quinta-feira, 19 de junho de 2014

Barbies ou Fabianes?

A internet potencializa o melhor e o pior de todos nós. Em sociedades nas quais a cidadania incompleta e a fragilidade dos espaços públicos marcam a vida social, a rede mundial de computadores tanto enriquece as redes de sociabilidade e alarga o debate público quanto pode projetar, em níveis inimagináveis, a intolerância, a discriminação e o linchamento simbólico daqueles considerados socialmente indesejáveis.

As reproduções irrefletidas de notas produzidas por blogs não muito atentos às suas fontes, ou que tudo fazem por um pouco de audiência, contribui para que a internet, assim como o rádio e a TV, seja um espaço para temerários “justiceiros”.

Não se trata aqui de coisa de menor importância. Os assassinatos físicos, não raramente, são desdobramentos de mortes sociais.

A exposição irresponsável de apenas uma das muitas versões sobre acontecimentos ou atitudes de pessoas é uma dessas formas de mortes sociais proporcionadas pelas redes sociais.
Foi uma notícia  que detonou a histeria da qual resultou a morte da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, linchada no Guarujá, depois que uma página no Facebook divulgou irresponsavelmente um falso retrato-falado de uma seqüestradora de crianças .

No RN, nestes dias, jornais e blogs reproduzidos à exaustão nas redes sociais, alimentam um linchamento virtual do qual são vítimas mulheres de uma mesma família. Elas foram expostas, suas intimidades devassadas e ilações sobre supostas atividades criminosas construídas e divulgadas tendo por base acusações vagas e imprecisas. As suas vozes não aparecem, mas os seus rostos e corpos, sim.

Machismo, moralismo barato, ressentimento e ódio à beleza fermentam esse linchamento em andamento. Pessoas boas, que se auto-intitulam “do bem”, e que, sem duvida, condenaram o linchamento de Fabiane, estão agora a jogar pedras virtuais em pessoas que, para serem desumanizadas, foram pejorativamente identificadas como “Barbies”.  

Esse machismo, versão cruel da dominação masculina no Nordeste do Brasil, não é produto, diga-se de passagem, apenas da ação de homens. Sua força reside no fato de contar com a adesão cúmplice de muitas mulheres.

Há também o preconceito contra mulheres bonitas oriundas das classes populares. Nos esquemas da dominação masculina vigente nestas plagas, cabe a elas somente um papel passivo. No máximo, um casamento cinzento com algum filhinho de painho... Se elas vão a luta e assumem, nos nossos limitados espaços públicos, as suas belezas e as suas feminilidades, então, estarão, a priori, condenadas.

Forjam-se narrativas sobre prostituição, como se a prática fosse, em si mesmo, criminosa. Mas, sabemos todos, embora não seja fácil de tipificar juridicamente como crime, a prostituição é como pano vermelho que enfurece o touro para todos os moralistas, de ocasião ou de bolso. E mesmo quem, na noite, escorrega para um próstibulo, ou, na internet, é usuário contumaz de pornografia, nessas horas, ergue-se indignado para participar do linchamento.


Mais do que almas fraturadas, esse tipo de linchamento virtual  é cruel e poderoso pelos desdobramentos em violência física que pode se expressar, como vimos no caso de Fabiane. Também explicita a capacidade que as boas pessoas têm em fazer o MAL.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Os xingamentos contra Dilma na Arena Itaquera e a cara da nossa elite educada

Os preços dos ingressos para o jogo de abertura da Copa na Arena Itaquera (Itaquerão) foram uma espécie de triagem prévia, garantiram o lugar quase exclusivamente para os membros da nossa elite bem educada. E essa gente não se furtou ao seu encontro com a história. No Itaquerão, demonstrou toda a sua elevada civilidade, berrando xingamentos contra a Presidente Dilma. Os seus melhores filhos não se limitaram a vaiar, o que seria aceitável e até esperado, pois, no Brasil, vai-se até minuto de silêncio, mas, a xingar, de forma chula, a Presidenta.

Não vou reproduzir aqui as palavras de ordem dessa gente educada, que se acha superior  aos mal-educados das distantes periferias. Não! Não me dou a esse tipo de desfrute. Mas, permito-me meditar se essa baixaria, que diminuiu não a Presidenta, mas aqueles e aquelas que a protagonizaram, não é a mais perfeita expressão de que a oposição aos governos do PT, por incompetência de formular projetos, tornou-se refém de um ódio irracional que somente amedronta a quem poderia ser ganho por projetos consistentes e críticas minimamente objetivas e circunstanciadas. E espaço para estas últimas, repitamos o óbvio, há de sobra.

Quando o  ódio domina a disputa política, a própria política é dinamitada enquanto tal. E tudo pode acontecer. E quando tudo pode acontecer, você sabe, acontece sempre o pior. O desrespeito à figura da Presidenta da República é uma vileza, uma baixaria típica de trolls. Dominados pela ódio, agarrados às suas verdades perfeitas, embaladas em poucas verdades e muita mistificação, os xingadores do Itaquerão podem ter um resultado cujo efeito é contrário ao pretendido: o medo dos que ainda não esqueceram que a conquista de um espaço público na sociedade brasileira só ocorreu a partir de muita luta.

As reações de Aécio e Eduardo Campos aos xingamentos mostram o empobrecimento da disputa política que se avizinha. Os candidatos da oposição poderiam ter se mostrado superiores, mas preferiram alguns minutos de enlace com os trolls. Apequenaram-se.

Gostaria muito de saber o que a boa gente da Rede,  gente com a qual tenho muita afinidade pessoal e política, dirá da cafajestada que foi o posicionamento do seu candidato. Se estes se mantiverem silentes ou, o que seria pior, de acordo com esse rebaixamento da disputa política, aí, meus caros, aprontemo-nos para o pior. Porque, assim como nas relações interpessoais, também na política o ódio é sempre, ao mesmo tempo, o pântano onde viceja o que há de mais monstruoso em cada um de nós.  


Agora, se a nossa elite, bem educada e bem nutrida, se comporta como se comportou no Itaquerão, então, não haverá quem, em lugares recônditos, convença-se: se assim que “eles” jogam, então, tudo está permitido. Aí, a política terá terminado e outra coisa, horrenda, terá tomado conta da disputa eleitoral que se avizinha. Muita calma nessa hora! Por outro lado, quem sabe?, os brasileiros sejam melhores, bem melhores, do que a sua elite que expressou, com elevada franqueza, sua forma de fazer “política” ontem. 

sábado, 7 de junho de 2014

O jumento e o cachorro: as faces de uma mesma moeda

Andréa Monteiro*

Viagens significam partidas, e algumas delas podem ter o sentido de despedida. Quando viajamos, fazemos um percurso, uma trilha para algum lugar, buscando alguma coisa. Essas buscas demonstram que estamos tentando ir adiante e nos desvencilhar do que ficou para trás: situações, etapas da vida, e até de nós mesmo. Uma viagem pode ser a oportunidade de desatar ou refazermos algo, para então renascermos de uma melhor maneira.

Durante esses dias, caso você decida fazer uma viagem de carro pelo sertão nordestino, a imagem que penetrará pelos seus sentidos provocará o sentimento de desalento fruto do forte período de seca que a região está passando. Com nossos motores a milhares de rotação por minutos talvez não percebamos que a paisagem tórrida e cinzenta da vegetação encobre um dos animais que teve outrora relevância na dinâmica social, cultural e econômica do nordeste, e que já não damos a devida importância. Refiro-me ao jumento. Muito embora, na escala de valoração social dos animais, o jumento sempre esteve abaixo... Mesmo em relação às demais variações das espécies de equinos – éguas, burros, cavalos – não é demais relembrar que, na época das construções dos primeiros açudes do semiárido, o jumento tinha sua importância devido a sua capacidade de suportar cargas no seu “lombo”. Pessoas ou materiais de construção eram transportadas dentro dos chamados caçuar, espécie de cesto utilizado para ser colocado nas costas do animal. O burro, ao contrário, ainda tem certo valor comercial por sua capacidade de arrastar pesos, o jumento é pouco amoldado à tração apenas aguenta transportar cargas. Dado que nos últimos anos a motocicleta chegou aos lugares mais longínquos de toda e qualquer cidade nordestina, o jumento perdeu o único lugar que lhe cabia, e para a grande maioria das pessoas ele já não tem serventia. E, hoje, sua presença nas estradas do sertão é tomada como um incômodo, pois, cobra-nos, de nós motoristas, uma atenção redobrada devida a possibilidade de acidentes. 

O jumento nas estradas sertanejas é a expressão da coexistência contraditória entre passado e futuro, a tradição e a modernidade. Mas, essa é uma percepção que nem sempre é percebida pelos viajantes. E isso é até compreensível devido ao sentimento que orienta a nossa vida diária que nos impede de ter um olhar mais atento sobre a construção social de uma realidade que promete ser melhor. As obras de infraestrutura operacionalizadas nas estradas do nordeste nos últimos anos, como a BR 101 ou a BR 116, juntamente com a urbanização das cidades de pequeno e médio porte da nossa região, ainda deixa vestígios de um contínuo processo de aceleração econômica. E essa realidade pode ser tomada como uma possibilidade ou uma referência para o exercício sociológico. 

Mas os jumentos continuam lá. Seja de dia ou à noite, na condição de renegados, estão sendo um após o outro, exterminados, atropelados e, mais dramático ainda, esquecidos às margens das estradas agonizando com as dores causadas pelos choques contras os veículos. Esses animais fazem parte de um passado que não nos interessa. Tudo se passa como se esse passado, que desejamos que fique para trás, dado que caminhamos para um suposto futuro melhor, apontasse que não existe mais lugar para eles no nosso presente. O mesmo não vale para os cachorros. 

As folhas do calendário voam, o tempo, parece, está passando vertiginosamente. E como não dá para dedicarmos um momento para consertar falhas do passado, optamos por embarcar num voo no qual não sabemos para qual direção está indo, mas acreditamos termos o controle, rumo a um possível futuro promissor. Nesse futuro, lá estão os lindos, admiráveis e amados e estimados cachorrinhos. Pequenos, médios, grande, mestiços ou com pedigree, detalhes que ficam em segundo plano comparando as capacidades e qualidades que nós humanos atribuímos, enxergamos e até sentimos em relação aos caninos, não é mesmo? Eles, agora, viraram nossos amigos confiáveis, irmãos e até filhos queridos. Ocupam lugar privilegiado na vida, em casa e até na decisão de quem vai sentar no banco do carona do carro. Entre ele e aquela garota bacana, sabe? Uma amiga, irmã ou namorada, certamente, você vai escolher como companhia de carona, quem? O seu Pet. E a garota? Virá no banco de trás, claro! 

Uma pesquisa recente buscou comparar os benefícios entre cuidar de uma criança e criar um pet de estimação por pessoas idosas. Criar uma criança faz com que você esteja conectado com o mundo e o que acontece nele. A vida diária te cobra o estabelecimento de vínculos sociais entre você e a criança, entre você e a escola, na convivência com outras moralidades e com as outras perspectivas e expectativas dos outros diferentes de você; e a dedicação aos cachorros também exige a possibilidade de conexão. O cachorro por se tratar de um ser vivo te cobra cuidados, atenção às necessidades: passeios, comida, etc. Enfim, faz você ter ligação com o movimento, com a vida. Um tipo de ligação que trás retribuição, você encontra feeddack em respostas para as quais você é quem atribui sentidos, de acordo com suas expectativas. Para o homem moderno criar cachorro faz bem! 

A partir desses elementos poderíamos nos perguntar: o que pode estar por trás dessa redefinição de valor e lugar social em relação a simples animais como os jumentos e os cachorros? Onde estariam as pistas, que sendo instrumentalizadas analiticamente, nos levariam a uma compreensão que não se limitasse apenas a descrição da realidade? Aliás, por falar em sociologia descritiva, eis uma forma sociológica tão banalizada nos discursos de representantes do saber doutor e que em nada contribui para fundamentar um verdadeiro fazer sociológico. Concorda?
Segunda-feira, 6h45min da manhã, um dos comentaristas da rádio CBN apresenta os números mais recentes do mercado de produtos pets no mundo. Do rádio, ecoa uma voz que diz: O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de consumo de produtos pets no mundo, perdendo apenas para o ícone da cultura de consumo, o mercado americano. Em 2013 o faturamento no Brasil ultrapassa a casa dos R$ 15 BILHÕES enquanto que as cifras do mercado mundial alcançou a casa dos U$ 100 BILHÕES DE DOLARES. Trata-se de um mercado econômico tão promissor que trabalha com índice de crescimento acima de 8% ao ano. Não temos como não reconhecer, o brasileiro gosta mais dos cachorros do que dos jumentos. Rssss.

Mas, o que é economia? E o que é mercado econômico? Bem, poderíamos dizer que economia é um modelo de produção, distribuição, circulação e consumo de bens e serviços que um determinado grupo social adota. A cultura ocidental chega ao século XXI com uma proeza sem precedentes na história: a construção de um modelo econômico que se consolidou com tal força a ponto de servir de referência para unificação das economias em praticamente todo o planeta. Salvo alguns pequenos grupos sociais africanos e indígenas, praticamente todas as sociedades atuais compartilham do chamado sistema econômico capitalista. A partir do sec. XX, a economia capitalista potencializa em escala múltipla o surgimento de formas diversas de mercados. Mas o que é mesmo Mercado? Bem, é possível pensar um Mercado com sendo em espaço determinado, onde pessoas estabelecem relações de trocas, negociações e transações regidas pelo dinheiro. 

Análise sociológica se faz a partir de conceitos, ou seja, um determinado ponto de vista de leitura da realidade. Do que poderíamos denominar de esquemas conceituais. Esses esquemas conceituais auxiliam na compreensão dos mecanismos ou estruturas que constroem a realidade como ela é. Na Sociologia existem vários conceitos para ler um mesmo fenômeno social. A economia de mercado capitalista é um exemplo disso. Na sociologia há aqueles que a percebem enquanto força econômica que cria ou impõe determinadas necessidades às pessoas comuns. Outros a entendem enquanto um modelo de produção de mercadorias, que possui uma dinâmica própria e que possui a capacidade de colonizar as diversas esferas e aspectos da vida social, procurando torná-las bases para atividades lucrativas. Bem, esses constructos sociais não existem enquanto um dado da natureza. Existem porque estão em meio à vida das pessoas comuns. E conceito que não indica a ação humana trata-se de conceito sem muita força analítica. Na tentativa de construir um esquema de percepção que extraia as potencialidades das duas formas de compreensão citadas, podemos entender que o mercado não é uma força que impõe isso ou aquilo às pessoas, mas, sim, que o mercado se apropria de necessidades e desejos que são ou estão contidos em todos nós. Desejos que são potencializados nos diversos tipos de relações sociais que existem. 

Voltando aos números e milhões de moedas que o mercado pet consegue mobilizar, uma pergunta simples: porque as pessoas estão gastando tanto dinheiro com cachorros e por que esse mercado de alimentos, cuidados médicos e estéticos, cresce exponencialmente?

Levando em consideração o crescimento econômico do Brasil nos últimos vinte anos, o qual alavancou um cenário e um estilo de vida de consumo para uma parte considerável dos brasileiros, vivemos em uma sociedade com certa margem de recurso. Bom! Temos dinheiro e desejamos felicidade. Thomas Hobbes, ainda no século XVII, refletindo sobre a natureza humana, escreveu na primeira parte de O Leviatã que, sem a busca pelo desejo, o homem chega ao seu fim. A busca por esse algo que nos conforta é o que nos dá movimento, movimenta nossas sensações, imaginações e paixões. A felicidade é um contínuo progredir de desejos. A natureza humana que Hobbes se dedicou a pensar faz do homem um ser preocupado exclusivamente em satisfazer os seus interesses. Ora, se vivemos em um modelo cultural o qual prima pela individualidade, o mercado (ou melhor, o conjunto de pessoas que se dedicam às transações orientadas pelo dinheiro, buscando manter o controle dos espaços que garantam a manutenção de suas relações, tendo como fim último controlar riquezas) terá sempre a criatividade de apresentar aos indivíduos um objeto/coisa/experiência que lhe proporcione satisfação, conforto e segurança existencial que tanto buscam. E isso, é claro, é trocado por dinheiro. A partir dessas prerrogativas, temos a seguinte equação: homem + desejo + dinheiro = satisfação (satisfação = cachorro).

O brasileiro faz um cálculo racional do quanto consegue criando um cachorro e, ao fim, percebe que pode encontrar uma resposta positiva para os seus gastos. “Eu gasto dinheiro com o meu cachorro, mas ele é fiel, me dá carinho e me serve de companhia.” Esse cálculo de investimento existe porque o cachorro dá um retorno. E que retorno é esse? O retorno em estabelecer e confirmar relações emocionais. O cruel é perceber que em uma sociedade que legitima o interesse individual, é mais esperado que se gaste com cachorro do que com atividade ou investidas que possam construir algo coletivo.

O que podemos concluir é que a vida que temos está provocando um vazio e estamos buscando preenchê-lo dedicando nosso dinheiro e nossa potencialidade afetiva aos cachorros porque eles nos dão um retorno. Enfim, eles têm uma serventia. 

Assim, num mundo em que o amor, o afeto e o cuidado são medidos e calculados apenas pelo seu retorno individual e insistimos em não doar um pouco do melhor de nós a quem nos chama, a lógica do mercado continuará exterminando os jumentos e valorizando o lugar dos cachorros em nossa vida. E para você ter uma ideia melhor dos afetos e emoções possíveis sobre a lógica do mercado, assista ao filme O Lobo de Wall Street. Mas aí já é uma outra sociologia...

* Professora de sociologia no IFRN - Campus Santa Cruz.

domingo, 1 de junho de 2014

O que é a análise relacional para Viviana Zelizer

Em uma entrevista a um blog, a visão da socióloga Viviana Zelizer a respeito da análise relacional nas ciências sociais. Leia-a aqui. O blog? Clique aqui e confira. Abaixo, transcrevo a entrevista.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

QUANDO A INSURGÊNCIA CRIMINAL ENTROU EM CENA NO BRASIL

Há exatos oito anos, em maio de 2006, o Primeiro Comando da Capital, organização criminosa surgida nos presídios paulistas e com controle de áreas e atividades criminosas e ilegais não apenas  em São Paulo, parou, com ataques ousados, a cidade de São Paulo. Foi uma resposta à duras investidas policiais contra supostos membros da organização. Naquela época, não sei se vocês lembram, autoridades federais  e estaduais tiveram que adentrar uma prisão de segurança máxima para negociar com os chefes do PCC.

Muita água passou debaixo da ponte nos últimos anos. Os ataques do PCC diminuíram de intensidade, embora a organização não tenha sido enfraquecida. Muito pelo contrário. A novidade, entretanto, é a emergência, em diversos estados da federação, de organizações inspiradas no PCC. Os ataques foram disseminados por todo o país, contribuindo para o aumento da sensação de insegurança.

Ataques a ônibus têm se multiplicado em todo o país. A imprensa, em parte reproduzido os discursos das autoridades da área de segurança pública, repetem a fórmula “ataques do crime organizado”. Quase todos nos contentamos com o diagnóstico implícito. E aí, naturalizada a expressão, deixamos de nos perguntar se não estaríamos, como sói ocorrer não poucas vezes no mundo social, a usar uma noção velha para expressar algo novo e inusitado. E dá-lhe ônibus queimado, alguns com algo mais do que o pavor de passageiros e a destruição do patrimônio público e privado como testemunhamos com a morte de uma criança quando desses ataques em São Luís (MA).

Penso que os fatos podem até ser parecidos, mas, sob as nossas vistas, algo está sendo redefinido substancialmente. Dar conta desse “algo”, compreendê-lo com profundidade, é importante para os gestores e para a cidadania. Para as ciências sociais, o desafio é produzir narrativas, empiricamente ancoradas, que possibilitam uma maior inteligibilidade  do que, sob a aparência do mesmo, é novo e desafiador.

E o que é esse novo? Acho que estamos vivenciado o que eu definiria, com sentido obviamente provocativo, de “insurgência criminosa pré-política”. Ao contrário das ações das organizações tradicionais, centradas no enfrentamento do Estado, temos, com os ataques de agora, ações direcionadas difusamente à sociedade.


Na sua forma, penso em especial nas destruições dos ônibus, essas ações são apreendidas mais consistentemente como “insurreições criminosas” do que propriamente ataques do “crime organizado”.  Essa é uma discussão que necessita ser aprofundada, e eu irei fazer isso mais adiante. Adianto que o chute (eu não ousaria escrever “reflexão”) me veio de uma leitura apressada de um conjunto de artigos publicados na revista TRENDS IN ORGANIZED CRIME. Logo mais, assim que eu tiver os links, passo para vocês.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Eleições 2014: a nova pesquisa do DATAFOLHA e a manchete equivocada da FOLHA

Neste ano, mais do que nos anteriores, temos que relativizar (e muito) os resultados das pesquisas eleitorais. Quem propõe essa posição de cautela não é nenhum acadêmico cético, mas os próprios diretores dos institutos dedicados a esse negócio (nada de errado com isso, adiante-se).

Pois bem, hoje, o jornal FOLHA DE SÃO PAULO traz uma nova pesquisa. Os números, conforme você verá abaixo, não se alteraram muito, mas o jornal paulista forjou de imediato uma manchete nada inocente: "Aécio sobe, e chance de Dilma ser reeleita no 1º turno diminui". Ora, pois, pois... Se você analisa friamente os números, o que é bem difícil dado que as paixões contaminaram de tal modo o ambiente político que qualquer tentativa de fazer tal exercício já é vista, não por poucos, como coisa suspeita e encomendada, perceberá que o cenário não mudou muito nos últimos meses.

Ademais, na medida em que Aécio vai se firmando, por enquanto, como a oposição mais forte não apenas ao Governo, mas, sobretudo, ao petismo, seria estranho que ele não alcançasse 20% das preferências. Pessoalmente, acho que ele chega a perto de 30% no começo da campanha da TV. Aí, o jogo será para quem tem nervos de aço, devo adiantar.

Bom. Mas o interessante é que a análise mais crua e realista da pesquisa (e aquela que mais seria "favorável" aos petistas) foi feita pelo Vereador César Maia (DEM-RJ) em seu "Ex-Blog". Sou leitor assíduo do Maia, você bem sabem. E, de vez em quando, transcrevo as suas argutas análises neste espaço.

Não deixa de ser curiosa a manchete que o César Maia deu ao resumo da notícia da Folha: "Dilma para de cari e Aécio cresce 4 pontos". Mais realista e jornalisticamente mais objetivo do que a manchete da Folha, não?

DATAFOLHA (07-08/05): DILMA PARA DE CAIR E AÉCIO CRESCE 4 PONTOS!
CÉSAR MAIA

Folha de SP, 09) 1. Intenção de voto com todos os candidatos. Dilma 37% (antes 38%), Aécio 20% (antes 16%), Campos 11% (antes 10%), Outros 7%. / Sem outros candidatos Dilma 41%, Aécio 22%, Campos 14%.
             
2. Avaliação Dilma: ótimo+bom 35% (antes 36%), ruim+péssimo 26% (antes 25%).
             
3. Intenção de voto com Lula. Lula 49%, Aécio 17%, Campos 9%, Outros 6%. / Sem outros candidatos Lula 52%, Aécio 19%, Campos 11%.
             
4. Em MAIO de 2006, Lula tinha 45%, Alckmin 22%, Heloisa Helena 7% e outros 9%.
5. Curiosamente nada mudou em relação à pesquisa Datafolha de 11/10/2013, sete meses atrás com 3 nomes: Dilma 42% (agora 41%), Aécio 21% (agora 22%), Eduardo Campos 15% (agora 14%), Nenhum deles 23% (agora 22%). 


segunda-feira, 21 de abril de 2014

BOLSAS, PEDINTES E A IGNORÂNCIA QUE DÓI NA ALMA

Fui aluno do Professor Vilmar Faria, grande cientista social, que deixou a UNICAMP para ajudar a formular as políticas sociais do Governo FHC, em 1995. Era um privilégio ter aulas com ele ou participar de conversas nas quais  ele, que não gostava de ser o centro das atenções, logo passava a ter as suas análises equilibradas e críticas requisitadas pelos presentes.

O Professor Vilmar morreu  antes do término do primeiro mandato de FHC. Não chegou a ver o quanto a idéia de programas sociais avançou no país.

Acho importante recuperar essa história, hoje, porque muita gente que faz oposição aos governos do PT o faz de uma forma  tão desastrada que termina por não fazer justiça ao próprio PSDB e a não poucas pessoas, que, lá na metade dos anos 1990, lançaram as bases do que hoje parece tão (felizmente!) enraizado em solo brasileiro.

Não acho que ser contra o bolsa-família seja coisa de direita. Longe disso! Tampouco é coisa de neoliberais. Essas duas posições, diga-se de passagem, historicamente, lidam até bem com o que denominam de “redes de proteção social”. Uma direita civilizada contribui significativamente para o debate político. Neoliberais, idem. Pense, por exemplo, na questão  da premiação da iniciativa individual. Ou no tema do empreendedorismo. Quem está nessas posições tem algo a dizer, e esse algo não é desprovido de sentido, de conexões com o real, mera ideologia...

Coisa bem diversa é essa condenação in totum das “bolsas”. Claro! Gente que está na oposição pode até surfar na crítica ligeira, mas não dá para identificar essa crítica com algo como “direita”. E aqui não se trata de cosia moral, não. Trata-se apenas de apreender a “coisa” com categorias as mais adequadas.
Grande parte da oposição irracional às bolsas (há, sem dúvida, um oposição racionalmente fundada, mas, esta, quase não freqüenta as conversas cotidianas...) advém de um sentimento de aversão aos pobres, mesmo quando estes estão distantes espacialmente. Gastar dinheiro com eles é sinal de desperdício. Há aí uma visão de casta assumida por parcelas da classe média brasileira, que, ouso dizer, pode ser assumida, em maior ou menor grau, por atores políticos que assumem credos de um lado a outro do espectro político. Há gente de esquerda que também é contra as cotas, todos sabem disso. E essa gente, não raro, remete a esses mitos de “preguiça do povo” e da disposição para “ter filhos” dos mais pobres.

Esse tipo de posicionamento é danoso. E digo isso não apenas movido por interesses políticos. A sua dimensão negativa também está relacionada ao fato de que ele contribui para esgarçar o tecido social, a potencializar dessolidarização e desresponsabilização. Não acredito, de verdade, que nem o Aécio e nem o Campos irão investir pesadamente contra esses programas sociais. Por que me preocupo, então? Porque acho que essa é uma daquelas idéias danosas que podem, mesmo que de contrabando, enredar-se no discurso político, ganhar legitimidade e terminar por levar o verbo a se fazer carne (no caso, não dá para perder a oportunidade do trocadilho, em “não-carne”).

Houve um tempo, não faz muito, em que, especialmente aqui no Nordeste, quando você ia a um restaurante ou a um café, passava pelo constrangimento de se sentir agredindo alguém. Você, certamente, lembra-se que as pessoas se esquivavam de ficar próximo das janelas para evitar o olhar pedinte dos famélicos. Lembra?

No Restaurante Universitário da UFRN houve um tempo em que uma verdadeira multidão de homens, mulheres e crianças se aglomeravam para pedir as sombras das refeições dos estudantes.

Será que certas pessoas têm saudade desses tempo?