quinta-feira, 29 de maio de 2014

QUANDO A INSURGÊNCIA CRIMINAL ENTROU EM CENA NO BRASIL

Há exatos oito anos, em maio de 2006, o Primeiro Comando da Capital, organização criminosa surgida nos presídios paulistas e com controle de áreas e atividades criminosas e ilegais não apenas  em São Paulo, parou, com ataques ousados, a cidade de São Paulo. Foi uma resposta à duras investidas policiais contra supostos membros da organização. Naquela época, não sei se vocês lembram, autoridades federais  e estaduais tiveram que adentrar uma prisão de segurança máxima para negociar com os chefes do PCC.

Muita água passou debaixo da ponte nos últimos anos. Os ataques do PCC diminuíram de intensidade, embora a organização não tenha sido enfraquecida. Muito pelo contrário. A novidade, entretanto, é a emergência, em diversos estados da federação, de organizações inspiradas no PCC. Os ataques foram disseminados por todo o país, contribuindo para o aumento da sensação de insegurança.

Ataques a ônibus têm se multiplicado em todo o país. A imprensa, em parte reproduzido os discursos das autoridades da área de segurança pública, repetem a fórmula “ataques do crime organizado”. Quase todos nos contentamos com o diagnóstico implícito. E aí, naturalizada a expressão, deixamos de nos perguntar se não estaríamos, como sói ocorrer não poucas vezes no mundo social, a usar uma noção velha para expressar algo novo e inusitado. E dá-lhe ônibus queimado, alguns com algo mais do que o pavor de passageiros e a destruição do patrimônio público e privado como testemunhamos com a morte de uma criança quando desses ataques em São Luís (MA).

Penso que os fatos podem até ser parecidos, mas, sob as nossas vistas, algo está sendo redefinido substancialmente. Dar conta desse “algo”, compreendê-lo com profundidade, é importante para os gestores e para a cidadania. Para as ciências sociais, o desafio é produzir narrativas, empiricamente ancoradas, que possibilitam uma maior inteligibilidade  do que, sob a aparência do mesmo, é novo e desafiador.

E o que é esse novo? Acho que estamos vivenciado o que eu definiria, com sentido obviamente provocativo, de “insurgência criminosa pré-política”. Ao contrário das ações das organizações tradicionais, centradas no enfrentamento do Estado, temos, com os ataques de agora, ações direcionadas difusamente à sociedade.


Na sua forma, penso em especial nas destruições dos ônibus, essas ações são apreendidas mais consistentemente como “insurreições criminosas” do que propriamente ataques do “crime organizado”.  Essa é uma discussão que necessita ser aprofundada, e eu irei fazer isso mais adiante. Adianto que o chute (eu não ousaria escrever “reflexão”) me veio de uma leitura apressada de um conjunto de artigos publicados na revista TRENDS IN ORGANIZED CRIME. Logo mais, assim que eu tiver os links, passo para vocês.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Eleições 2014: a nova pesquisa do DATAFOLHA e a manchete equivocada da FOLHA

Neste ano, mais do que nos anteriores, temos que relativizar (e muito) os resultados das pesquisas eleitorais. Quem propõe essa posição de cautela não é nenhum acadêmico cético, mas os próprios diretores dos institutos dedicados a esse negócio (nada de errado com isso, adiante-se).

Pois bem, hoje, o jornal FOLHA DE SÃO PAULO traz uma nova pesquisa. Os números, conforme você verá abaixo, não se alteraram muito, mas o jornal paulista forjou de imediato uma manchete nada inocente: "Aécio sobe, e chance de Dilma ser reeleita no 1º turno diminui". Ora, pois, pois... Se você analisa friamente os números, o que é bem difícil dado que as paixões contaminaram de tal modo o ambiente político que qualquer tentativa de fazer tal exercício já é vista, não por poucos, como coisa suspeita e encomendada, perceberá que o cenário não mudou muito nos últimos meses.

Ademais, na medida em que Aécio vai se firmando, por enquanto, como a oposição mais forte não apenas ao Governo, mas, sobretudo, ao petismo, seria estranho que ele não alcançasse 20% das preferências. Pessoalmente, acho que ele chega a perto de 30% no começo da campanha da TV. Aí, o jogo será para quem tem nervos de aço, devo adiantar.

Bom. Mas o interessante é que a análise mais crua e realista da pesquisa (e aquela que mais seria "favorável" aos petistas) foi feita pelo Vereador César Maia (DEM-RJ) em seu "Ex-Blog". Sou leitor assíduo do Maia, você bem sabem. E, de vez em quando, transcrevo as suas argutas análises neste espaço.

Não deixa de ser curiosa a manchete que o César Maia deu ao resumo da notícia da Folha: "Dilma para de cari e Aécio cresce 4 pontos". Mais realista e jornalisticamente mais objetivo do que a manchete da Folha, não?

DATAFOLHA (07-08/05): DILMA PARA DE CAIR E AÉCIO CRESCE 4 PONTOS!
CÉSAR MAIA

Folha de SP, 09) 1. Intenção de voto com todos os candidatos. Dilma 37% (antes 38%), Aécio 20% (antes 16%), Campos 11% (antes 10%), Outros 7%. / Sem outros candidatos Dilma 41%, Aécio 22%, Campos 14%.
             
2. Avaliação Dilma: ótimo+bom 35% (antes 36%), ruim+péssimo 26% (antes 25%).
             
3. Intenção de voto com Lula. Lula 49%, Aécio 17%, Campos 9%, Outros 6%. / Sem outros candidatos Lula 52%, Aécio 19%, Campos 11%.
             
4. Em MAIO de 2006, Lula tinha 45%, Alckmin 22%, Heloisa Helena 7% e outros 9%.
5. Curiosamente nada mudou em relação à pesquisa Datafolha de 11/10/2013, sete meses atrás com 3 nomes: Dilma 42% (agora 41%), Aécio 21% (agora 22%), Eduardo Campos 15% (agora 14%), Nenhum deles 23% (agora 22%). 


segunda-feira, 21 de abril de 2014

BOLSAS, PEDINTES E A IGNORÂNCIA QUE DÓI NA ALMA

Fui aluno do Professor Vilmar Faria, grande cientista social, que deixou a UNICAMP para ajudar a formular as políticas sociais do Governo FHC, em 1995. Era um privilégio ter aulas com ele ou participar de conversas nas quais  ele, que não gostava de ser o centro das atenções, logo passava a ter as suas análises equilibradas e críticas requisitadas pelos presentes.

O Professor Vilmar morreu  antes do término do primeiro mandato de FHC. Não chegou a ver o quanto a idéia de programas sociais avançou no país.

Acho importante recuperar essa história, hoje, porque muita gente que faz oposição aos governos do PT o faz de uma forma  tão desastrada que termina por não fazer justiça ao próprio PSDB e a não poucas pessoas, que, lá na metade dos anos 1990, lançaram as bases do que hoje parece tão (felizmente!) enraizado em solo brasileiro.

Não acho que ser contra o bolsa-família seja coisa de direita. Longe disso! Tampouco é coisa de neoliberais. Essas duas posições, diga-se de passagem, historicamente, lidam até bem com o que denominam de “redes de proteção social”. Uma direita civilizada contribui significativamente para o debate político. Neoliberais, idem. Pense, por exemplo, na questão  da premiação da iniciativa individual. Ou no tema do empreendedorismo. Quem está nessas posições tem algo a dizer, e esse algo não é desprovido de sentido, de conexões com o real, mera ideologia...

Coisa bem diversa é essa condenação in totum das “bolsas”. Claro! Gente que está na oposição pode até surfar na crítica ligeira, mas não dá para identificar essa crítica com algo como “direita”. E aqui não se trata de cosia moral, não. Trata-se apenas de apreender a “coisa” com categorias as mais adequadas.
Grande parte da oposição irracional às bolsas (há, sem dúvida, um oposição racionalmente fundada, mas, esta, quase não freqüenta as conversas cotidianas...) advém de um sentimento de aversão aos pobres, mesmo quando estes estão distantes espacialmente. Gastar dinheiro com eles é sinal de desperdício. Há aí uma visão de casta assumida por parcelas da classe média brasileira, que, ouso dizer, pode ser assumida, em maior ou menor grau, por atores políticos que assumem credos de um lado a outro do espectro político. Há gente de esquerda que também é contra as cotas, todos sabem disso. E essa gente, não raro, remete a esses mitos de “preguiça do povo” e da disposição para “ter filhos” dos mais pobres.

Esse tipo de posicionamento é danoso. E digo isso não apenas movido por interesses políticos. A sua dimensão negativa também está relacionada ao fato de que ele contribui para esgarçar o tecido social, a potencializar dessolidarização e desresponsabilização. Não acredito, de verdade, que nem o Aécio e nem o Campos irão investir pesadamente contra esses programas sociais. Por que me preocupo, então? Porque acho que essa é uma daquelas idéias danosas que podem, mesmo que de contrabando, enredar-se no discurso político, ganhar legitimidade e terminar por levar o verbo a se fazer carne (no caso, não dá para perder a oportunidade do trocadilho, em “não-carne”).

Houve um tempo, não faz muito, em que, especialmente aqui no Nordeste, quando você ia a um restaurante ou a um café, passava pelo constrangimento de se sentir agredindo alguém. Você, certamente, lembra-se que as pessoas se esquivavam de ficar próximo das janelas para evitar o olhar pedinte dos famélicos. Lembra?

No Restaurante Universitário da UFRN houve um tempo em que uma verdadeira multidão de homens, mulheres e crianças se aglomeravam para pedir as sombras das refeições dos estudantes.

Será que certas pessoas têm saudade desses tempo?

quinta-feira, 17 de abril de 2014

OS QUADROS DA PETROBRÁS NO CONGRESSO

Tanto a Presidente Graça Foster quanto Nestor Cerveró são quadros dirigentes experientes da Petrobrás. Mostraram que trabalhar durante décadas em uma empresa como a Petrobrás, ocupando cargos dirigentes, não é coisa para simplórios. Esses dirigentes podem até não dominar bem os meandros da disputa política no Congresso, mas dão baile quando tratam de assuntos eminentemente técnicos. Especialmente quando estão a dissertar sobre dimensões específicas de um mercado tão complexo, sensível e instável quanto aquele do petróleo e gás.

Graça Foster, na terça-feira, no Senado, enfrentou uma situação mais difícil do aquela com que se deparou o ex-diretor da área internacional Cerveró, ontem na Câmara. E isso contrariou muitas expectativas. Esperava-se um atuação demolidora dos deputados de oposição. Mas a montanha, como se viu, pariu um rato.

E isso não aconteceu por acaso, pois, os quadros da oposição no Senado dão de 10 X O nos seus colegas da Câmara. É até covardia comparar um Francischini ou um Mendonça Filho com um Aloysio Nunes. O senador tucano de São Paulo une competência técnica e capacidade de formular questões pontuais sem, como os deputados citados, ficar desesperado para colher imediatamente os ganhos midiáticos de suas intervenções.

Nesse contexto, o ex-diretor da área internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró, com competência e informação, indicando para coisas óbvias, embora difíceis de serem apreendidos pelo senso comum, como o fato de que um negócio bom hoje pode não sê-lo amanhã, atropelou os oposicionistas da Câmara. E, em alguns momentos, expôs ao ridículo algumas atuações pouco felizes (sejamos generosos, gente) de alguns desses parlamentares.

A minha impressão é a de que quadros como Gustavo Fruet e Eduardo Paes, não por acaso, hoje, prefeitos de grandes cidades, e que deram um trabalho danado ao Governo na época da CPI dos Correios (Mensalão), não foram devidamente substituídos no campo da oposição. Os dois, sabemos, navegam hoje no oceano governista.

Ademais, dado que o jogo na audiência com Cerveró tinha uma dinâmica mais ditado pelos ganhos políticos imediatos (o que sói ocorrer especialmente em ano eleitoral), os parlamentares petistas puderam jogar melhor do que os seus colegas senadores. Os petistas conseguiram tirar os oposicionistas do sério, para citar uma das estratégias vitoriosa do lado dos governistas.

A Petrobrás produz quadros competentes. E, o que pode surpreender quem não conhece os meandros da empresa, eles possuem um ethos profissional, legitimado pela defesa do seu patrimônio material e imaterial. Os ataques gratuitos que a estatal vem sofrendo nos últimos anos, parece, ao invés de criar dissensões e desânimos, atiça um poderosos espírito de corpo. E alguns podem até se impor sacrifícios biográficos em nome de algo que os transcende (a BR).

Vejamos os desdobramentos dessas audiências nos próximos dias. Por agora, penso que a ideia de uma CPI da Petrobrás, bandeira com a qual a oposição pensa fustigar a Presidente Dilma, sofreu um revés.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Margareth Archer, um vinho e a Teoria da Escolha Racional

O que articula os elementos do título da postagem? Seria melhor dizer: quem articula? Bueno, acá estou eu a tomar um vinho e lendo um livro organizado pela Margareth Archer sobre a Teoria da Escolha Racional. Até o momento, nenhuma novidade. Desancar a TER, todo mundo fez, faz ou fará, com exceção, é claro!, dos seguidores da Igreja dos Individualistas Metodológicos dos Últimos Dias. Mas, pelo que vi no sumário, o livro promete. Quando avançar mais, dou uma palhinha pro cês.

A ontologia realista de Margareth Archer

Você vai encontrar cada vez mais referências na imprensa à cientista social inglesa Margarth Archer. Obviamente, muito dessa presença deve-se à sua indicação, pelo Papa Francisco, para ocupar um lugar de destaque na pesquisa social que subsidia o vaticano. Mas a cientista social merece sua atenção pela sua criativa produção.

A ontologia realista, com Archer, adentrou o terreno da sociologia. E, mais que isso, deu substância à investidas analíticas bem criativas. E, antes disso, balizou respostas convincentes aos lugares-comuns do construtivismo sociológico. A obra de Archer se torna especialmente fecunda quando mobilizada para dialogar com o feminismo ou com as abusivas desconstruções alicerçadas na linguística.

O Andrew Sawyer, que também pode ser incluído no mesmo campo, como direi?, epistemológico de Archer, tem um livro bem didático sobre a aplicação dessa ontologia realista no reino da sociologia. Quando tiver tempo (o que me falta neste momento), farei uma apresentação do livro do cara.

Voltemos a Archer. Encontrei um resenha bem competente, escrita pelo sociólogo Nuno Oliveira, na qual a obra da nossa autora é cotejada com aquela produzida por Anthony Giddens. Quantoa à Giddens, sou suspeito, pois, vocês sabem, sempre achei o livro "As Novas Regras do Método Sociológico" algo assim como um ponto de partida para uma aventura sociológica excitante. Se não por outro motivo, pelo fato de Giddens levar a sério, mesmo questionando fortemente, os aportes teóricos do interacionismo e da etnometodologia.

A etnometodologia, vocês sabem, é aquela perspectiva fortemente preocupada com a produção de sentido pelos atores nas suas interações mais comezinhas. O Pierre Bourdieu, em um texto que, nestas plagas, está compilado em um livro intitulado "O Poder Simbólico", desanca com a etnometodologia. Não se chuta cachorro morto, não é. Se Bourdieu desancava alguém, no mínimo, esse alguém merecia um pouco de atenção. Até porque muitos o desancaram, na vã expectativa de levarem umas bordoadas para exibi-las nesse chinfrim mercado de bens simbólicos que é o mundo acadêmico.

Mas, onde eu estava mesmo? Bueno, comentando o texto do Nuno Oliveira, pois não? Isto! Então, deixemos de patranha e vamos ao bom texto do gajo? Para isso, clique aqui. E boa leitura!

domingo, 13 de abril de 2014

A REGULAÇÃO DA SEGURANÇA PRIVADA

A Polícia Federal, no Brasil, é responsável pelo monitoramento da segurança privada. Essa é uma tarefa hercúlea, reconheçamos, para começar. Como regular uma atividade tão complexa, multifacetada e fronteiriça como essa?

Do ponto de vista de uma sociologia econômica, para ficar aqui apenas em uma dos subcampos da sociologia em que a questão pode ser encarada analiticamente, o desafio é entender as redes sociais e os mecanismos de formação de demanda, preço e autorregulação.

Preocupado com essa discussão, em uma rápida pesquisa, encontrei um texto bem interessante, de autoria de FRÉDÉRIC OCQUETEAU, publicado na revista TEMPO SOCIAL. Clique aqui e confira.