É trágico e cômico. A interpretação de qualquer evento social, especialmente quanto este pode impactar, mesmo que potencialmente, a distribuição de recursos socialmente escassos, está sempre envolta em uma disputa de sentidos. Com os protestos que sacudiram (e ainda sacodem) o país de norte a sul não seria nada diferente.
Esbocei esse posicionamento há dias, antes das mega-manifestações. Depois, vi cientistas sociais menos invisíveis socialmente do que eu martelando a mesma proposição.
Do deslumbramento à condenação apressada, há de tudo no agitado mercado de interpretações dos protestos. Algumas pseudo-análises são escatológicas até dizer chega. Conseguem arrumar em um mesmo texto os lugares-comuns da desconstrução pós-moderna com as velhas consignas da extrema-esquerda.
Cá do meu canto, ainda espreito por um interpretação sociológica. Alimento a esperança, aí está o meu conservadorismo sendo explicitado, de que é a Razão e a análise científica que fornecerão as chaves certas para as interpretações mais consistentes.
Chales Tilly e Raymond Boudon, apenas para citar dois cientistas sociais dignos do título, são referências importantes para esses exercícios. Pierre Bourdieu também nos fornece, ao menos do ponto de vista epistemológico, algumas luzes. Escrevi "ao menos", pois, penso, no que diz respeito à intervenção política o grande sociólogo francês não foi muito feliz. Basta pensarmos nas suas diatribes, descaradamente populistas, contra o tal do "neoliberalismo".
Bom. Mas isso tudo, quando o evento começar a decantar, irá aparecer. No momento, importa não se deixar levar pelas vivandeiras irracionalistas, que, alicerçadas em bases filosóficas tão consistentes quanto pudim de ontem, cantam elegias ao fogo purificador dos "manifestantes".
Se você quiser ler algo inspirador, algo que te leve a pensar sobre os efeitos funestos da destruição "criadora", leia o excepcional livro de Azar Nafisi, LENDO LOLITA EM TEERÃ. Aí você verá como certa esquerda e certos cultores do irracionalismo contribuem para produzir mundos sempre mais tenebrosos do que aqueles do presente.
Sempre que eu vejo essa turma em ação (isto é, digitando os seus vereditos), especialmente quando açulando o ódio às instituições, penso em um velho ditado espanhol: cria cuervos y te sacarán los ojos". Em bom português: "cria corvos e eles te arrancarão os olhos".
domingo, 23 de junho de 2013
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2 comentários:
Professor, acho que estou mais perdido do que cego em tiroteio e tentando dar algum sentido ao que vem acontecendo também.
No caso da nossa cidade, participei das plenárias na condição de expectador, fui ao primeiro ato e ao último.
No início tinha uma visão ufanista, pela não violência tirada em plenária e, de certa forma, pauta clara e respeito às instituições.
Porém, teve um "desrespeito", que me passou desapercebido - o tal do apartidarismo, que já se fazia presente desde o começo.
Achava algo bobinho, ingênuo. E não é. Nas diversas vezes que bateram nos militantes de agremiações de esquerda - tava lá com o pessoal na hora -, na última passeata, as pessoas gritavam: "Sem partidos".
Os anarquistas, ainda hoje, querem separar os "dóceis" dos "malvados". O apartidarismo do bem e do mal. PAra mim, não há diferença, pois quando o discurso segregacionista ganhou a sociedade moveu o cara que deu uma garrafada num militante de esquerda da cidade durante o ato.
Não me toquei o quanto essa história de apartidarismo é antidemocrática e perigosa.
A impressão que tenho é que aquela intenção inicial foi capturada, em favor do vandalismo contra às instituições democráticas, inclusive, do ponto de vista físico (10 assembleias foram depredadas), a tentativa de limar a Dilma e a classe média de derrubar conquistas sociais. Falo isso porque, hoje, conversei com duas pessoas, que queriam um "país melhor" e logo depois alegavam: esse negócio de dar dinheiro para pobre eu não aceito...
abs. daniel
Grande Daniel!
Olha, cara. Esses fenômenos nos cobram apreensões e intervenções imediatas. A sua análise mais substancia, entretanto, exige que eles decantem um pouco.
Você tem feito intervenções muito consistentes e articuladas. Além disso, através da CARTA POTIGUAR, tem construído uma importante ponte com o movimento. Isso é uma grande contribuição.
Um abraço,
Edmilson Lo´pes
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