domingo, 19 de agosto de 2012

Os grevistas que não amavam os livros

O texto abaixo, da lavra de Alysson Freire, mestrando em Ciências Sociais da UFRN, merece leitura e discussão. Um alerta contra a boçalidade!

Meu medo é que os grevistas, para radicalizar, passem a queimar livros...

Greve UFRN: Fechar bibliotecas é ação política?
Alysson Freire

A justiça de uma causa não faz, por conseguinte, “justos” ou “corretos” os meios empregados para atingir essa causa. Nem a concordância ou apoio a um movimento, blinda-o de críticas e questionamentos. À bem da verdade, em muitas poucas situações valem os tais “fins justificam os meios” ou “por causa do santo, beija-se o altar”. A greve é, por exemplo, um instrumento vital à serviço dos trabalhadores e de suas reivindicações, assim como importantíssimo para o próprio desenvolvimento social de uma sociedade rumo a uma maior e melhor situação de igualdade e dignidade compartilhadas. Porém, é preciso não perder de vista, quanto a sua razoabilidade, a pertinência das modalidades de ação e protesto político de que, por vezes, se valem os movimentos como estratégia de repercussão e radicalização.

Se é verdade que, por um lado, professores e alunos precisam ouvir as razões dos grevistas para sua ação radicalizada, por outro, é verdadeiro, também, que estes precisam ouvir os que se opõem a esse tipo de ação. Dialogar e negociar. Que se feche, pra debater e divulgar, a biblioteca central por um par de horas ou turno, vá lá, mas prolongar por um dia inteiro ou mais não parece sensato nem produtivo para o próprio movimento.

Por mais que se defende o direito à greve e a legitimidade das reivindicações colocadas pelo movimento dos servidores técnico-administrativos da UFRN, fechar uma biblioteca, numa cidade já carente de espaços públicos como esses, é, no mínimo, uma atitude infeliz. Que se diga logo para aqueles que, por pressa ou malícia interpretativa, que criticar um aspecto do movimento não significa desqualificá-lo em sua totalidade. A esperança, aqui, sincera, pretensiosa ou iludida, à depender de quem a compre ou rejeite, consiste apenas em contribuir para a uma postura de reflexão sobre o que fazemos.

Não se trata de ponderar quais direitos ou questões estão acima de quais outros, ou o que é, de fato, prioridade: se o direito de greve ou direito à educação, se a luta dos trabalhadores por melhorias ou o acesso à cultura/conhecimento, se o interesse coletivo ou interesse individual. Aliás, enveredar por justificativas do tipo que pressupõe, para todos os casos e situações, a superioridade do coletivo sobre o individual é algo bastante perigoso, penso; é flertar de perto com o poder cego diante de toda espécie de coletivo, e esta é uma das condições essenciais da barbárie, tal qual Theodor Adorno a entende.

Além do mais, ao obstruir o acesso a biblioteca Zila Mamede não se estar, em nome de interesses mais dignos, sociais e urgentes, apenas impedindo que alunos individualistas estudem para obter seus diplomas, passar num concurso público ou realizarem suas pesquisas – interesses, todos, diga-se, legítimos – mas impedindo a própria razão de ser de uma instituição, criada e sustentada para o livre acesso e dedicação ao estudo, ao conhecimento e seus produtos – livros, aulas, palestras etc..
Que isso aconteça por meio dum movimento interno e essencial à própria Universidade, numa instituição formada por trabalhadores à serviço da educação, torna a “estratégia radicalizada” ainda mais lamentável. Há outras estratégias de pressão mais eficazes e mais certeiras para atingir o verdadeiro alvo – o governo federal.
Afinal, creio, não é contra a educação contra o que se está lutando, nem é a cultura o inimigo. Se a educação deve, como pensava Adorno, evitar a barbárie e buscar a emancipação humana, ao se fechar uma biblioteca se está, muito mais do que chamar a atenção para as causas ou esclarecendo, na prática, a importância da ação política, contribuindo para a barbárie.

Não se trata de sustentar uma visão idealizada e romântica de livros e bibliotecas como coisas sagradas, improfanáveis, nem de afirmar que a educação restringe-se a uma questão de livros e leitura. Não, muito longe disso, pois o engajamento em movimentos políticos e sociais, a luta contra aquilo que se considera injusto, é, também, profundamente formador e emancipatório; muitas vezes bem mais do que uma dezena de livros lidos ou aulas. A questão não é essa, e a barbárie diz respeito a uma outra coisa, a um modo de agir irrefletido, insensato e insensível, que se fecha na própria identidade das ordens ou visão de mundo.

A luta dos servidores técnico-administrativos da UFRN é legítima, e a paralisação de suas atividades, além de pressionar o poder público no atendimento de suas reivindicações, produz debates e discussões que agitam as opiniões e as inteligências. É, por isso mesmo, uma experiência política educativa para os que a acompanham ou são por ela afetados de alguma forma, ainda que a contragosto. Seria leviano jogar todo o foco da crítica sobre grevistas, pois uma das raízes da greve e das ações radicalizadas é a intransigência do próprio governo que se nega a negociar. Por outro lado, seria igualmente equivocado retirar a parcela de responsabilidade que cabe aos grevistas no sentido da escolha por este tipo método de ação em vez de outro.

Portanto, quando este mesmo movimento age de modo irrefletido, automático, conduzido e movido por qualquer “razão”, “crença” ou “causa” que acredita estar acima do diferente, do contraditório, do divergente, e, por isso, sem se importar com as consequências de sua ação sobre aqueles, que por seus motivos ou indiferença, não enchem suas fileiras ou não compartilham de sua identidade, ele perde algo de essencial a toda ação política; a capacidade de autorreflexão, o agir ciente e sensível às próprias responsabilidades e consequências da ação. É nisso em que o movimento grevista, quer queira ou aceita ou não, ajuda a produzir a barbárie no seio do lugar onde se deveria, em tese, formar as principais armas contra esta.

8 comentários:

Anônimo disse...

Alysson,
Fazia tempo que não lia um texto de argumentação burguesa tão reacionário quanto este.
Quer dizer que os alunos da pós, tão atentos a internet agora estão incomodados com o fechamento da biblioteca em nome de uma causa coletiva? sobretudo que este movimento no caso da UFRN parte da categoria menos considerada na tríade acadêmica (os técnicos)?
Você defende que a greve deve existir, desde que a biblioteca esteja aberta para que você, grande pesquisador, possa acessar os modernos e atualizados livros?
não me faça rir.
Que tal ser mais franco em sua argumentação?
A GREVE É FORTE E VOCÊ COMO FORMADOR DE OPINIÃO PRECISA REVER SEUS CONCEITOS DE CIDADANIA.

Edmilson Lopes Júnior disse...

Grande Alysson,
ao que parece, incomodastes alguém. Isso é bom. Análise que não incomoda, sabemos, não interessa.
"Argumentação burguesa e reacionária"? Putz! Não é descabido, então, o meu medo de que esses "combativos" partam para queimar os livros...
Essa gente odeia a diferença e quem lê não segue a manada.

Edmilson.

Carta Potiguar disse...

Valeu, Edmilson pela força! Adorei o título, bem melhor, e afiado, que o meu.

Quanto ao comentário do prezado anônimo, penso que só confirma uma das críticas do texto: enquadrar os interesses contrários, reduzindo-os a rótulos pejorativos(individualismo, reacionários, entre outros), como uma forma de condená-los e descartá-los de qualquer valor ou legitimidade política, para que, assim, não sejam levados em consideração.

Se, no interior de uma instituição de pesquisa e educação, mantida publicamente pra tal finalidade, estudar não for uma "causa" ou um "interesse coletivo", das duas uma: ou há algo de profundamente equivocado em nosso entendimento sobre o que é uma universidade ou o escopo do que chamamos de "interesse coletivo" estreitou-se bastante, tornando-se volátil segundo as conveniências do freguês - e não burguês, que fique claro, rs. Abraços

Alyson Freire

Anônimo disse...

professor, o sr. já esteve em melhor estilo. Mas partidarismo e perda de independência é um caso sério...é lamentável ver o sr, com um blog de "sociologia" e política, se comportando dessa forma. Na falta de argumentos, para esconder a sua parcialidade, recorre ao deboche (embora possa pensar que é ironia), e ainda vem falar que é análise... é panfleto mesmo a favor de conveniências. Defesa de diversidade? Com o desrespeito de panfleto debochado?! conta outra... siga assim, para ver se o sr torna-se conhecido como o Emir Sader da província... aproveite então e poste alguma coisa sobre o julgamento do mensalão, que, olhando seu blog de "sociologia" e política, é como se não estivesse ocorrendo... apenas poste, porque o conteúdo, já se sabe o que vai ser

Edmilson Lopes Júnior disse...

Hummm! As greves sem limites razoáveis estão provocando o contrário do que pretendiam os seus promotores. Trata-se de algo a analisarmos com objetividade.

Edmilson Lopes Júnior disse...

Não! Não fujo de determinados temas. Pelo contrário, até já escrevi, e muito, sobre o mensalão. Até já escrevi um artigo, que foi publicado na revista MEDIAÇÕES. Tenho também um paper, que foi apresentado na SBS. Ah! E outro, na ANPOCS. Dê uma busca aí no google e confira.
Um abraço,

Edmilson

Edmilson Lopes Júnior disse...

Mas, "anônimo", se para defenderes um ponto de vista deves desqualificar não os argumentos oponentes, mas o próprio oponente, acho, deves começar a repensar os seus pontos de vista...

Edmilson Lopes Júnior disse...

Mas, "anônimo", se para defenderes um ponto de vista deves desqualificar não os argumentos oponentes, mas o próprio oponente, acho, deves começar a repensar os seus pontos de vista...