Trancrevo abaixo um artigo da lavra de Aldo Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política. Publicado no jornal O Estado de São Paulo, o texto de Aldo é uma interessante análise sobre os limites e as potencialidades da candidatura da Ministra Dilma. Confira!
O desafio de Dilma
Aldo Fornazieri
O mundo vive um acentuado paradoxo: por um lado, estão aí as avassaladoras determinações das estruturas econômicas globais, que tornam relativas e enfraquecem as soberanias nacionais; por outro, a contrapartida dessas determinações está a exigir a presença de líderes políticos fortes para resgatar e operar as autonomias estatais. No mundo globalizado, os Estados nacionais precisam internacionalizar-se de forma quase desesperadora. Terão mais facilidade de triunfar aqueles que contam com líderes fortes e competentes no leme do governo. Governantes que não possuem força política própria tendem ao fracasso. O ex-presidente George W. Bush, por falta de força política própria, fracassou e arrastou para a crise o Estado norte-americano.
Há que notar ainda que, nas sociedades complexas e fragmentadas do nosso tempo, o ponto de concentração do que ainda se pode chamar de unidade nacional depende, de forma extraordinária, da capacidade de representação simbólica de um presidente da República ou de um primeiro-ministro. Barack Obama, neste momento inicial, e Lula, há mais de seis anos, são exemplos positivos dessa excepcional capacidade de representação simbólica do sentimento nacional.
No Brasil, seja quem for o futuro presidente, não será uma tarefa fácil substituir o atual. Lula lastreou sua liderança na reorganização do movimento sindical, na construção de movimentos sociais, na viabilização de um partido socialmente organizado, em cinco candidaturas presidenciais e em milhares de eventos políticos por todo o Brasil ao longo dos anos. Se há alguém que possua força política própria junto ao eleitorado, trata-se do presidente Lula.
É sabido que, por se constituir também de uma natureza simbólica, a força política própria de um líder é intransferível. O líder pode, sim, em determinadas circunstâncias, quase sempre excepcionais, emprestar seu apoio para a ascensão de alguém que lhe seja próximo ou por ele ungido. Trata-se daquilo que se poderia chamar de "fabricação" de uma nova liderança ou de um governante. "Fabricação" porque este novo governante não enraíza a sua força política num processo próprio e socialmente orgânico de ascensão, mas na força alheia e nas estruturas institucionais de poder.
Nos dias de hoje, a "fabricação" de um governante é facilitada pelo marketing e pelos meios de comunicação de massa. O fenômeno não é novo. Um dos primeiros a explorá-lo teoricamente foi Maquiavel. A tese do autor de O Príncipe é a de que aquele que ascende ao poder pelo seu próprio valor e capacidade (virtù) terá facilidade de se manter e de governar bem o Estado. Já aquele que ascende pela fortuna (sorte) ou pela força de outro terá dificuldade de governar. Esta segunda premissa vale tanto para os políticos que são negligentes e incompetentes quanto para os dotados de capacidade e audácia. César Bórgia, que ascendeu ao poder graças à força de seu pai, o papa Alexandre VI, é um exemplo de líder competente que fracassou por não ter uma estrutura própria de poder e de liderança. Quem não tem força política própria enfrentará vicissitudes para combater, para manobrar, para unir e para comandar. Claro que há exceções em tudo isso.
A história recente ratifica, por inúmeros exemplos, a tese de Maquiavel. Governantes que chegaram ao poder pela sorte (acaso) ou pela força de outro líder tiveram enorme dificuldade para governar: George W. Bush chegou ao poder pela fraude e pela força do pai; Celso Pitta, pela força de Paulo Maluf; José Sarney, pela morte de Tancredo Neves; Itamar Franco, pela renúncia de Fernando Collor de Mello; e Cristina Kirchner, pela liderança do marido. Collor de Mello, que se viabilizou no próprio contexto da eleição, foi um epifenômeno e também fracassou.
Em países com representação política fragmentada e com forças dispersas, como é o caso do Brasil, já é difícil governar em condições normais. É precisamente nos momentos de crise que os governantes carentes de força política própria enfrentam os maiores perigos. Nesses momentos, os grupos políticos, pelo seu egoísmo inerente, tendem a exasperar interesses, potencializando a fragmentação e a corrupção. O desfecho dessas conjunturas são crises de governabilidade.
A candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República está inscrita no mesmo dilema proposto por Maquiavel. Com bom preparo técnico e experiência gerencial, carece, no entanto, de força e liderança política próprias. Isto, em si, não é um empecilho para vencer uma eleição, mas pode gerar significativas dificuldades para governar. No governo, a capacidade de comando (virtù) deve presidir a capacidade técnica. A capacidade de comando político não se adquire apenas pelos livros ou nos bancos escolares, mas, principalmente, pela experimentação prática.
Para que Dilma chegue à disputa presidencial com este problema parcialmente resolvido, ela, o PT e o presidente Lula terão de encontrar um caminho que viabilize um processo de sua legitimação política e de dotação de força própria junto ao eleitorado. A democracia norte-americana, com seu mecanismo de prévias partidárias, é extraordinária nesse sentido. Obama, líder novo no cenário nacional, legitimou-se por si mesmo no processo de prévias. Soube perceber e interpretar a ocasião.
Nos termos postos neste artigo, os possíveis candidatos da oposição - José Serra e Aécio Neves - estão em condições mais adequadas para concorrer. Ambos são governadores. Serra foi prefeito, deputado e senador e Aécio foi presidente da Câmara dos Deputados. Para superar seu passivo em liderança própria, além de encontrar um processo legitimador junto ao eleitorado, Dilma terá de correr contra o tempo, já que falta pouco mais de um ano para as eleições.
Aldo Fornazieri é diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)
segunda-feira, 9 de março de 2009
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