ary Dillon Soares

Gostou do texto anterior do Professor Gláucio? Aquele que eu postei mais abaixo? Bueno, então coloco mais um aí abaixo. O blog do Professor é o conjuntura criminal.

Pequenas incivilidades e grandes medos

Gláucio Ary Dillon Soares.



A sensação de insegurança e o medo do crime deveriam acompanhar a violência e a criminalidade: onde há mais crime e mais violência, há mais medo e mais insegurança. Porém, a associação entre taxas reais de crime e de violência, por um lado, e medo do crime e a sensação de insegurança, por outro, é menos íntima do que a intuição sugere. Há vários fatores, além da taxa real de crime, que influenciam a sensação de insegurança. Um deles é um conjunto de situações que foram chamadas de pequenas incivilidades.


Nova York foi o palco de um dos programas mais divulgados de combate ao crime, o Tolerância Zero. Com êxito estrondoso, o número de homicídios foi drasticamente reduzido, de 2.245, em 1990, a 606, em 1998. Os crimes no metrô foram reduzidos em 80% e outros crimes, como estupro, assalto e furto ou roubo de veículos também tiveram redução. Um crítico do programa publicou dados que confirmam esse sucesso: os homicídios declinaram 72% entre 1990 e 1998 e os crimes violentos, no total, declinaram 51%. Esses números, aliados ao seu rápido uso como propaganda política da direita, favorável a medidas duras, geraram uma divulgação, às vezes muito distorcida, do seu conteúdo e das noções teóricas que alicerçaram o Tolerância Zero. Os fundamentos teóricos do programa foram lançados num célebre artigo por Wilson e Kelling, publicado em 1982. Do ponto de vista da elaboração teórica, as broken windows estão mais para um conjunto de noções do que para uma teoria elaborada. Uma delas se baseia na teoria involutiva do crime: o crime começa pequeno, cresce, e termina grande. A teoria das broken windows é, sobretudo, uma teoria do astral de um local. Não é uma teoria de pessoas, é uma teoria do astral das comunidades. O desleixo físico e social enviaria sinais a adolescentes, pré-adolescentes e jovens adultos, estimulando-os a novos atos incivis. Esses pequenos (e não tão pequenos) delinqüentes acabariam intimidando a cidadania mais frágil, como idosos, mães, mulheres, numa escalada que chegaria até a afugentar a própria polícia. Inclui a tese das incivilidades. A hipótese subjacente ao patrulhamento a pé é que ele evitaria a espiral do crime, impedindo os pequenos crimes e incivilidades, por um lado, e estabelecendo relações com a população, por outro. Os principais debates foram, no nível teórico, se essa é ou não uma teoria; em caso positivo, se ela é ou não defensável e se um programa de segurança pública baseado nela reduziria ou não o crime e a violência. Para o leitor menos informado, os dados acima não deixariam lugar a dúvida. Porém, houve uma redução geral da violência e da criminalidade nos Estados Unidos durante o mesmo período e é difícil saber quanto da redução do crime em Nova York se deveu a essa redução mais geral.


Não obstante, a pergunta que queremos responder hoje é outra: as pequenas incivilidades e esse baixo astral influenciam o medo e o sentimento de insegurança? A resposta é positiva: as pequenas incivilidades formam uma escala que se correlaciona com a insegurança: tanto durante o dia quanto durante a noite (as pessoas se sentem muito mais inseguras à noite), as correlações são estatisticamente significativas (0,23 e 0,24, respectivamente). A percentagem dos que se sentem muito seguros cresce desde 10% a 12%, onde há mais crimes menores, a 42%, onde há menos crimes menores. Outras condições que baixam o astral e aumentam a insegurança se referem aos aspectos físicos: terrenos baldios, áreas abandonadas pelo poder público, lixo nas ruas, carros também abandonados e depenados baixam o astral e aumentam o medo. Assim, comportamentos considerados como pequenas incivilidades causam ampla insegurança e medo que, em alguns casos, são tão profundos que muitos cidadãos viram prisioneiros em suas próprias casas.


CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sexta-feira, 8 de agosto de 2008 • pág. 23

Nenhum comentário: