quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A violência contra os idosos

Publico, abaixo, texto de autoria do Professor Gláucio Ary Dillon Soares (IUPERJ), estudioso da violência e da criminalidade. Trata-se de um crítico contundente dos lugares-comuns nas análises tradicionais sobre segurança pública e violência no Brasil. É sensível também a outras temáticas. Neste texto, ele aponta, com muita sensibilidade, o drama social dos idosos no Brasil. Vale a pena conferir!

A caça aos idosos

Há muitos anos, caminhava pela Rua Bartolomeu Mitre, Rio de Janeiro, quando vi e ouvi dois adolescentes maiores doutrinando outros dois adolescentes menores. Aconselhavam assaltar somente idosos. Lembro-me, até hoje, do que ouvi: "Dá um tranco, o velho cai e tu rouba e sai correndo". Minha mãe faleceu o ano passado aos 97, mas passou muitos anos praticamente presa no apartamento, do qual só saía para ir ao médico ou para jogar cartas com as amigas em frente de casa. Influência da televisão, dos jornais? Não. Duas vezes, já idosa, minha mãe foi assaltada com um revólver encostado à cabeça.


Metade dos jovens evita sair à noite ou chegar muito tarde em casa devido à violência. Entre as pessoas maduras, são 60% ou 70%. É pior entre os idosos: 80% evitam sair à noite. Os velhos vivem com medo. Coisas simples, como andar pelas ruas do próprio bairro, durante o dia, deixam inseguros nada menos do que 46% dos idosos, quase o dobro dos jovens. É impensável sair à noite ou ir a um bairro desconhecido.

Os velhos são visados por criminosos organizados. Vivi outro episódio em relação à aposentadoria deixada pelo meu pai, que era marítimo, para a minha mãe. Ela recebeu um telefonema em nome do Sindicato dos Marítimos no qual a pessoa dizia que ela tinha um saldo a receber. Boa notícia! Porém, requeria trabalho de advogados que cobrariam R$ 3 mil pelo serviço; ou, como disse quem falava do outro lado da linha: "Tem um custo, não trabalhamos de graça". A surdez da minha mãe a salvou de ser mais uma vítima. Ela não entendia os detalhes e fui chamado para continuar a conversa. Desconfio de ofertas telefônicas. Perguntei se ele era advogado e me respondeu que sim, era "adêvogado". Em seguida, pedi o número de matrícula na OAB. Pediu licença, demorou um pouco, desligou o telefone e não voltou mais a chamar.

As limitações dos idosos favorecem a impunidade. Não sabemos quantos idosos são ludibriados ou assaltados diariamente no Brasil. São presas fáceis, que resistem pouco e não sabem a quem recorrer. Na Pesquisa de Vitimização do ISP (RJ), menos de 1% dos idosos tinham usado o disque-denúncia. Em todas as faixas etárias são poucos os que usam esse recurso, mas a percentagem dos que usam é 10 vezes mais alta entre os adultos jovens e maduros. A utilização dos juizados especiais criminais também é mínima entre os idosos. Outras perguntas indicam que os idosos não usam os parcos recursos legais à sua disposição. Ficam perdidos na malha burocrática. Os idosos têm várias capacidades reduzidas, que conformam o início da pirâmide de inação, de falta de resposta, que possibilita que esse tipo de golpe seja dado repetidas vezes sem que os criminosos sejam incomodados. Indaguei e averigüei; não foi fácil. Descobri que poucas vítimas buscaram o sindicato antes de serem ludibriadas. Quantas foram vencidas pelo desconhecimento, pelo cansaço e pela inércia que atormentam muitos idosos e não denunciaram o crime?

Porém, havendo milhares de vítimas, algumas fizeram perguntas e houve reclamações.

Quando consegui localizar na burocracia do sindicato o número da pessoa encarregada, minhas suspeitas se confirmaram: havia muitas reclamações, mas o imobilismo também existe nas instituições, que pouco ou nada fazem para impedir o golpe ou punir os golpistas. A pirâmide terminava ali. Algumas idosas reclamaram, mas o assunto morreu ali. Pior: era evidente que os golpistas tiveram acesso à lista de viúvas e seus telefones. A segurança do próprio sindicato era inexistente. Quantas velhinhas viúvas de marítimos pediram dinheiro emprestado, rasparam suas economias, etc. para entregar R$ 3 mil aos canalhas?

Muitos idosos têm a capacidade mental afetada, audição muito reduzida, visão prejudicada e muito mais. Não estão em condições de se defender de criminosos organizados que contam com a cumplicidade passiva das instituições. Esse episódio confirmou que o mundo moderno foi construído sem levar em conta os idosos. Há documentos com importantes informações em letras mínimas, inclusive os cartões de crédito. Há empresas de prestação de serviços públicos que são notórias pela sua tentativa de impedir que os usuários mudem a provedora. Há transferências de ramal ou de número telefônico (ligue para o departamento x; não é aqui, ligue para o departamento y etc.), numa tentativa planejada de impedir a mudança. O fim do serviço é uma batalha de vários dias — para os dispostos a guerrear. Quantos idosos podem fazê-lo? A net exige uma senha de 12 números para iniciar qualquer comunicação burocrática. Em outras áreas, as constantes mudanças de senhas, feitas em nome da segurança, confundem os idosos, cuja memória de curto prazo é deficiente. Porém, se as senhas não forem alteradas, o sistema não funciona. O estado burocrático massacra os idosos. No Brasil, o número de documentos exigidos para qualquer transação (CPF, RG etc.) é obsceno, aceitável apenas por uma população subjugada pelo arbítrio do setor público. Confundem os idosos.

Os velhos são caçados pelos criminosos, mas também são prejudicados por um estado burocrático que não pensa neles.


Publicado no CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quinta-feira, 28 de agosto de 2008.

Quer ler mais textos do Professor Gláucio? Acesse aqui o seu blog.

Nenhum comentário: