sexta-feira, 22 de julho de 2011

A sociologia pragmatista passa pela prova? Comentários de Cadu.

Carlos Eduardo Freitas, nosso Cadu e um dos responsáveis pelo sucesso da CARTA POTIGUAR, além de contra-mestre de O Pescador, teceu alguns um comentários sobre o post "QUEM FALA QUER DIZER? APONTAMENTOS PARA UM HÍBRIDO...", publicado bem mais abaixo. Para não deixar tais considerações escondidas, lá nos comentários, destaco-as aqui. Mais acima, tecerei alguns comentários


DESAFIOS PARA A ANÁLISE SOCIOLÓGICA


Carlos Eduardo Freitas



Caro Edmilson,

Fico muito feliz de vê-lo se lançando questões de problematizacao sociológica dessa natureza, pois eu, assim como muitos colegas de pós, sempre achamos que você pode trazer contribuiçõees sociológicas substantivas para a compreensão dos dilemas da sociedade brasileira. Claro, quando você deixa de lado um pouco esse seu espírito cristão de humildade intelectual (Lars Von Trier, no rastro de Nietszche, diria "orgulho" travestido) no sentido de evitar os "grandes" temas da sociologia. Mas, enfim, são escolhas sociologicamente "explicáveis", diria um sociólogo disposicional tal como Bourdieu ou Lahire (rsrs). Mas, se me permite, aproveitando o comentário de Daniel, gostaria de fazer algumas observações analíticas também.

Em primeiro lugar, acho que você, talvez por efeito de encantamento pela fascinante sociologia pragmática de Bolstanski, acabou cometendo um "deslize" na avaliação do que Jessé define como "gramática moral profunda" que caracteriza a inserção nas sociedades capitalistas modernas. Na verdade, o que você chama de "valores generalizados, que não podem ao menos imediatamente ser abordados a partir da perspectiva de classista" é justamente o que Jessé Souza vai definir como "pano de fundo moral", isto é, consenso moral intersubjetivo TRANSCLASSISTA" que se constitui o "espaço" objetivo no qual se processa a produção e reprodução de classe, via a incorporação dos capitais impessoais diferenciais (econômicoe cultural, sobretudo). Na verdade, Jessé também critica Bourdieu por não ter percebido essa "moral objetiva" que precede as lutas de classe nas sociedades diferenciadas. Por isso, ele coloca Taylor ("pano de fundo objetivo") e Axel Honneth (gramática moral) como autores que resolveriam a "limitação" da análise de classe bourdieusiana. Nesse sentido, você a mesma crítica que Jessé dirige a Bourdieu, mas mobilizando outro arsenal, qual seja, o da sociologia pragmática de Boltanski (diga-se de passagem, Boltanski também extremamente influenciado teoricamente por Honneth e Taylor, embora cite-os parcamente). Esse é o primeiro ponto.



Passemos ao segundo ponto

O que eu e Daniel tínhamos discutido teoricamente no passado foi exatamente quanto ao aspecto problemático e parcial dessa visão dos "valores generalizados" (seus termos) ou moral objetiva (Jessé, Taylor e Honneth) como "pano de fundo" independente de qualquer clivagem de classe. Confesso que naquela época, eu ainda nao tinha elementos analíticos suficientes para problematizar melhor a respeito, embora tenha tido ótimas intuições teóricas em parceria com Daniel. Hoje, porém, venho elaborando um artigo científico com Alyson Freire e estamos melhor munidos sobre as limitacoes de Taylor, Honneth e mais, do próprio Boltanski. E qual a limitação teórica? Esses autores, salvo algumas diferenças, incorrem no mesmo erro analítico básico: defendem a existência de uma moral objetiva como pano de fundo das acoes pragmáticas, mas esquecem de problematizar a "sóciogenêse" e a "psicogênese" dos tais "valores generalizados". Dito de outro modo, se é verdade que existem valores generalizados transclassistas, também é verdade que esses valores têm um lastro histórico sócio-genético. Por exemplo, o sentimento de indignação ou repulsa diante da "corrupção" estatal, hoje partilhado transclassistamente, surgiu primeiramente na história social como um "código moral" específico das classes médias letradas e intelectualizadas (os humanistas) da Alemanha, preocupadas em se contrapor a aristocracia de corte, tal como demonstrou Norbert Elias. No entanto, o que era socialmente uma moral particular, com a ascensão da burguesia ao poder nas sociedades européias, houve, logo em seguida, um processo histórico de generalização de sua economia emocional, assim como sua moral particular com todos os seus signos valorativos. Essa universalização dos códigos morais das classes burguesas é uma das faces da atual comunidade de valores ou cultura moral moderna (lembremos de Locke chamando os membros da aristocracia de corte de "parasitas sociais" que se apropriavam da riqueza material). Contudo, a outra face refere-se às condições objetivas de reprodução social desses "valores generalizados". Ou seja, a "socializacao" e a "educacao", afinal, é por meio dessas que os indivíduos adquirem seus valores e crenças ou categorias de julgamento mais "fortes" que vão ser mobilizadas no cotidiano, durante toda a sua vida, sendo constantemente postos a "prova", é claro. É essa dimensão "psicogenética" que Taylor, Honneth e também, Boltanski, nao apreendem e, por isso, acabam minimizando a forca estrutural da condição objetiva de classe. Ora, é na clivagem de classe que se processa a socialização humana em sociedades modernas. Se há valores generalizados, é porque há uma CULTURA MORAL LEGITIMA DOMINANTE (leia-se CULTURA BURGUESA), cara pálida (olha Bourdieu aí de novo, rsrs). Enfim, como disse Alyson Freire, esse erro analítico é compreensível em Taylor ou Honneth, mas Boltanski, que foi "aluno" de Bourdieu, é de lascar. Logo Boltanski que sabe muito bem o quao Bourdieu dava importância a sociologia da socializacao como instrumento de apreensao do trabalho social de producao das ideologias, inclusive os valores dominantes. Bem, acho que esse é a questao herética que Boltanski, Taylor, Jessé, Honneth e, claro, você deveriam se colocar: Existem valores generalizados? Sim! Mas como eles SURGIRAM (sóciogênese) e como eles se REPRODUZEM socialmente (psicogênese)? Perguntas pertinentes teoricamente numa sociologia da moral e da pragmática.

Para finalizar
Sobre a eficácia social da "crítica" (outra categoria importante para Bolstanki),acho que é sempre bom resgatar o caso exemplar das denúncias envolvendo o ex-ministro da Casal Civil, Antônio Palocci. Quando foi mesmo que a presidente Dilma resolveu afastá-lo? Quando, segundo pesquisas de sondagem de opinião (provavelmente multifocais) realizadas entre os estratos sociais, apontava uma crescente "indignação moral" por parte da classe média brasileira, hoje, a classe mais disputada por todos os partidos políticos. Ao perceber que tinha seu capital político em corrosão rápida entre a classe média, Dilma agiu no sentido de afastar os envolvidos com denuncias de corrupção. Isso significa, tal sugere Lamonier de modo preconceituoso, que as classes populares não se importam com moralidade? De modo algum, a resposta, creio, tem haver muito mais com os critérios valorativos de "avaliação forte" mobilizados pelas diferentes classes sociais. Para as classes populares, o que é a principal fonte de indignação e de injustiça é a desigualdade, a pobreza, a miséria, pois está vinculado pragmaticamente a experiências de sofrimento emocional cruzadas com a situação de urgência material. Esse é um dos elementos constitutivos do horizonte moral entre as classes populares. Por isso, as mesmas classes são mais sensíveis diante do sofrimento alheio. Muito diferente das classes médias que vão adotar outros critérios de "avaliação forte" em relação aos sentidos de indignação moral ( entre essas classes, a "corrupção" é um problema moralmente muito mais grave do que "desigualdade social".

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