segunda-feira, 8 de setembro de 2008

As tartarugas podem voar

Domingo, para quem sabe que vai ficar em casa, como era o meu caso ontem, amedronta desde o dia anterior. Então, para a evitar a companhia da TV, minha mulher passou na locadora e pegou alguns filmes. Dentre eles, uma jóia rara chamada "As tartarugas podem voar". É cinema como não via há muito. Duro, cruel, cortante e demasiadamente humano. Dirigido por Bahman Ghodad, o filme é uma daquelas preciosidades vindas da antiga Pérsia.

Produção iraniana-iraquiana, "As tartarugas podem voar" dirige o nosso olhar para um mundo e um povo esquecidos. Para um país que, como a Palestina, quer existir. Teima em querer existir quando a geopolítica mundial aponta para o contrário. Refiro-me ao Curdistão. A ação do filme transcorre em uma aldéia curda iraquiana, mais precisamente em um mistura de aldeia e campo de refugiados. O momento é o que antecede à invasão do Iraque pelas tropas norte-americanas.

O filme nos pega pelo enredo, mas também pela interpretação realista emprestada à obra pelas crianças curdas. As crianças do filme, como tantas outras no mundo contemporânea, são as vítimas primeiras da guerra. E não apenas da guerra de agora. Mas de uma outra, igualmente sangrenta e cruel. A guerra conduzida por Saddam e sua Guarda contra o povo curdo.

No filme, entregues à própria sorte, as crianças buscam os caminhos mais improváveis para continuar vivendo. "Satélite" é uma delas. É o líder de um grupo de crianças, diversas delas mutiladas, dedicadas a recolher minas ainda não explodidas para vendê-las no infame mercado de armas das redondezas. Por que Satélite? Porque ele, com seus catorze anos, é um negociador, comunicador e um técnico em comunicações. E, por conta disso, é quem assme a tarefa, atribuída pelos anciãos, de adquirir uma parabólica para que a população local obtenha informações sobre os andamentos da guerra.

A vida de Satélite é revirada com a chegada à aldeia de uma bela menina, de não mais que treze anos, acompanhada de seu irmão sem braços e de uma criança - que ela rejeita com aspereza - e que, vamos a saber depois, é seu filho, resultado de um estupro coletivo perpetrado pelos soldados de Saddam quando da devastação de sua aldeia.

Descrito assim, o filme parece pouco atrativo. Mas, em que pese tal enredo e o realismo das cenas, a obra nos apresenta momentos de ternura, cenas caricatas e motivos para boas gargalhadas. Vale a pena, de verdade, assití-lo.

Nenhum comentário: