quinta-feira, 4 de março de 2010

Música para um começo de jornada...

Falta água no sertão

Há alguns dias, estive no município de Apodi. Pude constatar que a população local, especialmente aquela residente na zona rural, está tendo dificuldades de acesso a água potável. Para complicar, enfrenta-se ali uma canícula de deserto. Ora, se no litoral o calor está terrível, imagine em pleno semi-árido! Para completar o quadro, o Exército, por falta de recurso, não mais está levando água aos mais necessitados. Mesmo na cidade, falta água. As pessoas estão comprando água...

Não tenhas medo...

O medo não pode contaminar o seu dia. Vá em frente! O mundo te espera, pode acreditar...

Que a música ilumine o seu dia...

A diplomacia brasileira em uma sinuca de bico

Saiba como entramos nessa jogada esquisita. Leia abaixo artigo escrito pelo jornalista Alon Feuerwerker, publicado no jornal Correio Brasiliense e transcrito em seu blog.

O poder e o pescoço
Alon Feuerwerker

O Irã é a mais desafiadora mesa de pôquer a que a diplomacia brasileira comparece desde que Getúlio Vargas pendulou entre o nazifascismo e os aliados. Vargas deu-se bem no final. Sorte nossa que o presidente agora é Lula, outro craque da metamorfoseA secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, dá as caras na América Latina. Na rotina de responsável pela política exterior dos Estados Unidos, deve arquivar os briefings sobre nossa região numa pasta “Oásis”, ou algo assim. Aqui não há terrorismo nem —por enquanto— armas nucleares, químicas ou biológicas. Tanto o discurso antiamericano quanto o alarmismo a respeito dele andam meio sem fôlego, circunscritos a grupos ideológicos ou a eventos cujo único objetivo é entreter platéias úteis de radicalizar.

Na vida real, os governos locais estão é empenhados em melhorar as relações e fazer bons negócios com o capital vindo de Washington. Hugo Chávez acaba de fechar com a americana Chevron o maior contrato de exploração de petróleo do já longevo governo dele. A Venezuela precisa de investimentos e foi buscá-los nos Estados Unidos. Faz bem. O país está sedento de pesadas inversões em energia e infraestrutura. Ali, como aqui, talvez seja hora de esbravejar um pouco menos e realizar um pouco mais.

Escrevi em junho do ano passado que as coisas andavam bem melhores para o Tio Sam na América Latina depois da posse de Barack Obama (“O 'soft power', um sucesso latino”). Com um gesto simples, a diplomacia americana havia retirado do primeiro plano o bloqueio a Cuba. Para eventualmente poder manter a política, e com menos dores de cabeça. Aconteceu.E a Casa Branca ainda não tinha recebido de bandeja o presente chamado Honduras.

De qualquer ângulo analítico, a trapalhada de Manuel Zelaya será vista no futuro como marcador, daqueles fosforescentes, no gráfico das relações hemisféricas. Por evidenciar que o anti-imperialismo latino-americano tem características de “tigre de papel”, como diria Mao Tse-tung. Aparentemente feroz, mas inofensivo.

Obama e Hillary devem essa ao ex-presidente Zelaya e aos geniais conselheiros dele.A agenda do momento da secretária conosco é o Irã. Tecnicamente, não haveria por que estarmos no debate. O Irã não é um país da América do Sul, não somos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas e tampouco temos poder econômico ou militar capaz de influir de maneira relevante no desenlace da queda de braço entre as grandes potências e Teerã, cujo foco é o programa nuclear iraniano.

Por sinal, parece faltar-nos força até para sustentar a posição original, a julgar pelas declarações de ontem.

Podemos muito bem ocupar espaço no debate do Oriente Médio sem isso. Basta o Brasil aferrar-se à solução de dois estados, um judeu e um palestino. É nossa política tradicional e abre-nos portas. Por causa dela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva espera —e com certeza terá— uma bonita recepção em Israel e na Palestina daqui a alguns dias.

O Brasil quer, por acaso, pegar carona nas ambições nucleares do Irã para colocar areia no tratado de não proliferação, de que somos signatários? É uma hipótese, protocolarmente negada pelas autoridades. Parte do novo establishment governamental brasileiro sonha com a imposição, pelos aiatolás, de uma derrota militar estratégica aos Estados Unidos e a Israel? Quem sabe?

Ou talvez Luiz Inácio Lula da Silva enxergue no tema sua melhor oportunidade para esticar a corda. O Brasil tem uma múltipla agenda frustrada nas relações bilaterais com Washington, e criar dificuldades costuma ser o outro caminho para a busca de saídas, quando a coisa é feita com jeito. Considerando que o presidente tem uma carreira de sucesso no sindicalismo, é possibilidade a considerar com atenção.

Haverá um pouco de cada um dos ingredientes?

O Irã é a mais desafiadora mesa de pôquer a que a diplomacia brasileira comparece desde que Getúlio Vargas pendulou entre o nazifascismo e os aliados. Vargas deu-se bem no final da história e arrastou as fichas, pois conseguiu ver as cartas dos adversários, teve como sentir a mudança nos ventos da guerra. Deu tempo de ajustar a aposta sem ficar muito feio. Perdeu o poder, mas manteve o pescoço.

Sorte que o presidente agora é Lula, um craque, o mais legítimo herdeiro vivo de Getúlio nas nobres artes da metamorfose e da dissimulação.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quinta (04) no Correio Braziliense.

Violência entre adolescentes

Transcrevo abaixo preocupante matéria publicada no site do CLAM. Confira!

Violência precoce


A violência entre casais no Brasil está mais precoce, menos unidirecional e assume também, nos dias atuais, um caráter mais virtual. Pesquisa recente, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em 10 capitais de todas as regiões do país, revelou que nove em cada 10 jovens na faixa etária entre 15 e 19 anos sofrem ou praticam variadas formas de violência – dentre as quais a exposição de fotos íntimas na internet como forma de humilhação.


Os dados coletados com 3,2 mil adolescentes expõem um elemento que se choca com o senso comum de que os homens são, geralmente, os agressores. Agressões verbais, como provocações, cenas de ciúmes e tom hostil, e investidas sexuais – como forçar o beijo ou tocar sexualmente o parceiro sem que este queira – fazem parte do arsenal de violência utilizado por ambos os sexos.


A pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (CLAVES/Fiocruz) Kathie Njaine, que coordenou a pesquisa “Violência entre namorados adolescentes: um estudo em dez capitais brasileiras”, destaca que o panorama deve ser refletido a partir de múltiplas causas. “A violência pode vir da família, da comunidade em que o jovem vive e da escola”, afirma.


Segundo o estudo, as garotas são, ao mesmo tempo, as maiores agressoras e vítimas de violência verbal. Por outro lado, em termos de violência sexual, os rapazes encabeçam as estatísticas como os maiores agressores. Enquanto 49% dos homens relatam praticar esse tipo de agressão, 32,8% das moças admitem o mesmo comportamento.


Na categoria das agressões físicas, que inclui tapa, puxão de cabelo, empurrão, soco e chute, os relatos revelam que os homens são mais vítimas do que as mulheres – 28,5% delas informam que agridem fisicamente o parceiro, enquanto 16,8% dos homens relataram o mesmo.


A violência manifestada em tom de ameaça – como provocar medo; ameaçar machucar; ou destruir algo de valor – já vitimou 24,2% de jovens, ao passo que 29,2% admitiram ter perpetrado este tipo de agressão. De acordo com os números, 33,3% das meninas assumem que ameaçam mais seus parceiros, e 22,6% destes confessam cometer o mesmo tipo de violência.


Uma das razões apontadas para a eclosão da violência entre os jovens casais é o machismo. A coordenadora da pesquisa afirma que nenhuma pessoa nasce machista, mas pode aprender e assumir esse papel dentro de um contexto cultural.


Ressaltando que o estudo teve como finalidade fazer um diagnóstico, e não buscar as causas, Kathie Njaine argumenta que a agressão cometida pelas meninas pode ser compreendida como uma maneira de reproduzir um modelo de comportamento que está no gênero masculino. “Em muitos momentos da pesquisa, havia meninas que falavam ‘se ele pode fazer, eu também posso’”, exemplifica, acrescentando que as agressões, neste caso, tornam-se uma moeda de revide.


A socióloga Bárbara Soares, pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC/UCAM) e ex-subsecretária de Segurança da Mulher do governo do Estado Rio de Janeiro, elogia o viés da pesquisa de jogar luz sobre a violência praticada por mulheres e por descartar o modelo esquemático que vilaniza apenas os homens e vitimiza as mulheres. Em geral, ela afirma, as pesquisas têm o hábito de ouvir muito pouco as pessoas que vivem e praticam violência. “Os técnicos e ideólogos definem o que é a violência e, a partir daí, imprimem esse discurso no outro que não é ouvido. A violência não é uma abstração na vida de quem sofre ou pratica. Ela é situada, significada, tem um sentido. Eu acho que é aí que você pode desconstruí-la”, diz a especialista.


De acordo com a pesquisadora do CESeC, é comum o pressuposto de que somente as mulheres apanham, mesmo que, pelas pesquisas nacionais e internacionais, elas sejam vítimas das violências mais graves. “Não quero dizer que não exista um componente de dominação. Ele existe, mas não é uma dominação do homem contra a mulher, é uma sociedade de dominação machista em que os homens também são dominados por essa lógica”, argumenta.


Violência virtual

A eclosão precoce de violência entre os casais adolescentes revela que, desde cedo, as agressões ocupam papel importante no ambiente das relações afetivas. Nos dias atuais, é ponto pacífico que o aprimoramento das técnicas e dos meios de circulação das informações contribua decisivamente para a emergência de novos tipos de violência. A internet, nestas circunstâncias, adquire relevância e torna-se uma arma virtual nas relações entre os jovens.


Fatos e comportamentos que aconteceriam no mundo real, no dia-a-dia, acompanham essa tendência e são transportados para a rede virtual. Exposição de fotos e vídeos íntimos e publicação de hostilidades em sites e redes de relacionamento – como o orkut – são alguns dos métodos que compõem o quadro de violência existente na internet. Em conseqüência, os jovens tornam-se vulneráveis socialmente, uma vez que, por exemplo, sua relação com amigos ou a procura por empregos podem ser afetadas.


Kathie Njaine enfatiza que o relacionamento via tecnologia de informação é uma constante na vida dos jovens, o que potencializa o risco de agressões. “Na medida em que você publica uma notícia na internet, isso tem uma capacidade de se disseminar amplamente. O impacto de uma humilhação ou de uma fofoca é muito grande. O grau de exposição de uma situação é alto, não só em palavras como em imagens também”, afirma.


Para Bárbara Soares, isso exige novas respostas em termos de prevenção. “Todos os problemas vão se transformando na medida em que os meios de comunicação de relações interpessoais se transformam. Atualmente, muitos problemas se transferiram para a dimensão do espetáculo, da visibilidade, da exposição pública do crime mais banal até as relações íntimas. Então, acho que é preciso repensar em primeiro lugar a própria noção do que seja violência, atualizando o repertório que faz parte do nosso catálogo, e começar a refletir formas específicas de prevenir mais este tipo de violência”, explica a socióloga.


De acordo com ela, a exposição de imagens íntimas afeta mais as mulheres, porque envolve uma cultura de privacidade, pudor e do uso da pessoa como um objeto do prazer. Para os homens, em contraposição, predomina a valorização de sua potência sexual, vista como um troféu a ser exibido.


“O telefone celular e a internet são tecnologias que estão mudando a nossa sociabilidade, nossos comportamentos e pensamentos. Há uma noção de que você só existe se, de alguma forma, for visível. No entanto, há risco de que essa visibilidade seja mais um elemento de violência”, acrescenta Bárbara, reforçando que as campanhas de prevenção precisam ter um olhar mais amplo, menos maniqueísta e menos esquemático e que considerem a violência e suas múltiplas causas e linguagens.


Publicada em: 03/03/2010 às 12:00 notícias CLAM

quarta-feira, 3 de março de 2010

A teoria queer como uma perversão acadêmica... ou como comédia

Ontem, aí pelas cinco da tarde, já cansado de tanto procurar um mísera tomada para ligar o meu ultrapassado notebook no Aeroporto Afonso Pena, em Curitiba, decidi adentrar na livraria única livraria do pedaço (na verdade, não era bem uma livraria, mas essa coisa inodora e sem viço chamada muito apropriadamente de, aargh!, bookshop...). Pois bem, folheei um pouco as nossas inodoras revistas semanais, e vi que não tinha nada nelas que me garantisse uma leitura para algumas horas de vôo. Procurei, então, pelos livros. Pululavam os de auto-ajuda e religiosos. Já ia saindo desanimado quando me deparei, em uma mesa, com o livro Carlota Fainberg, de autoria do escritor espanhol Antônio Muñoz Molina. Como já tinha lido algo do autor, li com interesse a orelha do livro. A decisão de comprar foi imediata. Dirigi-me ao caixa, rogando aos céus que o livro custasse menos de trinta reais. Não acreditei quando a moça do caixa disse-me o preço: oito reais. Quase volto e compro todos os exemplares disponíveis.

De que trata o livro? Boa parte dele, das agruras de um professor universitário de literatura espanhol, preso por uma nevasca no aeroporto de Pittsburg, e tendo que ouvir as peripécias sexuais de um compatriota que lhe aluga a escuta pelo simples fato de ser também espanhol. Aos poucos, o universo pessoal do aparentemente chato e inoportuno compatriota vai invadindo a alma do pacato professor, candidato a uma cátedra na universidade americana na qual rala já alguns anos.

O professor do romance é um desses tipos que encontramos todos os dias nos corredores de nossas universidades. Um cara sempre disposto a se mostrar pouco para não se comprometer e muito preocupado em fazer boa figura perante à, como direi?, “comunidade”. Por isso mesmo, tem que ser, sempre, insosso e... moderno. O que significa, para os padrões universitários norte-americanos da primeira metade da década de 1990, ser politicamente correto...

Mas aí aparece, na conversa meio atrapalhada do chato compatriota, uma certa Carlota Fainberg, uma misteriosa dama com quem o chato teria tido um caso em um de suas viagens de negócios. O chato é um ser politicamente incorreto, que, para horror do professor, não esconde a sua relação pouco heterodoxa com as mulheres. Analisa-as com olhar clínico... Qual a sua atividade? Viajar o mundo para comprar hotéis em decadência para o grupo empresarial espanhol para o qual trabalha. Em uma Buenos Aires do final da década de 1980, em um hotel outrora glorioso, mas à altura em franca decadência, mantém um tórrido romance com a ex-atriz, a personagem título do romance.

O professor, na espera que a nevasca passe e possa enfim pegar um avião para Buenos Aires, onde participará de um evento literário dedicado à obra de ninguém menos que Jorge Luiz Borges, é envolvido na trama. A estória parece banal, não é? Mas o autor, com maestria, transforma o texto em uma crítica corrosivo ao ambiente acadêmico no qual vicejam os chamados “estudos culturais”. Os joguinhos do mundo acadêmico aparecem nas reflexões que o professor faz sobre as disputas políticas do seu departamento. Especialmente impagável é a descrição que ele faz da ascensão da teoria queer à condição de aposta científica séria nas universidades americanas.

O livro pode ser lido como um complemento à corrosivo texto, escrito no início desta década, por Pierre Bourdieu e Loic Wacquant a respeito dos “estudos culturais”. O texto em tela, se não me engano, publicado no Brasil com o título de “Astúcias da razão imperialista”, mostra o engodo da incorporação, na periferia, de teorias pseudo-progressistas nos centros acadêmicos dos EUA e da Europa.

Bom. Duas horas depois, após rir sozinho durante todo o vôo entre Curitiba e Rio de Janeiro, tinha devorado o livro de Antonio Muñoz Molina.