Fui aluno do Professor Vilmar Faria, grande cientista
social, que deixou a UNICAMP para ajudar a formular as políticas sociais do
Governo FHC, em 1995. Era um privilégio ter aulas com ele ou participar de
conversas nas quais ele, que não gostava
de ser o centro das atenções, logo passava a ter as suas análises equilibradas e
críticas requisitadas pelos presentes.
O Professor Vilmar morreu
antes do término do primeiro mandato de FHC. Não chegou a ver o quanto a
idéia de programas sociais avançou no país.
Acho importante recuperar essa história, hoje, porque muita
gente que faz oposição aos governos do PT o faz de uma forma tão desastrada que termina por não fazer
justiça ao próprio PSDB e a não poucas pessoas, que, lá na metade dos anos
1990, lançaram as bases do que hoje parece tão (felizmente!) enraizado em solo
brasileiro.
Não acho que ser contra o bolsa-família seja coisa de
direita. Longe disso! Tampouco é coisa de neoliberais. Essas duas posições,
diga-se de passagem, historicamente, lidam até bem com o que denominam de “redes
de proteção social”. Uma direita civilizada contribui significativamente para o
debate político. Neoliberais, idem. Pense, por exemplo, na questão da premiação da iniciativa individual. Ou no
tema do empreendedorismo. Quem está nessas posições tem algo a dizer, e esse
algo não é desprovido de sentido, de conexões com o real, mera ideologia...
Coisa bem diversa é essa condenação in totum das “bolsas”.
Claro! Gente que está na oposição pode até surfar na crítica ligeira, mas não
dá para identificar essa crítica com algo como “direita”. E aqui não se trata
de cosia moral, não. Trata-se apenas de apreender a “coisa” com categorias as
mais adequadas.
Grande parte da oposição irracional às bolsas (há, sem
dúvida, um oposição racionalmente fundada, mas, esta, quase não freqüenta as
conversas cotidianas...) advém de um sentimento de aversão aos pobres, mesmo
quando estes estão distantes espacialmente. Gastar dinheiro com eles é sinal de
desperdício. Há aí uma visão de casta assumida por parcelas da classe média
brasileira, que, ouso dizer, pode ser assumida, em maior ou menor grau, por
atores políticos que assumem credos de um lado a outro do espectro político. Há
gente de esquerda que também é contra as cotas, todos sabem disso. E essa
gente, não raro, remete a esses mitos de “preguiça do povo” e da disposição
para “ter filhos” dos mais pobres.
Esse tipo de posicionamento é danoso. E digo isso não apenas
movido por interesses políticos. A sua dimensão negativa também está
relacionada ao fato de que ele contribui para esgarçar o tecido social, a
potencializar dessolidarização e desresponsabilização. Não acredito, de
verdade, que nem o Aécio e nem o Campos irão investir pesadamente contra esses
programas sociais. Por que me preocupo, então? Porque acho que essa é uma
daquelas idéias danosas que podem, mesmo que de contrabando, enredar-se no
discurso político, ganhar legitimidade e terminar por levar o verbo a se fazer
carne (no caso, não dá para perder a oportunidade do trocadilho, em “não-carne”).
Houve um tempo, não faz muito, em que, especialmente aqui no
Nordeste, quando você ia a um restaurante ou a um café, passava pelo
constrangimento de se sentir agredindo alguém. Você, certamente, lembra-se que
as pessoas se esquivavam de ficar próximo das janelas para evitar o olhar
pedinte dos famélicos. Lembra?
No Restaurante Universitário da UFRN houve um tempo em que
uma verdadeira multidão de homens, mulheres e crianças se aglomeravam para
pedir as sombras das refeições dos estudantes.
Será que certas pessoas têm saudade desses tempo?