terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

As dores das mães e a nossa boçal indiferença

Que dores sociais provocam os homicídios na periferia de Natal? No ano passado, somente no bairro Nossa Senhora da Apresentação, na Zona Norte, foram 78 assassinatos. A quase totalidade das vítimas era formada por jovens, na faixa dos vinte anos.

Não raro, as mães são as testemunhas dos assassinatos, pois, os jovens são mortos na sua frente, dentro de suas casas. Serão elas, quase sempre, as únicas a carregar a lembrança dessas vidas tão precocemente ceifadas.

Invariavelmente, as notícias sobre essas mortes são acompanhadas de alguma referência ao envolvimento das vítimas com o tráfico de drogas. E os mortos, dado que considerados como não inocentes, pois, de algum modo, teriam provocado a situação que os levou a morte, são consideradas menos vítimas. Não são inocentes, logo também não são vítimas.

Os que se foram cedo demais, envolvidos em uma espiral de violência que os acompanhou desde tenra idade, muito provavelmente, serão logo esquecidos. Mesmo os seus parentes parecem constrangidos em lembrá-los. E a lembrança, sabemos bem,  é o que confere existência à vida que não está mais presente. Sem nem poderem ser lembrados, esses jovens sobrevivem apenas na dor calada de suas mães (e, mais raro, de um ou outro parente próximo, como a avó ou o avô).

Mas essas dores caladas não criam ressonância. Silenciadas as dores, resta impossível a construção de qualquer comunicação emocional que transborde em uma interação política. Uma dor que permanece calada no fundo dolorido da alma, eis o que permanece.


O silêncio socialmente imposto à essas dores é o outro lada da violência que assola Natal. E, ao impossibilitar que essas dores, sociais que são, objetivem-se, ganhem a luz, indiretamente provocamos uma revolta surda, que, imperceptivelmente, vai contaminando a alma de todos os que, diretamente ou indiretamente, travaram contatos com essas vidas que se foram.

E o preço será pago por todos. Inclusive por nós, que, com a nossa boçal indiferença, não nos damos conta do quão estúpido é cantar loas à qualidade de vida quando habitamos uma das cinqüenta cidades mais violentas do mundo.  

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