Os protestos que tomaram conta das ruas, avenidas e até estradas do país nos últimos dias estão a cobrar análises substantivas e distanciadas do Fla-Flu ideológico que modula debates acadêmicos e conversas de botequim. Muita calma nessa hora, pessoal.
Em momentos como este, nos quais o turbilhão de eventos turva o pensamento, nunca é demais lembrar antigas lições da boa e velha sociologia. Refiro-me aquela que se reivindica uma ciência empírica do mundo social, e não ao ensaísmo aligeirado que se legitima usando indevidamente o nome da ciência fundada por Durkheim.
O que é o Movimento Passe Livre? O que ele quer? O que está produzindo? A velha e boa sociologia nos aconselha a levar em conta os seguintes aspectos na avaliação das ações de um ator (ou de um conjunto deles, vá lá).
1) O objetivo anunciado não é bem o que parece (o objetivo intencionado pelo ator não é bem aquilo que ele anuncia);
2) O objetivo anunciado é o que realmente os atores querem, mas suas ações têm outro significado dos quais eles não têm consciência;
3) O objetivo é o que parece – mas a intervenção de forças exógenas transformam o curso da ação de forma qualitativamente distinta, redefinindo os objetivos inicialmente estabelecidos;
4) O objetivo é o que parece – mas a intervenção de outras forças produz consequências não-tencionadas pelos atores; e
5) O objetivo é o que parece – mas a sua realização está condicionada por eventos fortuitos, estranhos ao plano original.
Assim sendo, algumas vezes, o resultado (ou a situação resultante da intervenção de um ator ou de um conjunto de atores) que estamos analisando pode se traduzir no seguinte:
a) O objetivo real não é o aparente;
b) O objetivo real não é o que os atores realmente realizaram;
c) O objetivo real emerge do contexto da ação;
d) O objetivo original é real, mas é realizado por uma inesperada combinação de eventos.
quarta-feira, 19 de junho de 2013
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2 comentários:
Grande professor Edmilson,
penso existir aí uma problemática correlação entre os protestos e o movimento passe livre. Sim, eles não são exatamente a mesma coisa.
Natal foi a primeira cidade a iniciar as ações que hoje tomam o país, inclusive, São Paulo utilizou as fotografias daqui para mobilizar a galera lá. Aqui, o MPL não é, nem de longe, majoritário. Como o pessoal gosta de dizer, outros atores deram mais fortemente a linha das manifestações. Também existia uma lógica de mobilização, que já vinha do #ForaMicarla em que entidades estudantis mostraram sua força e contraíram legitimidade.
É preciso atentar para o modo local como cada manifestação dessas atribui sentido a "causa" e constroi seus próprios objetivos. Há cidades em que reivindicações nem passam por redução da tarifa.
Tenho a impressão de que o MPL goza de maior poder de influência em São Paulo. Mas repito, ainda que produza repercussão nacional, a mobilização é local e feita pelos agentes em melhor posição para tanto em cada um dos municípios (algo que alguns estão fazendo questão de esquecer, para mirar na Dilma com uma "salada do fim do mundo" - inflação, crise, protestos, vaias, etc.).
Acho que é preciso se perguntar sobre o modo como a imprensa do sul-sudeste consegue universalizar seu estado de coisas, a partir das condições específicas. Até porque, em Natal, que "serviu de exemplo" para as outras cidades, tem gente que analisa pelas lentes dos fatos de fora. É um dos problemas de hierarquizar os acontecimentos, sempre tendendo enxergar os daqui como menores e/ou menos importantes.
Acompanhei os protestos, plenárias, juntei material de imprensa e conversei com manifestantes. Quando o turbilhão passar, tentarei parar com os textos mais engajados e farei uma organização dos dados que colhi.
Abs. Daniel.
Excelente raciocínio,
É isso mesmo. Não há uma conexão orgânica entre as manifestações nas diversas cidades.
Hoje, sobretudo no sudeste, onde existe uma maior similaridade, os partidos de esquerda (PSOL-PSTU-PCO) meio que disseram assim, "podemos não ser o pai, mas somos parentes bem chegados"... O PT sob a ordem de Rui Falcão, tirou a bandeira empoeirada do armário, aquela mesma que em outro tempo era a que estava na fila da frente.
Claro, a direita como nunca conseguiu mobilizar ninguém sem pagar por isso, deu um jeito de colocar a classe média, sempre fiel a figuras como Collor (no passado) e Eduardo Campos (hoje) pra não estender muito.
Mas há sim um movimento original puro sangue, de jovens, de esquerda, que lutam contra Micarlas (ontem), Rosalbas e até Dilmas, mas sobretudo, contra um modelo putrefado de capitalismo, uma classe política, que em grande proporção é excludente, preconceituosa e corrupta.
Uma imprensa burguesa também quer tirar sua casquinha, mas tá saindo com o olho roxo.
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