O jurista Paulo Afonso Linhares, que recentemente concluiu o seu doutorado em direito na UFPE, escreve regularmente no jornal Gazeta do Oeste, de Mossoró, sobre assuntos políticos e jurídicos. Seus textos sempre provocam boas reflexões. Confira aí mais abaixo o mais recente deles.
MUDAR PARA MANTER
PAULO AFONSO LINHARES
Nas democracias incipientes - a exemplo da brasileira - atores sociais e instituições nem sempre têm seus contornos perfeitamente definidos. Oscilam, vacilam. Aliás, isto beneficia enormemente um certo tipo de elite que, em sendo detentora de posições hegemônicas, torcem e trabalham para que os avanços não aconteçam, sobretudo que as massas populares passem a controlar o aparelho estatal. Tudo bem no ritmo das palavras do jovem Tancredi, personagem de Lampedusa no seu romance (filmado por Luchino Visconti e estrelado pela beleza resplandecente de uma estonteante Claudia Cardinale...) O Leopardo: «Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi». As coisas precisam mudar para continuar as mesmas.
A tradução tupiniquim dessa parêmia lampedusiana é o engodo das elites que se perpetua nas diversas fases do Estado brasileiro, bem explicita nos períodos do Império e da República Velha e cada vez mais encoberta nos dias atuais, sobretudo em face do inegável avanço institucional que originou a Constituição de 1988, cujo processo constituinte foi palco do enfrentamento dos diversos atores sociais, marcadamente com a efetiva participação dos movimentos populares e das organizações da sociedade civil. Claro, o espírito de Tancredi (e do seu homônimo nacional, Tancredo Neves...) dominou os debates opondo aos trabalhos constituintes impasses enormes, os chamados "buracos negros" e a consequente hegemonia de um bloco de centro-direita que passou à história como "Centrão".
Na Constituição Cidadã, infelizmente, as coisas precisaram mudar para permanecer a mesma coisa. Construiu-se paralelamente àquele processo, entretanto, um diferencial: o inevitável ascenso do movimento populares e o fortalecimento das instituições da sociedade civil, como fruto natural da descompressão política, do vácuo causado pelo fim da ditadura militar. A conjugação desses fatores permitiram que se tenha incorporado à vida nacional uma série de novos e inimagináveis elementos como, p. ex., os quase oito anos de mandato de um presidente da República de origem operário-popular, em clima de estabilidade política, progresso econômico e, sobretudo, do resgate de considerável parcela da enorme dívida social acumulada em cinco séculos de Brasil.
O postulado de Tancredi foi quebrado, mas, nunca definitivamente afastado. Parcela considerável da elite política nacional, de modo nostálgico a ele recorre com desabusada frequência. Nas campanhas eleitorais preferem tomá-lo apenas em parte: qualquer que seja a ideologia do partido ou candidato, mesmos aqueles de cariz mais conservador, a palavra de ordem é sempre mudança, mudança... e mudança ("...bisogna che tutto cambi"), sem explicação alguma sobre o porquê, o para quê ou o para quem, dessas mudanças. Seja de direita, centro ou esquerda, o lero-lero dos candidatos é a regra, pois raramente enxerga-se neles maior consistência de plataforma política ou político-administrativa. Só conversa mole ataviada por marqueteiros bem pagos e mal intencionados. As informações que chegam ao cidadão-eleitor raramente são verazes e inteligíveis; visam, sempre, formar um convicção e obter, a partir dela, o consentimento plasmado no voto, pedra angular do regime democrático. Vitorioso pela unção das urnas, o até então candidato assume ares de semideus e passa a recitar uma nova palavra de ordem: que as coisas permaneçam como são (...che tutto rimanga come è). Doravante, o mandato lhe pertence para o que der e vier, trocar ou vender. É o vale-tudo no tabuleiro das conveniências. Cáspite!
sexta-feira, 30 de julho de 2010
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