quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O radicalismo acadêmico e suas fantasias

Não é raro encontramos professores, e, com mais frequência, estudantes que fundamentam as suas elaborações (para não dizer “visões de mundo”) nas opções políticas. Para eles, o que alicerça uma boa atividade acadêmica é o seu pertencimento (ou não) ao “lado certo”. O que geralmente significa o “lado” dos “setores populares” e das chamadas minorias.

Quando envolvidos por essa “epistemologia do lado certo”, os professores e estudantes deixam de levar em conta os dados de realidade e a falseabilidade das leituras desses dados para tomar como marco divisor do mundo o enquadramento (ou não) de cada autor nos cânones do aceitável. E o aceitável, não se tenha dúvidas, é apenas o mais radical e desconstrucionista possível.


Em um país no qual discutimos mais os autores do que as suas elaborações, esse tipo de postura leva a que se tome a radicalidade dos autores de referência dos trabalhos como principio de legitimação. Para aumentar o seu capital social, decisivo para a mobilização de recursos materiais e simbólicos, dentre os quais “acessar” editais de órgãos públicos subordinados aos ditames dos enunciadores das “boas políticas”, os radicais constroem clientelas que lhes fornecem audiência, alguns dados enviesados do mundo e uma base segura para trabalhos de “intervenção”.

O campo científico estreita-se, com o agigantamento desse mundo, dado que se subordina aos ditames do campo político. Por outro lado, e em consequência, a conquista de posições superiores no campo acadêmico passa a depender, mais e mais, do tamanho das clientelas formadas antes mesmo da publicação dos trabalhos desses autores/atores.

Quando as proposições acadêmicas derivam de posições definidas antes mesmo de alguma investida mais substancial na pesquisa, a pergunta que não quer calar é: para que, afinal de contas, deve-se pesquisar? E há mesmo quem, dominado por sinceridade, questione, sem pejo e em tom arrogante: “para quê pesquisar?” Quem já sabe o caminho certo não tem mesmo por que ficar perguntado (inquirindo através de custosas pesquisas) à realidade. Ora, bolas!


A saída mais fácil, no mundo do radicalismo acadêmico, é encontrar logo um autor reconhecido (e radical) que forneça legitimidade para as suas proposições. Nesse mundo, uma frase de Zizek vale mais do que mil questionários. Uma referência a David Harvey substitui qualquer análise demorada de dados demográficos.

Fechados em si mesmos, sem condições de participar do embate científico, os atores desse mundo produzem um simulacro de academia. Formam discípulos, não futuros pesquisadores. Estes, mesmo que concluam seus cursos, continuarão a reproduzir as relações de vassalagem.

Há algo de esquizofrênico na arquitetura desse mundo “crítico”, percebe-se logo. Para dar força à sua radicalidade, os “mestres críticos” são levados a dizer que nada muda. Ou, o que dá quase no mesmo, que as mudanças são sempre para pior. Tudo se passa como se o único mundo possível fosse aquele dos espaços para as performances acadêmicas.

O mundo lá fora, o mundo de "mesmo mesmo", é tenebroso demais para eles. Assentados em análises das limitações de percepções dos outros (que, oh, coitados!, estão subsumidos à ideologia, ao essencialismo, ao binarismo, ao sexismo e a todos os ismos à disposição nas prateleiras do politicamente correto), os radicais vivem o gozo e o desespero da “solidão das posições justas”. Não por acaso, sentem-se ccomo eternos incompreendidos...

É certo que os radicais acadêmicos produzem um mundo. Isso é palpável. E esse mundo vai engolindo as humanidades e tornando-as inaptas para o debate científico com campos que ficaram um tanto quanto imunes à lógica perversa do “radicalismo ”. Nesses dias, convidei uma colega que pesquisa antropologia evolutiva para uma qualificação de um aluno meu que pesquisava sobre desvios em uma empresa a partir da mobilização de um arsenal de jogos e simulações computacionais. Ela, uma brilhante professora de biologia, confessou que não consegue publicar (e nem dialogar) com ninguém das humanidades que pesquisa sobre a sua temática (o uso de alimentos em situação de extrema escassez). E por quê? Porque simplesmente, mesmo sem conhecer o seu referencial teórico, o pessoal o rejeita a priori...

Bom, mas o fato é que com a intensificação dos fluxos de bens e pessoas ao redor do mundo, o radicalismo acadêmico ganhou ares de uma Internacional Acadêmica. Criou-se um jet-set de intelectuais radicais. São os mercadores das últimas verdades desconstrucionistas...

O neoliberalismo, em não poucos momentos, assume a forma do adversário primeiro do radicalismo acadêmico. Mas, nem sempre. Quando a audiência debanda, o radicalismo acadêmico pode se aliar à velha ultraesquerda. É um casamento de interesses. O primeiro fornece verniz modernizante à segunda, o que garante a esta a incorporação em seus brancaleônicos exércitos de jovens rebeldes sem causa. Já a primeira, confirma o primeiro confirma a sua “conexão” com os “condenados da terra”.

Esse mundo exótico apenas nos divertiria se a sua existência não obnubilasse o investimento na pesquisa cuidadosa e na formação paciente das novas gerações. Não é um dano menor o fato de gerações e mais gerações se descuidem de uma boa formação quantitativa nas ciências sociais. Ou que modelos teóricos sofisticados, como aqueles da escolha racional ou da teoria dos jogos, sejam esnobados. Frequentemente, com presunçosa ignorância.

13 comentários:

Ilza Leao disse...

Caro Edmilson,
Você toca em uma questão importante para o entendimento do mundo acadêmico em nossos dias. Quando me aposentei já começava a sentir, de forma meio esquizofrênica essa divisão, principalmente nas ciências sociais. Como sempre fui pesquisadora, muitas vezes fui criticada pelos "intelectuais do pedaço" por não fazer o discurso intelectualóide dos seguidores de determinados autores. Nunca coloquei um autor a frente das minhas pesquisas,eles ficavam sempre na retaguarda e também nunca gostei de me filiar a uma igrejinha, mesmo que reconhecesse a importância das suas "doutrinas" que viravam dogmas. Lembro de um professor que gostava de se definir Lukcácsiano (é assim?), depois Habermasiano, de pois...Estes abraçam os autores e vomitam o conhecimento produzidos por eles para explicar o mundo. São inflexíveis nas verdades que acreditam e são incapazes de ver a realidade em toda a sua riqueza. E viram radicais. E fazem discípulos, que reproduzem os seus discursos e, por aí vai. Preferido os que são capazes de olhar a realidade como ela é e não como gostaríamos que fosse. É isso...

Ilza Leao disse...

Caro Edmilson,
Você toca em uma questão importante para o entendimento do mundo acadêmico em nossos dias. Quando me aposentei já começava a sentir, de forma meio esquizofrênica essa divisão, principalmente nas ciências sociais. Como sempre fui pesquisadora, muitas vezes fui criticada pelos "intelectuais do pedaço" por não fazer o discurso intelectualóide dos seguidores de determinados autores. Nunca coloquei um autor a frente das minhas pesquisas,eles ficavam sempre na retaguarda e também nunca gostei de me filiar a uma igrejinha, mesmo que reconhecesse a importância das suas "doutrinas" que viravam dogmas. Lembro de um professor que gostava de se definir Lukcácsiano (é assim?), depois Habermasiano, de pois...Estes abraçam os autores e vomitam o conhecimento produzidos por eles para explicar o mundo. São inflexíveis nas verdades que acreditam e são incapazes de ver a realidade em toda a sua riqueza. E viram radicais. E fazem discípulos, que reproduzem os seus discursos e, por aí vai. Prefiro os que são capazes de olhar a realidade como ela é e não como gostaríamos que fosse. É isso...

Edmilson Lopes Júnior disse...

Grande Mestra,

enfrentar essa discussão é fundamental para que as ciências sociais reconquistem a sua legitimidade no campo acadêmico.

Abração,

Edmilson Lopes

Anônimo disse...

Vijjjjj Maria! O Bourdieu já é fraco.. esses seus discípulos então..

nada mais equivocado do que pretender erigir uma ciência pura, que dirá uma ciência social pura... separar o estudo do que "é" da construção do dever ser (separando o cientista, e qualquer outro homem, da decisão acerca dos usos sociais da ciência) é um procedimento estritamente burocrático, mas nunca científico... e se é para sermos weberianos, deveríamos reconhecer, de cara, que a burocracia é uma forma de dominação... Mas não percamos tempo com Weber

antes de empreender qualquer pseudo-crítica, o autor deveria saber que os procedimentos científicos caracterizam-se pela observação/medição, previsão e controle dos fenômenos... previsão e controle, meu caro...
é justamente a vinculação com a prática que diferencia a ciência moderna da filosofia medieval... o contexto que permitiu o surgimento da ciência é, em larga medida, o do abandono da vida contemplativa em favor da vida ativa... u seja, não mais buscar a causa última dos fenômenos (A, B ou C isoladamente), como defendiam os aristotélicos.. mas apenas dizer como A, B e C interagem entre si, de modo a proporcionar maneiras mais eficazes de ação no mundo...

pensemos agora uma ciência social

uma vez constatado o fenômeno do cercamento de terras, do êxodo rural, da aglomeração de densas populações sem propriedade (além de sua própria força de trabalho) nos entrepostos comerciais, o surgimento das corporações e a concomitante inviabilização da atividade produtiva e mercantil autônomas, a crescente divisão do trabalho, a mais-valia... enfim, uma vez constatado que o atual estado de coisas é um produto histórico, e não do acaso ou, o que seria o mesmo, da natureza humana... existem várias maneiras de se controlar tais fenômenos, de se fazer experimentos sociais.. e eles têm sido feitos em larga escala, e recrudesceu com o advento das ditas ciências sociais, para a alegria da classe dominante... sim, os detentores do aparato burocrático, o que inclui as instituições de produção e apropriação do conhecimento...

mas nem passa pela cabeça de muitos intelectuais, você é um exemplo, que somos mercadorias, tanto quanto os nossos colegas advogados, pedreiros, vendedores, professores, arquitetos... pois se o resultado de nosso processo vital é a deterioração das condições de vida da maioria que produz (mas que vc chama de minoria), é porque trabalhamos dia-a-dia para uma minoria poderosa

pagamos duas vezes pelo pão que comemos e pela roupa que vestimos, meu caro: a primeira como tragédia, no trabalho; a segunda como farsa, no consumo.

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1678-31662009000100008&script=sci_arttext

Edmilson Lopes Júnior disse...

Anônimo,

tem gente que se acha Napoleão. Outros, perseguem moinhos de vento. Um terceiro grupo acha Bourdieu "fraco". No que diz respeito aos debates centrais no campo científicos, esses grupos se equivalem. Por quê? Porque estão todos fora da vida real.
Bueno, mas adorei a referência a Marcuse. Uau! Quase entro na máquina do tempo e faço giro pelo final da década de 1960...
Agora, como diria o Roberto, "falando sério": defender uma "ciência pura" (os significados são múltiplos, caro amigo, e, assim sendo, uso a sua agirmação, que tem óbvias intenções pejorativas, como positivas)é a única forma de garantir que questões extra-acadêmicas (tipo "verdades" advindas da proximidade, mais imaginativa que real, sabemos bem, com os "dominados") possam se erigir em critérios de validação de proposições.
Por outro lado, também significa distinguir assunções meta-teóricas (importantes, sem dúvida) de afirmações ancoradas em referentes empíricos (e, portanto, passáveis pelo critério da falseabilidade). O resto, caro mio, é o reino da fantasia. Neste, Napoleões, Quixotes e irracionalistas anti-borudieusianos desenrolam os seus fantásticos scripts.

De qualquer forma, obrigadão pela leitura, pelo comentário e pelo link.
Valeu!
Abração,

Edmilson Lopes

Anônimo disse...

"Oh, o campo científico, e sua estrutura (pseudo)objetiva de luta concorrencial pelo monopólio do discurso legítimo, luta que se traduz no critério de falseabilidade..."

"A única forma de garantir que questões extra-acadêmicas (...) possam se erigir em critérios de validação de proposições".

Isto sim é fantasia... Tanta fantasia que nem sequer se atreve a "refutar" minhas "conjecturas"..

Você pensa a ciência em abstrato... e pior, uma ciência social em abstrato... Não existe exploração? Somos livres e juridicamente (e de fato) iguais uns em relação aos outros, então? A intencionalidade de alguns não se sobrepõe à da maioria?

Você diz gostar de fatos, vamos à eles:

1) Com o atual progresso da ciência há um concomitante progresso produtivo;

2) O aumento da produtividade significa que com menos horas de trabalho se produz mais mercadorias do que no estágio anterior da ciência e das aplicações produtivas desta ciência (trabalhos de engenharia, por assim dizer);

3) É possível, portanto, que a jornada de trabalho seja reduzida a cada novo progresso da "ciência produtiva", empregando mais pessoas.

4) Produzimos MUITO além da necessidade de consumo da população global. Não obstante, "tem gente com fome, tem gente com fome, tem gente com fome". MUITA gente com fome.

Repito: se o resultado de nosso processo vital é a deterioração das condições de vida da maioria que produz (mas que você chama de minoria), é porque trabalhamos dia-a-dia para o bem-estar de um punhado de famílias abastadas.

Mas sua interpretação se resume a dizer que somos livres sim, livres o suficiente pra morrermos de fome. O povo gosta de ser mandado, e de morrer de fome. Viva a liberdade, viva a ciência maximizadora de lucros, e de fome. Viva o cientista livre o suficiente pra não desejar que o progresso da ciência signifique a melhoria das condições de vida dos mais necessitados. Viva a ciência livre da política!

















Anônimo disse...

"(...) o cientista já não é o pesquisador dissociado e isolado, mas se tornou o esteio das políticas e das instituições estabelecidas. Na medida em que a economia se torna um sistema tecnológico, a ciência se transforma num fator decisivo nos processos econômicos da sociedade. Mesmo o trabalho físico torna-se cada vez mais dependente de fundamentos científicos (tecnológicos). Ao mesmo tempo, a brecha entre ciência pura e aplicada se estreita; as realizações mais abstratas e formais na lógica e na matemática traduzem-se em valores muito concretos e materiais (por exemplo, computadores). A ciência literalmente abastece a economia. Na medida em que a ciência é parte da base da sociedade ela se torna um poder material, uma força política e econômica, e todo cientista individual é uma parte desse poder. Assim como o cientista depende do governo e da indústria para o financiamento de sua pesquisa, também o governo e a indústria dependem do cientista."

Edmilson Lopes Júnior disse...

Hummmm!
Olha, acho que estamos em esferas diferentes. E alicerçando nossas elaborações em pressupostos que não se tocam. Nada demais, acho. Apenas ruídos de comunicação.
Não! Não atribuo à ciência, menos ainda às ciências sociais, esse papel profético que pareces emprestar ao nosso fazer.
Ok. Sou aquele tipo de gente chata que acha que uma pressmissa, mesmo que resultado de muita pesquisa empírica, não autoriza nada no indicativo. Não sou, não quero ser e desconfio de quem quer ser profeta do social.
Esses profetas, invariavelmente, buscam afirmar poder por formas mais sutis. Fora do Estado, nas pequenas seitas esquerdistas...
Bom, mas deixemos de coisa e cuidemos de vida, nçao é?
Brigadão pela atenção!
Edmilson

Anônimo disse...

Desculpe o tom agressivo das mensagens anteriores, mas o seu post original não deixou de ser provocativo. Então parabéns, me senti provocado! risos

Agora que é final de semana pensei em como realmente o sectarismo irrita e desagrega. E isto da duas partes.

Mas quanto aos meus pressupostos, eles sem resumem em:

1. O intelectual, assim como qualquer trabalhador, é sujeito do processo vital da sociedade. Produzimos coisas que circulam e são consumidas.

2. O meu pressuposto político é de que o intelectual, no plano institucional, figura como reprodutor do monopólio do conhecimento acerca da sociedade. E Bourdieu reivindica explicitamente, assim como Durkheim, este monopólio. Desqualifica a experiência cotidiana dos demais atores socias, como senso comum. Esquecem de que no mercado de trabalho (que ocupa a maior parte de nossas vidas, não por necessidade, mas para gerar lucro), todas as atividades se nivelam. Todas reproduzem as atuais condições desiguais de existência.

3. Assim, este tipo de corrente, ao contrário do que você diz, esta sim coloca o cientista social como líder, o resto como rebanho autômato. Beira à teoria das elites.

4. Minha opinião de marxista apartidário, é de que nosso papel não é guiar a sociedade rumo que imagino ser o modelo de sociedade. Basta pouco estudo sobre marx para notar que ele jamais propôs o que seria o comunismo, mas tão somente fazer a crítica do atual estado de coisas. Esta crítica é passível de ser realizada por todos os agentes sociais (por conta daquele nivelamento que assinalei, e que marx chama de trabalho simples médio)

5. A proposta é, portanto, debater e superar conjuntamente o estado atual de coisas. Passarmos de sujeitos passivos à sujeitos ativos. Um intelectual não pode guiar a humanidade, mas quando compreende que não é essencialmente diferente do resto da humanidade, passa a fazer parte conscientemente do processo histórico.

Enfim, você tem todo o direito de detestar esquerdistas. Eu também os odeio. Agora, é preciso muito estudo pra criticar toda e qualquer intervenção na sociedade. Pois, novamente, já intervimos passivamente, e isto reproduz a desigualdade.

Abraço, e desculpe o tom das mensagens anteriores.

Abraço!

Anônimo disse...

Outra coisa, você deve concordar que as ciências sociais vivem uma crise estrutural, desde sua fundação. Pois como disse no primeiro comentário, a ciência existe para intervenção na realidade. Negar isto é cinismo, é negar a ciência. Você pode até alegar que existe a epistemologia, a cosmologia, etc. Mas questione-se a respeito dos financiamentos de pesquisa. Questione se a população em geral pensa na ciência a partir de reflexões cosmológicas ou de dogmas, como nos procedimentos médicos. A ciência é sim usada para satisfazer certos interesses, que não coincidem com o bem-estar e a liberdade humana. Se é assim, o que é o cientista, senão força de trabalho qualificada? Que tipo de trabalho executa ele, senão trabalho alienado?

Recomendo que leia a Ideologia Alemã. Adeus

Edmilson Lopes Júnior disse...

A crise da sociologia não deixa de ter uma dimensão engraçada. Robert Merton, um dos grandes cientistas sociais do século XX, dizia que cada geração de sociólogos tende a perceber os problemas enfrentados pela disciplina em seu momento histórico como decisivos. Geralmente, os cientistas sociais, dizia ele, não sem certo humor, tendem a prescrever um mesmo remédio para a crise (do mundo e do pensamento): “pensem como eu e tudo se resolverá!”.
Ok. O mundo é bem mais complicado. E a sociologia é bem menos importante do que os que a fazem estabelecem. Daí a tentação, através do que denominei de “radicalismo acadêmico”, de recorrer a alguma ligação com as “causas justas”. Essa não deixa de ser uma forma de expressão da má consciência de classe de parte dos professores universitários. Cá entre nós, venho de outro mundo. Não preciso dessa má consciência... de classe.
Se é para apontar para o reino do marxismo, só para brincar um pouco, valeria a pena se perguntar o que alguém como Gramsci, autor de uma proposição instigante de que a “verdade é sempre revolucionária”, se comportaria diante dos embustes dos radicalismos acadêmicos. Alguns desses embustes explicitados vivamente na última greve dos professores, na qual os bravos mestres fizeram o jogo daquele setor identificado pela Presidenta Dilma como “sindicalismo de sangue azul”...
Segues, caro Anônimo, uma tradição que deita raízes profundas no nosso meio. Basta lembrar que ninguém menos que Gouldner, no final dos anos sessenta, descia o malho nos teóricos que construíam sistemas teóricos com “algodão nos ouvidos” para não levar em conta os clamores dos movimentos sociais e das revoltas urbanas.
“Ciência pura”? Eu? Estou aquém e além desse debate. Estou fora, na verdade. Advogo apenas que se faça mais ciência e menos proselitismo empobrecido nas ciências sociais. Seria pedir muito?
Talvez meu desconforto seja com a própria equalização entre cientista social e intelectual. Claro! Quem faz ciência social é intelectual. Mas eu não estou falando disso, obviamente. Refiro-me a um tipo ideal de intelectual, cujos referentes empíricos estão muito mais no mundo latino e no continente europeu do que no mundo anglo-saxônico...
Não sou o melhor defensor de Bourdieu. Acho apenas que a sua recursa ao papel do “grande intelectual” e a sua aguerrida defesa de uma ciência do social que não abra flancos ao proselitismo especialmente importantes. Também acho (eu acho!, euzinho) que a reflexividade epistemológico do agente cognoscente é fundamental. Esse o caminho para nos livrarmos das boas intenções (as quais, como dizem , pululam na entrada do inferno).
Chegamos a um ponto em comum: também acho importante a crítica do presente. Mas esse é um ponto importante demais para ser o começo da coisa. É ponto de chegada. A não ser que se cultive esse mito populista de que “a gente já conhece o problema, falta apenas agir...”. Para ficar no seu terreno, Marx abominava esse espontaneísmo. E Lênin não tinha nenhum complacência diante dele. Para não citar o Lukács, especialmente aquele do texto sobre “Reificação...” no excepcional História e Consciência de Classe.
Quanto a discussão sobre o trabalho, e, mais particularmente, sobre “trabalho alienado”, pessoalmente, acho que ela exige um cadinho mais de aprofundamento. E eu me rendo, dado que posso não saber de muitas coisas, mas pelo menos sei que, aos 50 anos, não tenho mais porque arrotar um conhecimento que não tenho.
Agradeço seriamente a indicação de leitura. A Ideologia Alemã é uma obra clássica na definição de Italo Calvino: uma obra que nunca se lê pela primeira vez, mas também que nunca se lê pela segunda...
É isso aí...
Bom final de semana!
E, se isso for pouco, clique no youtube e assista Fortuna: http://www.youtube.com/watch?v=jZOOV2xrX9U

Rodrigo disse...

" teóricos que construíam sistemas teóricos com 'algodão nos ouvidos' para não levar em conta os clamores dos movimentos sociais e das revoltas urbanas."

Você inverte as coisas, pois ainda pensa que o "campo científico" é autônomo. Não se trata de que os intelectuais devam ouvir o clamor de quem quer que seja FORA da academia. Isso seria reconhecer e legitimar a distinção (meramente quantitativa)entre trabalho intelectual e trabalho braçal (ignorando que são trabalhos qualitativamente equivalentes: são forças imanentes ao metabolismo social no atual estado de coisas).

Trata-se, antes, de reconhecer que tais fronteiras só existem no mundo da fantasia. A intelectualidade é apenas uma profissão dentre as demais. A atividade política transcende este universo restrito, ao mesmo tempo que o abarca. O intelectual que se defronte com este tipo de questão já não se reconhece como intelectual, mas enquanto homem, sua referência teórica e prática é a totalidade do processo metabólico social. Se não está em questão questionar os impactos de longo alcance de nossas atividades locais, de que serve reivindicar racionalidade ao homem em suas ações, atribuir-lhe a racionalidade enquanto atributo imanente?

"tentação, através do que denominei de “radicalismo acadêmico”, de recorrer a alguma ligação com as “causas justas”. Essa não deixa de ser uma forma de expressão da má consciência de classe de parte dos professores universitários. Cá entre nós, venho de outro mundo. Não preciso dessa má consciência... de classe."

Você insiste pensar que vive num mundo à parte, e diz que os radicais fantasiam.

Bourdieu é, talvez, a maior fraude que já se viu em ciências sociais. Faz uma descrições exaustivas, sem transcender a realidade aparente, e chama tal descrição de análise. Claro, escreve "difícil", e isso impressiona muita gente pobre de espírito. E qual a justificativa? Proteger as ciências sociais de interferências "externas"! Chegando ao ponto de querer DEFENDER o pensamento social de seus próprios atores. Isto sim é pensar ter sangue azul. Se tiver alguma dúvida, veja o documentário "Pierre Bourdieu - a sociologia é um esporte de combate".

Neles você verá este sujeitinho se negando a falar o tema "desigualdade" no programa de uma rádio comunitária francesa, alegando que estaria fazendo política e não ciência. Verá também como ele avalia os trabalhos de seus orientandos: "quero mais páginas, mais páginas até o final do mês"!

Sobre o que você chama de "mito populista de que 'a gente já conhece o problema, falta apenas agir'”, nada melhor que Hegel:

"O temor de errar introduz uma desconfiança na ciência, que, sem tais escrúpulos, se entrega espontaneamente à sua tarefa, e conhece efetivamente. Entretanto, deveria ser levada em conta a posição inversa: por que não cuidar de introduzir uma desconfiança nessa desconfiança, e não temer que esse temor de errar já seja o próprio erro? De fato, esse temor de errar pressupõe como verdade alguma coisa (melhor, muitas coisas) na base de suas precauções e conseqüências; - verdade que deveria antes ser examinada. Pressupõe, por exemplo, representações sobre o conhecer como instrumento e meio e também uma diferença entre nós mesmos e esse conhecer, mas sobretudo, que o absoluto esteja de um lado e o conhecer de outro lado - para si e separado do absoluto - e mesmo assim seja algo real. Pressupõe com isso que o conhecimento, que, enquanto fora do absoluto, está também fora da verdade, seja verdadeiro; - suposição pela qual se dá a conhecer que o assim chamado medo do erro é, antes, medo da verdade." (Hegel - A Fenomenologia do Espírito)

Rodrigo disse...

Mas entendi sua posição. Não há intencionalidade em jogo, vivemos um caos permanente, a leia da selva, não há o que mudar. Se o pressuposto é este, não tem conversa.