Que dores sociais provocam os homicídios na periferia de
Natal? No ano passado, somente no bairro Nossa Senhora da Apresentação, na Zona
Norte, foram 78 assassinatos. A quase totalidade das vítimas era formada por
jovens, na faixa dos vinte anos.
Não raro, as mães são as testemunhas dos assassinatos, pois,
os jovens são mortos na sua frente, dentro de suas casas. Serão elas, quase
sempre, as únicas a carregar a lembrança dessas vidas tão precocemente ceifadas.
Invariavelmente, as notícias sobre essas mortes são
acompanhadas de alguma referência ao envolvimento das vítimas com o tráfico de
drogas. E os mortos, dado que considerados como não inocentes, pois, de algum modo, teriam
provocado a situação que os levou a morte, são consideradas menos vítimas. Não são
inocentes, logo também não são vítimas.
Os que se foram cedo demais, envolvidos em uma espiral de
violência que os acompanhou desde tenra idade, muito provavelmente, serão logo
esquecidos. Mesmo os seus parentes parecem constrangidos em lembrá-los. E a
lembrança, sabemos bem, é o que confere
existência à vida que não está mais presente. Sem nem poderem ser lembrados,
esses jovens sobrevivem apenas na dor calada de suas mães (e, mais raro, de um ou outro
parente próximo, como a avó ou o avô).
Mas essas dores caladas não criam ressonância. Silenciadas
as dores, resta impossível a construção de qualquer comunicação emocional que
transborde em uma interação política. Uma dor que permanece calada no fundo dolorido
da alma, eis o que permanece.
O silêncio socialmente imposto à essas dores é o outro lada da
violência que assola Natal. E, ao impossibilitar que essas dores, sociais que
são, objetivem-se, ganhem a luz, indiretamente provocamos uma revolta surda, que,
imperceptivelmente, vai contaminando a alma de todos os que, diretamente ou
indiretamente, travaram contatos com essas vidas que se foram.
E o preço será pago por todos. Inclusive por nós, que, com a nossa boçal indiferença, não nos damos conta do quão estúpido é cantar loas à qualidade de vida quando habitamos uma das cinqüenta cidades mais violentas do mundo.
E o preço será pago por todos. Inclusive por nós, que, com a nossa boçal indiferença, não nos damos conta do quão estúpido é cantar loas à qualidade de vida quando habitamos uma das cinqüenta cidades mais violentas do mundo.
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