terça-feira, 21 de agosto de 2012

Os negros e a cidadania

Uma leitura obrigatória para todos quantos nos dispomos a pensar/intervir sobre a ampliação da cidadania no Brasil. O artigo foi publicado no último número da revista LUA NOVA. Confira abaixo!


Cidadania e retóricas negras de inclusão social*

Citizenship and black rhetoric for social inclusion
 Antonio Sérgio Alfredo Guimarães
Professor do Departamento de Sociologia da USP

As sociedades modernas são herdeiras das revoluções dos séculos XVII, na Inglaterra, e XVIII, na França. Foram tais acontecimentos históricos que estabeleceram os padrões de sociabilidade e de civilização que se alastraram e ainda se alastram por todo o mundo pós-colonial, cujo pilar é o Estado de direito que protege indivíduos e cidadãos. T. H. Marshall (1977), em texto clássico, classificou a cidadania a partir dos direitos que a garantiam - civis, políticos e sociais -, e mostrou como eles foram conquistados progressivamente na Inglaterra. Em outros países, como ficou claro no debate das ideias seminais de Marshall (Turner, 1990; Carvalho, 2002), a história seguiu diversos outros cursos. Mas, se o desenvolvimento e conquista da cidadania não seguiram um padrão evolutivo ou uniforme em todos os Estados-nação, é incontestável que esses processos seguem em cada país uma certa periodização para a qual, para fins analíticos, a classificação sugerida por Marshall continua útil.

Para o caso das colônias europeias nas Américas, as revoluções modernas significaram, sobretudo, a formação de Estados independentes, como atestam a revolução norte-americana, no século XVIII, e as guerras de Independência das colônias espanholas e portuguesa, no século XIX. Tais Estados, entretanto, à diferença das metrópoles de que se separavam, não tinham a possibilidade de formarem-se como Estados-nação inclusivos para todos os seus habitantes, ou mesmo para todos os nativos de seus territórios. Ou seja, eram incapazes de estender o estatuto da cidadania moderna e o sentimento de pertencimento nacional, que lhe era atrelado, para todo o corpo social. A instituição da escravidão, assim como a reprodução de culturas e etnias variadas que serviam de base para a exploração de trabalho servil, impediram que se organizasse a unidade nacional e a igualdade de direitos. Mesmo o mais básico direito político - o voto -, no Brasil, foi restrito até recentemente - 1988 - por exigência legal da alfabetização (ou seja, o acesso à cultura letrada) como pré-requisito para a participação eleitoral.

Na verdade, se, na Europa, o nascimento num determinado território e o compartilhamento de certos traços culturais, como uma língua comum, foram condições de primeira hora para a generalização da cidadania no interior dos Estados-nação; nas Américas, as etnias e, posteriormente, a racionalização e percepção das mesmas como raças, passaram a ser justificativas para garantir a negação desses direitos de cidadania e permitir a continuidade da escravidão ou do servilismo como modo de produção e como relação de trabalho. Aqui, como desenvolvi em outro texto (Guimarães, 2011), a solidariedade social, ou seja, a promessa aberta de integração racial e étnica pela via da aculturação, substituiu o ideal de igualdade social para as massas, uma vez abolida a escravidão e instituída a República como forma de governo.

O processo de construção da cidadania nos países americanos passa, pois, necessariamente por duas etapas: primeiro, a abolição do escravidão; segundo, a construção de um sentimento nacional que inclua toda a sua população. Só assim os direitos civis, políticos e sociais podem ser generalizados para um corpo nacional, seja ele ou não multicultural.

LEIA O ARTIGO COMPLETO AQUI.

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