quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Homenagem do NUSMER à Cecile Raud

Transcrevo abaixo nota publicada no site do NUSMER (Núcleo de Estudo Sociológico dos Mercados) em homenagem à Cecile Raud.

Cécile Raud nos deixou há uma semana. No seu lugar fica a tristeza da perda de uma amiga, orientadora e professora absolutamente dedicada, mas, permanece também sua valiosa contribuição para as Ciências Sociais no Brasil.

Chegou ao Brasil com seu orientador, Ignacy Sachs, para estudar o modelo catarinense de desenvolvimento e entender de que forma pequenos empreendimentos, se interconectados, podem produzir grandes resultados econômicos no sentido de emprego e distribuição de renda. Logo após o término de seu doutorado na França ela se torna docente da UFSC no curso de Ciências Sociais e inicia sua trajetória de pesquisa no país a qual inclui, nesta primeira fase, a publicação dos resultados da tese em “Indústria, Território e Meio Ambiente no Brasil” editado pela UFSC em parceira com a FURB em 1999. Além desta publicação, vários capítulos em livros sobre o mesmo tema e a organização de um livro na França em parceria com Leila Dias “Villes et régions au Brésil” por L'Harmattan em 2000.

Cécile amava o sol, o mar e as belezas do Brasil. Para usufruir delas, ela escolheu em Florianópolis um lugar para moradia onde era possível ver o mar, o continente e a ilha ao mesmo tempo. Este ponto de vista privilegiado acompanhou também seus trabalhos, em particular do período seguinte, uma fase teórica. Em 2002/2003 ela vai estudar com Philippe Steiner, uma das maiores autoridades em Sociologia Econômica, na França. Foi no retorno deste estágio pós-doutoral que Cécile iniciou sua trajetória nesta área. Com uma preocupação constante quanto ao ponto de vista sociológico sobre os mercados, ela escreve dois artigos. O primeiro deles, publicado na Revista Brasileira de Ciências Sociais, foi uma análise da dimensão social dos mercados em Durkheim e Weber. Contra a leitura aceita de então de que a Nova Sociologia Econômica seria inovadora no sentido de analisar sociologicamente o mercado fora dos fundamentos da ciência econômica, Cécile mostra como este exercício já estava presente na Sociologia Econômica clássica. O segundo artigo foi uma análise crítica da obra de Mark Granovetter, autor que cunha o termo Nova Sociologia Econômica, publicada pela revista Política e Sociedade.

Seu compromisso e interesse pela Sociologia Econômica conquistaram vários alunos, alguns dos quais foram parceiros na criação do Núcleo de Estudos Sociológicos dos Mercados (NUSMER), fundado pela Professora em 2006. Ela organizou também, junto com Roberto Grün e Ricardo Abramovay, um Grupo de Trabalho na ANPOCS sobre Sociologia Econômica e que lá permaneceu de 2004 até sua quarta versão em 2007, tendo recebido textos de pesquisadores de diversos estados brasileiros e de outros países. Era sua preocupação, também, os rumos e as condições para a pesquisa em ciências sociais no Brasil. Por este motivo ela participou como membro do Comitê Qualis da Capes em 2007 e também defendia que a Sociologia Econômica conquistasse o status de área principal e saísse do canto escuro das “outras sociologias específicas” na plataforma Lattes.

Cécile foi uma das pesquisadoras que respondeu ao convite de Roberto Grün para criação de uma rede de pesquisadores em Sociologia Econômica no Brasil. Dentro desta rede dois eventos dedicados ao tema foram realizados pelo NUSMER na UFSC, em 2007 e 2009. Ela foi membro do corpo editorial da revista Política e Sociedade e apresentou neste periódico, junto com outros colegas, dois dossiês com textos dedicados à Sociologia Econômica. O primeiro, de 2005, convidava os pesquisadores para uma análise sociológica dos fenômenos econômicos, e o segundo em 2009, constata a frutificação deste empreendimento também no Brasil.

No ano de 2007 ela iniciou pesquisas empíricas com o aporte da Sociologia Econômica. A primeira delas foi uma análise da construção social do mercado de cinema no Brasil. Aceitou no mesmo ano o convite para participar do projeto conjunto de pesquisa sobre o consumo verde em mercados alimentares globalizados sob coordenação de Julia Guivant na UFSC e Gert Spaargaren da Universidade de Wageningen na Holanda. Cécile realizou um estagio pós-doutoral na Holanda em 2008 o qual resulta em um artigo sobre a construção do mercado de alimentos funcionais no Brasil numa comparação com o mercado da Holanda, publicado pela Política e Sociedade.
Estava preparando para publicação dois novos artigos, um deles sobre alimentos funcionais e a atuação da indústria alimentar na construção das regras do setor e o segundo sobre o mercado de cinema brasileiro e a atuação do Estado como mantenedor da vocação do cinema nacional e sua suposta brasilidade. O esboço deste último seria apresentado na ANPOCS em 2009.
Cécile sempre foi defensora do bem público e da produção coletiva. Sem sombra de dúvida deixou sua contribuição e sua marca para a consolidação da Sociologia Econômica no Brasil. Cabe a nós, que participamos mais de perto ou mais distante deste empreendimento, dar continuidade a ele.

A morte de Cecile e essa dor que invade a alma

O Marcelo Carneiro, querido amigo, professor da UFMA, acabou de passar a triste mensagem: morreu, terça-feira da semana passada, em Florianopólis, Cecile Raud.

Cecile era professora da UFSC e uma das principais animadoras do campo da sociologia econômica no Brasil. Eu a conheci em um dos encontros da ANPOCS. Intelectual brilhante e uma figura humana cativante, Cécile conseguia articular personalidades diversas para produzir um bom e produtivo debate. A encontrei pela última vez em maio passado, no Seminário Nacional sobre Sociologia Econômica.

Hoje é um dia de luto para todos nós que a conhecemos e que a admirávamos tanto. Leia abaixo a nota da agência de comunicação da UFSC.

Cecile era francesa de nascimento e faleceu na tarde desta terça-feira, dia 27, em Florianópolis. Integrava o corpo docente do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC.
Autora de primeira grandeza da Sociologia Econômica no Brasil, seus temas de estudo eram Estado, Mercado, Empresariado e Sistema Financeiro, Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural e Urbano.


Coordenava o Núcleo de Estudos Sociológicos do Mercado (Nusmer) www.nusmer.ufsc.br e integrava o corpo docente da Pós-graduação em Sociologia Política (PPGSP). Também era pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar em Sustentabilidade e Redes Agroalimentares.
Graduou-se em Ciências Econômicas e Comerciais pela École Supérieure des Sciences Economiques et Commerciales (ESSEC), França, onde também obteve o mestrado. Seu doutorado foi em Sociologia do Desenvolvimento pela École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS), França.


Fez dois Pós-Doutorados: em Sociologia, na Université de Paris IX, Paris-Dauphine (U.P. IX), França, e em Sociologia Econômica e Política, na Wageningen University (WUNI), Holanda.

Fonte: Agecom/UFSC

A empregada doméstica da intelectual foucaultiana

Há um ano, mais ou menos, postei o texto abaixo. Senti vontade re-publicá-lo. Não me perguntem ainda o porquê.

Sempre me indignei com a forma como são tratadas as empregadas domésticas no Brasil. Não raras vezes, em visitas, perco toda a alegria quando vejo como os meus anfitriões tratam suas empregadas. Nessas visitas, cada vez mais raras hoje em dia, devo confessar, estou diante de gente da dita classe média intelectualizada, os tais "formadores de opinião". É uma gente que me diverte pacas... Eles e elas não conseguem manter uma conversa por mais de dez minutos sem tomar Foucault ou Bourdieu como muletas para assestar os comentários mais banais possíveis sobre o mundo social. Geralmente, afirmações marcadas pelo etnocentrismo de classe...

Mas são esses seguidores de Foucault e Bourdieu (estes devem se revirar na tumba quando seus nomes são usados...) que gritam e fazem exigências descabidas às suas empregadas. Outras vezes, na aula de ballet de minha filha ou em algum restaurante aqui de Natal, vejo como os pimpolhos da classe média são mimados (e os pais a exigir que assim seja e assim continue a ser...) e tratam as empregadas. Nessas situações, o amargo sobe à garganta e uma desesperança erosiva quer adentrar na minha alma.

Estou exagerando? Dê uma volta nos ambientes chiques da capital da província da esquina do Atlântico... Um simples passeio em um dos Shoppings de Natal pode lhe fornecer material para duas teses de doutorado sobre o lugar da empregada doméstica na vida social brasileira... Lá, você vai ver moças e rapazes bem nutridos e bem vestidos, de braços dados, caminhando felizes como em um comercial de pasta de dente, e, logo atrás, com roupas humildes, uma adolescente negra ou mestiça, carregando um rosado e rechonchudo bebê... filho do casal da vanguarda... E o casal sentar-se-á em um dos cafés e ficará horas tagarelando sobre o aquecimento global ou, o que é pior, o conceito de habitus, enquanto a empregada limpa o cocô ou dá comida ao filhinho dos dois.

O perfil do curso de Ciências Sociais da UFRN

Terça-feira passada, dia 03 de novembro, a Coordenação do Curso de Ciências Sociais da UFRN promoveu, nos dois turnos (manhã e noite), um debate sobre os resultados preliminares de uma pesquisa feita pelo Grupo PET (Programa de Educação Tutorial) a respeito do perfil dos estudantes e das suas avaliações e expectativas em relação ao curso. Há tempo não participava de uma atividade tão interessante e produtiva!

A pesquisa foi realizada sob a minha coordenação e, assim que possível, postarei aqui o material apresentado na terça. Mas mais interessante do que o que conseguimos produzir foi mesmo o debate entre professores e alunos. Em cada uma das sessões, no mínimo, trinta intervenções. Muitas delas com críticas consistentes e proposições criativas em relação à graduação em Ciências Sociais da UFRN.

Maravilha!

Para compreender Lévi-Strauss


Acesse aqui uma edição especial da revista Sciences Humaines (em francês) dedicada a análise da obra de Lévi-Strauss. Vale a pena conferir!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Esses olhos...


Ela é uma partidária do candidato derrotado nas últimas eleições iranianas. Estas, ao que parecem, foram tungadas pelo proto-fascista que já ocupa a presidência. O dito cujo, vejam só!, será recebido no Brasil, ainda neste mês de novembro, com todas as honras de chefe de Estado.

Morre Lévi-Strauss


A morte de Lévi-Strauss, ocorrida no domingo passado e comunicada ontem pela família, marca o fim de uma era. A era dos grandes cientistas sociais. Lévi-Strauss, de longe, foi o nome mais marcante do campo na segunda metade do rico e complexo século XX. Confira, aí abaixo, matéria publicada na edição online do Jornal do Brasil de hoje a respeito dessa perda.


Morre Lévi-Strauss, um dos maiores pensadores do século XX

Luísa Côrtes

Jornal do Brasil



PARIS - - Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele.


O mundo ainda não chegou ao fim, mas já sofre a perda de um dos mais respeitados pensadores do século XX, autor da frase citada. O antropólogo e filósofo francês Claude Lévi-Strauss faleceu na madrugada de sábado para domingo, na França, e deixou, além de obras essenciais para as ciências sociais - como “Tristes Trópicos”, “O cru e o cozido” e a série “Mitológicas”- ideias críticas ao etnocentrismo ocidental.


Ao contrário do que muitos pensam, Strauss não é natural da França. Filho de intelectuais franceses de origem judaica, Claude nasceu em Bruxelas, na Bélgica, em 1908. Ainda criança se mudou para a França, onde, mais tarde, estudou Direito e Filosofia na Universidade de Sorbonne, em Paris. Lévi-Strauss fez parte do círculo intelectual de Jean Paul Sartre, e comandou por mais de vinte anos o departamento de Antropologia Social no College de France, onde ficou até se aposentar, em 1982.


Além da importância internacional, Lévi-Strauss também foi essencial para o desenvolvimento do pensamento brasileiro. Foi um dos fundadores do departamento de Ciências Sociais da ainda recém-fundada Universidade de São Paulo (USP), onde lecionou entre os anos de 1935 e 1939. A contribuição com a formação intelectual do Brasil foi respondida à altura, por uma experiência que marcou toda a vida de Lévi-Strauss: foi aqui que o pensador iniciou seu estudo sobre os índios, despertando sua vocação para a antropologia.


Em diversas viagens ao interior do Brasil, ao norte do Paraná, à Goiás e ao Mato Grosso, Lévi-Strauss passou pela primeira experiência de conviver diariamente com tribos indígenas. O relato dessa exploração por terras brasileiras transformou-se no livro “Tristes Trópicos”, de 1955, que lançou o pensador à fama. A obra foi encomendada pela editora francesa Plon para fazer parte de uma série etnográfica chamada “Terra humana”. Lévi-Strauss se destacou e escreveu uma obra de arte, segundo os críticos, que se diferencia de um relato erudito, por representar a alma do autor.


Lévi-Strauss também é considerado o pai do estruturalismo, corrente intelectual que ajudou a compor, por meio da reunião do método estrutural e da psicanálise, e que buscava a interpretação dos mitos, a descoberta dos sistemas de pensamento e o entendimento sobre o funcionamento social. Para a elaboração do novo conceito, ele contou com um fundamental encontro com o lingüista americano Roman Jakobson, que estimulou Lévi-Strauss a se debruçar sobre os fenômenos humanos, como o parentesco.


Seguindo o conselho de Jakobson, Lévi-Strauss lançou o seu primeiro livro de grande projeção, "As Estruturas Elementares do Parentesco", publicado em 1949. A obra afirma que o "parentesco" - interpretado como regras de aliança, filiação e residência - está no centro da Antropologia, que estuda o homem em sua dimensão social.


A obra de Strauss é referência em todas as escolas de ciências humanas ao redor do mundo. A importância do antropólogo também já foi reconhecida diversas vezes: em 1973, o pensador foi eleito membro da Academia Francesa; fez parte, ainda, da Academia Nacional de Ciências do Estados Unidos, da Academia Americana e do Instituto de Artes e Letras, todos no Estados Unidos. Além de todos esses méritos, Lévi-Strauss era doutor "honoris causa" em diversas universidades, como nas de Bruxelas, Montreal, Oxford, Chicago, Québec e Autônoma do México. Ele, que afirmava que "o homem é uma espécie passageira que deixará apenas alguns traços de sua existência quando estiver extinta", se enganou. O pensador é uma espécie de homem que deixa muitas palavras, imagens, livros e ideias que estarão presentes eternamente.