sábado, 15 de junho de 2013

O culto ao camponês e a regressão intelectual nas ciências sociais


Até os meus dezesseis anos residi na Várzea do Apodi. Naquele universo, as práticas econômicas dominantes eram capitalistas. Havia agricultura de subsistência, é certo e muita reciprocidade, especialmente no que dizia respeito à alimentação. Mas as práticas que moldavam a sociabilidade eram capitalista, não camponesas.

Tanto a cultura do arroz quanto o extrativismo vegetal da cera de carnaúba eram moldados por práticas que dificilmente não identificaríamos como capitalistas. Bom. Isso faz nada menos que 30 anos.

Pois não é que três décadas depois, no universo acadêmico, embalados pelo populismo político, o campesinato ressurge. Obviamente, esse ressurgimento é, em parte, empreendido com o apoio (ou para o apoio) ao MST, que articula e dá sentido a uma estrutura denominada exatamente Via Campesina. Pois, com espanholismos e tudo o mais...

Esse culto ao camponês não está fora de uma cultura de elevação a estatuto merecedor de respeito dessa coisa regressiva chamada bolivarianismo. São irmãos siameses. E, ambos, são alimentados no universo das ciências sociais por pessoas que se dizem (ou se tomam) como críticas.

É claro que tem certo encanto, pelo exotismo e pela citação retrô, a estética guevarista cultuada pelos atores vinculados a essas forças sociais e acadêmicas. Penso que deve fazer tremer as bases dos velhos saudosistas do socialismo real.

O impressionante é que a galera não se dá conta de alguns fatos históricos ligados a relação entre a esquerda bolchevique (que alimenta o seu imaginário) e os camponeses. Nunca é demais lembrar a truculência que marcou a ação do Exército Vermelho, guiado por Trotsky, contra os camponeses ucranianos liderados por Nestor Makno.

Nesse universo, sobram poucas vozes para lembrar coisas óbvias. Dentre elas, aquela de que a agricultura familiar, definida oficialmente por lei no Brasil, é uma construção sócio-política recente, que precisa ser problematizada por uma ciência do social que não se quede inerte diante do mundo fabricado pelos atores.

E essa coisa populista vai se avolumando. Há alguns dias, um curso na área de agronegócios, que seria promovido por um centro de uma universidade federal, foi inquisitorialmente torpedeado pelo barulho populista. A turma queria, de qualquer jeito, e em nome do compromisso ético político da instituição, empurrar a agricultura familiar na proposta.

Nesse universo, é necessário o vigo científico e a disposição para levar bordoadas de uma Zander Navarro para levantar algum dique contra a criação de mitos desastrosos. Um deles, persistente, é o de que existe algo, uniforme, passível de ser identificado sob a rubrica de agricultura familiar. Outro, não menos pernicioso, é o de que é essa agricultura a responsável pela produção alimentar do país.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fato, professor. " Sempre que ensinares, ensina também a duvidar do que ensinas ". ( José Ortega e Gasset )