Antes, bem antes, das forças modeladoras da globalização varrerem impetuosamente todos os territórios, os lugares tinham histórias e modos de vida mais ou menos próprios. Hoje, embolados na voragem da cultura-mundo, temos dificuldades em lembrar que, há não mais que três décadas, as coisas eram bem diferentes. É o caso da celebração do Natal.
Não me lembro de, quando criança, ter assistido ou participado de nenhum Natal. Não que o povo do sertão fosse menos religioso. Mas essa data, com a importância de hoje, simplesmente inexistia. E, óbvio ululante, nada havia de celebração consumista.
Não existiam datas comemorativas no Sertão? Claro que sim! Os padroeiros, em primeiro lugar. Os santos de julho, em especial. E Nossa Senhora. Depois, só a Páscoa. Que terminava sempre com a festa de “malhação do Judas”.
Ah! E essas eram celebrações coletivas. Havia uma expectativa muito grande em relação aos seus momentos. Sim, pois, sabíamos, íamos nos encontrar com conhecidos e amigos. Eram celebrações coletivas. Havia consumo? Muito pouco, além do investimento em roupas novas e alguns trocados para a aquisição de refrigerantes, bolos e cervejas.
Parece estranho, mas não havia Natal no sertão. Mas, será que aquelas pessoas de então estavam mais distantes do sagrado do que os consumidores vorazes que entopem os shoppings centers para a loucura das compras?
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
Nao diria que ao "nao" vivenciar o Natal enquanto acontecimento ou prática social, as populacoes sertanejas estivessem, desse modo, "distantes" do "sagrado". Mas que na verdade, a forma (os ritos) de experenciar o sagrado entre os sertanejos é que é diferenciada; tais diferencas, certamente, moldadas em grande medida pela relacao estreita entre o tempo cíclico de producao e reproducao material e da vida humana e as divindades mobilizaveis - Sao Pedro (santo da esperanca nas chuvas no Nordeste), Santo Antonio (santo casamenteiro), dentre outros. Na medida que respondem a essa dupla exigência prática: funcao social, isto é, satisfazer as necessidades materiais urgentes; e funcao moral ,afirmar a ética da vida cotidiana (casamento, trabalho e família), determinados santos ganham as mentes e coracoes dos sertanejos com mais eficácia do que outras divindades e ritos distanciadas da realidade social do nordeste, a exemplo do Natal e da fígura "mágica" do papai Noel (este, um personagem mítico voltado predominantemente para o universo infantil). Nesse sentido, o grau de popularidade da celebracao do Natal está, em certa medida, correlacionado ao grau de penetracao da chamada economia de consumo com todos os seus signos culturais intrinsecos.
Dois pequenos comentários: apesar de haver uma certa referência à São Pedro como o responsável pelas chuvas, na verdade no interior o santo que "fazia/faz chover" é São José. Quando no dia de São José (19 de março) as chuvas não chegavam, começava uma grande apreensão entre os sertanejos. Eu mesmo, menino lá no sítio alencar (em Pau dos Ferros) participei de muitas novenas e procissões pedindo chuvas.
Quanto às festas juninas (sobretudo são joão e são pedro), sempre me pareceram grandes festas em celebração às colheitas. O inverno "pegando" no dia de São José, cerca de 90 dias depois já é possível colher o milho verde. E então com esse milho fazer as famosas pamonhas, canjicas, milho assado, milho cozido, comer batata doce assada nas brasas da fogueira... Portanto, me parece que é por isso que as festas juninas tinham de fato mais importância que o Natal. Pois estava-se celebrando a produção agrícola que iría garantir alimentos e farturas pelos 12 meses seguintes (pelo menos nos anos de bom "inverno"). Na zona rural era uma festa só em torno de grandes fogueiras, acessas na frente de todas as casas. No dia seguinte geralmente meu pai pegava as cinzas da fogueira e espalhava ao redor de toda a casa, em um círculo fechado, como uma forma de proteção contra maus espíritos. Esse costume era comum no "meu" sítio, mas não sei se era generalizado no Nordeste ou mesmo em outras localidade mais distantes do meu velho sítio alencar.
Acredito que atualmente ainda não seja tão diferente assim. A comemoração do natal me parece estar muito ligada ao apelo da mídia, principalmente em relação ao consumo, época de ceder aos apelos das crianças pelos brinquedos mais caros, de pintar a casa e trocar um ou outro eletrodoméstico. Pelo que observo no interior, mais especificamente no Seridó, outras festas têm uma capacidade bem maior de mobilização das pessoas. Na minha cidade (Parelhas), por exemplo, é a festa de São Sebastião, em janeiro, em seguida os festejos juninos. Essas festas sim geram uma expectativa muito grande, incomparavelmente maior que o natal. Meses antes da festa as pessoas começam a se preparar, compram roupas novas, e falam, falam e falam sobre suas expectativas em relação aos dias de festejo. Nos dias da festa não se fala em outra coisa na cidade. Atualmente essa expectativa ultrapassa os limites físicos da cidade através das comunidades no Orkut, emails e pelo twitter, conectando aqueles que vivem fora e que mantêm alguma ligação com o local.
Postar um comentário